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Conforme referi no texto anterior, transcrevo a cópia da carta escrita por D. Sebastião a João de Mendonça, em 1576, onde explica claramente a sua preocupação com a presença turca no Reino de Fez (Marrocos), e o que essa ameaça poderia significar primeiro para as fortalezas portuguesas, e depois, através de Ceuta, como porta de entrada turca na Península Ibérica, considerando ainda que em Portugal e Espanha residia (... à época) "a maior e a melhor" potência da Cristandade.

Claro que mesmo tudo isto não justificaria a deslocação pessoal do Rei à "mouraria", e nota-se aqui a junção de mais um pretexto de cavaleiro para encontrar a batalha. Enquanto do lado do seu tio Filipe II, vemos os pretextos de diplomata para a evitar.
No entanto, essa tinha sido a tradição da dinastia de Avis, começada em Ceuta. 

No romance do vencedores, não houve censura à aventura de Ceuta, do Rei D. João I, levando os seus três filhos primogénitos. Afinal, foi vitoriosa.
Mesmo terminando mal o episódio de Tanger, com a morte em cativeiro do Infante D. Fernando, a decisão do Infante D. Henrique, de trocar o seu lugar de prisioneiro com o seu irmão, não manchou a sua imagem. Para escusar de si a condenação fraterna, o irmão passou a mártir da fé, a Infante Santo. Afinal, Henrique estava do lado vencedor do romance histórico. 
Esse romance para os seus fins não olha a meios e esquece os princípios. 
Da mesma forma, Afonso V nas suas aventuras africanas, acompanhando-se nelas do único príncipe sucessor, D. João II, não vemos ninguém criticar o perigo de sucessão. Afonso V foi vencedor.
Com D. Manuel já foi diferente e ninguém viu o "César Manuel" em nenhuma batalha. Em seu nome teve Francisco de Almeida, Afonso de Albuquerque, etc. Igual atitude prudente tomou D. João III, que aliás perdeu algumas das praças marroquinas, como seja a emblemática Arzila.

Por isso, D. Sebastião, indo pessoalmente à Jornada de África, sem cuidar dos sucessores, estava a terminar a aventura africana de forma semelhante como D. João I tinha feito, e especialmente D. Afonso V. Não igualou o Infante D. Henrique na expedição a Tanger, que se salvou condenando o irmão. Poderá ter sido esse "espírito vitorioso", de troca de vencidos por vencedores, que determinou quem contou a história. Ficar mal contada... foi um detalhe que se resolveu depois, e fora disso ficaram-nos as Larachas (cidade), os Loucos (rio), e os Malucos (Mulei).

_________________________________________________

Cópia da carta original d'el Rey D. Sebastião 
a João de Mendonça sobre a Jornada de África.

João de Mendonça amigo.
Por cartas de D. Duarte de Menezes, meu capitão em Tanger soube como Muley Moluc tio do Xarife entrara em Fez e com 8 ou 9 mil turcos (que de Argel trouxera consigo por ordem e mandado turco), e com muitos mouros que com ele se juntaram, desbarataram o Xarife, o qual se retirara a Marrocos. E Muley Moluc fora pacificamente recebido por Rey e Senhor de Fez.
E por estas novas serem da qualidade e importância que vedes e podeis considerar, me pareceu fazer-vos-las logo a saber. Confiando de vós e de vossa prudência, fareis nelas aqueles discursos que convém, assim para o que eu devo acerca disto ao presente mandar fazer, como já me prevenir, e ordenar, para o que ao diante pode suceder. E que é razão e sigo que se cuide, e espere de inimigos tão vizinhos aos meus lugares, e tão poderosos e de tanta indústria, e experiência nas coisas de guerra, como são os Turcos, mormente considerando da vinda deles a Fez. Não é somente para dar a posse daquele Reino ao tio do Xarife, mas principalmente com o fundamento de o fazerem tributário e vassalo do Turco, e o Turco se fazer Senhor de toda África, e de todos os portos de mar dela, tendo em cada uma delas muitas galés que lhes será fácil de pôr em efeito. Assim, pela natureza da mesma terra, como por seu grande poder, que quando assim acontecesse, o que Deus não permita, visto é quantos males sem remédio 

poderiam recrescer a toda espanha, que da Cristandade se pode dizer que é hoje a melhor e maior parte, e com este intento queria que não somente cuidareis nesta matéria e a discorrereis para me nela dardes parecer e conselho no que farei e devo fazer, nas novas e acidentes presentes, mas ainda naquele que em tão propícia potência estarão de poder ao diante acontecer. E também quero que saibais o que agora ordenei de logo, que é mandar prosseguir a fortificação naqueles meus lugares, e provê-los de mantimentos e munições, e reforçar, e apressar minhas armadas, e aperceber gente em algumas comarcas do Reino.
Mas tudo isto não descansa, nem deve tirar, nem aliviar este cuidado, que obriga a começar a aperceber de logo para tudo o que pode suceder. E eu espero na misericórdia de Nº Srº, que receberemos dele, quando assim de nossa parte nos dispusermos, tamanhas e tão grande vitórias, que receba de nós os serviços, que lhe eu muito desejo fazer, não somente na defesa de sua fé, mas também da ampliação dela. E muito vos encomendo que me respondais logo a esta carta, e por certo tenho que será tal a resposta como de vós espero e confio, e do mais que suceder terei lembrança de vos avisar. 

Escrita em Setuval, a 24 de Abril de 1576
Rey

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 06:59

Conforme referi no texto anterior, transcrevo a cópia da carta escrita por D. Sebastião a João de Mendonça, em 1576, onde explica claramente a sua preocupação com a presença turca no Reino de Fez (Marrocos), e o que essa ameaça poderia significar primeiro para as fortalezas portuguesas, e depois, através de Ceuta, como porta de entrada turca na Península Ibérica, considerando ainda que em Portugal e Espanha residia (... à época) "a maior e a melhor" potência da Cristandade.

Claro que mesmo tudo isto não justificaria a deslocação pessoal do Rei à "mouraria", e nota-se aqui a junção de mais um pretexto de cavaleiro para encontrar a batalha. Enquanto do lado do seu tio Filipe II, vemos os pretextos de diplomata para a evitar.
No entanto, essa tinha sido a tradição da dinastia de Avis, começada em Ceuta. 

No romance do vencedores, não houve censura à aventura de Ceuta, do Rei D. João I, levando os seus três filhos primogénitos. Afinal, foi vitoriosa.
Mesmo terminando mal o episódio de Tanger, com a morte em cativeiro do Infante D. Fernando, a decisão do Infante D. Henrique, de trocar o seu lugar de prisioneiro com o seu irmão, não manchou a sua imagem. Para escusar de si a condenação fraterna, o irmão passou a mártir da fé, a Infante Santo. Afinal, Henrique estava do lado vencedor do romance histórico. 
Esse romance para os seus fins não olha a meios e esquece os princípios. 
Da mesma forma, Afonso V nas suas aventuras africanas, acompanhando-se nelas do único príncipe sucessor, D. João II, não vemos ninguém criticar o perigo de sucessão. Afonso V foi vencedor.
Com D. Manuel já foi diferente e ninguém viu o "César Manuel" em nenhuma batalha. Em seu nome teve Francisco de Almeida, Afonso de Albuquerque, etc. Igual atitude prudente tomou D. João III, que aliás perdeu algumas das praças marroquinas, como seja a emblemática Arzila.

Por isso, D. Sebastião, indo pessoalmente à Jornada de África, sem cuidar dos sucessores, estava a terminar a aventura africana de forma semelhante como D. João I tinha feito, e especialmente D. Afonso V. Não igualou o Infante D. Henrique na expedição a Tanger, que se salvou condenando o irmão. Poderá ter sido esse "espírito vitorioso", de troca de vencidos por vencedores, que determinou quem contou a história. Ficar mal contada... foi um detalhe que se resolveu depois, e fora disso ficaram-nos as Larachas (cidade), os Loucos (rio), e os Malucos (Mulei).

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Cópia da carta original d'el Rey D. Sebastião 
a João de Mendonça sobre a Jornada de África.

João de Mendonça amigo.
Por cartas de D. Duarte de Menezes, meu capitão em Tanger soube como Muley Moluc tio do Xarife entrara em Fez e com 8 ou 9 mil turcos (que de Argel trouxera consigo por ordem e mandado turco), e com muitos mouros que com ele se juntaram, desbarataram o Xarife, o qual se retirara a Marrocos. E Muley Moluc fora pacificamente recebido por Rey e Senhor de Fez.
E por estas novas serem da qualidade e importância que vedes e podeis considerar, me pareceu fazer-vos-las logo a saber. Confiando de vós e de vossa prudência, fareis nelas aqueles discursos que convém, assim para o que eu devo acerca disto ao presente mandar fazer, como já me prevenir, e ordenar, para o que ao diante pode suceder. E que é razão e sigo que se cuide, e espere de inimigos tão vizinhos aos meus lugares, e tão poderosos e de tanta indústria, e experiência nas coisas de guerra, como são os Turcos, mormente considerando da vinda deles a Fez. Não é somente para dar a posse daquele Reino ao tio do Xarife, mas principalmente com o fundamento de o fazerem tributário e vassalo do Turco, e o Turco se fazer Senhor de toda África, e de todos os portos de mar dela, tendo em cada uma delas muitas galés que lhes será fácil de pôr em efeito. Assim, pela natureza da mesma terra, como por seu grande poder, que quando assim acontecesse, o que Deus não permita, visto é quantos males sem remédio 

poderiam recrescer a toda espanha, que da Cristandade se pode dizer que é hoje a melhor e maior parte, e com este intento queria que não somente cuidareis nesta matéria e a discorrereis para me nela dardes parecer e conselho no que farei e devo fazer, nas novas e acidentes presentes, mas ainda naquele que em tão propícia potência estarão de poder ao diante acontecer. E também quero que saibais o que agora ordenei de logo, que é mandar prosseguir a fortificação naqueles meus lugares, e provê-los de mantimentos e munições, e reforçar, e apressar minhas armadas, e aperceber gente em algumas comarcas do Reino.
Mas tudo isto não descansa, nem deve tirar, nem aliviar este cuidado, que obriga a começar a aperceber de logo para tudo o que pode suceder. E eu espero na misericórdia de Nº Srº, que receberemos dele, quando assim de nossa parte nos dispusermos, tamanhas e tão grande vitórias, que receba de nós os serviços, que lhe eu muito desejo fazer, não somente na defesa de sua fé, mas também da ampliação dela. E muito vos encomendo que me respondais logo a esta carta, e por certo tenho que será tal a resposta como de vós espero e confio, e do mais que suceder terei lembrança de vos avisar. 

