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Em dois postais anteriores, com o título "Fazer Gazeta" (1) e (2), trouxe aqui de novo o Processo dos Távoras, mas na perspectiva dos órgãos informativos da época - as gazetas. No primeiro, o incidente reportado na Gazeta de Lisboa, no segundo o incidente reportado no Universal Chronicle de Londres.
Um comentário de João Ribeiro remeteu para um antigo programa de José Hermano Saraiva, no arquivo da RTP, onde se abordava o assunto com "algum detalhe"... 
"O meu sítio de Belém" - José Hermano Saraiva.

Como este episódio já teve extenso tratamento por muita gente (inclusive uma série TV de Moita Flores), dificilmente trarei aqui algo de novo... para além de acumular com outros apontamentos depreciativos que aqui trouxe sobre a actuação do Marquês (que à época nem tampouco Conde era).

Porém há uma palavra-chave no processo que se chama "potro" e que não era nenhum cavalinho de estimação, era um cavalete de tortura, onde as pessoas eram amarradas e esticadas.
A tortura era supervisionada por um "cirurgião", Domingos Moreira Ramalho, dos "cárceres secretos" do Santo Ofício (... a maçonaria contava aqui com a melhor expertise da Santa Inquisição), que limitava a tortura ao ponto da vítima não poder recuperar do tratamento aplicado.
O método era sempre o mesmo... e os manos que gostam de lembrar o facínora em pedestais, podem ver a sua assinatura no processo, bem como a de José António de Oliveira Machado, que coordenou todo o processo formal - com alguns erros processuais (como se esquecer de notificar a Marquesa de Távora), que corrige posteriormente.
José Hermano Saraiva, muito condescendente com a versão oficializada, não deixa de lhe chamar "aborto jurídico"... com o exagero de colocar algo de "jurídico" no qualificativo.
Ainda hoje, temos essa herança legada nos nossos tribunais, onde há perfeitos "abortos jurídicos", como foi a condução do "Processo Casa Pia", uma vergonha nacional da pior espécie, que muito herdou do valor do testemunho dado a troco compensatório, sem reunir quaisquer provas decentes, e manipulando a opinião pública de forma indecente.

Salvador José Durão, de 19 anos, a principal testemunha recebeu 6000 cruzados pela denúncia (mas não terá passado a fidalgo, como o édito real prometia... enquanto Sebastião sim, passou a Conde de Oeiras), e junto com a sua paixoneta, Marianna Theresa, de 18 anos, filha de pedreiro (pouco livre), foram o par decisivo no arranjar da estória. Deles faz parte o primeiro apenso, onde se vê como ela evitou ser apresentada ao potro, quando hesitou.

O potro foi o principal meio usado pelo Marquês de Pombal, para obter as seguintes confissões pretendidas, no Processo dos Távoras. Dos 20 apensos com os interrogatórios há 17 que invocam o uso, enquanto outros confessam perante a perspectiva do seu uso, mas tirando algumas excepções, que resistiram, a maioria acaba por confessar... o quê? - pouco interessa, porque perante a tortura, a posição da vítima é terminar o suplício. 

Apenso 3 do Processo, onde se relata que o
estribeiro José Manuel tinha saúde para receber trato no "potro"

A situação é tanto mais ridícula que, tudo indica que nunca houve nenhum atentado, simplesmente o rei terá caído, e se terá aleijado desastradamente num braço. Isto fica mais ou menos indiciado pela forma como há necessidade de fazer prova do atentado... com juramentos de médicos, e com dois autos ridículos:
  • Auto de corpo de delito feito em uma casaca e veste de Sua Majestade
  • Auto de corpo de delito feito em uma sege (carruagem) de Sua Majestade

Portanto, sentiu-se necessidade de fazer prova que havia uma casaca com buracos e a carruagem tinha outro orifício, digno de grande bacamarte.

O que se segue é extraído da obra de Pedro de Azevedo, que fez em 1921 o excelente trabalho de transcrever o processo para impressão:
O Processo dos Távoras (1921) - transcrição
de que se recomenda leitura.
Aqui faço apenas apontamento das ocorrências da palavra "potro", em quase todos os apensos do processo, e que mostra bem o grau de violência exercido.
  • (pag. 31) ... como a criadagem confessou no potro

  • (pag. 79 - Apenso 3 - réu José Manuel, estribeiro do Duque) E pelo dito Réu dizer, que nada sabia, se mandou que o cirurgião tivesse a diligência sobre a saúde do Réu, e declarasse se tinha alguma enfermidade, que impedisse a dar-se-lhe tratos. E por constar que tinha saúde, e sem impedimento algum para se lhe darem tratos, assim o declarar debaixo do juramento de seu Oficio, de que fiz este termo, que todos assinamos. E logo foi mandado, que o Réu fosse posto no Potro, e atado. E executado assim, ao primeiro trato foi dito pelo Réu, que ele queria declarar a verdade, e que vinha a ser: Que ele Respondente ouvira que o Duque dissera a Duque/a sua mulher que «Assim como foi por huma parte, se fosse pela outra, que não escaparia» (...) 

  • (pag. 85 - Apenso 4 - Manuel da Costa, porteiro do Duque) [o mesmo discurso, do cirurgião - Domingos Monteiro Ramalho, dos cárceres secretos do Santo Ofício - avaliar se o réu tinha boa saúde para receber o tratamentoE logo foi mandado que o dito Reo fosse posto no Potro, e nelle atado, o que assim se executou pelos oficiais para isso determinados, e estando assim atado, e dado o primeiro grau do primeiro trato, e ainda incompleto o dito primeiro grau, disse que queria declarar a verdade, e que esta vinha a ser (...)

  • (pag. 88 - Apenso 5 - Manuel do Nascimento, cavalariça do Duque) [o mesmo discurso sobre a saúde para receber o tratamento do cirurgião Ramalho] E logo foi mandado, que o dito Reo fosse posto no Potro, e nelle alado, o que assim se executou pelos officiais, para isso determinados. E dando-se-lhe trez gráos do primeiro trato, dice que queria confessar, e declarar a verdade, com effeito dice, e declarou : «Que era verdade : Que na noute de trez' de Setembro próximo passado, pelas nove, ou dez horas sahirão da Cavalhariça do dito Duque dois cavallos, a que chamavão o Guardamor, e o Serra, cellados, e enfreados» (...)

  • (pag. 93 - Apenso 7 - António Dias, moço do Duque) [ idem ... tratamento do cirurgião Ramalho] E logo foi mandado, que o dito Reo fosse posto no Potro, e nelle atado, o que assim se executou pelos officiais para isso determinados. E estando assim atado perfeitamente dice o mesmo Reo, que queria confessar toda a verdade, que vinha a ser: «Que era verdade, que na noute de trez de Setembro lhe dera a elle Respondente dito Duque ordem pelas dez horas, e meia pouco mais ou menos, para que mandasse apparelhar as duas Facas, chamadas Palhavam, e Coimbra, e também os dois cavallos, (...)»

  • (pag. 97 - Apenso 8 - António Martins "Pagador", moço de estribaria do Duque) [não foi preciso o cirurgião Ramalho] E sendo-lhe dito que vistas as suas repostas, e culpa que lhe rezultava, estava condemnado a darem-se-lhe tratos. O que ouvido pelo Reo dice: «Que o deixassem considerar hum pouco sobre o que se lhe tinha perguntado». E logo dice : «Que era verdade, e agora lhe lembrava, que o dito Duque costumava hir muitas vezes, antes, e depois do referido insulto a São Roque a fallar com o Padre João de Mattos a Santo Antão, com Jozé Perdigão, com Thimoteo de Oliveira, e com Jacinto da Costa, e com este tratava, e fallava mais vezes do que ainda com os outros».
  • (pag. 99 - Apenso 9 - João Miguel, moço do Duque) [... tratamento do cirurgião Ramalho] E logo foi mandado, que o dito Reo fosse posto no Potro, e nelle atado, o que assim se executou, pelos officiais para isso determinados, e dando-se-lhe dois tratos espertos, e tornando-lhe a fazer perguntas, pertinazmente insistia o Reo em dizer, que nada sabia. E por dizer o cirurgião, que por ora não podia levar mais tratos, o mandarão aliviar delles, e que fosse recolhido para se curar, de que fiz este auto, que o Reo me rogou que por elle comnosco assignasse. E eu Jozé António de Oliveira Machado, que o escrevy, e assigney.

  • (pag. 112 - Apenso 11 - Manuel Alvares Ferreira, guarda-roupa do Duque) [... tratamento do cirurgião Ramalho] E logo foi mandado, que o dito Reo fosse posto no Potro, e atado, e executado assim, se lhe mandou declarasse a verdade pelo que respeitava a Terceiros. E por nada declarar, e dizer o cirurgião, que não podia levar mais tratos, se mandou aliviar, e recolher para se curar. E de tudo se fez este auto que todos assinamos. E por dizer o Reo, que não estava, nem podia assignar, rogou a mim Jozé António de Oliveira Machado, que por elle assignasse, o que fiz, e o escrevy. - Sebastião Jozé de Carvalho e Mello — Pedro Gonsalves Cordeiro Pereira = Jozé António de Oliveira Machado = A rogo do Reo = Jozé António de Oliveira Machado.

  • (Apenso 12 - António Alvares Ferreira, irmão do anterior) [... confessa praticamente toda a versão]

  • (pag. 126 - Apenso 13 - Braz José, cabo de esquadra do filho do Marquês de Távora) [... tratamento do cirurgião] E logo mandarão que o Reo fosse deitado no Potro, e atado, o que assim se executou pelos officiais para isso determinados, e estando assim lhe fiz outra vez perguntas para que declarasse o que sabia a respeito de Terceiros, debaixo do juramento, que recebido tinha, e por dizer que nada sabia, lhe mandarão dar o primeiro trato, e por continuar na mesma negativa, se passou a dar-se-lhe mais meio trato, e estando nelle, pedio audiência, para confessar, a qual sendo-Ihe concedida, confessou com effeito o seguinte ; a saber : «Que na tarde do mesmo dia trez de Setembro, em que se commetteo o detestável insulto se juntarão, e conferirão, o Marquez Luiz Bernardo de Távora, com seu Irmão Jozé Maria de Távora, sobre os ciúmes que ao primeiro dos sobreditos tinha da Marqueza sua mulher, assentando em que se achavão offendidos, e em que se havião de vingar na preciozissima vida de Sua Magestade; o que elle Respondente sabia pelo ouvir dizer ao sobredito Marquez Luiz Bernardo de Távora, e ao dito seu Irmão Jozé Maria.» 

  • (pag. 129 - Apenso 14 - Joaquim dos Santos, cocheiro do Duque) [... tratamento do cirurgião]  E logo mandarão pôr ao Reo no Potro e nelle atar, o que assim se executou, e tornando a fazer-lhe as perguntas asima pelo que toca a Terceiro, tornou á dizer, que nada sabia. E dando-se lhe o primeiro trato, e trez gráos du segundo, sempre insistiu em negar. E por dizer o Cirurgião, que por ora não podia tolerar mais se mandou aliviar, e recolher para curar. E de tudo fiz este auto que assinamos.

  • (pag. 131 - Apenso 14 - Domingos Marques, moço de cavalariça do Duque) [... tratamento do cirurgião]  E logo mandarão que o Reo fosse posto no Potro, e nelle atado, o que assim se executou pelos officiais para isso determinados, e dando-se-lhe meio trato, dice que queria declarar a verdade, que vinha a ser. «Que era verdade que dois dias antes da noute, em que se derão os sacrílegos tiros em El Rey Nosso Senhor mandara o Marquez de Tavora Luiz Bernardo dois cavallos (...)»

  • (pag. 133 - Apenso 15 - José Fernandes, cavalariça do Marquês de Távora) [... tratamento do cirurgião Ramalho] E logo sendo mandado pòr no Potro, e atado nelle, que assim se executou pelos offíciais para isso determinados. E tendo-se-lhe dado hum esperto só dice, que o dito Marquez quazi sempre costumava vir pelas onze horas e meia noute, e que na dos referidos tiros não sahira a cavallo, que sahiria de sege, por que lhe não lembrava a noute. E logo o mandarão aliviar, e recolher para se curar, de que fiz este auto, que o rogo do Reo comnosco assignou

  • (pag. 135 - Apenso 15 - José António, bolieiro do Marquês de Távora) [... tratamento do cirurgião Ramalho]  E logo foi mandado pôr o dito Reo no Potro, e a elle atado, o que assim se executou, pelos ofhciais para isso determinados, e dando-se-lhe hum esperto, dice queria declarar a verdade, que era. Que na tarde precedente á noute, em que se derão os referidos tiros, sahira o dito Marquez seu amo na sege, e viera para caza do Duque de Aveiro, e ahi estivera thé a meia noute pouco mais, ou menos (...)

  • (pag. 137 - Apenso 15 - João Bernardo, moço do Marquês de Távora) [... tratamento do cirurgião Ramalho]  E logo mandarão que o Reo fosse posto no Potro, e nelle atado, o que assim se executou pelos officiais para isso determinados. E sendo outra vez perguntado pelas mesmas perguntas de baixo do juramento dos Santos Evangelhos, que já se lhe havia deferido, pelo que tocava a Terceiros. E por dizer que nada sabia se lhe dêo o primeiro grão do primeiro trato. E por dizer que queria declarar a verdade, sendo admittido dice. (...)

  • (pag. 143 - Apenso 16 - Luís Bernardo de Távora, filho do Marquês) [... tratamento do cirurgião Ramalho]  E logo foi mandado, que o Reo se deitasse no Potro, e se atasse, o que assim se executou, pelos officiais para isso determinados. E eu lhe tornei a dizer, que declarasse a verdade do que elle Reo sabia a respeito de Terceiros, e tendo trez quartos de tratos do primeiro trato, dice que queria declarar a verdade. E declarou sendo ouvido o seguinte. «Que elle Respondente se achara com o Marquez Francisco de Assiz de Távora seu Pai e com a Marqueza Dona Leonor de Távora sua Mãe, e com o Duque de Aveiro, em caza do mesmo Duque, onde assentarão de commum acordo, que subindo o Senhor Infante Dom Pedro ao Throno, tornaria ao seu antecedente poder o governo delle Mordomo Mor, e dos Religiosos da companhia de Jezus.» (...)