Escrita em Setuval, a 24 de Abril de 1576
Rey

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publicado às 06:59

Se Ceuta foi Seta, ou lança, de entrada em África, a Laracha foi "Tiro de saída".

Tendo visto a compilação dos manuscritos sobre D. Sebastião, que indiquei antes, prossigo com algumas transcrições interessantes, aí encontradas. Embora agora não sejam "Pela mão de Sebastião", seguem o espírito.

De diversos textos que fui escrevendo sobre D. Sebastião, o que me parece mais completo será o Peça por Peça, ainda que não se inclua aí larachas ou bulas de pretendentes, mas o caso do Maluco, depois escrito Moluco, está presente desde o início. E essa brincadeira de nomes já teve o seu preço.

Bom, e há sempre "coisas estranhas" a juntar ao rol.
Encontram-se duas relações da batalha, escritas quase uma em cima da outra, e de certa forma pretendendo a relação marginal ser um complemento à principal.

Interessa-me aqui a parte final do relato principal:
Neste tempo vendo El Rey que estava na vanguarda o seu campo desbaratado, se veio recolhendo pela banda do Duque de Aveiro, e o seguiu alguma gente de cavalo e a pé, cuidando que ia fazendo uma ponta para volver sobre os mouros, viu o campo já tão desbaratado que se retirou. Durou a batalha quatro horas sem se declarar a vitória.
relato que assim termina, apresentando-se apenas depois a disposição do exército de D. Sebastião:

Disposição do exército de D. Sebastião, na Batalha de Alcácer Quibir.
(nota: "SV mouros" - podem ser 5 mil ou 8 mil mouros)
A frente de batalha é para a direita, e a disposição é explicada no relato.
Nota: O relato não menciona as carruagens de religiosos, mas menciona os "bisonhos" que não seriam gente de combate. O desenho é feito por quem transcreve, e certamente a logística própria do tempo implicaria carruagens e religiosos... que certamente aumentariam a confusão. 
Tudescos é outro nome para alemães, e os Aventureiros eram soldados experimentados em batalhas no Oriente.

Ora, a questão é - por que razão o relato do "cativo" acaba assim:
"... a batalha terminou sem se declarar a vitória"?

O outro relato marginal também não fala de nenhuma "derrota" ou vitória alheia... e apenas termina com a notícia da morte do Maluco.

Transcrevo os documentos integralmente. É claro que dada a caligrafia e ortografia da época podem ocorrer algumas falhas, mas não me parece que sejam muitas, ou muito significativas. É claro que isto não deveria ser feito por mim, mas à falta de outros... é quem fica para o fazer.

Dificilmente se encontrará melhor relato "imparcial" do que sucedeu... do que não sucedeu, isso temos variados ou avariados, uns mais pintados que outros.
É claro que o relato não explica o que se passou depois da batalha terminar sem vitória para nenhum lado. Nem explica como o "cativo que fala" ficou afinal cativo... ou como tanta gente ficou cativa, e depois regressou, pagando bom preço pelo seu retorno. Explica os mortos, mas não os vivos.

Percebe-se sim que Maluco esperava o confronto num ponto estratégico, na travessia do Rio Loucos que iria dar à Laracha. Pior, nota-se que os portugueses ignoravam o poder de artilharia de Maluco, e que sendo isso normalmente o factor decisivo para a vitória das tropas europeias, foi ali invertido. Maluco tinha o apoio directo dos Turcos, e essa foi a única razão para intervenção de D. Sebastião em África.
Trarei outra carta que explica isso "pela sua mão".
Quis assim parar a ameaça de invasão turca que avançara já por Argel, Tunis e Tripoli, faltando só apoderar-se dos reinos de Marrocos, e consequentemente das lanças nacionais em África, terminando em Ceuta.
Daí prosseguiria o Grão Turco com a ameaça de invasão ibérica, reeditando a invasão de 711. Para isso contava com todos os Andaluzes desterrados em África, prontos para regressar e refazer o reino ibérico de Granada dos seus avós, perdido então há menos de cem anos.
Portanto, toda a intervenção de D. Sebastião naquele momento tem um nexo, tem o nexo de querer evitar que hoje falássemos árabe. Tanto mais que, se Marrocos acabou por não sofrer invasão turca, o deveu muito à Batalha de Alcácer Quibir. Do outro lado da Europa, os turcos já tinham cercado Viena, e portanto estes eram os dois focos de pressão na expansão turca em direcção à Europa... conforme se pode ver pelo mapa:

Entender que o projecto de D. Sebastião era "maluco", foi pintura posterior, porque não havia apenas o acordo nacional aprovado em Cortes, havia o apoio de tropas germânicas, que sentiam a ameaça turca, a descoberto pelo lado de Viena. Quanto aos espanhóis e italianos, comparativamente menos, tinham o mesmo problema. A vitória de Lepanto só "aparara a barba ao Paxá"...
A única coisa de estranhar seria mesmo a falta de empenho de Filipe II, talvez lembrado pelo pai Carlos V, que em Tunis tinha apanhado com tiros de canhão franceses pelo lado turco.

Há um número de "80 mil cavaleiros" que me parece claro exagero ou simples erro de transcrição, mas é claro que a expedição em terreno hostil tinha tudo para correr mal, não fosse a experiência portuguesa nas praças marroquinas. Por isso a escolha de D. Duarte de Menezes, de Tanger, para liderar o campo... mas conforme é descrito, o campo esteve tão desorganizado que de "Mestre de Campo" só teria o nome. Esse mesmo sobreviveria à batalha e seria depois Vice-Rei da Índia, nomeado por Filipe II.

Segue o texto...
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Relação da Batalha de Alcácer 
que mandou um cativo ao Dr. Paulo Afonso


Relação da Batalha de Alcácer que mandou um cativo ao Dr. Paulo Afonso.
E em nota marginal "Relação de Simão da Cunha" (pdf - pág. 144)
Novas da guerra, nem de nossas desventuras não tenho por que me "entremeter" nisso, porque creio que V. aí terá lá sabido melhor todos os sucessos de cá. O que direi só é que a gente de infantaria que El Rey trazia seriam até 16 mil, destes seriam até 10 mil piqueiros pelos quais se pode dizer que morreram mártires, dos 6 mil arcabunzeiros, os 3 mil eram bisonhos, só assim 3 mil arcabunzeiros souberam pelejar. Da gente a cavalo seriam até 1600, dos quais poderiam ficar limpos para pelejar até 900.

Esta gente de cavalo repartiu El Rey segunda-feira que foi a 4 de Agosto, que foi o dia da batalha, de 78. Ao Duque de Aveiro deu 300 de cavalo, e lhe deu a mão direita da batalha, El Rey se pôs da esquerda, por ficar encontrado com o inimigo, que vinha da parte direita. Deu a D. Duarte de Menezes, que trazia nome de Mestre do Campo, os cavaleiros de Tanger, que seriam 300, e o mandou à mão direita na dianteira do Duque de Aveiro. 
O Xarife [aliado] se pôs com obra de 250 lanças suas, muito boa gente, à mão direita do Duque de Aveiro, afastado dos Nossos, e chegado aos inimigos com obra de 200 arcabunzeiros, gente de guerra, porque pelejaram muito valorosamente.
Os Aventureiros, que seriam 2300, deu a Cristovão de Távora, que ia ora vanguarda, por lhe parecer com boas disposições, e armas lustrosas bastavam ao inimigo. Da mão direita estavam os Tudescos, da esquerda os espanhóis e italianos. A nossa artilharia plantaram diante no meio da Vanguarda, diante dos arcabunzeiros. Detrás dos espanhóis puseram no corpo da batalha o Terço de 

Vasco da Silveira, da mão direita, da mão esquerda o de Lopo de Sequeira, e na retaguarda da mão direita estava o Terço de Francisco de Távora, e na esquerda o de Miguel de Noronha. Na boca desta retaguarda estavam dois esquadrões de mosqueteiros para não nos entrar o inimigo. Tinhamos por uma parte e outra as Carretas, e quatro ou cinco arcabunzeiros em cada uma.
Ao domingo nos alojámos meia légua donde demos a batalha, tivemos este dia escaramuça com os Mouros, e se no domingo não pegaram connosco para dar batalha, foi porque nos tinham certos, e sabiam que à segunda-feira, havíamos de ir buscar o passo que era o Rio, que estava perto de Alcácer, onde estava o Maluco com sua artilharia de campo prantada e todo entrincheirado, ali tinha toda a força da batalha, e como sabia que forçado havíamos de demandar este passo, trincheirou-se e fortificou-se devagar. O irmão que agora é Rei, nos correu domingo com 8 ou 10 mil lanças, dos quais à segunda-feira se passaram da nossa parte 500, que nos depois foram todos traidores.
À segunda-feira pela manhã abalamos o campo nesta ordem sem parecer que podíamos pelejar, e sobretudo mortos de fome e haver 5 dias que se não bebia vinho, e afirmo a V. aí que ao Domingo ficou o nosso arraial triste, porque vimos muita forma de Mouros que nos rodeavam de todas as partes.
Segunda-feira pela manhã começámos a marchar todos nesta ordem, mas como digo todos enfadados e tristes, porque sabíamos de certeza que estava ali o Maluco com grossa gente para nos dar batalha, que assim afirmo então a V. aí que tão bisonho estava o nosso campo que não sabíamos parte do Maluco nem da batalha. Na segunda-feira às 7 horas se abalou o campo e começámos de marchar.
Neste tempo soube El Rey que estava o Maluco dali meia légua no passo por onde havíamos de passar. Dizem que lhe mandou um recado, e que ele lhe mandara dizer que ali o estava esperando onde o fomos buscar, e antes que chegássemos a tiro de bombarda, ficámos todos cercados de Mouros, e assim fomos marchando até chegar ao Maluco, tanto espaço como do Corpo Santo até à Cruz de Cata que farás, donde o Maluco começou a disparar sua artilharia que era muita, e muito mais esforçada que a nossa que nos fez pouco uso porque a mais dela foi por alto, e nós passamos


Em nota marginal - "Oito ou nove mil Andaluzes vendo 
como a coisa ia em favor nosso, estiveram quase 
determinados para se lançarem da nossa parte."
e começou a jogar à nossa, donde um pelouro dos nossos lhe deu na sua pólvora, e lha queimou toda, e logo serraram dos Mouros connosco 80 mil de cavalo, e 6 mil de pé em que os mais eram Elches e Andaluzes, segundo os Mouros dizem, afora a gente de pé que não tem conta.
E começando agora bateria sua, e nossa, aí pelouro dos nossos na prenunciada deu no Maluco que vinha dentro em um coche e o matou, de que os Mouros ficaram amedrontados, e se retiraram ali. Tanto mais dizem que no mesmo coche trazia dois arrenegados consigo que o fizeram sempre vivo para animar os seus, deitando-lhe muito dinheiro em nome do Maluco, e os Mouros posto que não desapegaram da batalha de todo, tornaram a pegar de novo mais rijo.

Neste tempo correram os Tudescos com o seu Terço e chegaram junto da artilharia dos Mouros, donde foram logo cercados deles por não marchar toda a infantaria, que se o fizeram ganhávamos toda a artilharia, e sem dúvida os desbaratávamos. Mas como se os Tudescos se viram sós, e com o seu Coronel e Capitão mortos ficaram logo perdidos, por não haver quem os socorresse. Porque os Aventureiros, que com eles estavam juntos não os socorreram, por não terem arcanbuzeria nenhuma, senão só duas companhias de escopeteiros de Tanger que todos valorosamente pelejaram, até os matarem a todos, e aos Aventureiros, que morreram mártires pelos não deixarem marchar como queriam. Os Mouros tanto que viram a desordem cortaram o terço dos Tudescos, e Aventureiros, e foram nos ganhar nossa artilharia que não tirou mais que a primeira vez.
Neste tempo estando a batalha indeterminada de ambas as partes, desbarataram-nos muita gente de cavalo. Deu El Rey pela sua parte Santiago de quatro ou cinco mil de cavalo, onde pelejou muito valorosamente, mas mais cavaleiro do que capitão. E o Duque de Aveiro por outra parte, com D. Duarte de Menezes que ia na dianteira dele, com a gente de Tanger, deu nos Mouros onde os puseram em fugida, e a gente de Tanger chegou à artilharia do Maluco, e lhe tomaram uma bandeira de cima da artilharia, e como a nossa cavalaria era pouca, a cortaram logo, pelo que conveio retirar-se ao nosso esquadrão, mas com muita gente perdida, que com a escopetaria matavam, e fazendo só três voltas com os Mouros (de que lhe matámos 

muita gente) não se pôde mais sortir a nossa cavalaria por ser tão pouca, e se meteu no esquadrão, que estavam já neste tempo desbaratados, e a artilharia perdida. O Xarife com a sua gente pelejou muito valorosamente, mas como éramos todos poucos, não nos pudemos sustentar.

Neste tempo vendo El Rey que estava na vanguarda o seu campo desbaratado, se veio recolhendo pela banda do Duque de Aveiro, e o seguiu alguma gente de cavalo e a pé, cuidando que ia fazendo uma ponta para volver sobre os mouros, viu o campo já tão desbaratado que se retirou. Durou a batalha quatro horas sem se declarar a vitória.



















O outro relato "por relação de Simão da Cunha", escrito na margem, diz assim:
Havendo el Rey passado o rio e todo o exército, veio ter com ele D. Duarte de Menezes e lhe disse que todo o exército havia passado o rio, pelo que mandasse Sua Alteza o que se havia de fazer. Peguntou-lhe El Rey o que lhe parecia, disse-lhe D. Duarte que o seu parecer e de todos e dos Elches (um dos quais era o Alcaide Raposo) era que caminhasse Sua Alteza ao longo do rio para Larache. Mandou El Rey chamar o Raposo e os outros seus companheiros, que lhe disseram o mesmo. E que fazendo assim, Sua Alteza ganharia a mais preciosa vitória sem sangue que se podia desejar, porque o Maluco estava morrendo e não escaparia daquele ou do outro dia. E estando El Rey quasi determinado a seguir este conselho, chegou a ele Fernão da Silva, o clérigo, armado, e do que lhe disse que ninguém ouviu (estando Simão da Cunha que ia no esquadrão dos aventureiros presente), voltou El Rey para D. Duarte e lhe disse que marchasse o campo adiante assim como ia, contra o do Maluco, o qual se o esperasse lhe daria batalha, e se fugisse que fosse com todos os diabos. 
Quando os nossos ouviram a artilharia dos inimigos e o estrago que neles fazia ficaram maravilhados e cretados do medo, porque a quasi todos parecia que os mouros não haviam artilharia; tão pouca notícia havia de tudo, sendo tão necessária. 
Quando o esquadrão de aventureiros arremeteu, e chegou à artilharia dos inimigos, e os mouros se retiraram, andava o Maluco [Mulei Moluco] a cavalo e vendo ou entendendo que os seus fugiam, levou do Alfange para os deter, e com a cólera e enfermidade não acabou de arrancar o alfange e caiu do cavalo. Meteram-no logo nas andas e logo expirou.
______________________________________

Conforme disse, esta história por este lado dos manuscritos acaba assim, sem final para D. Sebastião. Quem quiser pode agora contentar-se ou não com um final habitual que nos é conhecido:
"Depois de quatro horas de luta, terminara a batalha. Apenas D. Sebastião e um pequeno grupo de fidalgos seguiam combatendo. Nem a bandeira, nem o guião real, chamavam já a atenção dos mouros sobre o monarca ; e talvez a esta circunstância devesse não ter sido ainda morto. Mas era um fim previsto. Cristóvão de Távora suplica-lhe que se renda. D. João de Portugal acrescenta : "Que pode haver aqui que fazer, senão morrermos todos?" Respondeu D. Sebastião: "Morrer, sim, mas devagar". D. Nuno Mascarenhas chegou a arvorar um lenço, na ponta da lança ou da espada. D. Sebastião, porém, não se rendeu; e travando-se combate, foram mortos o conde de Vimioso, Cristóvão de Távora e alguns fronteiros de Tânger. Os restantes ficaram prisioneiros. Mais adiante, foi o soberano português cercado dum grupo de alarves que o mataram, com profundos golpes na cabeça e algumas arcabuzadas no tronco."   
(daqui) 
Pela minha parte, aqui leio outra coisa.
Leio que D. Sebastião "viu o campo já tão desbaratado que se retirou". E leio não apenas que "depois de quatro horas de luta terminara a batalha", leio que "terminou sem se declarar a vitória".
Por isso, parece-me que havia condições de se ter feito uma "retirada estratégica". 
Se é possível acreditar que isso não fizesse o estilo de D. Sebastião, "mais cavaleiro que capitão", a rendição de D. Duarte de Menezes foi mais de capitão do que de cavaleiro. Porque em que paragens andaria a honra do Mestre de Campo que se rendeu, se o rei não o fez?
Certo é que as inconsistências do relato final levaram ao mito sebastianista.

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publicado às 06:59

Se Ceuta foi Seta, ou lança, de entrada em África, a Laracha foi "Tiro de saída".

Tendo visto a compilação dos manuscritos sobre D. Sebastião, que indiquei antes, prossigo com algumas transcrições interessantes, aí encontradas. Embora agora não sejam "Pela mão de Sebastião", seguem o espírito.

De diversos textos que fui escrevendo sobre D. Sebastião, o que me parece mais completo será o Peça por Peça, ainda que não se inclua aí larachas ou bulas de pretendentes, mas o caso do Maluco, depois escrito Moluco, está presente desde o início. E essa brincadeira de nomes já teve o seu preço.

Bom, e há sempre "coisas estranhas" a juntar ao rol.
Encontram-se duas relações da batalha, escritas quase uma em cima da outra, e de certa forma pretendendo a relação marginal ser um complemento à principal.

Interessa-me aqui a parte final do relato principal:
Neste tempo vendo El Rey que estava na vanguarda o seu campo desbaratado, se veio recolhendo pela banda do Duque de Aveiro, e o seguiu alguma gente de cavalo e a pé, cuidando que ia fazendo uma ponta para volver sobre os mouros, viu o campo já tão desbaratado que se retirou. Durou a batalha quatro horas sem se declarar a vitória.
relato que assim termina, apresentando-se apenas depois a disposição do exército de D. Sebastião:

Disposição do exército de D. Sebastião, na Batalha de Alcácer Quibir.
(nota: "SV mouros" - podem ser 5 mil ou 8 mil mouros)
A frente de batalha é para a direita, e a disposição é explicada no relato.
Nota: O relato não menciona as carruagens de religiosos, mas menciona os "bisonhos" que não seriam gente de combate. O desenho é feito por quem transcreve, e certamente a logística própria do tempo implicaria carruagens e religiosos... que certamente aumentariam a confusão. 
Tudescos é outro nome para alemães, e os Aventureiros eram soldados experimentados em batalhas no Oriente.

Ora, a questão é - por que razão o relato do "cativo" acaba assim:
"... a batalha terminou sem se declarar a vitória"?

O outro relato marginal também não fala de nenhuma "derrota" ou vitória alheia... e apenas termina com a notícia da morte do Maluco.

Transcrevo os documentos integralmente. É claro que dada a caligrafia e ortografia da época podem ocorrer algumas falhas, mas não me parece que sejam muitas, ou muito significativas. É claro que isto não deveria ser feito por mim, mas à falta de outros... é quem fica para o fazer.

Dificilmente se encontrará melhor relato "imparcial" do que sucedeu... do que não sucedeu, isso temos variados ou avariados, uns mais pintados que outros.
É claro que o relato não explica o que se passou depois da batalha terminar sem vitória para nenhum lado. Nem explica como o "cativo que fala" ficou afinal cativo... ou como tanta gente ficou cativa, e depois regressou, pagando bom preço pelo seu retorno. Explica os mortos, mas não os vivos.