  • (pag. 150 - Apenso 17 - Jerónimo de Ataíde, Conde de Atouguia) [... tratamento do cirurgião Ramalho]   E logo foi mandado, que o Reo se pozesse no Potro, e que nelle se deitasse, o que assim se executou pelos officiais para isso determinados. E eu o tornei a admoestar para que declarasse a verdade do que elle Reo sabia a respeito de Terceiros, e por dizer que nada sabia, se lhe deo o tormento, que tolerou athé haver sofrido hum trato esperto inteiro, e hum quarto mais em ametade do corpo. E requerendo então se lhe suspendesse o tormento, por que queria dizer a verdade : E mandando suspender o mesmo tormento no grão em que se achava : Declarou nelle debaixo do juramento que tinha tomado, pelo que respeitava a Terceiros o seguinte :  (i) Que em caza do Duque de Aveiro se tinhão praticas com os parentes, das quais elle Duque, e a Duqueza sua mulher persuadirão aos Marquezes de Távora sogros delle Respondente, e a Manoel de Távora seu Tio a necessidade que havia de se effectuar a beneficio de todos o cazamento da Princeza Nossa Senhora com o Sereníssimo Senhor Infante Dom Pedro: E o muito que importava para se effectuar o dito cazamento, que se tirasse a El Rey Nosso Senhor a sua preciozissima e gloriozissima vida. (ii) Que em caza dos ditos Marquezes seus sogros, e principalmente a Marqueza Dona Leonor de Távora, se fallava no governo d'El Rey Nosso Senhor com aversão, e ódio, dirigindo-se a dita Marqueza em tudo pelo espirito, e conselhos do Padre Malagrida. 

  • (pag. 153 - Apenso 18 - José Mascarenhas, Duque de Aveiro) [... sem tratamento]  E sendo admoestado primeira, segunda, e terceira vez, que visse, que com a impenitencia, e com a negativa, fazia a sua culpa mais enorme; por quanto se provava plenamente, que elle sabia de sciencia certa a cauza da sua prizão. Respondeo, que tinha dito, e insistio em que nada mais tinha que accrescentar. (...) 
  • Respondeo insistindo em que nada soubera á cerca do referido insul
  • to, antes de commettido, e que so depois do mesmo insulto, perguntando 
  • ao Marquez de Anjeja, qual tinha sido a cauza da queixa de Sua Magesta
  • de, lhe respondeo, que fora huma queda. E que succedeo na tarde do dia 
  • próximo seguinte ao dito insulto. (...) [mas a dado momento o Duque de Aveiro, sem razão visível, muda o discurso por completo, e "por descargo de consciência" confessa o atentado... implicando jesuítas e Távoras]
  • (pag. 174 - Apenso 19 - José Maria, filho do Marquês de Távora) [... com tratamento do cirurgião Ramalho] E logo foi mandado, que o Reo fosse posto no Potro, e atado, que assim se executou pelos guardas para isso determinados; e eu lhe tornei a dizer que declarasse a verdade, do que elle Reo sabia sobre os cúmplices do delicto de que se trata. E pelo Reo dizer que nada sabia ao dito respeito porque havia contra elle Reo prova bastante; e por estar pertinazmente negativo, e por dizer o Cirurgião não podia tolerar, mais tormento, depois de haver sofrido trato, e meio, o mandarão tirar delle, e cesasse, e se recolheçe para se curar, e de tudo fiz este termo, que todos assignamos.
  • (pag. 180 - Apenso 20 - Francisco de Assis, Marquês de Távora) [... com tratamento do cirurgião Ramalho] E logo foi mandado, que o Reo se deitasse no Potro, e fosse atado nas pernas, e braços, o que assim se executou pelos officiais para isso determinados; E logo lhe tornei a fazer perguntas para que declarasse a verdade do que elle Reo sabia a respeito de Terceiros cúmplices no referid< delicto ; e pelo dito Reo tornar a dizer que nada sabia se lhe mandou dar o primeiro trato, e estando com elle apertado, lhe tornei a fazer pergunta na forma asima mencionada que declarasse a verdade á cerca dos cúmplices, esteve pertinazmente negativo no trato, e por o Cirurgião dizer que não podia tolerar outro por ser o Reo quebrado, e mostrar ser Asmático o mandarão tirar delle, que cessasse, e recolhese para se curar. E de tudo se fez este auto e termos que assinamos. = Sebastião Jozé de Carvalho e Mello = Pedro Gonsalves Cordeiro Pereira = Jozé António de Oliveira Machado. 

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publicado às 21:28

Em dois postais anteriores, com o título "Fazer Gazeta" (1) e (2), trouxe aqui de novo o Processo dos Távoras, mas na perspectiva dos órgãos informativos da época - as gazetas. No primeiro, o incidente reportado na Gazeta de Lisboa, no segundo o incidente reportado no Universal Chronicle de Londres.
Um comentário de João Ribeiro remeteu para um antigo programa de José Hermano Saraiva, no arquivo da RTP, onde se abordava o assunto com "algum detalhe"... 
"O meu sítio de Belém" - José Hermano Saraiva.

Como este episódio já teve extenso tratamento por muita gente (inclusive uma série TV de Moita Flores), dificilmente trarei aqui algo de novo... para além de acumular com outros apontamentos depreciativos que aqui trouxe sobre a actuação do Marquês (que à época nem tampouco Conde era).

Porém há uma palavra-chave no processo que se chama "potro" e que não era nenhum cavalinho de estimação, era um cavalete de tortura, onde as pessoas eram amarradas e esticadas.
A tortura era supervisionada por um "cirurgião", Domingos Moreira Ramalho, dos "cárceres secretos" do Santo Ofício (... a maçonaria contava aqui com a melhor expertise da Santa Inquisição), que limitava a tortura ao ponto da vítima não poder recuperar do tratamento aplicado.
O método era sempre o mesmo... e os manos que gostam de lembrar o facínora em pedestais, podem ver a sua assinatura no processo, bem como a de José António de Oliveira Machado, que coordenou todo o processo formal - com alguns erros processuais (como se esquecer de notificar a Marquesa de Távora), que corrige posteriormente.
José Hermano Saraiva, muito condescendente com a versão oficializada, não deixa de lhe chamar "aborto jurídico"... com o exagero de colocar algo de "jurídico" no qualificativo.
Ainda hoje, temos essa herança legada nos nossos tribunais, onde há perfeitos "abortos jurídicos", como foi a condução do "Processo Casa Pia", uma vergonha nacional da pior espécie, que muito herdou do valor do testemunho dado a troco compensatório, sem reunir quaisquer provas decentes, e manipulando a opinião pública de forma indecente.

Salvador José Durão, de 19 anos, a principal testemunha recebeu 6000 cruzados pela denúncia (mas não terá passado a fidalgo, como o édito real prometia... enquanto Sebastião sim, passou a Conde de Oeiras), e junto com a sua paixoneta, Marianna Theresa, de 18 anos, filha de pedreiro (pouco livre), foram o par decisivo no arranjar da estória. Deles faz parte o primeiro apenso, onde se vê como ela evitou ser apresentada ao potro, quando hesitou.

O potro foi o principal meio usado pelo Marquês de Pombal, para obter as seguintes confissões pretendidas, no Processo dos Távoras. Dos 20 apensos com os interrogatórios há 17 que invocam o uso, enquanto outros confessam perante a perspectiva do seu uso, mas tirando algumas excepções, que resistiram, a maioria acaba por confessar... o quê? - pouco interessa, porque perante a tortura, a posição da vítima é terminar o suplício. 

Apenso 3 do Processo, onde se relata que o
estribeiro José Manuel tinha saúde para receber trato no "potro"

A situação é tanto mais ridícula que, tudo indica que nunca houve nenhum atentado, simplesmente o rei terá caído, e se terá aleijado desastradamente num braço. Isto fica mais ou menos indiciado pela forma como há necessidade de fazer prova do atentado... com juramentos de médicos, e com dois autos ridículos:
  • Auto de corpo de delito feito em uma casaca e veste de Sua Majestade
  • Auto de corpo de delito feito em uma sege (carruagem) de Sua Majestade

Portanto, sentiu-se necessidade de fazer prova que havia uma casaca com buracos e a carruagem tinha outro orifício, digno de grande bacamarte.

O que se segue é extraído da obra de Pedro de Azevedo, que fez em 1921 o excelente trabalho de transcrever o processo para impressão:
O Processo dos Távoras (1921) - transcrição
de que se recomenda leitura.
Aqui faço apenas apontamento das ocorrências da palavra "potro", em quase todos os apensos do processo, e que mostra bem o grau de violência exercido.
  • (pag. 31) ... como a criadagem confessou no potro

  • (pag. 79 - Apenso 3 - réu José Manuel, estribeiro do Duque) E pelo dito Réu dizer, que nada sabia, se mandou que o cirurgião tivesse a diligência sobre a saúde do Réu, e declarasse se tinha alguma enfermidade, que impedisse a dar-se-lhe tratos. E por constar que tinha saúde, e sem impedimento algum para se lhe darem tratos, assim o declarar debaixo do juramento de seu Oficio, de que fiz este termo, que todos assinamos. E logo foi mandado, que o Réu fosse posto no Potro, e atado. E executado assim, ao primeiro trato foi dito pelo Réu, que ele queria declarar a verdade, e que vinha a ser: Que ele Respondente ouvira que o Duque dissera a Duque/a sua mulher que «Assim como foi por huma parte, se fosse pela outra, que não escaparia» (...) 

  • (pag. 85 - Apenso 4 - Manuel da Costa, porteiro do Duque) [o mesmo discurso, do cirurgião - Domingos Monteiro Ramalho, dos cárceres secretos do Santo Ofício - avaliar se o réu tinha boa saúde para receber o tratamentoE logo foi mandado que o dito Reo fosse posto no Potro, e nelle atado, o que assim se executou pelos oficiais para isso determinados, e estando assim atado, e dado o primeiro grau do primeiro trato, e ainda incompleto o dito primeiro grau, disse que queria declarar a verdade, e que esta vinha a ser (...)

  • (pag. 88 - Apenso 5 - Manuel do Nascimento, cavalariça do Duque) [o mesmo discurso sobre a saúde para receber o tratamento do cirurgião Ramalho] E logo foi mandado, que o dito Reo fosse posto no Potro, e nelle alado, o que assim se executou pelos officiais, para isso determinados. E dando-se-lhe trez gráos do primeiro trato, dice que queria confessar, e declarar a verdade, com effeito dice, e declarou : «Que era verdade : Que na noute de trez' de Setembro próximo passado, pelas nove, ou dez horas sahirão da Cavalhariça do dito Duque dois cavallos, a que chamavão o Guardamor, e o Serra, cellados, e enfreados» (...)

  • (pag. 93 - Apenso 7 - António Dias, moço do Duque) [ idem ... tratamento do cirurgião Ramalho] E logo foi mandado, que o dito Reo fosse posto no Potro, e nelle atado, o que assim se executou pelos officiais para isso determinados. E estando assim atado perfeitamente dice o mesmo Reo, que queria confessar toda a verdade, que vinha a ser: «Que era verdade, que na noute de trez de Setembro lhe dera a elle Respondente dito Duque ordem pelas dez horas, e meia pouco mais ou menos, para que mandasse apparelhar as duas Facas, chamadas Palhavam, e Coimbra, e também os dois cavallos, (...)»

  • (pag. 97 - Apenso 8 - António Martins "Pagador", moço de estribaria do Duque) [não foi preciso o cirurgião Ramalho] E sendo-lhe dito que vistas as suas repostas, e culpa que lhe rezultava, estava condemnado a darem-se-lhe tratos. O que ouvido pelo Reo dice: «Que o deixassem considerar hum pouco sobre o que se lhe tinha perguntado». E logo dice : «Que era verdade, e agora lhe lembrava, que o dito Duque costumava hir muitas vezes, antes, e depois do referido insulto a São Roque a fallar com o Padre João de Mattos a Santo Antão, com Jozé Perdigão, com Thimoteo de Oliveira, e com Jacinto da Costa, e com este tratava, e fallava mais vezes do que ainda com os outros».
  • (pag. 99 - Apenso 9 - João Miguel, moço do Duque) [... tratamento do cirurgião Ramalho] E logo foi mandado, que o dito Reo fosse posto no Potro, e nelle atado, o que assim se executou, pelos officiais para isso determinados, e dando-se-lhe dois tratos espertos, e tornando-lhe a fazer perguntas, pertinazmente insistia o Reo em dizer, que nada sabia. E por dizer o cirurgião, que por ora não podia levar mais tratos, o mandarão aliviar delles, e que fosse recolhido para se curar, de que fiz este auto, que o Reo me rogou que por elle comnosco assignasse. E eu Jozé António de Oliveira Machado, que o escrevy, e assigney.

  • (pag. 112 - Apenso 11 - Manuel Alvares Ferreira, guarda-roupa do Duque) [... tratamento do cirurgião Ramalho] E logo foi mandado, que o dito Reo fosse posto no Potro, e atado, e executado assim, se lhe mandou declarasse a verdade pelo que respeitava a Terceiros. E por nada declarar, e dizer o cirurgião, que não podia levar mais tratos, se mandou aliviar, e recolher para se curar. E de tudo se fez este auto que todos assinamos. E por dizer o Reo, que não estava, nem podia assignar, rogou a mim Jozé António de Oliveira Machado, que por elle assignasse, o que fiz, e o escrevy. - Sebastião Jozé de Carvalho e Mello — Pedro Gonsalves Cordeiro Pereira = Jozé António de Oliveira Machado = A rogo do Reo = Jozé António de Oliveira Machado.

  • (Apenso 12 - António Alvares Ferreira, irmão do anterior) [... confessa praticamente toda a versão]

  • (pag. 126 - Apenso 13 - Braz José, cabo de esquadra do filho do Marquês de Távora) [... tratamento do cirurgião] E logo mandarão que o Reo fosse deitado no Potro, e atado, o que assim se executou pelos officiais para isso determinados, e estando assim lhe fiz outra vez perguntas para que declarasse o que sabia a respeito de Terceiros, debaixo do juramento, que recebido tinha, e por dizer que nada sabia, lhe mandarão dar o primeiro trato, e por continuar na mesma negativa, se passou a dar-se-lhe mais meio trato, e estando nelle, pedio audiência, para confessar, a qual sendo-Ihe concedida, confessou com effeito o seguinte ; a saber : «Que na tarde do mesmo dia trez de Setembro, em que se commetteo o detestável insulto se juntarão, e conferirão, o Marquez Luiz Bernardo de Távora, com seu Irmão Jozé Maria de Távora, sobre os ciúmes que ao primeiro dos sobreditos tinha da Marqueza sua mulher, assentando em que se achavão offendidos, e em que se havião de vingar na preciozissima vida de Sua Magestade; o que elle Respondente sabia pelo ouvir dizer ao sobredito Marquez Luiz Bernardo de Távora, e ao dito seu Irmão Jozé Maria.» 

  • (pag. 129 - Apenso 14 - Joaquim dos Santos, cocheiro do Duque) [... tratamento do cirurgião]  E logo mandarão pôr ao Reo no Potro e nelle atar, o que assim se executou, e tornando a fazer-lhe as perguntas asima pelo que toca a Terceiro, tornou á dizer, que nada sabia. E dando-se lhe o primeiro trato, e trez gráos du segundo, sempre insistiu em negar. E por dizer o Cirurgião, que por ora não podia tolerar mais se mandou aliviar, e recolher para curar. E de tudo fiz este auto que assinamos.