Percebe-se sim que Maluco esperava o confronto num ponto estratégico, na travessia do Rio Loucos que iria dar à Laracha. Pior, nota-se que os portugueses ignoravam o poder de artilharia de Maluco, e que sendo isso normalmente o factor decisivo para a vitória das tropas europeias, foi ali invertido. Maluco tinha o apoio directo dos Turcos, e essa foi a única razão para intervenção de D. Sebastião em África.
Trarei outra carta que explica isso "pela sua mão".
Quis assim parar a ameaça de invasão turca que avançara já por Argel, Tunis e Tripoli, faltando só apoderar-se dos reinos de Marrocos, e consequentemente das lanças nacionais em África, terminando em Ceuta.
Daí prosseguiria o Grão Turco com a ameaça de invasão ibérica, reeditando a invasão de 711. Para isso contava com todos os Andaluzes desterrados em África, prontos para regressar e refazer o reino ibérico de Granada dos seus avós, perdido então há menos de cem anos.
Portanto, toda a intervenção de D. Sebastião naquele momento tem um nexo, tem o nexo de querer evitar que hoje falássemos árabe. Tanto mais que, se Marrocos acabou por não sofrer invasão turca, o deveu muito à Batalha de Alcácer Quibir. Do outro lado da Europa, os turcos já tinham cercado Viena, e portanto estes eram os dois focos de pressão na expansão turca em direcção à Europa... conforme se pode ver pelo mapa:

Entender que o projecto de D. Sebastião era "maluco", foi pintura posterior, porque não havia apenas o acordo nacional aprovado em Cortes, havia o apoio de tropas germânicas, que sentiam a ameaça turca, a descoberto pelo lado de Viena. Quanto aos espanhóis e italianos, comparativamente menos, tinham o mesmo problema. A vitória de Lepanto só "aparara a barba ao Paxá"...
A única coisa de estranhar seria mesmo a falta de empenho de Filipe II, talvez lembrado pelo pai Carlos V, que em Tunis tinha apanhado com tiros de canhão franceses pelo lado turco.

Há um número de "80 mil cavaleiros" que me parece claro exagero ou simples erro de transcrição, mas é claro que a expedição em terreno hostil tinha tudo para correr mal, não fosse a experiência portuguesa nas praças marroquinas. Por isso a escolha de D. Duarte de Menezes, de Tanger, para liderar o campo... mas conforme é descrito, o campo esteve tão desorganizado que de "Mestre de Campo" só teria o nome. Esse mesmo sobreviveria à batalha e seria depois Vice-Rei da Índia, nomeado por Filipe II.

Segue o texto...
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Relação da Batalha de Alcácer 
que mandou um cativo ao Dr. Paulo Afonso


Relação da Batalha de Alcácer que mandou um cativo ao Dr. Paulo Afonso.
E em nota marginal "Relação de Simão da Cunha" (pdf - pág. 144)
Novas da guerra, nem de nossas desventuras não tenho por que me "entremeter" nisso, porque creio que V. aí terá lá sabido melhor todos os sucessos de cá. O que direi só é que a gente de infantaria que El Rey trazia seriam até 16 mil, destes seriam até 10 mil piqueiros pelos quais se pode dizer que morreram mártires, dos 6 mil arcabunzeiros, os 3 mil eram bisonhos, só assim 3 mil arcabunzeiros souberam pelejar. Da gente a cavalo seriam até 1600, dos quais poderiam ficar limpos para pelejar até 900.

Esta gente de cavalo repartiu El Rey segunda-feira que foi a 4 de Agosto, que foi o dia da batalha, de 78. Ao Duque de Aveiro deu 300 de cavalo, e lhe deu a mão direita da batalha, El Rey se pôs da esquerda, por ficar encontrado com o inimigo, que vinha da parte direita. Deu a D. Duarte de Menezes, que trazia nome de Mestre do Campo, os cavaleiros de Tanger, que seriam 300, e o mandou à mão direita na dianteira do Duque de Aveiro. 
O Xarife [aliado] se pôs com obra de 250 lanças suas, muito boa gente, à mão direita do Duque de Aveiro, afastado dos Nossos, e chegado aos inimigos com obra de 200 arcabunzeiros, gente de guerra, porque pelejaram muito valorosamente.
Os Aventureiros, que seriam 2300, deu a Cristovão de Távora, que ia ora vanguarda, por lhe parecer com boas disposições, e armas lustrosas bastavam ao inimigo. Da mão direita estavam os Tudescos, da esquerda os espanhóis e italianos. A nossa artilharia plantaram diante no meio da Vanguarda, diante dos arcabunzeiros. Detrás dos espanhóis puseram no corpo da batalha o Terço de 

Vasco da Silveira, da mão direita, da mão esquerda o de Lopo de Sequeira, e na retaguarda da mão direita estava o Terço de Francisco de Távora, e na esquerda o de Miguel de Noronha. Na boca desta retaguarda estavam dois esquadrões de mosqueteiros para não nos entrar o inimigo. Tinhamos por uma parte e outra as Carretas, e quatro ou cinco arcabunzeiros em cada uma.
Ao domingo nos alojámos meia légua donde demos a batalha, tivemos este dia escaramuça com os Mouros, e se no domingo não pegaram connosco para dar batalha, foi porque nos tinham certos, e sabiam que à segunda-feira, havíamos de ir buscar o passo que era o Rio, que estava perto de Alcácer, onde estava o Maluco com sua artilharia de campo prantada e todo entrincheirado, ali tinha toda a força da batalha, e como sabia que forçado havíamos de demandar este passo, trincheirou-se e fortificou-se devagar. O irmão que agora é Rei, nos correu domingo com 8 ou 10 mil lanças, dos quais à segunda-feira se passaram da nossa parte 500, que nos depois foram todos traidores.
À segunda-feira pela manhã abalamos o campo nesta ordem sem parecer que podíamos pelejar, e sobretudo mortos de fome e haver 5 dias que se não bebia vinho, e afirmo a V. aí que ao Domingo ficou o nosso arraial triste, porque vimos muita forma de Mouros que nos rodeavam de todas as partes.
Segunda-feira pela manhã começámos a marchar todos nesta ordem, mas como digo todos enfadados e tristes, porque sabíamos de certeza que estava ali o Maluco com grossa gente para nos dar batalha, que assim afirmo então a V. aí que tão bisonho estava o nosso campo que não sabíamos parte do Maluco nem da batalha. Na segunda-feira às 7 horas se abalou o campo e começámos de marchar.
Neste tempo soube El Rey que estava o Maluco dali meia légua no passo por onde havíamos de passar. Dizem que lhe mandou um recado, e que ele lhe mandara dizer que ali o estava esperando onde o fomos buscar, e antes que chegássemos a tiro de bombarda, ficámos todos cercados de Mouros, e assim fomos marchando até chegar ao Maluco, tanto espaço como do Corpo Santo até à Cruz de Cata que farás, donde o Maluco começou a disparar sua artilharia que era muita, e muito mais esforçada que a nossa que nos fez pouco uso porque a mais dela foi por alto, e nós passamos


Em nota marginal - "Oito ou nove mil Andaluzes vendo 
como a coisa ia em favor nosso, estiveram quase 
determinados para se lançarem da nossa parte."
e começou a jogar à nossa, donde um pelouro dos nossos lhe deu na sua pólvora, e lha queimou toda, e logo serraram dos Mouros connosco 80 mil de cavalo, e 6 mil de pé em que os mais eram Elches e Andaluzes, segundo os Mouros dizem, afora a gente de pé que não tem conta.
E começando agora bateria sua, e nossa, aí pelouro dos nossos na prenunciada deu no Maluco que vinha dentro em um coche e o matou, de que os Mouros ficaram amedrontados, e se retiraram ali. Tanto mais dizem que no mesmo coche trazia dois arrenegados consigo que o fizeram sempre vivo para animar os seus, deitando-lhe muito dinheiro em nome do Maluco, e os Mouros posto que não desapegaram da batalha de todo, tornaram a pegar de novo mais rijo.

Neste tempo correram os Tudescos com o seu Terço e chegaram junto da artilharia dos Mouros, donde foram logo cercados deles por não marchar toda a infantaria, que se o fizeram ganhávamos toda a artilharia, e sem dúvida os desbaratávamos. Mas como se os Tudescos se viram sós, e com o seu Coronel e Capitão mortos ficaram logo perdidos, por não haver quem os socorresse. Porque os Aventureiros, que com eles estavam juntos não os socorreram, por não terem arcanbuzeria nenhuma, senão só duas companhias de escopeteiros de Tanger que todos valorosamente pelejaram, até os matarem a todos, e aos Aventureiros, que morreram mártires pelos não deixarem marchar como queriam. Os Mouros tanto que viram a desordem cortaram o terço dos Tudescos, e Aventureiros, e foram nos ganhar nossa artilharia que não tirou mais que a primeira vez.
Neste tempo estando a batalha indeterminada de ambas as partes, desbarataram-nos muita gente de cavalo. Deu El Rey pela sua parte Santiago de quatro ou cinco mil de cavalo, onde pelejou muito valorosamente, mas mais cavaleiro do que capitão. E o Duque de Aveiro por outra parte, com D. Duarte de Menezes que ia na dianteira dele, com a gente de Tanger, deu nos Mouros onde os puseram em fugida, e a gente de Tanger chegou à artilharia do Maluco, e lhe tomaram uma bandeira de cima da artilharia, e como a nossa cavalaria era pouca, a cortaram logo, pelo que conveio retirar-se ao nosso esquadrão, mas com muita gente perdida, que com a escopetaria matavam, e fazendo só três voltas com os Mouros (de que lhe matámos 

muita gente) não se pôde mais sortir a nossa cavalaria por ser tão pouca, e se meteu no esquadrão, que estavam já neste tempo desbaratados, e a artilharia perdida. O Xarife com a sua gente pelejou muito valorosamente, mas como éramos todos poucos, não nos pudemos sustentar.

Neste tempo vendo El Rey que estava na vanguarda o seu campo desbaratado, se veio recolhendo pela banda do Duque de Aveiro, e o seguiu alguma gente de cavalo e a pé, cuidando que ia fazendo uma ponta para volver sobre os mouros, viu o campo já tão desbaratado que se retirou. Durou a batalha quatro horas sem se declarar a vitória.



















O outro relato "por relação de Simão da Cunha", escrito na margem, diz assim:
Havendo el Rey passado o rio e todo o exército, veio ter com ele D. Duarte de Menezes e lhe disse que todo o exército havia passado o rio, pelo que mandasse Sua Alteza o que se havia de fazer. Peguntou-lhe El Rey o que lhe parecia, disse-lhe D. Duarte que o seu parecer e de todos e dos Elches (um dos quais era o Alcaide Raposo) era que caminhasse Sua Alteza ao longo do rio para Larache. Mandou El Rey chamar o Raposo e os outros seus companheiros, que lhe disseram o mesmo. E que fazendo assim, Sua Alteza ganharia a mais preciosa vitória sem sangue que se podia desejar, porque o Maluco estava morrendo e não escaparia daquele ou do outro dia. E estando El Rey quasi determinado a seguir este conselho, chegou a ele Fernão da Silva, o clérigo, armado, e do que lhe disse que ninguém ouviu (estando Simão da Cunha que ia no esquadrão dos aventureiros presente), voltou El Rey para D. Duarte e lhe disse que marchasse o campo adiante assim como ia, contra o do Maluco, o qual se o esperasse lhe daria batalha, e se fugisse que fosse com todos os diabos. 
Quando os nossos ouviram a artilharia dos inimigos e o estrago que neles fazia ficaram maravilhados e cretados do medo, porque a quasi todos parecia que os mouros não haviam artilharia; tão pouca notícia havia de tudo, sendo tão necessária. 
Quando o esquadrão de aventureiros arremeteu, e chegou à artilharia dos inimigos, e os mouros se retiraram, andava o Maluco [Mulei Moluco] a cavalo e vendo ou entendendo que os seus fugiam, levou do Alfange para os deter, e com a cólera e enfermidade não acabou de arrancar o alfange e caiu do cavalo. Meteram-no logo nas andas e logo expirou.
______________________________________

Conforme disse, esta história por este lado dos manuscritos acaba assim, sem final para D. Sebastião. Quem quiser pode agora contentar-se ou não com um final habitual que nos é conhecido:
"Depois de quatro horas de luta, terminara a batalha. Apenas D. Sebastião e um pequeno grupo de fidalgos seguiam combatendo. Nem a bandeira, nem o guião real, chamavam já a atenção dos mouros sobre o monarca ; e talvez a esta circunstância devesse não ter sido ainda morto. Mas era um fim previsto. Cristóvão de Távora suplica-lhe que se renda. D. João de Portugal acrescenta : "Que pode haver aqui que fazer, senão morrermos todos?" Respondeu D. Sebastião: "Morrer, sim, mas devagar". D. Nuno Mascarenhas chegou a arvorar um lenço, na ponta da lança ou da espada. D. Sebastião, porém, não se rendeu; e travando-se combate, foram mortos o conde de Vimioso, Cristóvão de Távora e alguns fronteiros de Tânger. Os restantes ficaram prisioneiros. Mais adiante, foi o soberano português cercado dum grupo de alarves que o mataram, com profundos golpes na cabeça e algumas arcabuzadas no tronco."   
(daqui) 
Pela minha parte, aqui leio outra coisa.
Leio que D. Sebastião "viu o campo já tão desbaratado que se retirou". E leio não apenas que "depois de quatro horas de luta terminara a batalha", leio que "terminou sem se declarar a vitória".
Por isso, parece-me que havia condições de se ter feito uma "retirada estratégica". 
Se é possível acreditar que isso não fizesse o estilo de D. Sebastião, "mais cavaleiro que capitão", a rendição de D. Duarte de Menezes foi mais de capitão do que de cavaleiro. Porque em que paragens andaria a honra do Mestre de Campo que se rendeu, se o rei não o fez?
Certo é que as inconsistências do relato final levaram ao mito sebastianista.

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publicado às 06:59

Os jornais lembraram-se hoje que se comemoram 600 anos do desembarque em Ceuta, e alguns fazem notar que também se comemora este ano, 500 anos sobre a morte de Afonso de Albuquerque.
Em 18 de Junho também lembravam dos 200 anos da Batalha de Waterloo.
Faz parte do noticiário não descurar em demasia estes dados históricos.

Há uma pequena diferença, no entanto!
Os ingleses não tiveram problemas em assumir várias comemorações oficiais, e se os franceses não gostaram do resultado de Waterloo, que terminou com as aspirações napoleónicas, pois têm que ir lidando com isso.

Quanto a Portugal, dificilmente poderia ser mais ruidoso o silêncio manifestado nesta passagem dos 600 anos. Ou, citando o blog do Comandante Costa Correia: 
Hoje, 600 anos decorridos sobre a conquista de Ceuta, apenas conheço uma comemoração oficial no nosso país (sessão evocativa com o apoio da Câmara Municipal de  Oeiras), e uma manifestação de natureza gastronómica, em Ceuta - ambas sem estar prevista a presença do venerando Chefe do Estado...
Creio não serem necessários mais comentários.
(... blog onde cheguei através desta crónica.)

De facto, dispensam-se comentários, mas parece-me que o barulho de tanto silêncio, só não se ouve mais, porque os jornais do regime cantaram a canção ensinada, e fizeram gala de ser unânimes em disfarçar o silêncio oficial. 
É mais um Páf!... e este "Portugal à Frente" vai tão à frente, que enterrou a Retaguarda histórica.

Não sei se já aqui falei disto... mas o episódio foi denominado "Uma Lança em África", quando na prática foi uma "Seta" em África, já que Ceuta era antes denominada "Cepta". A "crónica" de Zurara intitula-se
"Tomada da mui nobre cidade de Cepta per El Rei D. João 
o primeiro do nome rei de Portugal e do Algarve 
aos 21 dias do mês d' Agosto de 1415."

Explica-nos assim João de Barros nas suas "Antiguidades" (1549):
Ceita - cidade de África, chamava-se Septa, quasi coisa cercada porque o mar "a tinge" de toda a parte, mas Volterrano diz que tomou aquele nome de dois nomes iguais, o Itinerário lhe chama "Septe Irmãos" porque tem "derredor" sete montes. Justiniano lhe chama Septa, os Mouros como quer que quebram a sua fala nos dentes lhe chamaram Ceuta, e nós agora Ceita. E na tomada desta Cepta diz o cronista que acham em escrito por Mouros mui sábios que Ceta em Arábico quer dizer começo de formosura, e que foi fundada por um neto de Noé.

- Seja Lança, porque foi o lançar da expansão portuguesa.
- Seja Septa ou Ceta, porque foi uma seta, uma lança.
- Seja Sete Irmãos, não apenas pelos sete montes, ou colinas, mas depois mais pelo número de famosos irmãos (filhos de D. João I) - Duarte, Pedro, Henrique, João, Isabel, Fernando, e o bastardo Afonso. Dos quais os primeiros foram em Ceuta armados cavaleiros.
- Seja Ceita, pelas seitas que depois se formaram apoiadas em cada um dos irmãos.

Seja por quaisquer destas razões, os nomes ajustam-se bem.

Hoje em dia, se Ceuta não merece comemoração oficial, é questão a perguntar à Ceita antiga.

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publicado às 19:46

Os jornais lembraram-se hoje que se comemoram 600 anos do desembarque em Ceuta, e alguns fazem notar que também se comemora este ano, 500 anos sobre a morte de Afonso de Albuquerque.
Em 18 de Junho também lembravam dos 200 anos da Batalha de Waterloo.
Faz parte do noticiário não descurar em demasia estes dados históricos.

Há uma pequena diferença, no entanto!
Os ingleses não tiveram problemas em assumir várias comemorações oficiais, e se os franceses não gostaram do resultado de Waterloo, que terminou com as aspirações napoleónicas, pois têm que ir lidando com isso.

Quanto a Portugal, dificilmente poderia ser mais ruidoso o silêncio manifestado nesta passagem dos 600 anos. Ou, citando o blog do Comandante Costa Correia: 
Hoje, 600 anos decorridos sobre a conquista de Ceuta, apenas conheço uma comemoração oficial no nosso país (sessão evocativa com o apoio da Câmara Municipal de  Oeiras), e uma manifestação de natureza gastronómica, em Ceuta - ambas sem estar prevista a presença do venerando Chefe do Estado...
Creio não serem necessários mais comentários.
(... blog onde cheguei através desta crónica.)

De facto, dispensam-se comentários, mas parece-me que o barulho de tanto silêncio, só não se ouve mais, porque os jornais do regime cantaram a canção ensinada, e fizeram gala de ser unânimes em disfarçar o silêncio oficial. 
É mais um Páf!... e este "Portugal à Frente" vai tão à frente, que enterrou a Retaguarda histórica.

Não sei se já aqui falei disto... mas o episódio foi denominado "Uma Lança em África", quando na prática foi uma "Seta" em África, já que Ceuta era antes denominada "Cepta". A "crónica" de Zurara intitula-se
"Tomada da mui nobre cidade de Cepta per El Rei D. João 
o primeiro do nome rei de Portugal e do Algarve 
aos 21 dias do mês d' Agosto de 1415."

Explica-nos assim João de Barros nas suas "Antiguidades" (1549):
Ceita - cidade de África, chamava-se Septa, quasi coisa cercada porque o mar "a tinge" de toda a parte, mas Volterrano diz que tomou aquele nome de dois nomes iguais, o Itinerário lhe chama "Septe Irmãos" porque tem "derredor" sete montes. Justiniano lhe chama Septa, os Mouros como quer que quebram a sua fala nos dentes lhe chamaram Ceuta, e nós agora Ceita. E na tomada desta Cepta diz o cronista que acham em escrito por Mouros mui sábios que Ceta em Arábico quer dizer começo de formosura, e que foi fundada por um neto de Noé.

- Seja Lança, porque foi o lançar da expansão portuguesa.
- Seja Septa ou Ceta, porque foi uma seta, uma lança.
- Seja Sete Irmãos, não apenas pelos sete montes, ou colinas, mas depois mais pelo número de famosos irmãos (filhos de D. João I) - Duarte, Pedro, Henrique, João, Isabel, Fernando, e o bastardo Afonso. Dos quais os primeiros foram em Ceuta armados cavaleiros.
- Seja Ceita, pelas seitas que depois se formaram apoiadas em cada um dos irmãos.

Seja por quaisquer destas razões, os nomes ajustam-se bem.

Hoje em dia, se Ceuta não merece comemoração oficial, é questão a perguntar à Ceita antiga.