  • (pag. 131 - Apenso 14 - Domingos Marques, moço de cavalariça do Duque) [... tratamento do cirurgião]  E logo mandarão que o Reo fosse posto no Potro, e nelle atado, o que assim se executou pelos officiais para isso determinados, e dando-se-lhe meio trato, dice que queria declarar a verdade, que vinha a ser. «Que era verdade que dois dias antes da noute, em que se derão os sacrílegos tiros em El Rey Nosso Senhor mandara o Marquez de Tavora Luiz Bernardo dois cavallos (...)»

  • (pag. 133 - Apenso 15 - José Fernandes, cavalariça do Marquês de Távora) [... tratamento do cirurgião Ramalho] E logo sendo mandado pòr no Potro, e atado nelle, que assim se executou pelos offíciais para isso determinados. E tendo-se-lhe dado hum esperto só dice, que o dito Marquez quazi sempre costumava vir pelas onze horas e meia noute, e que na dos referidos tiros não sahira a cavallo, que sahiria de sege, por que lhe não lembrava a noute. E logo o mandarão aliviar, e recolher para se curar, de que fiz este auto, que o rogo do Reo comnosco assignou

  • (pag. 135 - Apenso 15 - José António, bolieiro do Marquês de Távora) [... tratamento do cirurgião Ramalho]  E logo foi mandado pôr o dito Reo no Potro, e a elle atado, o que assim se executou, pelos ofhciais para isso determinados, e dando-se-lhe hum esperto, dice queria declarar a verdade, que era. Que na tarde precedente á noute, em que se derão os referidos tiros, sahira o dito Marquez seu amo na sege, e viera para caza do Duque de Aveiro, e ahi estivera thé a meia noute pouco mais, ou menos (...)

  • (pag. 137 - Apenso 15 - João Bernardo, moço do Marquês de Távora) [... tratamento do cirurgião Ramalho]  E logo mandarão que o Reo fosse posto no Potro, e nelle atado, o que assim se executou pelos officiais para isso determinados. E sendo outra vez perguntado pelas mesmas perguntas de baixo do juramento dos Santos Evangelhos, que já se lhe havia deferido, pelo que tocava a Terceiros. E por dizer que nada sabia se lhe dêo o primeiro grão do primeiro trato. E por dizer que queria declarar a verdade, sendo admittido dice. (...)

  • (pag. 143 - Apenso 16 - Luís Bernardo de Távora, filho do Marquês) [... tratamento do cirurgião Ramalho]  E logo foi mandado, que o Reo se deitasse no Potro, e se atasse, o que assim se executou, pelos officiais para isso determinados. E eu lhe tornei a dizer, que declarasse a verdade do que elle Reo sabia a respeito de Terceiros, e tendo trez quartos de tratos do primeiro trato, dice que queria declarar a verdade. E declarou sendo ouvido o seguinte. «Que elle Respondente se achara com o Marquez Francisco de Assiz de Távora seu Pai e com a Marqueza Dona Leonor de Távora sua Mãe, e com o Duque de Aveiro, em caza do mesmo Duque, onde assentarão de commum acordo, que subindo o Senhor Infante Dom Pedro ao Throno, tornaria ao seu antecedente poder o governo delle Mordomo Mor, e dos Religiosos da companhia de Jezus.» (...)

  • (pag. 150 - Apenso 17 - Jerónimo de Ataíde, Conde de Atouguia) [... tratamento do cirurgião Ramalho]   E logo foi mandado, que o Reo se pozesse no Potro, e que nelle se deitasse, o que assim se executou pelos officiais para isso determinados. E eu o tornei a admoestar para que declarasse a verdade do que elle Reo sabia a respeito de Terceiros, e por dizer que nada sabia, se lhe deo o tormento, que tolerou athé haver sofrido hum trato esperto inteiro, e hum quarto mais em ametade do corpo. E requerendo então se lhe suspendesse o tormento, por que queria dizer a verdade : E mandando suspender o mesmo tormento no grão em que se achava : Declarou nelle debaixo do juramento que tinha tomado, pelo que respeitava a Terceiros o seguinte :  (i) Que em caza do Duque de Aveiro se tinhão praticas com os parentes, das quais elle Duque, e a Duqueza sua mulher persuadirão aos Marquezes de Távora sogros delle Respondente, e a Manoel de Távora seu Tio a necessidade que havia de se effectuar a beneficio de todos o cazamento da Princeza Nossa Senhora com o Sereníssimo Senhor Infante Dom Pedro: E o muito que importava para se effectuar o dito cazamento, que se tirasse a El Rey Nosso Senhor a sua preciozissima e gloriozissima vida. (ii) Que em caza dos ditos Marquezes seus sogros, e principalmente a Marqueza Dona Leonor de Távora, se fallava no governo d'El Rey Nosso Senhor com aversão, e ódio, dirigindo-se a dita Marqueza em tudo pelo espirito, e conselhos do Padre Malagrida. 

  • (pag. 153 - Apenso 18 - José Mascarenhas, Duque de Aveiro) [... sem tratamento]  E sendo admoestado primeira, segunda, e terceira vez, que visse, que com a impenitencia, e com a negativa, fazia a sua culpa mais enorme; por quanto se provava plenamente, que elle sabia de sciencia certa a cauza da sua prizão. Respondeo, que tinha dito, e insistio em que nada mais tinha que accrescentar. (...) 
  • Respondeo insistindo em que nada soubera á cerca do referido insul
  • to, antes de commettido, e que so depois do mesmo insulto, perguntando 
  • ao Marquez de Anjeja, qual tinha sido a cauza da queixa de Sua Magesta
  • de, lhe respondeo, que fora huma queda. E que succedeo na tarde do dia 
  • próximo seguinte ao dito insulto. (...) [mas a dado momento o Duque de Aveiro, sem razão visível, muda o discurso por completo, e "por descargo de consciência" confessa o atentado... implicando jesuítas e Távoras]
  • (pag. 174 - Apenso 19 - José Maria, filho do Marquês de Távora) [... com tratamento do cirurgião Ramalho] E logo foi mandado, que o Reo fosse posto no Potro, e atado, que assim se executou pelos guardas para isso determinados; e eu lhe tornei a dizer que declarasse a verdade, do que elle Reo sabia sobre os cúmplices do delicto de que se trata. E pelo Reo dizer que nada sabia ao dito respeito porque havia contra elle Reo prova bastante; e por estar pertinazmente negativo, e por dizer o Cirurgião não podia tolerar, mais tormento, depois de haver sofrido trato, e meio, o mandarão tirar delle, e cesasse, e se recolheçe para se curar, e de tudo fiz este termo, que todos assignamos.
  • (pag. 180 - Apenso 20 - Francisco de Assis, Marquês de Távora) [... com tratamento do cirurgião Ramalho] E logo foi mandado, que o Reo se deitasse no Potro, e fosse atado nas pernas, e braços, o que assim se executou pelos officiais para isso determinados; E logo lhe tornei a fazer perguntas para que declarasse a verdade do que elle Reo sabia a respeito de Terceiros cúmplices no referid< delicto ; e pelo dito Reo tornar a dizer que nada sabia se lhe mandou dar o primeiro trato, e estando com elle apertado, lhe tornei a fazer pergunta na forma asima mencionada que declarasse a verdade á cerca dos cúmplices, esteve pertinazmente negativo no trato, e por o Cirurgião dizer que não podia tolerar outro por ser o Reo quebrado, e mostrar ser Asmático o mandarão tirar delle, que cessasse, e recolhese para se curar. E de tudo se fez este auto e termos que assinamos. = Sebastião Jozé de Carvalho e Mello = Pedro Gonsalves Cordeiro Pereira = Jozé António de Oliveira Machado. 

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publicado às 21:28

Charles Bethune na reedição inglesa do Séc. XIX faz comentários à tradução que Hakluyt tinha feito no final do Séc. XVI, mas vejamos um exemplo, para percebermos como as coisas não são assim tão simples. Galvão (ver em baixo) diz o seguinte:
  • Outros querem q nam passasse da serra Lioa, & que Publio depois dele descobrisse ate a Linha.
Bethune coloca uma nota na tradução de Hakluyt (pág. 40):
  • There be others that say that he passed not beyond Sierra Leona, but people it,(3) and afterwards discovered as far as the line. 
    • (3) And that afterwards he made public the discoveries as far as the line.
Primeiro Hakluyt entendeu que "Publio" significava "povoou", enquanto Bethune vai traduzir mudando para "publicou".
Em ambos os casos, o significado nada tem a ver com o original.
Se é estranho que Hakluyt não tivesse ajuda de nenhum português (havia bastantes à época na corte da rainha Isabel, uma vez que D. António, Prior do Crato, esteve por ali exilado...), mais estranho será Bethune propor-se corrigir a tradução de Hakluyt, sem contar com nenhum apoio português... ou digamos, se o tiveram foi mais como se o não tivessem.

Passei mais de duas horas a procurar quem seria o Publio de que Galvão fala, sem nenhum sucesso, mas não há dúvida que Galvão fala de um navegador, certamente romano, de nome Publius, que depois de Hannon teria atingido a "Linha", ou seja, o Equador.
Ora, que me lembre, tirando o mítico Eneias, não há propriamente nenhum nome de Roma associado a navegações... sendo certo que os romanos tinham barcos e pilotos para os comandar! O nome Publius é demasiado vulgar para permitir rápida inspecção dos casos possíveis, podendo ir de Virgílio até um governador de Malta que acolheu S. Paulo, entre muitos outros.
O que é certo é que esta navegação romana, que teria atingido a linha do equador, acabou por ficar perdida no nevoeiro histórico.

É claro que a malta historiadora tende a desvalorizar estas coisas, e acha perfeitamente normal que os romanos tivessem ficado quietinhos, no Mediterrâneo, o seu Mare Nostrum, e conforme ilustrei há uns tempos o panorama oficial fosse o da figura anexa (onde falta outro principal sinal vermelho... o do Mar Vermelho).

Assim, se procuro colocar algumas indicações para esta transcrição, a "coisa" pode revelar-se mais complicada nuns casos do que noutros.
Outro exemplo, ainda na parte que transcrevo em baixo, Galvão fala de cobras amestradas para guardar as hortas e plantações, algo que se passaria na África do Sul... e que desafia a imaginação que temos, associando cobras ao comportamento de cães. Usa ainda o relato do navegador veneziano Cadamosto (cujo nome é também escrito Cá da Mosto), colocado no reino de Budimol, em África (nome que só vimos associado a rei da Tailândia - Bhumibol), e que daria também conta dessa proeza antiga das cobras!
Acresce ainda o mito das sereias... ou seja de pescado com "rosto e forma" de mulher, e esse deixo-o sem mais comentários.

Finalmente acresce o relato das navegações ibéricas pelos anos 535 a.C., que já nessa época se estenderiam até às Índias e Arábias, onde faziam o comércio de especiarias. Charles Bethune procurou as fontes onde Galvão se poderia ter baseado, e cita Aristóteles (de mirandis in natura auditis), e Estrabão (livro 2, pág. 641, de Gaditanorum longinqua navigatione & ingentibus navibus) a este propósito.

Como dizia Galvão - por onde parece que naquelas partes havia muitos, & muitos anos que se navegavam...

________________________________________
DESCOBRIMENTOS 
em diversos anos & tempos, 
& quem foram os primeiros que navegaram.
purl.pt/15321 
por António Galvão (1563)

continuação de (2) (1) 

No ano de 520 antes do Nascimento de Christo dizem que Cambisis [Cambises], Rey da Persia, tomou o Egypto, ao qual sucedeu Dario filho de Ristassis [Histaspes], determinou de dar fim à empresa que El Rey Sesostres [Sesostris] começara, se lhe não fizeram certo que o mar Erithreo [mar Vermelho] era mais alto que a terra do Egipto, & chegando a água salgada ao rio Nillo perder-se-ia esta Província à fome & sede, porque dele se rega, & os moradores, & gados não bebem outra água, pelo que deixou de haver fim esta obra. 

Ainda que um pouco me aparte do propósito, não deixarei dir [de ir] tocando, em algumas cousas em que vou falando, por dar repouso a tão largo caminho. Tinham, os Egypcios, que em sua terra se criava a geração humana, & que ainda agora nascem nela uns bichos tamanhos como ratos, & se vêm muitos meio torrão & meio bicho, até de todo se despedir da terra: cuido que são estes os que quebram os ovos aos lagartos, que há muitos no rio Nilo, a que também chamam Cocodrilhos [crocodilos]. E querem ainda que em tempos passados fossem encantados, por onde não faziam mal a nenhuma pessoa, mas depois de se desfazerem sua figura de chumbo, com suas letras Egypcias, tornaram a matar a gente, alimárias, gados, & fazer muito dano, principalmente os que saem de água, & se vão pela terra dentro, que são muito mais peçonhentos que os que ficam no Nilo, que estes pescam da Cidade do Cayro [Cairo] para baixo, e os comem, e põem as cabeças pelo muro. 

Também se escreve que estes lagartos se deitam narea [na areia] ao longo da ribeira com a boca aberta, & que vêm umas aves brancas, pouco maiores que melroas, & se metem dentro, & comem aquela çugidade [sujidade] que têm entre os dentes, e gengivas, com que folgam muito; mas contudo cerram a boca para as comerem, o que fariam se a natureza as não provera de um ossinho agudo que tem na cabeça com que os picam no céu da boca, de maneira que a abrem, e o pássaro se vai embora, mas logo vêm outros que acabam de alimparlha [de lha limpar]. Também há nesta ribeira muitos cavalos marinhos [hipópotamos], e na terra quantidade de cegonhas, que têm guerra com as serpes [serpentes] que ali vêm de Arábia, e matam muitas delas, e assim estas cegonhas, como os bichos que comem os ovos dos lagartos, são dos Egypcios mui venerados. 

No ano de 485 antes da Encarnação de Christo, diz que mandou El Rey Xerxes a Sataspis, seu sobrinho, descobrir a Índia, o qual saiu pelo Estreito de Gibaltar [Gibraltar] fora, que está em trinta e seis graus da parte do Norte, e passou o Promontório Dafrica [de África], que é aquele que agora chamamos Cabo de Boa Esperança, que está da parte do Sul em trinta e quatro para cinco graus d'altura. E enfadado de tão grande navegação se tornou, como Bertolameu Dias [Bartolomeu Dias] em nossos tempos fez. 