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publicado às 19:46

Hoje é Embaixada de França o que antes foi o Palácio de Santos.
Para mostrar como o edifício foi querido de D. Sebastião, temos esta descrição na página da Embaixada:
D. Sebastião (rei de 1557 a 1578), sucessor de D. João III, considera, pelo contrário, o Palácio de Santos como uma das suas residências preferidas. Em 1576, o monarca escapou a uma violenta explosão dos armazéns de pólvora que se situavam nas margens do Tejo, do lado da actual Rua das Janelas Verdes. O sinistro danificou muitíssimo o Palácio. Em 1577, o Palácio de Santos é o teatro de uma cena histórica: o rei recebe a notificação do seu ministro contra a campanha, na África do Norte, que ele estava a preparar. A 25 de Junho de 1578, o rei D. Sebastião parte de Lisboa para Marrocos. Na véspera, assiste à Missa na Igreja de Santos-o-Velho e diz-se ter tomado a sua última refeição no Palácio, na mesa de mármore que se encontra no actual jardim. Esta cruzada contra os Mouros termina com a catástrofe de Alcácer Quibir (4 de Agosto) onde morre uma grande parte da nobreza portuguesa próxima do rei (um filho, Afonso, e dois netos de Jorge de Lancastre são mortos; um outro neto, Luís, é feito prisioneiro).
Depois desta perda, os Lancastre instalaram-se novamente no Palácio de Santos que se encontrava num estado lastimável, devido à explosão dos armazéns de pólvora e da sua ocupação pelo exército de Filipe I que veio, em 1580, afirmar as pretensões do seu monarca ao trono português, depois de extinta a dinastia de Aviz. Luís de Lancastre (1540-1613), regressado de Marrocos, depois de ter sido pago um grande resgate, compra o Palácio às Comendadeiras, mas esta aquisição foi contestada pelo poder real. Só em 1629, o seu filho, Francisco Luís (1580-1667), consegue finalmente comprar o Palácio definitivamente às Comendadeiras com a autorização real. O Palácio fica na posse dos Lancastre até 1909.
É sobre o episódio da Explosão dos Armazéns de Pólvora, que destaquei, que encontrei esta transcrição.numa compilação de manuscritos constante na Biblioteca Nacional

Documentos de várias tipologias, relativos à história portuguesa, 
sobretudo do reinado de D. Sebastião
 (pag.121-123)

___________________________________________________________________

Del Rey D. Sebastião de mão própria 
ao Magnífico Embaixador D. Juan da Silva

Magnífico Embaixador,
havendo-vos escrito por Miguel de Moura, me pareceu toda via por mim escrevermos o que mais oferece para o dizerdes ao Senhor Rey meu tio e ao Duque de Alva, e ao Prior Dom António, e se discorrer ponderar, e entender o que Deus mostrou, e o como aprovou quão servido foi destas Vistas e do que delas deve proceder e resultar com permitir e ordenar que sucedesse o efeito da Pólvora, que foi tanta como na carta que escrevo a D. Cristovão de Moura, e tão grande a ruína e perigosa, como desta entendereis. Nestas casas caíram muitas pedras e com tanta força que quebraram as pedras das paredes e os tijolos em que deram, que ainda fizeram algum dano em quem não fora pedra, na casa do conselho morreram sem falta todos os que nela estivessem e pelas horas em que foi, se eu aqui me achara alguns morreram que fora

grande perda, podendo ser isto a outras, que os que nela alcançava não fora tão grande perda. Nesta casa em que estou entraram algumas pedras com mais força da com que o Alferes Mor monteia, e da com que D. Diogo de Cordova esperava os Porcos de Portugal com os seus venablos. Porque nas paredes em que deram desfizeram a Cal, e quebraram as pedras delas, e uma deu com esta força onde eu aquelas horas costumo estar assentado, e onde estou encostado à parede, e finalmente de onde me fica a cabeça. Lembra-me que quando me tivestes, e D. Cristovão nesta casa, que o Imperador era falecido, e que visse o que escreveríeis no das Vistas, vos respondi que entendia se nelas houvesse dilação segundo as coisas que sempre corriam, e se ofereciam, se não efectuariam. O que se viu ser assim, pois se não partira quando parti, suposto o sucesso da Pólvora, e o efeito das Pedras, e a que me alcançava na cabeça com a força que se viu trazia, pelo que na parede e pedras dela fez, eu não pudera partir. De onde se pode bem inferir que por uns dias de dilação não foram estas Vistas e se perdera a grande importância delas. Em que se vê permitir Nosso Senhor que fosse este acontecimento uns dias depois que parti, e não permitir que acontecesse muito depois, nem algum antes, porque sendo dias depois, parecia sem mistério e sem interpretação; sendo antes, parecera não permitir tal sucesso.

Sendo no dia em que foi, mostrou o que em tudo por tão diferentes modos, e densas demonstrações quer que se entenda e se veja por se sentir e recear, e que ou a razão convença e obrigue, ou o receio mova e persuada declarando Deus e tão claramente mostrado que não somente se perdem as coisas por se passarem as conjunções delas, mas se perdem por um dia de Dilação nas boas ocasiões para elas. E que além de se ver quanto se perde nisto nas coisas que convém, mostra Deus com castigo quando se ofende visto por o muito que o contrário modo a seu serviço convém e importa. Finalmente experiencia razão, e a escritura, provam esta conclusão, lendo-se em um Salmo tempus faciendi Domino dissipaverunt legem tuam ideo mandata tua dilexi super aurum, donde se tempo de haver fazer destruir a Lei de Deus, que fará por não fazer o tempo de não fazer, e muitas vezes dizem as coisas de si o que dizia Job por si (si mane me quaesieris, non subsistam) e parece-me que a quem as coisas isto puderem dizer, poderá de si dizer as mesmas coisas (si nunc me quaesieris tam non subsisto). Tenho-me alargado tanto que ia posto mais dizer, que não sei. O que digo que cuidar que sei ia o que escrevo, referi ao Senhor Rei meu tio a 

história desde o acontecimento com interpretação .
Ao Duque d'Alva lede esta carta e ao Prior D. António e lede-a com D. Cristovão e avisai-me como leu o Duque a minha carta, e se viu o que sobre ele e o Prior escrevi ao Senhor Rei meu tio


Diz que quer vir agora cá, um homem que está em Évora vestido de vermelho a falar em coisas que lhe importam, e não advirte que sendo vista, queixa geralmente dizer o homem que o não ouviram, quanto maior deve ele ter de si e de quem o ouvir, podendo dizer com o mesmo encarecimento, que o ouviram.

Dizei a D. Diogo de Cordova que os porcos de Salvaterra e de Almeirim o desafiam, e o esperam para entrar com ele em mato e não em campo e que eu serei seu padrinho no mato e no campo;
Escrevei-me de como fica o Duque de Alva, e se achou estes dias, dizei-lhe que espera cedo pelo homem que me escreveu me mandaria, e pelas mais coisas que com ele haviam de vir, e que neste intento e para este efeito se procede cá nas coisas, e que das que se oferecem de novo o avisarei, e assim tenho por mui certo se procederá lá em tudo.

de Lisboa 26 de Janeiro de 1577
Rey
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Portanto, esta explosão dos Armazéns da Pólvora não foi vista como um mero acidente por D. Sebastião, e noutros documentos podemos ver como o Embaixador de Espanha se queixa de que ele, por mais explicações que lhe sejam dadas por si ou pelo Rei de Espanha, não acredita em nenhuma.

D. Sebastião é irónico, e aproveita a questão dos "porcos" para desafiar directamente D. Diogo de Cordova, e o Duque de Alba. Inclui ainda na "lista", Cristovão de Moura, e também o Prior do Crato.
Portanto, de certa forma esta carta mostra que D. Sebastião não estava completamente desavisado de eventuais vontades externas contra a sua vida, e facilmente apontava isso a Filipe II de Espanha, seu tio, ou aos seus associados mais directos.

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publicado às 07:58

Hoje é Embaixada de França o que antes foi o Palácio de Santos.
Para mostrar como o edifício foi querido de D. Sebastião, temos esta descrição na página da Embaixada:
D. Sebastião (rei de 1557 a 1578), sucessor de D. João III, considera, pelo contrário, o Palácio de Santos como uma das suas residências preferidas. Em 1576, o monarca escapou a uma violenta explosão dos armazéns de pólvora que se situavam nas margens do Tejo, do lado da actual Rua das Janelas Verdes. O sinistro danificou muitíssimo o Palácio. Em 1577, o Palácio de Santos é o teatro de uma cena histórica: o rei recebe a notificação do seu ministro contra a campanha, na África do Norte, que ele estava a preparar. A 25 de Junho de 1578, o rei D. Sebastião parte de Lisboa para Marrocos. Na véspera, assiste à Missa na Igreja de Santos-o-Velho e diz-se ter tomado a sua última refeição no Palácio, na mesa de mármore que se encontra no actual jardim. Esta cruzada contra os Mouros termina com a catástrofe de Alcácer Quibir (4 de Agosto) onde morre uma grande parte da nobreza portuguesa próxima do rei (um filho, Afonso, e dois netos de Jorge de Lancastre são mortos; um outro neto, Luís, é feito prisioneiro).
Depois desta perda, os Lancastre instalaram-se novamente no Palácio de Santos que se encontrava num estado lastimável, devido à explosão dos armazéns de pólvora e da sua ocupação pelo exército de Filipe I que veio, em 1580, afirmar as pretensões do seu monarca ao trono português, depois de extinta a dinastia de Aviz. Luís de Lancastre (1540-1613), regressado de Marrocos, depois de ter sido pago um grande resgate, compra o Palácio às Comendadeiras, mas esta aquisição foi contestada pelo poder real. Só em 1629, o seu filho, Francisco Luís (1580-1667), consegue finalmente comprar o Palácio definitivamente às Comendadeiras com a autorização real. O Palácio fica na posse dos Lancastre até 1909.
É sobre o episódio da Explosão dos Armazéns de Pólvora, que destaquei, que encontrei esta transcrição.numa compilação de manuscritos constante na Biblioteca Nacional

Documentos de várias tipologias, relativos à história portuguesa, 
sobretudo do reinado de D. Sebastião
 (pag.121-123)

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Del Rey D. Sebastião de mão própria 
ao Magnífico Embaixador D. Juan da Silva

Magnífico Embaixador,
havendo-vos escrito por Miguel de Moura, me pareceu toda via por mim escrevermos o que mais oferece para o dizerdes ao Senhor Rey meu tio e ao Duque de Alva, e ao Prior Dom António, e se discorrer ponderar, e entender o que Deus mostrou, e o como aprovou quão servido foi destas Vistas e do que delas deve proceder e resultar com permitir e ordenar que sucedesse o efeito da Pólvora, que foi tanta como na carta que escrevo a D. Cristovão de Moura, e tão grande a ruína e perigosa, como desta entendereis. Nestas casas caíram muitas pedras e com tanta força que quebraram as pedras das paredes e os tijolos em que deram, que ainda fizeram algum dano em quem não fora pedra, na casa do conselho morreram sem falta todos os que nela estivessem e pelas horas em que foi, se eu aqui me achara alguns morreram que fora

grande perda, podendo ser isto a outras, que os que nela alcançava não fora tão grande perda. Nesta casa em que estou entraram algumas pedras com mais força da com que o Alferes Mor monteia, e da com que D. Diogo de Cordova esperava os Porcos de Portugal com os seus venablos. Porque nas paredes em que deram desfizeram a Cal, e quebraram as pedras delas, e uma deu com esta força onde eu aquelas horas costumo estar assentado, e onde estou encostado à parede, e finalmente de onde me fica a cabeça. Lembra-me que quando me tivestes, e D. Cristovão nesta casa, que o Imperador era falecido, e que visse o que escreveríeis no das Vistas, vos respondi que entendia se nelas houvesse dilação segundo as coisas que sempre corriam, e se ofereciam, se não efectuariam. O que se viu ser assim, pois se não partira quando parti, suposto o sucesso da Pólvora, e o efeito das Pedras, e a que me alcançava na cabeça com a força que se viu trazia, pelo que na parede e pedras dela fez, eu não pudera partir. De onde se pode bem inferir que por uns dias de dilação não foram estas Vistas e se perdera a grande importância delas. Em que se vê permitir Nosso Senhor que fosse este acontecimento uns dias depois que parti, e não permitir que acontecesse muito depois, nem algum antes, porque sendo dias depois, parecia sem mistério e sem interpretação; sendo antes, parecera não permitir tal sucesso.