Antes do Salvador do Mundo vindo 440 anos, Himeleõ [Himilcão], & Annõ [Hanão] seu irmão, capitães Cartagineses, governando a Andaluzia, partiram dela cada um com uma Armada. Himeleõ contra o Norte descobriu a Costa de Espanha, França, Frandes [Flandres], & Alemanha: & alguns querem que a Gótica, & que chegasse à Ilha de Thili [Thule], em Hislãda [Islândia], que está debaixo do circulo Artico em sessenta & seis graus do Norte, & puseram nisto dois anos na viagem, até chegarem a esta Ilha, que tem os dias de Junho de vinte duas horas, & as noites de Dezembro doutro tanto, pelo que é frigidíssima. Parece que bradam, & gemem os homens nela, por onde dizem que ali é o Purgatório de Sam Patrício. 

Tem esta Ilha três montes, que deitam fogo pelo pé, & em cima está nevada, & em um deles que se chama Ecla, é o fogo tão brando que não queima a estopa, e por outra parte tem tanta força que arde nagoa [na água], e consome-a toda. E assim dizem que há nesta Ilha duas fontes, uma como cera derretida, e outra que sempre ferve, e toda a cousa que lhe deitam dentro se converte em pedra, ficando em sua própria figura. 
Há mais nesta Ilha ussos [ursos], raposos, lebres, corvos, falcões, & outras aves, & alimárias bravas: & é tanta a erva, que a cegam duas vezes, para que os gados passem: & muitas vezes os tiram dela, para que não arrebentem de gordura. Há aí muy grandes, & disformes pescados, & tanto que põem aos navegantes medo, & de seus ossos, & costas fizeram uma Igreja. Não há aí pão, vinho, azeite, nem de que o façam, alumiam-se com o do pescado, porque em toda parte provê a divina magestade. 

O Capitão Anon tomou na mão a Costa Dafrica, e Guiné, e dizem que descobriu as Ilhas Bem afortunadas, que agora chamamos Canárias, & além delas outras que dizem Dorcadas [...Órcades?], Esperias [Hespéridas], & as Gorganas, que se agora chamam do Cabo Verde: e foram assim ao longo da Costa, até dobrar o Cabo de Boa Esperança: e tomando na mão a terra foram ao longo dela, a outro Cabo que se chama Aromatico [Aromata], e agora de Guardafuy, que está Lesteoeste com o Verde em quatorze graus da parte do Norte: e que chegara à costa Darabia [da Arábia], que está em dezasseis, e dezassete: e pusera cinco anos até tornar a Espanha. Outros querem que não passasse da serra Lioa [Serra Leoa], & que Publio [???] depois dele descobrisse até à Linha. 
Mas parece que não faria tão comprida navegação, pois gastou tanto tempo neste trabalho. Alguns contam agora que os habitadores desta Costa do Cabo de Boa Esperança são grandes feiticeiros, encantadores, principalmente de cobras: e trazem-nas tanto a seu mando, que lhes guardam as sementeiras, hortas, pomares, e suas granjarias, assim de ladrões, como de alimárias: e se vêem alguns fazer dano cingem-se com ele, e tem-nos presos, e mandam aos filhos chamar seus amos, e entregam-nos: e se a gente é muita, ou alimária poderosa com que se não atrevem, vão-se a casa daquele com que vivem, e se é de noite dão tantos Assovios [assobios], & chirlos [chilros], até que os acordam para ir defender, o que lhe entregaram. Alvici Cadamosto italiano, escreve que se achou no descobrimento de Guine no reyno de Budimol, em casa de Bisborol seu neto: & jazendo na cama ouviu grande silvos darredor [em redor] da casa, a que Bisborol se levantara da cama, e saíra pela porta fora: e quando tornara Cadamosto lhe perguntara donde vinha contou-lhe como acudira às cobras que o chamaram. O que se não deve d'aver [de haver] por muito, porque na Índia há muitas & muy peçonhentas, e trazem-nas em redor do pescoço, metem-nas pelos peitos, e saem-lhes pelos braços fazem-lhe som com que bailam, e o mais que lhe mandam. 

Assim me disseram alguns Portugueses que por aquela Costa do Cabo de Boa Esperança para Çofala, Quiloa, Melide andaram, que havia certos pássaros, a que acudiam os Negros a seu chamado, & como os viam mudavam-se de uma árvore em outra: & os Cafres os seguiam até que se punham em alguma donde se não mudavam, e em olhando os Negros para cima viam mel, e cera, subiam a tomá-lo, e o pássaro ficava ali. Não me souberam dizer se era isto natural, se o faziam por ter dali mantença. Também afirmavam que debaixo da terra em formigueiros se achava muito mel, e cera que as formigas faziam um pouco agro. Diziam mais que nesta Costa havia grandes pescados que andavam o mais do tempo na água direitos, e tinham rostos, e naturas de mulheres, com que os pescadores se desenfadavam quando os tomavam: e se os vendiam davam-lhes juramento se dormiram com elas, e se o não fizeram então lhas compravam, e doutra maneira não lhes davam por elas nenhuma cousa. 

No ano de 535, antes de Christo, diz que navegavam os Espanhões por todo o maremagno, até chegarem às praias das Índias, Arábia, & suas Costas, donde levavam, e traziam muitas, & diversas mercadorias: e andavam nestes tratos, & outros por diversas partes do Mundo em grandes navios: foram ao Noroeste dar em uns canais, & baixos que com a crescente do mar se cobriam, & com o minguante apareciam, donde achavam muitos atuüs [atuns] de maravilhosa grandeza, fizeram neles grandes pescarias, por serem os primeiros que até aquele tempo tinham visto, e por muito estimados. 

Alexandre Magno, segundo pelas idades parecem, foi antes da vinda de Christo 324 anos, como todos sabemos era natural da Europa, passou em Ásia, & Africa, atravessou a Siria, Armenia, Persia, Batuana, que está da parte do Norte em xliiij [44] graus d'altura, que é a maior em que se ele pôs nesta jornada, donde desceu à Índia pelos montes Imãos [Himalaias], e vales Paraponisos [?], e mandou fazer uma Armada no rio Indo & por ele foi sair ao mar Oceano, donde se tornou por terra de Gedrosia, Carmania, Persia, & agram [? a grande], cidade de Babylonia, deixando por capitães da armada, Crito, e Nearco, que depois foi ter com ele pelo Estreito do mar Persico, & rio Neufrates [Eufrates] acima, deixando descoberta aquela terra & costa. 

Depois disso diz que sucedeu por rey do Egipto Tholomeu [Ptolomeu], que alguns querem que fosse filho bastardo de Felipe pai de este grande Alexandre: o qual quis imitar a El Rey Secostres [Sesostres], & a Dario, & para isso mandou fazer uma cava [cova?] de cem pés em largo, & trinta em alto, & dez, ou doze léguas em comprido, até chegar às fontes amargas com intenção de levar esta obra ao mar do rio Nilo, que se chama Peluzio, que entra na Cidade Damiata: não houve efeito seu desejo, por se achar este mar vermelho ser mais alto três covodos que a terra do Egipto, e espalhando-se por ela perder-se-ia tudo.

(continua)
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publicado às 07:49

Charles Bethune na reedição inglesa do Séc. XIX faz comentários à tradução que Hakluyt tinha feito no final do Séc. XVI, mas vejamos um exemplo, para percebermos como as coisas não são assim tão simples. Galvão (ver em baixo) diz o seguinte:
  • Outros querem q nam passasse da serra Lioa, & que Publio depois dele descobrisse ate a Linha.
Bethune coloca uma nota na tradução de Hakluyt (pág. 40):
  • There be others that say that he passed not beyond Sierra Leona, but people it,(3) and afterwards discovered as far as the line. 
    • (3) And that afterwards he made public the discoveries as far as the line.
Primeiro Hakluyt entendeu que "Publio" significava "povoou", enquanto Bethune vai traduzir mudando para "publicou".
Em ambos os casos, o significado nada tem a ver com o original.
Se é estranho que Hakluyt não tivesse ajuda de nenhum português (havia bastantes à época na corte da rainha Isabel, uma vez que D. António, Prior do Crato, esteve por ali exilado...), mais estranho será Bethune propor-se corrigir a tradução de Hakluyt, sem contar com nenhum apoio português... ou digamos, se o tiveram foi mais como se o não tivessem.

Passei mais de duas horas a procurar quem seria o Publio de que Galvão fala, sem nenhum sucesso, mas não há dúvida que Galvão fala de um navegador, certamente romano, de nome Publius, que depois de Hannon teria atingido a "Linha", ou seja, o Equador.
Ora, que me lembre, tirando o mítico Eneias, não há propriamente nenhum nome de Roma associado a navegações... sendo certo que os romanos tinham barcos e pilotos para os comandar! O nome Publius é demasiado vulgar para permitir rápida inspecção dos casos possíveis, podendo ir de Virgílio até um governador de Malta que acolheu S. Paulo, entre muitos outros.
O que é certo é que esta navegação romana, que teria atingido a linha do equador, acabou por ficar perdida no nevoeiro histórico.

É claro que a malta historiadora tende a desvalorizar estas coisas, e acha perfeitamente normal que os romanos tivessem ficado quietinhos, no Mediterrâneo, o seu Mare Nostrum, e conforme ilustrei há uns tempos o panorama oficial fosse o da figura anexa (onde falta outro principal sinal vermelho... o do Mar Vermelho).

Assim, se procuro colocar algumas indicações para esta transcrição, a "coisa" pode revelar-se mais complicada nuns casos do que noutros.
Outro exemplo, ainda na parte que transcrevo em baixo, Galvão fala de cobras amestradas para guardar as hortas e plantações, algo que se passaria na África do Sul... e que desafia a imaginação que temos, associando cobras ao comportamento de cães. Usa ainda o relato do navegador veneziano Cadamosto (cujo nome é também escrito Cá da Mosto), colocado no reino de Budimol, em África (nome que só vimos associado a rei da Tailândia - Bhumibol), e que daria também conta dessa proeza antiga das cobras!
Acresce ainda o mito das sereias... ou seja de pescado com "rosto e forma" de mulher, e esse deixo-o sem mais comentários.

Finalmente acresce o relato das navegações ibéricas pelos anos 535 a.C., que já nessa época se estenderiam até às Índias e Arábias, onde faziam o comércio de especiarias. Charles Bethune procurou as fontes onde Galvão se poderia ter baseado, e cita Aristóteles (de mirandis in natura auditis), e Estrabão (livro 2, pág. 641, de Gaditanorum longinqua navigatione & ingentibus navibus) a este propósito.

Como dizia Galvão - por onde parece que naquelas partes havia muitos, & muitos anos que se navegavam...

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DESCOBRIMENTOS 
em diversos anos & tempos, 
& quem foram os primeiros que navegaram.
purl.pt/15321 
por António Galvão (1563)

continuação de (2) (1) 

No ano de 520 antes do Nascimento de Christo dizem que Cambisis [Cambises], Rey da Persia, tomou o Egypto, ao qual sucedeu Dario filho de Ristassis [Histaspes], determinou de dar fim à empresa que El Rey Sesostres [Sesostris] começara, se lhe não fizeram certo que o mar Erithreo [mar Vermelho] era mais alto que a terra do Egipto, & chegando a água salgada ao rio Nillo perder-se-ia esta Província à fome & sede, porque dele se rega, & os moradores, & gados não bebem outra água, pelo que deixou de haver fim esta obra. 

Ainda que um pouco me aparte do propósito, não deixarei dir [de ir] tocando, em algumas cousas em que vou falando, por dar repouso a tão largo caminho. Tinham, os Egypcios, que em sua terra se criava a geração humana, & que ainda agora nascem nela uns bichos tamanhos como ratos, & se vêm muitos meio torrão & meio bicho, até de todo se despedir da terra: cuido que são estes os que quebram os ovos aos lagartos, que há muitos no rio Nilo, a que também chamam Cocodrilhos [crocodilos]. E querem ainda que em tempos passados fossem encantados, por onde não faziam mal a nenhuma pessoa, mas depois de se desfazerem sua figura de chumbo, com suas letras Egypcias, tornaram a matar a gente, alimárias, gados, & fazer muito dano, principalmente os que saem de água, & se vão pela terra dentro, que são muito mais peçonhentos que os que ficam no Nilo, que estes pescam da Cidade do Cayro [Cairo] para baixo, e os comem, e põem as cabeças pelo muro. 

Também se escreve que estes lagartos se deitam narea [na areia] ao longo da ribeira com a boca aberta, & que vêm umas aves brancas, pouco maiores que melroas, & se metem dentro, & comem aquela çugidade [sujidade] que têm entre os dentes, e gengivas, com que folgam muito; mas contudo cerram a boca para as comerem, o que fariam se a natureza as não provera de um ossinho agudo que tem na cabeça com que os picam no céu da boca, de maneira que a abrem, e o pássaro se vai embora, mas logo vêm outros que acabam de alimparlha [de lha limpar]. Também há nesta ribeira muitos cavalos marinhos [hipópotamos], e na terra quantidade de cegonhas, que têm guerra com as serpes [serpentes] que ali vêm de Arábia, e matam muitas delas, e assim estas cegonhas, como os bichos que comem os ovos dos lagartos, são dos Egypcios mui venerados. 

No ano de 485 antes da Encarnação de Christo, diz que mandou El Rey Xerxes a Sataspis, seu sobrinho, descobrir a Índia, o qual saiu pelo Estreito de Gibaltar [Gibraltar] fora, que está em trinta e seis graus da parte do Norte, e passou o Promontório Dafrica [de África], que é aquele que agora chamamos Cabo de Boa Esperança, que está da parte do Sul em trinta e quatro para cinco graus d'altura. E enfadado de tão grande navegação se tornou, como Bertolameu Dias [Bartolomeu Dias] em nossos tempos fez. 

Antes do Salvador do Mundo vindo 440 anos, Himeleõ [Himilcão], & Annõ [Hanão] seu irmão, capitães Cartagineses, governando a Andaluzia, partiram dela cada um com uma Armada. Himeleõ contra o Norte descobriu a Costa de Espanha, França, Frandes [Flandres], & Alemanha: & alguns querem que a Gótica, & que chegasse à Ilha de Thili [Thule], em Hislãda [Islândia], que está debaixo do circulo Artico em sessenta & seis graus do Norte, & puseram nisto dois anos na viagem, até chegarem a esta Ilha, que tem os dias de Junho de vinte duas horas, & as noites de Dezembro doutro tanto, pelo que é frigidíssima. Parece que bradam, & gemem os homens nela, por onde dizem que ali é o Purgatório de Sam Patrício. 

Tem esta Ilha três montes, que deitam fogo pelo pé, & em cima está nevada, & em um deles que se chama Ecla, é o fogo tão brando que não queima a estopa, e por outra parte tem tanta força que arde nagoa [na água], e consome-a toda. E assim dizem que há nesta Ilha duas fontes, uma como cera derretida, e outra que sempre ferve, e toda a cousa que lhe deitam dentro se converte em pedra, ficando em sua própria figura. 
Há mais nesta Ilha ussos [ursos], raposos, lebres, corvos, falcões, & outras aves, & alimárias bravas: & é tanta a erva, que a cegam duas vezes, para que os gados passem: & muitas vezes os tiram dela, para que não arrebentem de gordura. Há aí muy grandes, & disformes pescados, & tanto que põem aos navegantes medo, & de seus ossos, & costas fizeram uma Igreja. Não há aí pão, vinho, azeite, nem de que o façam, alumiam-se com o do pescado, porque em toda parte provê a divina magestade. 

O Capitão Anon tomou na mão a Costa Dafrica, e Guiné, e dizem que descobriu as Ilhas Bem afortunadas, que agora chamamos Canárias, & além delas outras que dizem Dorcadas [...Órcades?], Esperias [Hespéridas], & as Gorganas, que se agora chamam do Cabo Verde: e foram assim ao longo da Costa, até dobrar o Cabo de Boa Esperança: e tomando na mão a terra foram ao longo dela, a outro Cabo que se chama Aromatico [Aromata], e agora de Guardafuy, que está Lesteoeste com o Verde em quatorze graus da parte do Norte: e que chegara à costa Darabia [da Arábia], que está em dezasseis, e dezassete: e pusera cinco anos até tornar a Espanha. Outros querem que não passasse da serra Lioa [Serra Leoa], & que Publio [???] depois dele descobrisse até à Linha. 
Mas parece que não faria tão comprida navegação, pois gastou tanto tempo neste trabalho. Alguns contam agora que os habitadores desta Costa do Cabo de Boa Esperança são grandes feiticeiros, encantadores, principalmente de cobras: e trazem-nas tanto a seu mando, que lhes guardam as sementeiras, hortas, pomares, e suas granjarias, assim de ladrões, como de alimárias: e se vêem alguns fazer dano cingem-se com ele, e tem-nos presos, e mandam aos filhos chamar seus amos, e entregam-nos: e se a gente é muita, ou alimária poderosa com que se não atrevem, vão-se a casa daquele com que vivem, e se é de noite dão tantos Assovios [assobios], & chirlos [chilros], até que os acordam para ir defender, o que lhe entregaram. Alvici Cadamosto italiano, escreve que se achou no descobrimento de Guine no reyno de Budimol, em casa de Bisborol seu neto: & jazendo na cama ouviu grande silvos darredor [em redor] da casa, a que Bisborol se levantara da cama, e saíra pela porta fora: e quando tornara Cadamosto lhe perguntara donde vinha contou-lhe como acudira às cobras que o chamaram. O que se não deve d'aver [de haver] por muito, porque na Índia há muitas & muy peçonhentas, e trazem-nas em redor do pescoço, metem-nas pelos peitos, e saem-lhes pelos braços fazem-lhe som com que bailam, e o mais que lhe mandam. 

Assim me disseram alguns Portugueses que por aquela Costa do Cabo de Boa Esperança para Çofala, Quiloa, Melide andaram, que havia certos pássaros, a que acudiam os Negros a seu chamado, & como os viam mudavam-se de uma árvore em outra: & os Cafres os seguiam até que se punham em alguma donde se não mudavam, e em olhando os Negros para cima viam mel, e cera, subiam a tomá-lo, e o pássaro ficava ali. Não me souberam dizer se era isto natural, se o faziam por ter dali mantença. Também afirmavam que debaixo da terra em formigueiros se achava muito mel, e cera que as formigas faziam um pouco agro. Diziam mais que nesta Costa havia grandes pescados que andavam o mais do tempo na água direitos, e tinham rostos, e naturas de mulheres, com que os pescadores se desenfadavam quando os tomavam: e se os vendiam davam-lhes juramento se dormiram com elas, e se o não fizeram então lhas compravam, e doutra maneira não lhes davam por elas nenhuma cousa. 

No ano de 535, antes de Christo, diz que navegavam os Espanhões por todo o maremagno, até chegarem às praias das Índias, Arábia, & suas Costas, donde levavam, e traziam muitas, & diversas mercadorias: e andavam nestes tratos, & outros por diversas partes do Mundo em grandes navios: foram ao Noroeste dar em uns canais, & baixos que com a crescente do mar se cobriam, & com o minguante apareciam, donde achavam muitos atuüs [atuns] de maravilhosa grandeza, fizeram neles grandes pescarias, por serem os primeiros que até aquele tempo tinham visto, e por muito estimados. 

Alexandre Magno, segundo pelas idades parecem, foi antes da vinda de Christo 324 anos, como todos sabemos era natural da Europa, passou em Ásia, & Africa, atravessou a Siria, Armenia, Persia, Batuana, que está da parte do Norte em xliiij [44] graus d'altura, que é a maior em que se ele pôs nesta jornada, donde desceu à Índia pelos montes Imãos [Himalaias], e vales Paraponisos [?], e mandou fazer uma Armada no rio Indo & por ele foi sair ao mar Oceano, donde se tornou por terra de Gedrosia, Carmania, Persia, & agram [? a grande], cidade de Babylonia, deixando por capitães da armada, Crito, e Nearco, que depois foi ter com ele pelo Estreito do mar Persico, & rio Neufrates [Eufrates] acima, deixando descoberta aquela terra & costa. 

Depois disso diz que sucedeu por rey do Egipto Tholomeu [Ptolomeu], que alguns querem que fosse filho bastardo de Felipe pai de este grande Alexandre: o qual quis imitar a El Rey Secostres [Sesostres], & a Dario, & para isso mandou fazer uma cava [cova?] de cem pés em largo, & trinta em alto, & dez, ou doze léguas em comprido, até chegar às fontes amargas com intenção de levar esta obra ao mar do rio Nilo, que se chama Peluzio, que entra na Cidade Damiata: não houve efeito seu desejo, por se achar este mar vermelho ser mais alto três covodos que a terra do Egipto, e espalhando-se por ela perder-se-ia tudo.

(continua)
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publicado às 07:49

Este nome segue uma sequência que comecei há dois anos e não terminei.
Regresso à questão do dilúvio, ou dos dilúvios...
Começo por insistir numa coisa que não é "história alternativa", é simples bom senso lógico, algo que faz muita falta à Ciência moderna.

1) Durante uma Idade do Gelo, o nível marítimo era muito mais baixo do que é hoje. Assim a linha de costa estava afastada da actual, nalguns casos centenas ou milhares de quilómetros. Em baixo está um possível mapa do que seria a costa em época glaciar, atendendo por exemplo a que caverna rupestre de Cosquer tem a sua entrada 37 metros abaixo do nível actual do mar. Basta considerar uma descida de 200 metros (para explicar Cosquer foram aceites 150 metros), para obter isto: 
Panorama da linha costeira com nível marítimo de descida de ~200 metros, conforme mapa anterior.
2) Como se passa do cenário anterior para o cenário actual, sem falar em inundação?
- Não há nenhuma questão de mitologia, é uma questão de não paralisar o cérebro!
Se o nível do mar na Idade do Gelo era mais baixo e depois ficou muito mais alto, não é preciso ser nenhum génio para concluir que algum dilúvio teve que existir!
- No entanto, a Ciência actual, manipulada até à medula, fala de uma coisa, fala da outra, mas coloca uma inundação, um "dilúvio", como mito, e omite por completo uma relação entre as duas coisas que aceita. 

Portanto, ninguém pode dizer que não se passou nada... e é a este ponto que voltamos.

Houve uma inundação de terrenos, que estão hoje submersos e não estavam na Idade do Gelo.
Pode parecer que a questão principal é saber se a subida das águas foi lenta ou rápida, mas em qualquer caso, terá tido efeitos dramáticos.
Basta olhar para o mapa acima, para vermos que na época glaciar o Mediterrâneo eram essencialmente três grandes lagos, e talvez daí a razão de diversas partes do Mediterrâneo terem nomes diferentes (como Mar Egeu, Mar Tirreno ou Adriático, e Balear). Até que o nível da água não ultrapassasse o limite do Estreito de Gibraltar (ou do outro lado, o Dardanelos), a subida seria progressiva e lenta.
No entanto, assim que galgasse a linha de Gibraltar, isso levaria a uma súbita inundação de todo o Mediterrâneo, que se faria em pouco tempo, e que corresponderia praticamente a termos o Atlântico a desaguar com toda a força no Mediterrâneo, e a cavar ali um fosso. Parece-me ter mais nexo a inundação se fazer pelo lado de Gibraltar do que pelo lado do Dardanelos, mas em ambos os casos, o resultado seria avassalador e dramático.

Profundidade no Estreito de Gibraltar - indicia uma inundação a partir de circa 200 metros.

E aqui também não há muitas dúvidas. Até perto de 200 metros havia ligação e a água não passava, e depois caiu como um cascata, escavando uma profundidade de perto de 800 metros, na queda para o Mediterrâneo. Se é admitido que o nível da água era mais baixo, o consenso vai para desconsiderar que a ligação entre África e Europa em Gibraltar existisse na Idade do Gelo. Basta arbitrar 150 metros em vez de 200 metros, e isso faz a diferença... admitindo é claro que a abrupta passagem do mar não escavaria maior profundidade na rocha, etc... coisas que pouco interessam em quem quer ver os mapas de há milhares de anos como se fossem os mapas de hoje.

Depois, é claro, o nível da água continuou a subir... até ao ponto de, como refere Galvão, se terem encontrado cascos e âncoras de navios na Suiça, perto de Basileia, na zona do Jura. Mas isto também é convenientemente desprezado, apesar das claras evidências que aqui temos mostrado.

A história...
Nem sequer vou colocar como alternativa, já que a alternativa é mesmo fechar os olhos e aceitar a versão da carochinha. Se quisesse optar como alternativa, bastaria usar o discurso do postal anterior, sobre o S S Jesmond, e mencionar as estranhas formações submarinas, essas sim a profundidade irrazoável, e com dimensões extravagantes.

Não é preciso.
Simplesmente as populações no final da Idade do Gelo eram já razoavelmente avançadas, como aliás mostrou a descoberta de Gobekli Tepe, que já mencionámos.
Como a costa mudou, as populações e construções mais significativas, que normalmente estariam junto à costa, foram completamente submersas, e estão inacessíveis, nem parece haver nenhum interesse público em que sejam exploradas.

Portanto, o que deverá ter ocorrido?
O clima mudou, como muda ciclicamente, e pelo gelo que se ia derretendo, pela queda de grandes blocos no oceano, as populações no final da Idade do Gelo começaram a ver os seus territórios e povoações costeiras perdidas, muito rapidamente. Mas isso não seria suficiente para um mito tão marcante como foi o Dilúvio.
Uma situação mais dramática teria sido ver territórios ficando rodeados pelo mar, formando ilhas, ou pior ainda, ver essas ilhas desaparecer, como ocorreu no Oceano Atlântico, à frente de Portugal e Galiza. Já mencionámos o caso da ilha que poderia existir no banco da Galiza, actualmente a 600 metros de profundidade, mas há outras que têm picos a menos de 50 metros, como o caso dos bancos Gorringe, Ormond, Ampere, Hirondelle ou Josephine (cf. oceana.org), podendo fazer parte do que Galvão chamava "Frodísias". Este nome Frodísias ligava-se provavelmente a Afrodite, tal como se pode julgar o mesmo do nome África (África que foi chamada Líbia, e também por aí se ligaria ao libido).
Mas, conforme sugerimos, bastante pior seria assumir a inundação de toda a bacia do Mediterrâneo, o que daria ainda razão ao mito grego do dilúvio de Ogyges [Ogugos]. Homero refere-se depois à ilha Ogygia [Ogugea], muitas vezes associada à Atlântida, como pátria da ninfa Calipso, que os poetas portugueses indiciavam como filha do rei Gorgoris, e que teria seduzido Ulisses a ficar em Lisboa. Nesse caso, a grande Ogygia não seria mais que a Ibéria.

De que maneira é afectada a Ibéria?
Para além dos territórios costeiros serem submersos, o nível da água continuou a subir, suponho que até ao nível que tornou Montejunto, antigamente denominado Monte Tagro, um ponto de referência... ou seja, entre 100 a 300 metros acima do nível do mar actual. Isto pode parecer estranho para quem sabe que o derreter de todo o gelo da Antárctida aumentaria apenas 60 metros o nível actual, mas convém não esquecer que no processo de formação da Terra, o Oceano Atlântico nem existia, e ligava-se a África ao Brasil como um só continente... encontrando-se assim espécies animais similares de ambos os lados (por exemplo, macacos). Ao contrário das simplificações feitas pela academia vigente, as coisas não funcionam como regras de 3 simples, aplicadas a torto e a direito. O Oceano Atlântico tem vindo a ser cavado no afastamento das placas, que também corresponde a um aumento do raio da Terra.
Mas, mais drástico seria ver a inundação do território mediterrânico, num espaço de alguns meses, engolindo povoações, e chegar ao ponto em que a própria Ibéria iria ficar como uma ilha, sem que os "magos" soubessem até que ponto a inundação continuaria, correndo o risco de tudo engolir.

Assim, o mais natural seria assistir a uma ordem de debandada completa.
Ou seja, terá sido espalhado que a própria Ibéria correria o risco de ser engolida pela subida de águas.
Seriam os Pirinéus ou os Alpes suficientes como último refúgio, em caso de subida de águas?
A indicação bíblica remete para o Cáucaso, para o Monte Ararat, na Turquia... que tinha ainda a vantagem de se ligar directamente na cadeia montanhosa do "Tauro" até aos Himalaias.

Está aqui a razão pela qual decidi reescrever esta parte. Não que a anterior estivesse mal... mas simplesmente porque a nova estória se ajusta muito melhor à história e ao mito.
Vamos buscar os textos sobre as Colchas... ou Col-cheias, e no primeiro relemos o que escrevia Meakin - Os ibéricos do Cáucaso crê-se que se estabeleceram nos rios do Cáucaso por volta de 3000 a.C., e multiplicaram-se tanto, dizem-nos, que quatrocentos anos depois da sua chegada, inúmeros partiram para procurar nova casa, e seguiram pela costa de África entrando em Espanha.

Ou seja, a razão pelo grande número de Iberos a chegar ao Cáucaso, não seria outra que o medo do contínuo aumento do nível das águas. Se a ordem sabida fosse essa migração para o Cáucaso, para paragens seguras a grande altitude, então pequena região caucasiana e da Ásia Menor iria receber refugiados de toda a parte da Europa.
Portanto, na zona caucasiana os "magos" iriam refazer em pequena escala o mapa da Europa, acolhendo aí a malta que fugia. O pessoal da Ibéria europeia iria ficar numa fatia também chamada Ibéria, no Cáucaso. Recuperamos o mapa do texto Colcha-2

... para fazer notar a divisão em Albânia, Ibéria e Cólquida; que poderia corresponder a zonas estabelecidas para o alojamento das populações migrantes. Vemos também o nome "Lazi", que poderia indicar a região italiana da Lácio, bem como outros nomes assinalados. Nem faltam umas Colunas, que ali não são de Hércules, mas sim de Alexandre Magno.