Sendo no dia em que foi, mostrou o que em tudo por tão diferentes modos, e densas demonstrações quer que se entenda e se veja por se sentir e recear, e que ou a razão convença e obrigue, ou o receio mova e persuada declarando Deus e tão claramente mostrado que não somente se perdem as coisas por se passarem as conjunções delas, mas se perdem por um dia de Dilação nas boas ocasiões para elas. E que além de se ver quanto se perde nisto nas coisas que convém, mostra Deus com castigo quando se ofende visto por o muito que o contrário modo a seu serviço convém e importa. Finalmente experiencia razão, e a escritura, provam esta conclusão, lendo-se em um Salmo tempus faciendi Domino dissipaverunt legem tuam ideo mandata tua dilexi super aurum, donde se tempo de haver fazer destruir a Lei de Deus, que fará por não fazer o tempo de não fazer, e muitas vezes dizem as coisas de si o que dizia Job por si (si mane me quaesieris, non subsistam) e parece-me que a quem as coisas isto puderem dizer, poderá de si dizer as mesmas coisas (si nunc me quaesieris tam non subsisto). Tenho-me alargado tanto que ia posto mais dizer, que não sei. O que digo que cuidar que sei ia o que escrevo, referi ao Senhor Rei meu tio a 

história desde o acontecimento com interpretação .
Ao Duque d'Alva lede esta carta e ao Prior D. António e lede-a com D. Cristovão e avisai-me como leu o Duque a minha carta, e se viu o que sobre ele e o Prior escrevi ao Senhor Rei meu tio


Diz que quer vir agora cá, um homem que está em Évora vestido de vermelho a falar em coisas que lhe importam, e não advirte que sendo vista, queixa geralmente dizer o homem que o não ouviram, quanto maior deve ele ter de si e de quem o ouvir, podendo dizer com o mesmo encarecimento, que o ouviram.

Dizei a D. Diogo de Cordova que os porcos de Salvaterra e de Almeirim o desafiam, e o esperam para entrar com ele em mato e não em campo e que eu serei seu padrinho no mato e no campo;
Escrevei-me de como fica o Duque de Alva, e se achou estes dias, dizei-lhe que espera cedo pelo homem que me escreveu me mandaria, e pelas mais coisas que com ele haviam de vir, e que neste intento e para este efeito se procede cá nas coisas, e que das que se oferecem de novo o avisarei, e assim tenho por mui certo se procederá lá em tudo.

de Lisboa 26 de Janeiro de 1577
Rey
___________________________________________________________________

Portanto, esta explosão dos Armazéns da Pólvora não foi vista como um mero acidente por D. Sebastião, e noutros documentos podemos ver como o Embaixador de Espanha se queixa de que ele, por mais explicações que lhe sejam dadas por si ou pelo Rei de Espanha, não acredita em nenhuma.

D. Sebastião é irónico, e aproveita a questão dos "porcos" para desafiar directamente D. Diogo de Cordova, e o Duque de Alba. Inclui ainda na "lista", Cristovão de Moura, e também o Prior do Crato.
Portanto, de certa forma esta carta mostra que D. Sebastião não estava completamente desavisado de eventuais vontades externas contra a sua vida, e facilmente apontava isso a Filipe II de Espanha, seu tio, ou aos seus associados mais directos.

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publicado às 07:58

Um dos blogs que disponibiliza ao público informação sobre investigação arqueológica é Portuguese Enclosures (com relevo para as escavações em Perdigões), e que me foi indicado há uns tempos pela Amélia Saavedra. Daí trago um mapa interessante sobre a localização desses acercamentos em Portugal, como sejam fossos circulares ou cercas muradas: 
 A.C. Valera (2015), "Map of walled and ditched enclosures"
(muradas - quadrados vermelhos, fossos - círculos laranja)
É interessante, porque o mapa escolhido apresenta a cinzento a orografia, e facilmente se nota que, à excepção de um caso (perto de Aveiro), todos os outros pontos foram encontrados em altitude. Ou seja, estão sobre a mancha cinzenta, que julgo corresponder a 100 metros de altitude (ou mais). 
Especialmente significativo é o caso a sul do Tejo, já que dessas dezenas de acercamentos, nenhum foi encontrado na parte abaixo dos 100 metros, e vários situam-se na linha fronteira dessa altitude.

Por outro lado, encontrei no ano passado um mapa que tinha uma localização extensiva das cavernas com registos pré-históricos, a que adiciono também um mapa de altitude:


Cavernas com inscrições rupestres (em cima), e mapa com o relevo do terreno (em baixo).

Observação: O blog que tinha a imagem de cima desapareceu entretanto... de forma que o link não funciona, mas deixo-o conforme o encontrei. A imagem de baixo tem link operacional, mas não é o mapa orográfico que aqui usava habitualmente. Esse era shaded-relief.com, que subitamente também deixou de funcionar... Aliás é curioso que o Google Maps também incorporou uma faceta de relevo do terreno, mas foi simplesmente desactivada na nova versão. É bom que nos habituemos a que as "novas versões" podem ganhar tendência sistemática em serem piores que as anteriores, com o pretexto de "facilitarem a compreensão".  

Ou seja, o que notei então é que o mapa das cavernas com inscrições apontava também para uma localização em altitude, especialmente por falhar a zona mais baixa da Aquitânia francesa. Não consigo saber se o registo aponta sempre para valores acima de 100 metros, mas é natural que sim.

Por outro lado, também sabemos que já mencionámos Cosquer, uma caverna cuja entrada estava 37 metros abaixo do nível do mar... Parece portanto informação contraditória. Por um lado, temos um registo frequente de cavernas acima dos 100 metros, e por outro lado há excepções, abaixo até do nível actual do mar. Como conjugar a informação?

Bom, o caso das cavernas ainda que fosse uma dica, era isolado. Trago este assunto porque há muito que reparei que os registos arqueológicos são normalmente encontrados em altitude, afastados de zonas baixas. São encontrados próximo da costa quando essa costa é alta. Este novo caso de investigação dos acercamentos parece indiciar o mesmo fenómeno - a sua localização é em altitude.
Se ainda podemos argumentar que os vestígios humanos em cavernas estão mais ligados a altitude pela presença de formações montanhosas calcárias, já é mais estranho que isso ocorra também com acercamentos, que poderiam ser construídos em qualquer lugar.

Assim, após as Idades do Gelo, o degelo fazia naturalmente aumentar o nível do mar, e estas variações não são nada insignificantes... é admitido que a linha de costa na época glaciar se estendia bastante e até deixei nos comentários um possível mapa, com um contorno obtido por análise do Google Maps, baixando o nível do mar:
Possível contorno da costa com o nível do mar reduzido, em época Glaciar
(a linha branca corresponderia a uma eventual localização dos gelos permanentes).
Se repararmos no mapa, haveria nessa época glacial várias ilhas ao largo da costa portuguesa, e que hoje estão submersas, sendo denominadas "bancos", e poderá ser grande a sua riqueza arqueológica.
Ora o problema é que quando havia uma ligação à "terra firme" (designação antiga, interessante, para o continente), a fuga das populações com a subida da água, poderia ser feita... mas também poderia ocorrer que o refúgio não fosse suficientemente alto. Nesse caso, ainda que as populações se tivessem refugiado nuns montes com algumas centenas de metros, a invasão das águas começaria por tornar esse monte numa ilha, e com a subida progressiva, essa ilha seria submersa. 

Claro que alguns poderiam escapar, se usassem barcos, mas o problema colocar-se-ia quando o número de embarcações fosse ausente ou insuficiente, e a subida das águas fosse suficientemente rápida, a ponto de não permitir viagens suficientes para resgatar toda a população cercada. Ou seja, os que escapassem, saberiam que teriam afogado muita mágoa, em má água. Especialmente se isso tivesse ainda envolvido uma escolha entre "homens" e "animais", não exactamente como o pintado na Arca de Noé.

Há uma tradição sobre uma grande seca na Península Ibérica, em tempos "recentes". Bernardo Brito fala do assunto no Cap. 24 da sua Monarchia Lusitana -  De certa esterilidade que os autores contam, que aconteceu em Espanha neste tempo, e da verdadeira e menos duvidosa opinião que há nesta matéria. Essa seca teria levado a um enorme despovoamento da península, e isso poderá estar relacionado com um aumento de temperatura que teria não só causado uma grande seca, mas também ocasionado uma razoável subida das águas. Não é de excluir que os acercamentos (datados os mais antigos por volta de 3000-4000 a.C.) possam reflectir um tempo em que a temperatura aumentou, e com isso houve uma subida de águas muito significativa, uma escassez de recursos alimentares, e um aumento da conflitualidade entre as populações.

Como curiosidade, mencionamos ainda que uma subida da ordem de 100 metros seria suficiente para isolar a Península Ibérica, como ilha face ao restante continente europeu, ou seja, a figura da "jangada de pedra", se foi apenas figuração de Saramago, poderá ter tido um correspondente efectivo em tempos remotos.