Mas, especialmente, isto dá uma melhor lógica ao mito de Europa ser raptada por Zeus na forma de um Touro branco. Afinal a população europeia, seria assim cativada pelas montanhas brancas do Tauro, para escapar às chuvas diluvianas que o próprio Zeus enviava. Ainda que a ligação do continente Europeu à deusa Europa seja fabricação ou cunho posterior, à época da invasão árabe, e de Carlos Magno, talvez possa ter razões bem mais antigas.

Independentemente desta parte, parece-me uma estória verosímil que perante uma não previsível subida das águas, as populações fossem agregadas no Cáucaso.
Os que falharam a convocatória, por falta de aviso, ou obstinação, iriam sujeitar-se a ver o aumento das águas ameaçar a sua existência. A maioria escaparia, mas desligada do centro de poder dos "magos", refugiados no Cáucaso. Livres dessa subjugação aos magos, iriam experimentar um longo período de reaprender a sobrevivência em comum. Na península ibérica poderá ter sido assim que se formou a chamada "República de Setúbal", até que Tubal, o descendente de Noé, passados 160 anos decidiu regressar ao território hispânico, para reclamar o seu trono de direito. Também por esta separação se dividiria a população entre os apoiantes a Gerião, o provável algarvio, e os apoiantes do velho poder dos magos, emigrados no Cáucaso.

Esta junção forçada no Cáucaso, devido ao medo de aumento de águas, também pode servir para explicar alguns fenómenos de aglutinação que apontam uma origem comum, caucasiana, quer de populações humanas, quer de seus animais domesticados. Após este dilúvio, os territórios com acesso rápido ao Cáucaso passaram a ser considerados como mais seguros, e as primeiras civilizações ocidentais vão emergir nas zonas baixas dessa vizinhança caucasiana, vendo-se ainda uma repetição de nomes na Ásia Menor, e noutras partes de Europa, prestando-se à confusão.
Os magos manteriam o seu refúgio de eleição em montes altos, do qual o Olimpo seria um bom exemplo de controlo da actividade humana na Grécia. Os territórios a Ocidente, muitos para sempre submersos, manter-se-iam de certa forma proibidos, até à ascensão da República Romana. E conforme já referimos, a expressão de perda dos territórios ocidentais seria simbolizada na peregrinação do Calix Ianus, que depois foi tomado como caminho de Santiago.




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publicado às 20:23

Este nome segue uma sequência que comecei há dois anos e não terminei.
Regresso à questão do dilúvio, ou dos dilúvios...
Começo por insistir numa coisa que não é "história alternativa", é simples bom senso lógico, algo que faz muita falta à Ciência moderna.

1) Durante uma Idade do Gelo, o nível marítimo era muito mais baixo do que é hoje. Assim a linha de costa estava afastada da actual, nalguns casos centenas ou milhares de quilómetros. Em baixo está um possível mapa do que seria a costa em época glaciar, atendendo por exemplo a que caverna rupestre de Cosquer tem a sua entrada 37 metros abaixo do nível actual do mar. Basta considerar uma descida de 200 metros (para explicar Cosquer foram aceites 150 metros), para obter isto: 
Panorama da linha costeira com nível marítimo de descida de ~200 metros, conforme mapa anterior.
2) Como se passa do cenário anterior para o cenário actual, sem falar em inundação?
- Não há nenhuma questão de mitologia, é uma questão de não paralisar o cérebro!
Se o nível do mar na Idade do Gelo era mais baixo e depois ficou muito mais alto, não é preciso ser nenhum génio para concluir que algum dilúvio teve que existir!
- No entanto, a Ciência actual, manipulada até à medula, fala de uma coisa, fala da outra, mas coloca uma inundação, um "dilúvio", como mito, e omite por completo uma relação entre as duas coisas que aceita. 

Portanto, ninguém pode dizer que não se passou nada... e é a este ponto que voltamos.

Houve uma inundação de terrenos, que estão hoje submersos e não estavam na Idade do Gelo.
Pode parecer que a questão principal é saber se a subida das águas foi lenta ou rápida, mas em qualquer caso, terá tido efeitos dramáticos.
Basta olhar para o mapa acima, para vermos que na época glaciar o Mediterrâneo eram essencialmente três grandes lagos, e talvez daí a razão de diversas partes do Mediterrâneo terem nomes diferentes (como Mar Egeu, Mar Tirreno ou Adriático, e Balear). Até que o nível da água não ultrapassasse o limite do Estreito de Gibraltar (ou do outro lado, o Dardanelos), a subida seria progressiva e lenta.
No entanto, assim que galgasse a linha de Gibraltar, isso levaria a uma súbita inundação de todo o Mediterrâneo, que se faria em pouco tempo, e que corresponderia praticamente a termos o Atlântico a desaguar com toda a força no Mediterrâneo, e a cavar ali um fosso. Parece-me ter mais nexo a inundação se fazer pelo lado de Gibraltar do que pelo lado do Dardanelos, mas em ambos os casos, o resultado seria avassalador e dramático.

Profundidade no Estreito de Gibraltar - indicia uma inundação a partir de circa 200 metros.

E aqui também não há muitas dúvidas. Até perto de 200 metros havia ligação e a água não passava, e depois caiu como um cascata, escavando uma profundidade de perto de 800 metros, na queda para o Mediterrâneo. Se é admitido que o nível da água era mais baixo, o consenso vai para desconsiderar que a ligação entre África e Europa em Gibraltar existisse na Idade do Gelo. Basta arbitrar 150 metros em vez de 200 metros, e isso faz a diferença... admitindo é claro que a abrupta passagem do mar não escavaria maior profundidade na rocha, etc... coisas que pouco interessam em quem quer ver os mapas de há milhares de anos como se fossem os mapas de hoje.

Depois, é claro, o nível da água continuou a subir... até ao ponto de, como refere Galvão, se terem encontrado cascos e âncoras de navios na Suiça, perto de Basileia, na zona do Jura. Mas isto também é convenientemente desprezado, apesar das claras evidências que aqui temos mostrado.

A história...
Nem sequer vou colocar como alternativa, já que a alternativa é mesmo fechar os olhos e aceitar a versão da carochinha. Se quisesse optar como alternativa, bastaria usar o discurso do postal anterior, sobre o S S Jesmond, e mencionar as estranhas formações submarinas, essas sim a profundidade irrazoável, e com dimensões extravagantes.

Não é preciso.
Simplesmente as populações no final da Idade do Gelo eram já razoavelmente avançadas, como aliás mostrou a descoberta de Gobekli Tepe, que já mencionámos.
Como a costa mudou, as populações e construções mais significativas, que normalmente estariam junto à costa, foram completamente submersas, e estão inacessíveis, nem parece haver nenhum interesse público em que sejam exploradas.

Portanto, o que deverá ter ocorrido?
O clima mudou, como muda ciclicamente, e pelo gelo que se ia derretendo, pela queda de grandes blocos no oceano, as populações no final da Idade do Gelo começaram a ver os seus territórios e povoações costeiras perdidas, muito rapidamente. Mas isso não seria suficiente para um mito tão marcante como foi o Dilúvio.
Uma situação mais dramática teria sido ver territórios ficando rodeados pelo mar, formando ilhas, ou pior ainda, ver essas ilhas desaparecer, como ocorreu no Oceano Atlântico, à frente de Portugal e Galiza. Já mencionámos o caso da ilha que poderia existir no banco da Galiza, actualmente a 600 metros de profundidade, mas há outras que têm picos a menos de 50 metros, como o caso dos bancos Gorringe, Ormond, Ampere, Hirondelle ou Josephine (cf. oceana.org), podendo fazer parte do que Galvão chamava "Frodísias". Este nome Frodísias ligava-se provavelmente a Afrodite, tal como se pode julgar o mesmo do nome África (África que foi chamada Líbia, e também por aí se ligaria ao libido).
Mas, conforme sugerimos, bastante pior seria assumir a inundação de toda a bacia do Mediterrâneo, o que daria ainda razão ao mito grego do dilúvio de Ogyges [Ogugos]. Homero refere-se depois à ilha Ogygia [Ogugea], muitas vezes associada à Atlântida, como pátria da ninfa Calipso, que os poetas portugueses indiciavam como filha do rei Gorgoris, e que teria seduzido Ulisses a ficar em Lisboa. Nesse caso, a grande Ogygia não seria mais que a Ibéria.

De que maneira é afectada a Ibéria?
Para além dos territórios costeiros serem submersos, o nível da água continuou a subir, suponho que até ao nível que tornou Montejunto, antigamente denominado Monte Tagro, um ponto de referência... ou seja, entre 100 a 300 metros acima do nível do mar actual. Isto pode parecer estranho para quem sabe que o derreter de todo o gelo da Antárctida aumentaria apenas 60 metros o nível actual, mas convém não esquecer que no processo de formação da Terra, o Oceano Atlântico nem existia, e ligava-se a África ao Brasil como um só continente... encontrando-se assim espécies animais similares de ambos os lados (por exemplo, macacos). Ao contrário das simplificações feitas pela academia vigente, as coisas não funcionam como regras de 3 simples, aplicadas a torto e a direito. O Oceano Atlântico tem vindo a ser cavado no afastamento das placas, que também corresponde a um aumento do raio da Terra.
Mas, mais drástico seria ver a inundação do território mediterrânico, num espaço de alguns meses, engolindo povoações, e chegar ao ponto em que a própria Ibéria iria ficar como uma ilha, sem que os "magos" soubessem até que ponto a inundação continuaria, correndo o risco de tudo engolir.

Assim, o mais natural seria assistir a uma ordem de debandada completa.
Ou seja, terá sido espalhado que a própria Ibéria correria o risco de ser engolida pela subida de águas.
Seriam os Pirinéus ou os Alpes suficientes como último refúgio, em caso de subida de águas?
A indicação bíblica remete para o Cáucaso, para o Monte Ararat, na Turquia... que tinha ainda a vantagem de se ligar directamente na cadeia montanhosa do "Tauro" até aos Himalaias.

Está aqui a razão pela qual decidi reescrever esta parte. Não que a anterior estivesse mal... mas simplesmente porque a nova estória se ajusta muito melhor à história e ao mito.
Vamos buscar os textos sobre as Colchas... ou Col-cheias, e no primeiro relemos o que escrevia Meakin - Os ibéricos do Cáucaso crê-se que se estabeleceram nos rios do Cáucaso por volta de 3000 a.C., e multiplicaram-se tanto, dizem-nos, que quatrocentos anos depois da sua chegada, inúmeros partiram para procurar nova casa, e seguiram pela costa de África entrando em Espanha.

Ou seja, a razão pelo grande número de Iberos a chegar ao Cáucaso, não seria outra que o medo do contínuo aumento do nível das águas. Se a ordem sabida fosse essa migração para o Cáucaso, para paragens seguras a grande altitude, então pequena região caucasiana e da Ásia Menor iria receber refugiados de toda a parte da Europa.
Portanto, na zona caucasiana os "magos" iriam refazer em pequena escala o mapa da Europa, acolhendo aí a malta que fugia. O pessoal da Ibéria europeia iria ficar numa fatia também chamada Ibéria, no Cáucaso. Recuperamos o mapa do texto Colcha-2

... para fazer notar a divisão em Albânia, Ibéria e Cólquida; que poderia corresponder a zonas estabelecidas para o alojamento das populações migrantes. Vemos também o nome "Lazi", que poderia indicar a região italiana da Lácio, bem como outros nomes assinalados. Nem faltam umas Colunas, que ali não são de Hércules, mas sim de Alexandre Magno.

Mas, especialmente, isto dá uma melhor lógica ao mito de Europa ser raptada por Zeus na forma de um Touro branco. Afinal a população europeia, seria assim cativada pelas montanhas brancas do Tauro, para escapar às chuvas diluvianas que o próprio Zeus enviava. Ainda que a ligação do continente Europeu à deusa Europa seja fabricação ou cunho posterior, à época da invasão árabe, e de Carlos Magno, talvez possa ter razões bem mais antigas.

Independentemente desta parte, parece-me uma estória verosímil que perante uma não previsível subida das águas, as populações fossem agregadas no Cáucaso.
Os que falharam a convocatória, por falta de aviso, ou obstinação, iriam sujeitar-se a ver o aumento das águas ameaçar a sua existência. A maioria escaparia, mas desligada do centro de poder dos "magos", refugiados no Cáucaso. Livres dessa subjugação aos magos, iriam experimentar um longo período de reaprender a sobrevivência em comum. Na península ibérica poderá ter sido assim que se formou a chamada "República de Setúbal", até que Tubal, o descendente de Noé, passados 160 anos decidiu regressar ao território hispânico, para reclamar o seu trono de direito. Também por esta separação se dividiria a população entre os apoiantes a Gerião, o provável algarvio, e os apoiantes do velho poder dos magos, emigrados no Cáucaso.

Esta junção forçada no Cáucaso, devido ao medo de aumento de águas, também pode servir para explicar alguns fenómenos de aglutinação que apontam uma origem comum, caucasiana, quer de populações humanas, quer de seus animais domesticados. Após este dilúvio, os territórios com acesso rápido ao Cáucaso passaram a ser considerados como mais seguros, e as primeiras civilizações ocidentais vão emergir nas zonas baixas dessa vizinhança caucasiana, vendo-se ainda uma repetição de nomes na Ásia Menor, e noutras partes de Europa, prestando-se à confusão.
Os magos manteriam o seu refúgio de eleição em montes altos, do qual o Olimpo seria um bom exemplo de controlo da actividade humana na Grécia. Os territórios a Ocidente, muitos para sempre submersos, manter-se-iam de certa forma proibidos, até à ascensão da República Romana. E conforme já referimos, a expressão de perda dos territórios ocidentais seria simbolizada na peregrinação do Calix Ianus, que depois foi tomado como caminho de Santiago.




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publicado às 20:23

Trata-se aqui de recuperar uma troca de comentários, já com mais de 5 anos, a propósito do relato da viagem do navio S. S. Jesmond em 1882, feito pelo seu capitão, David Amory Robson.
Houve mesmo uma expedição à ilha, que não pôde chegar ao seu interior, mas encontrou restos de grandes muralhas maciças, e artefactos...
Segue a tradução da notícia que encontrei então:
Em Março de 1882, ao contrário de anteriores alegados avistamentos de ruínas da Atlântida, este foi claramente reportado no diário do navio e também na imprensa. Disse respeito ao encontro de um navio a vapor com uma ilha não registada nos mapas, no meio de linhas de navegação bastante viajadas, e ao pouco habitual material que aí foi encontrado pelo capitão e pela sua tripulação. A embarcação chamava-se S. S. Jesmond, um navio mercante britânico com 1495 toneladas, fretado para Nova Orleães com uma carga de frutos secos do seu último porto de partida, em Messina, na Sicília. O Jesmond era capitaneado por David Robson, detentor do certificado 27911 na Marinha Mercante da Rainha.  
O navio passou o Estreito de Gibraltar em 1 de Março de 1882, e velejou para mar alto. Quando atingiu a posição 31° 25' N, 28° 40' W, cerca de 200 milhas a oeste da Madeira, e aproximadamente a mesma distância a sul dos Açores, foi notado que o oceano se tornara estranhamente lamacento, e que o navio passava por enormes quantidades de peixe morto, como se alguma doença ou explosão subaquática os tivesse morto aos milhões. Ainda antes de encontrar os bancos de peixe, o Capitão notou fumo no horizonte, que presumiu ser de outro navio. 
No dia seguinte, os bancos de peixes eram ainda mais espessos e o fumo no horizonte parecia vir das montanhas de uma ilha no horizonte directamente a oeste, onde, de acordo com as cartas, não haveria terra ao longo de milhares de milhas. Assim que o Jesmond se aproximou da vizinhança da ilha, o Capitão Robson lançou uma âncora a cerca de doze milhas da costa, para saber se esta ilha desconhecida era rodeada por recifes. Apesar das cartas indicarem uma zona com profundidade de vários milhares de braças, a âncora bateu no fundo a apenas sete braças (~ 13 metros). 
Quando Robson foi com um grupo a terra, viu-se numa grande ilha, sem vegetação, sem árvores, sem praias arenosas, desprovida de qualquer vida, como se tivesse acabado de se erguer do oceano. A costa onde tinham desembarcado estava coberta com escombros vulcânicos. Como não havia árvores, o grupo pôde ver um planalto a algumas milhas, e após isso, montanhas fumegantes. O grupo prosseguiu com cuidado para o interior, em direcção às montanhas, mas o seu progresso foi interrompido por uma série de profundas brechas. Chegar ao interior teria demorado dias. Regressaram ao ponto de partida, e examinaram um penhasco quebrado, uma parte do qual parecia ter sido separado em massa de gravilha, como tendo sido sujeito a enorme força.   
Um dos marinheiros encontrou uma invulgar ponta de seta na rocha partida, uma descoberta que levou o capitão a pedir do navio pás e picaretas, para a tripulação escavar a gravilha. De acordo com o que ele disse a um repórter do Times Picayune de Nova Orleães, onde atracou depois, ele e a tripulação descobriram "ruínas de muralhas maciças". Uma variedade de artefactos descobertos ao escavar próximo das muralhas, durante quase dois dias, incluiu "espadas de bronze, anéis, martelos, esculturas de cabeças de aves e animais, e dois vasos com fragmentos de ossos, e um crânio quase inteiro", e "o que parecia ser uma múmia fechada num caixão de pedra... incrustado com depósito vulcânico, de forma que nem se distinguia da própria rocha". No final do dia seguinte, grande parte do qual gasto em trazer o sarcófago de pedra a bordo do Jesmond, Robson agora preocupado com a incerteza do tempo, decidiu abandonar a expedição à ilha, e retomou o seu curso. 
Vários repórteres examinaram os invulgares achados de Robson, e foram por si informados que ele planeava apresentar os artefactos ao British Museum. Infelizmente para a investigação atlante, o diário do Jesmond foi destruído no Blitz de Londres de Setembro de 1940, tal como os escritórios dos proprietários do Jesmond. Não há registo no British Museum da colecção de Robson ter dado entrada. Ainda que seja possível que os artefactos estejam arquivados nos espaçosos sótãos e caves, comuns a todos os museus. Nunca mais se ouviu falar da ilha, existente apenas no testemunho sob juramento do capitão e tripulação do Jesmond. 
Houve ainda assim, alguma corroboração do incidente. O capitão Robson não esteve sozinho ao reportar a ilha misteriosa. O capitão James Newdick, da escuna a vapor Westbourne, saindo de Marselha para Nova Iorque no mesmo período, reportou na sua chegada a Nova Iorque o avistamento de uma ilha em 25º 30' N, 24º W. O relato de Newdick apareceu no New York Post de 1 de Abril de 1882. Se as coordenadas dadas por ambos os capitães estiverem certas, a ilha misteriosa teria medido 20 x 30 milhas de área [?... isto é incorrecto!]. A actividade vulcânica que trouxe uma ilha desta dimensão à superfície teria morto, provalvemente por aquecimento da água oceânica, uma enorme quantidade de peixe, tal como reportado pelo capitão Robson.
As milhas com peixe morto, espalhando-se da área reportada por Robson, foram também comentadas por um número de capitães e apareceram em artigos numa série de jornais, incluindo o  The New York Times. 
http://www.fortunecity.com/roswell/milkyway/190/jesmond.htm 
Localização da ilha avistada pelo S S Jesmond que corresponde à montanha submarina Hyères, ao sul dos Açores
Entretanto, como vem sendo habitual, o link citado também desapareceu, afundado no grande mar da internet, mas para além do registo que transcrevi nessa altura, há outras navegações ainda disponíveis com relato similar- ver, por exemplo: "Jesmond" em The Atlantis Encyclopedia (Frank Joseph, 2005), transcrito na caixa de comentários.

A zona citada corresponde a montes submarinos, só depois identificadas com os nomes que hoje são dados (por exemplo, o monte submarino Meteor corresponde ao nome do navio alemão que o estudou em 1925-27 e que está 270 metros abaixo do nível do mar). 
Muita batimetria da costa portuguesa foi efectuada pelo Príncipe Alberto do Mónaco, em 1895, e depois prosseguida pelo Rei D. Carlos I, a bordo dos iates "Amélia" (cf. A prática oceanográfica e a coleção iconográfica do rei dom Carlos I, M. E. Jardim et al., 2014). Alguns dos nomes saem dessa época, do Séc. XIX, como por exemplo, o banco Gorringe cujo pico está a uns meros 27 metros de profundidade. 
O caso de ilhas que aparecem e desaparecem, devido à actividade vulcânica, ali frequente, tem vários episódios, e já falámos aqui da ilha Sabrina, que em 1811 apareceu ao largo de Ponta Delgada, e foi logo reclamada pelos britânicos... mas que se afundou por completo, pouco tempo depois.

Assim, a localização dada pelo Capitão Robson seria exactamente sobre o monte submarino Hyères, à data ainda não identificado, e poderia resultar de alguma erupção que, tal como a ilha Sabrina, simplesmente não se consolidou.
A localização reportada pelo S.S. Jesmond seria a da montanha submarina Hyères
Curiosamente, ainda hoje, há muito pouca informação disponível sobre montanhas submarinas... num momento em que é suposto recebermos imagens de Marte, parece haver grande dificuldade em enviar imagens das montanhas submarinas no meio do Atlântico. Essa informação continua a estar sob reserva, classificada, apesar dos muitos estudos, e de por lá passarem submarinos, provavelmente diariamente. Após o folclore dado ao comandante Jacques Cousteau, muito poucas imagens de pequenas ou grandes profundezas foram disponibilizadas ao público. Aliás grande parte da ardilosa encenação consistia em fazer um filme de horas em que só se viam preparativos e protagonistas, resultando depois em curtas imagens subaquáticas vulgares, mas regadas dos maiores superlativos, tomadas como grandes conquistas da humanidade.

O que temos, por exemplo, do rendilhado quadricular, também a Oeste da Madeira, e que espantou muita gente no Google, há 6 anos atrás, com a perspectiva de ser a Atlântida, resulta apenas do registo de cuidadosa batimetria, mas que é suficiente para espantar:
Dados de batimetria reais, usados antes no Google Maps, permitiram notar a muita gente,
uma estrutura gigantesca quadricular, situada ao largo da Madeira.
Nas versões seguintes a Google decidiu "apagar":
 o contraste foi reduzido ao mínimo, e já mal se nota... 
Estamos a falar de linhas gigantescas - no quadrado caberia toda a região da ilha da Madeira até Porto Santo. Se me parece difícil supor que se trata de um "fenómeno natural" (que ainda passam por ser "incorrigível" defeito do processo do rasto do navio que faz a batimetria - houve até a particularidade de enfiar letras NOAA, para baixar o nível de credulidade do povo)... como eu dizia, se me parece difícil pensar em fenómeno natural, também parecia praticamente impossível poder ser uma realização humana com tal dimensão - mesmo que estivéssemos a falar de gigantes ou titãs com pelo menos 100 metros de altura.
O Daily Mail ironizou a atitude da Google face à diluição das linhas polémicas:

Pois, mas se apagou umas, deixou outras, e estas também são interessantes:
Duplas linhas direitas, contínuas, no fundo submarino a Oeste e Norte da Madeira.
O interessante neste suposto "erro" da batimetria, é que as linhas param, usam as elevações, e depois prosseguem a direito!
Qual seria essa razão? Que razão levaria erguer montanhas como muros, numa extensão que vai do Sul de Portugal até à Guiné, com ângulos de 45º que viram para o interior?

Podemos ignorar tudo isto, pensar que é tudo engano, erros de batimetria, alinhamentos resultantes das falhas tectónicas, etc... isso é fácil.

Ok, mas e se não for?
Se até aqui não tinha visto nenhuma razão para estas obras "ciclópicas", para poder sequer supor construção humana, surge uma razão muito clara... admitindo que se tratam de elevações artificiais a grande profundidade.

Admitindo ser construção humana, qual seria a razão para levantar muros ciclópicos, que nos fariam rir da Torre de Babel?
- Bom, sem ser fugir, o que fazemos quando o nível de água sobe e queremos evitar a inundação?
- Levantamos diques ou barragens, certo?... Aliás, como fizeram os holandeses.
Quando ainda não se sabia a que ponto subiria a água, poderia pensar-se em levantar muros que estancassem a subida de águas. A subida de águas não teria ocorrido de um dia para o outro... o gelo foi derretendo e água subindo. Por vezes, o aumento poderia ter sido maior, noutras menor. Em contrapartida, os gelos a derreterem nas montanhas mais altas, também não deixariam esses lugares como "seguros".
O processo poderia assim ter-se arrastado durante muitos anos.
Se a ideia fosse acrescentar pedras para aumentar a barragem, a cada ano que passava e a muralha aumentava, mais pareceria ridículo o esforço de levantar uma construção para evitar o inevitável. Como dizia Galvão:
Também os que escaparam do Diluvio ficaram tão assombrados que não ousaram descer aos baixos. Membroth [Nimrod], depois dele cento & trinta anos fez a Torre de Babylonia, com intenção de se salvar nela vindo outra cheia.
A Torre de Babel caiu, e os povos dispersaram-se, mas a questão é que se as águas continuassem a subir - e parece claro que subiram pelo menos mais uns duzentos metros, face à cota actual, então onde se poderia refugiar toda a humanidade? Num pequeno espaço... num topo de uma montanha? Caberiam aí todos? Ou seria necessário condenar alguns ao isolamento, negando-lhes até barcos para se salvarem? Por isso, parece natural que um titã como Atlas tentasse sustentar o mundo sobre pilares, adiando a derrocada final.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 05:30

Trata-se aqui de recuperar uma troca de comentários, já com mais de 5 anos, a propósito do relato da viagem do navio S. S. Jesmond em 1882, feito pelo seu capitão, David Amory Robson.
Houve mesmo uma expedição à ilha, que não pôde chegar ao seu interior, mas encontrou restos de grandes muralhas maciças, e artefactos...
Segue a tradução da notícia que encontrei então:
Em Março de 1882, ao contrário de anteriores alegados avistamentos de ruínas da Atlântida, este foi claramente reportado no diário do navio e também na imprensa. Disse respeito ao encontro de um navio a vapor com uma ilha não registada nos mapas, no meio de linhas de navegação bastante viajadas, e ao pouco habitual material que aí foi encontrado pelo capitão e pela sua tripulação. A embarcação chamava-se S. S. Jesmond, um navio mercante britânico com 1495 toneladas, fretado para Nova Orleães com uma carga de frutos secos do seu último porto de partida, em Messina, na Sicília. O Jesmond era capitaneado por David Robson, detentor do certificado 27911 na Marinha Mercante da Rainha.  
O navio passou o Estreito de Gibraltar em 1 de Março de 1882, e velejou para mar alto. Quando atingiu a posição 31° 25' N, 28° 40' W, cerca de 200 milhas a oeste da Madeira, e aproximadamente a mesma distância a sul dos Açores, foi notado que o oceano se tornara estranhamente lamacento, e que o navio passava por enormes quantidades de peixe morto, como se alguma doença ou explosão subaquática os tivesse morto aos milhões. Ainda antes de encontrar os bancos de peixe, o Capitão notou fumo no horizonte, que presumiu ser de outro navio. 
No dia seguinte, os bancos de peixes eram ainda mais espessos e o fumo no horizonte parecia vir das montanhas de uma ilha no horizonte directamente a oeste, onde, de acordo com as cartas, não haveria terra ao longo de milhares de milhas. Assim que o Jesmond se aproximou da vizinhança da ilha, o Capitão Robson lançou uma âncora a cerca de doze milhas da costa, para saber se esta ilha desconhecida era rodeada por recifes. Apesar das cartas indicarem uma zona com profundidade de vários milhares de braças, a âncora bateu no fundo a apenas sete braças (~ 13 metros). 
Quando Robson foi com um grupo a terra, viu-se numa grande ilha, sem vegetação, sem árvores, sem praias arenosas, desprovida de qualquer vida, como se tivesse acabado de se erguer do oceano. A costa onde tinham desembarcado estava coberta com escombros vulcânicos. Como não havia árvores, o grupo pôde ver um planalto a algumas milhas, e após isso, montanhas fumegantes. O grupo prosseguiu com cuidado para o interior, em direcção às montanhas, mas o seu progresso foi interrompido por uma série de profundas brechas. Chegar ao interior teria demorado dias. Regressaram ao ponto de partida, e examinaram um penhasco quebrado, uma parte do qual parecia ter sido separado em massa de gravilha, como tendo sido sujeito a enorme força.   
Um dos marinheiros encontrou uma invulgar ponta de seta na rocha partida, uma descoberta que levou o capitão a pedir do navio pás e picaretas, para a tripulação escavar a gravilha. De acordo com o que ele disse a um repórter do Times Picayune de Nova Orleães, onde atracou depois, ele e a tripulação descobriram "ruínas de muralhas maciças". Uma variedade de artefactos descobertos ao escavar próximo das muralhas, durante quase dois dias, incluiu "espadas de bronze, anéis, martelos, esculturas de cabeças de aves e animais, e dois vasos com fragmentos de ossos, e um crânio quase inteiro", e "o que parecia ser uma múmia fechada num caixão de pedra... incrustado com depósito vulcânico, de forma que nem se distinguia da própria rocha". No final do dia seguinte, grande parte do qual gasto em trazer o sarcófago de pedra a bordo do Jesmond, Robson agora preocupado com a incerteza do tempo, decidiu abandonar a expedição à ilha, e retomou o seu curso. 
Vários repórteres examinaram os invulgares achados de Robson, e foram por si informados que ele planeava apresentar os artefactos ao British Museum. Infelizmente para a investigação atlante, o diário do Jesmond foi destruído no Blitz de Londres de Setembro de 1940, tal como os escritórios dos proprietários do Jesmond. Não há registo no British Museum da colecção de Robson ter dado entrada. Ainda que seja possível que os artefactos estejam arquivados nos espaçosos sótãos e caves, comuns a todos os museus. Nunca mais se ouviu falar da ilha, existente apenas no testemunho sob juramento do capitão e tripulação do Jesmond. 
Houve ainda assim, alguma corroboração do incidente. O capitão Robson não esteve sozinho ao reportar a ilha misteriosa. O capitão James Newdick, da escuna a vapor Westbourne, saindo de Marselha para Nova Iorque no mesmo período, reportou na sua chegada a Nova Iorque o avistamento de uma ilha em 25º 30' N, 24º W. O relato de Newdick apareceu no New York Post de 1 de Abril de 1882. Se as coordenadas dadas por ambos os capitães estiverem certas, a ilha misteriosa teria medido 20 x 30 milhas de área [?... isto é incorrecto!]. A actividade vulcânica que trouxe uma ilha desta dimensão à superfície teria morto, provalvemente por aquecimento da água oceânica, uma enorme quantidade de peixe, tal como reportado pelo capitão Robson.
As milhas com peixe morto, espalhando-se da área reportada por Robson, foram também comentadas por um número de capitães e apareceram em artigos numa série de jornais, incluindo o  The New York Times. 
http://www.fortunecity.com/roswell/milkyway/190/jesmond.htm 
Localização da ilha avistada pelo S S Jesmond que corresponde à montanha submarina Hyères, ao sul dos Açores
Entretanto, como vem sendo habitual, o link citado também desapareceu, afundado no grande mar da internet, mas para além do registo que transcrevi nessa altura, há outras navegações ainda disponíveis com relato similar- ver, por exemplo: "Jesmond" em The Atlantis Encyclopedia (Frank Joseph, 2005), transcrito na caixa de comentários.