Noutra Atlantis
O continente americano foi entendido durante vários séculos como a verdadeira Atlântida, para onde a navegação era condicionada ou proibida, até que se impôs a necessidade de manter o mito de uma Atlântida a meio do Oceano Atlântico.
Ora, no continente americano têm-se encontrado inúmeros registos de pinturas rupestres, especialmente no sudoeste dos EUA, e como há muitos fotógrafos que disponibilizam imagens, encontrei esta, com alguma semelhança com a da Lapa dos Gaviões, ou se quisermos, com o registo da Kanaga e Wolu, dos Dogon, que mostrámos no Estado da Arte (4):
 
Pintura rupestre americana (foto W. Harrell) e Lapa dos Gaviões (Portugal)

Mas não são apenas estas que são semelhantes. Há várias outras. Ficam aqui um link de fotos tiradas no White River Narrows - Archeological District ou aqui (sem menção do local). E também uma outra que mostra que há "talibãs" em várias partes do mundo, apostados em destruir registos passados:
Vandalismo presente sobre o rupestre antigo (foto de W. Harrell)
... e o problema será maior quando algumas das letras modernas disfarçarem traços ou letras antigas.  
Apenas como curiosidade, W. Harrell foi até descobrir o símbolo da Triple Marfel ... ou muito semelhante;
ou ainda o símbolo nuclear num possível escudo guerreiro!!

Acresce que o símbolo Kanaga dos Dogon aparece também na Colômbia, em conjunto com o símbolo do Indalo, da Almeria espanhola (de que falámos antes):
Indalo e Kanaga numa inscrição na Colômbia
(http://indalocodex.com/codigo-indalo/)
Estes são apenas alguns exemplos, há vários outros casos. No exemplo do Indalo já foi também sugerida uma semelhança com esta representação egípcia, da época de Ramsés:
Possível interpretação do Indalo em inscrições egípcias de Ramsés.
(http://leyendasyfabulas.com/el-indalo-simbolo-de-almeria/)
O que interessa notar é que mesmo que estejamos dispostos a aceitar um certo número de coincidências, e mostrámos algumas, haverá uma sistemática repetição de símbolos em paragens tão distintas como as europeias e americanas, e em que só os muito crentes pensarão apenas em coincidência, sem se interrogarem minimamente. Tendo vistas muito mais imagens do que as apresentadas aqui, o caso do Indalo e Kanaga parecem-me fazer parte dessa "lista de coincidências". Tratar isto como coincidência, está ao nível de considerar que é uma coincidência o sol nascer e se pôr todos os dias... e só um certo tipo de "cientistas" consegue tal redução absoluta.

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publicado às 06:56

Um dos blogs que disponibiliza ao público informação sobre investigação arqueológica é Portuguese Enclosures (com relevo para as escavações em Perdigões), e que me foi indicado há uns tempos pela Amélia Saavedra. Daí trago um mapa interessante sobre a localização desses acercamentos em Portugal, como sejam fossos circulares ou cercas muradas: 
 A.C. Valera (2015), "Map of walled and ditched enclosures"
(muradas - quadrados vermelhos, fossos - círculos laranja)
É interessante, porque o mapa escolhido apresenta a cinzento a orografia, e facilmente se nota que, à excepção de um caso (perto de Aveiro), todos os outros pontos foram encontrados em altitude. Ou seja, estão sobre a mancha cinzenta, que julgo corresponder a 100 metros de altitude (ou mais). 
Especialmente significativo é o caso a sul do Tejo, já que dessas dezenas de acercamentos, nenhum foi encontrado na parte abaixo dos 100 metros, e vários situam-se na linha fronteira dessa altitude.

Por outro lado, encontrei no ano passado um mapa que tinha uma localização extensiva das cavernas com registos pré-históricos, a que adiciono também um mapa de altitude:


Cavernas com inscrições rupestres (em cima), e mapa com o relevo do terreno (em baixo).

Observação: O blog que tinha a imagem de cima desapareceu entretanto... de forma que o link não funciona, mas deixo-o conforme o encontrei. A imagem de baixo tem link operacional, mas não é o mapa orográfico que aqui usava habitualmente. Esse era shaded-relief.com, que subitamente também deixou de funcionar... Aliás é curioso que o Google Maps também incorporou uma faceta de relevo do terreno, mas foi simplesmente desactivada na nova versão. É bom que nos habituemos a que as "novas versões" podem ganhar tendência sistemática em serem piores que as anteriores, com o pretexto de "facilitarem a compreensão".  

Ou seja, o que notei então é que o mapa das cavernas com inscrições apontava também para uma localização em altitude, especialmente por falhar a zona mais baixa da Aquitânia francesa. Não consigo saber se o registo aponta sempre para valores acima de 100 metros, mas é natural que sim.

Por outro lado, também sabemos que já mencionámos Cosquer, uma caverna cuja entrada estava 37 metros abaixo do nível do mar... Parece portanto informação contraditória. Por um lado, temos um registo frequente de cavernas acima dos 100 metros, e por outro lado há excepções, abaixo até do nível actual do mar. Como conjugar a informação?

Bom, o caso das cavernas ainda que fosse uma dica, era isolado. Trago este assunto porque há muito que reparei que os registos arqueológicos são normalmente encontrados em altitude, afastados de zonas baixas. São encontrados próximo da costa quando essa costa é alta. Este novo caso de investigação dos acercamentos parece indiciar o mesmo fenómeno - a sua localização é em altitude.
Se ainda podemos argumentar que os vestígios humanos em cavernas estão mais ligados a altitude pela presença de formações montanhosas calcárias, já é mais estranho que isso ocorra também com acercamentos, que poderiam ser construídos em qualquer lugar.

Assim, após as Idades do Gelo, o degelo fazia naturalmente aumentar o nível do mar, e estas variações não são nada insignificantes... é admitido que a linha de costa na época glaciar se estendia bastante e até deixei nos comentários um possível mapa, com um contorno obtido por análise do Google Maps, baixando o nível do mar:
Possível contorno da costa com o nível do mar reduzido, em época Glaciar
(a linha branca corresponderia a uma eventual localização dos gelos permanentes).
Se repararmos no mapa, haveria nessa época glacial várias ilhas ao largo da costa portuguesa, e que hoje estão submersas, sendo denominadas "bancos", e poderá ser grande a sua riqueza arqueológica.
Ora o problema é que quando havia uma ligação à "terra firme" (designação antiga, interessante, para o continente), a fuga das populações com a subida da água, poderia ser feita... mas também poderia ocorrer que o refúgio não fosse suficientemente alto. Nesse caso, ainda que as populações se tivessem refugiado nuns montes com algumas centenas de metros, a invasão das águas começaria por tornar esse monte numa ilha, e com a subida progressiva, essa ilha seria submersa. 

Claro que alguns poderiam escapar, se usassem barcos, mas o problema colocar-se-ia quando o número de embarcações fosse ausente ou insuficiente, e a subida das águas fosse suficientemente rápida, a ponto de não permitir viagens suficientes para resgatar toda a população cercada. Ou seja, os que escapassem, saberiam que teriam afogado muita mágoa, em má água. Especialmente se isso tivesse ainda envolvido uma escolha entre "homens" e "animais", não exactamente como o pintado na Arca de Noé.

Há uma tradição sobre uma grande seca na Península Ibérica, em tempos "recentes". Bernardo Brito fala do assunto no Cap. 24 da sua Monarchia Lusitana -  De certa esterilidade que os autores contam, que aconteceu em Espanha neste tempo, e da verdadeira e menos duvidosa opinião que há nesta matéria. Essa seca teria levado a um enorme despovoamento da península, e isso poderá estar relacionado com um aumento de temperatura que teria não só causado uma grande seca, mas também ocasionado uma razoável subida das águas. Não é de excluir que os acercamentos (datados os mais antigos por volta de 3000-4000 a.C.) possam reflectir um tempo em que a temperatura aumentou, e com isso houve uma subida de águas muito significativa, uma escassez de recursos alimentares, e um aumento da conflitualidade entre as populações.

Como curiosidade, mencionamos ainda que uma subida da ordem de 100 metros seria suficiente para isolar a Península Ibérica, como ilha face ao restante continente europeu, ou seja, a figura da "jangada de pedra", se foi apenas figuração de Saramago, poderá ter tido um correspondente efectivo em tempos remotos.


Noutra Atlantis
O continente americano foi entendido durante vários séculos como a verdadeira Atlântida, para onde a navegação era condicionada ou proibida, até que se impôs a necessidade de manter o mito de uma Atlântida a meio do Oceano Atlântico.
Ora, no continente americano têm-se encontrado inúmeros registos de pinturas rupestres, especialmente no sudoeste dos EUA, e como há muitos fotógrafos que disponibilizam imagens, encontrei esta, com alguma semelhança com a da Lapa dos Gaviões, ou se quisermos, com o registo da Kanaga e Wolu, dos Dogon, que mostrámos no Estado da Arte (4):
 
Pintura rupestre americana (foto W. Harrell) e Lapa dos Gaviões (Portugal)

Mas não são apenas estas que são semelhantes. Há várias outras. Ficam aqui um link de fotos tiradas no White River Narrows - Archeological District ou aqui (sem menção do local). E também uma outra que mostra que há "talibãs" em várias partes do mundo, apostados em destruir registos passados:
Vandalismo presente sobre o rupestre antigo (foto de W. Harrell)
... e o problema será maior quando algumas das letras modernas disfarçarem traços ou letras antigas.  
Apenas como curiosidade, W. Harrell foi até descobrir o símbolo da Triple Marfel ... ou muito semelhante;
ou ainda o símbolo nuclear num possível escudo guerreiro!!

Acresce que o símbolo Kanaga dos Dogon aparece também na Colômbia, em conjunto com o símbolo do Indalo, da Almeria espanhola (de que falámos antes):
Indalo e Kanaga numa inscrição na Colômbia
(http://indalocodex.com/codigo-indalo/)
Estes são apenas alguns exemplos, há vários outros casos. No exemplo do Indalo já foi também sugerida uma semelhança com esta representação egípcia, da época de Ramsés:
Possível interpretação do Indalo em inscrições egípcias de Ramsés.
(http://leyendasyfabulas.com/el-indalo-simbolo-de-almeria/)
O que interessa notar é que mesmo que estejamos dispostos a aceitar um certo número de coincidências, e mostrámos algumas, haverá uma sistemática repetição de símbolos em paragens tão distintas como as europeias e americanas, e em que só os muito crentes pensarão apenas em coincidência, sem se interrogarem minimamente. Tendo vistas muito mais imagens do que as apresentadas aqui, o caso do Indalo e Kanaga parecem-me fazer parte dessa "lista de coincidências". Tratar isto como coincidência, está ao nível de considerar que é uma coincidência o sol nascer e se pôr todos os dias... e só um certo tipo de "cientistas" consegue tal redução absoluta.

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