A zona citada corresponde a montes submarinos, só depois identificadas com os nomes que hoje são dados (por exemplo, o monte submarino Meteor corresponde ao nome do navio alemão que o estudou em 1925-27 e que está 270 metros abaixo do nível do mar). 
Muita batimetria da costa portuguesa foi efectuada pelo Príncipe Alberto do Mónaco, em 1895, e depois prosseguida pelo Rei D. Carlos I, a bordo dos iates "Amélia" (cf. A prática oceanográfica e a coleção iconográfica do rei dom Carlos I, M. E. Jardim et al., 2014). Alguns dos nomes saem dessa época, do Séc. XIX, como por exemplo, o banco Gorringe cujo pico está a uns meros 27 metros de profundidade. 
O caso de ilhas que aparecem e desaparecem, devido à actividade vulcânica, ali frequente, tem vários episódios, e já falámos aqui da ilha Sabrina, que em 1811 apareceu ao largo de Ponta Delgada, e foi logo reclamada pelos britânicos... mas que se afundou por completo, pouco tempo depois.

Assim, a localização dada pelo Capitão Robson seria exactamente sobre o monte submarino Hyères, à data ainda não identificado, e poderia resultar de alguma erupção que, tal como a ilha Sabrina, simplesmente não se consolidou.
A localização reportada pelo S.S. Jesmond seria a da montanha submarina Hyères
Curiosamente, ainda hoje, há muito pouca informação disponível sobre montanhas submarinas... num momento em que é suposto recebermos imagens de Marte, parece haver grande dificuldade em enviar imagens das montanhas submarinas no meio do Atlântico. Essa informação continua a estar sob reserva, classificada, apesar dos muitos estudos, e de por lá passarem submarinos, provavelmente diariamente. Após o folclore dado ao comandante Jacques Cousteau, muito poucas imagens de pequenas ou grandes profundezas foram disponibilizadas ao público. Aliás grande parte da ardilosa encenação consistia em fazer um filme de horas em que só se viam preparativos e protagonistas, resultando depois em curtas imagens subaquáticas vulgares, mas regadas dos maiores superlativos, tomadas como grandes conquistas da humanidade.

O que temos, por exemplo, do rendilhado quadricular, também a Oeste da Madeira, e que espantou muita gente no Google, há 6 anos atrás, com a perspectiva de ser a Atlântida, resulta apenas do registo de cuidadosa batimetria, mas que é suficiente para espantar:
Dados de batimetria reais, usados antes no Google Maps, permitiram notar a muita gente,
uma estrutura gigantesca quadricular, situada ao largo da Madeira.
Nas versões seguintes a Google decidiu "apagar":
 o contraste foi reduzido ao mínimo, e já mal se nota... 
Estamos a falar de linhas gigantescas - no quadrado caberia toda a região da ilha da Madeira até Porto Santo. Se me parece difícil supor que se trata de um "fenómeno natural" (que ainda passam por ser "incorrigível" defeito do processo do rasto do navio que faz a batimetria - houve até a particularidade de enfiar letras NOAA, para baixar o nível de credulidade do povo)... como eu dizia, se me parece difícil pensar em fenómeno natural, também parecia praticamente impossível poder ser uma realização humana com tal dimensão - mesmo que estivéssemos a falar de gigantes ou titãs com pelo menos 100 metros de altura.
O Daily Mail ironizou a atitude da Google face à diluição das linhas polémicas:

Pois, mas se apagou umas, deixou outras, e estas também são interessantes:
Duplas linhas direitas, contínuas, no fundo submarino a Oeste e Norte da Madeira.
O interessante neste suposto "erro" da batimetria, é que as linhas param, usam as elevações, e depois prosseguem a direito!
Qual seria essa razão? Que razão levaria erguer montanhas como muros, numa extensão que vai do Sul de Portugal até à Guiné, com ângulos de 45º que viram para o interior?

Podemos ignorar tudo isto, pensar que é tudo engano, erros de batimetria, alinhamentos resultantes das falhas tectónicas, etc... isso é fácil.

Ok, mas e se não for?
Se até aqui não tinha visto nenhuma razão para estas obras "ciclópicas", para poder sequer supor construção humana, surge uma razão muito clara... admitindo que se tratam de elevações artificiais a grande profundidade.

Admitindo ser construção humana, qual seria a razão para levantar muros ciclópicos, que nos fariam rir da Torre de Babel?
- Bom, sem ser fugir, o que fazemos quando o nível de água sobe e queremos evitar a inundação?
- Levantamos diques ou barragens, certo?... Aliás, como fizeram os holandeses.
Quando ainda não se sabia a que ponto subiria a água, poderia pensar-se em levantar muros que estancassem a subida de águas. A subida de águas não teria ocorrido de um dia para o outro... o gelo foi derretendo e água subindo. Por vezes, o aumento poderia ter sido maior, noutras menor. Em contrapartida, os gelos a derreterem nas montanhas mais altas, também não deixariam esses lugares como "seguros".
O processo poderia assim ter-se arrastado durante muitos anos.
Se a ideia fosse acrescentar pedras para aumentar a barragem, a cada ano que passava e a muralha aumentava, mais pareceria ridículo o esforço de levantar uma construção para evitar o inevitável. Como dizia Galvão:
Também os que escaparam do Diluvio ficaram tão assombrados que não ousaram descer aos baixos. Membroth [Nimrod], depois dele cento & trinta anos fez a Torre de Babylonia, com intenção de se salvar nela vindo outra cheia.
A Torre de Babel caiu, e os povos dispersaram-se, mas a questão é que se as águas continuassem a subir - e parece claro que subiram pelo menos mais uns duzentos metros, face à cota actual, então onde se poderia refugiar toda a humanidade? Num pequeno espaço... num topo de uma montanha? Caberiam aí todos? Ou seria necessário condenar alguns ao isolamento, negando-lhes até barcos para se salvarem? Por isso, parece natural que um titã como Atlas tentasse sustentar o mundo sobre pilares, adiando a derrocada final.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 05:30

Atendendo à descrição que Galvão faz da desaparecida ilha de Calex - "tamanha que se juntava à terra de Espanha", a mais apropriada ilustração será algo da forma:
Mapa com um grande abaixamento do nível do mar, conforme post anterior
Haveria múltiplas coisas a comentar, mas este mapa é meramente ilustrativo do contorno que a costa poderia ter quando, conforme relata Galvão, poderiam estar unidas as terras africanas e europeias, aparecendo nesse caso também uma grande ilha Atlântica ou Atlantida nos Açores.

O nome "Calex" deveria ser lido como "Cales" (som "ch" e não "cs" para o "x", como na Galiza), e o território então existente na Idade do Gelo iria desaparecer, aquando do fim do ciclo gelado e regresso a temperaturas bastantes mais quentes. O degelo teria um efeito de dilúvio, mais ou menos repentino, consoante a queda das massas de gelo no mar, fazendo desaparecer povoações em terrenos costeiros. A certa altura, a ligação poderia perder-se definitivamente... vendo que o aumento do nível do mar deixa ilhas, que ainda irão submergir, com novo aumento.
Mapa com um menor abaixamento do nível do mar (conforme post anterior)
Ao nível da Galiza, por exemplo, aparece uma ilha que seria submergida com a subida do mar.
Ora, este nome Calex, faz lembrar outro tema que aqui abordámos:
que resultou de um comentário de Bartolomeu Lança, que se ligava à versão antiga do Caminho de Santiago, que antes de ser Callix Iago, seria Callix Ianus - um Caminho até Lugo, no rio Minho... o rio que desagua em Caminha.

Os que viviam mais próximos da anterior linha da costa atlântica, podem até ter subido para montanhas altas, mas essas montanhas locais não seriam suficientes para os territórios que vemos como "ilhas verdes", hoje submersas por completo.
Portanto, a situação terá sido bastante dramática para os que se viram ali isolados, e para os que assistiam do lado da Ibéria... também eles sem saberem se seriam suficientes as alturas de Espanha para a subida de águas. Seria a serra da Estrela ou os Pirinéus, suficientes, ou precisariam ir ainda para paragens mais altas, os Alpes?... ou ainda mais alto, na zona do Cáucaso, até à Anatólia do Monte Ararat, afinal os refúgios mais altos e mais próximos (excluindo os Himalaias na Ásia).

Nesse eventual drama de se terem perdido as gentes da ilha de Calex, nesse dilúvio que se seguiu à Idade do Gelo, era natural ficar uma nostalgia marítima intemporal, sobre os territórios para sempre perdidos - um lema como "por tu Calex" seria apropriado para recordar um caminho doutrora, que terminava em Finisterra, na Galiza, mas que antes prosseguia para a ilha situada em frente ao Porto de Cale, onde Cale, hoje Vila Nova de Gaia, coincide com o limite inferior para essa plataforma submersa.
Nesse contexto, pareceria então natural que os que escapassem, quisessem render ali na Finisterra, uma homenagem aos que não teriam salvo na sua fuga. E sabe-se que a rota do Callix Ianus reunia celtas de toda a Gália para efectuar essa antiga peregrinação, que não parava em Lugo, tal como a de Santiago, é habitual continuar até à Finisterra... onde ficou definido o fim da terra.

Numa conversa há cinco anos atrás, com o José Manuel, falámos do relato do S. S. Jesmond em 1882, que dava conta do avistamento de uma ilha no meio do Atlântico, conforme está registado nos comentários aqui:
e sobre o qual deverei fazer um post... pois nem me lembrava que não o tinha feito!
É significativo que seja de 1882, época que deve ter correspondido a uma pequena glaciação, a que levaria o Príncipe Wiasemsky a propor-se atravessar o gelo no Estreito de Bering em 1885.
Isso levaria a um significativo abaixamento do nível do mar (e por exemplo ao fim de Alfeizerão, e outras localidades, como portos)... que poderia sido tão grande que estas plataformas submersas fizessem uma fugaz aparição.
Perante o eventual aparecimento de novas terras, qual seria a reacção da liderança europeia?
O ano de 1885 é o ano da Conferência de Berlim, onde é efectuado um reajustamento das pretensões coloniais, o que vai levar à crise do "Mapa Cor de Rosa".
Tudo o que capitão Robson trouxe da ilha (que nem consta da listagem da wikipedia) ficou guardado em Londres... até que tudo desaparece em 1940, na 2ª Guerra Mundial:
Several reporters examined Robson's unusual finds and were infomormed by him that he planned to present the artifacts to the British Museum. Unfortunately for Atlantian research, however, the log of the Jesmond was destroyed during the London blitz of September 1940, along with the offices of the Jesmond's owners. There is no record at the British Museum of their having received Robson's collection. Although it is possible that the artifacts are files in the capacious attics and basements common to all museums. Nor was the island ever heard of again, existing only in the sworn testimony of the captain and crew of the Jesmond.

________________________________________
DESCOBRIMENTOS 
em diversos anos & tempos, 
& quem foram os primeiros que navegaram.
purl.pt/15321
por António Galvão (1563)


A mesma ilha de Calex se afirma ser tamanha que se ajuntava à terra de Espanha, e que as Ilhas dos Açores era uma ponta das serras da Estrella, que se mete no mar na Vila de Cintra [Sintra]. E que a serra Verde que se mete na agua junto da cidade de Safim em Teracucu, que é a própria de Monchim [Monchique], que do Algarve , & que em estas arrebentam as ilhas do Porto Sancto, e a Madeira, porque dizem que todas as ilhas têm as raizes na terra firme, por muito apartadas que estejam dela, que doutra maneira não se susteria. Outros querem que Despanha [de Espanha], a Ceyta [Ceuta] se passasse por terra, & que as Ilhas de Cerdenha [Sardenha] & Corcega [Córsega] se juntassem uma com outra, Cecilia [Sicília] com Itália , Negroponte com a Grécia. Assim contam que acharam cascos de naus, âncoras de ferro, nas montanhas de Suissa [Suiça], muito metidas pela terra, onde parece que nunca houve mar, nem água salgada. 

Também dizem que na Índia & terra do Malabar que é tamanha & tão povoada, foi já tudo mar atá o pé da serra: & que o Cabo de Comorim, & a Ilha de Ceilão era tudo uma coisa, & a Ilha de Samatra que fora pegada com a terra Malaca, por uns baixos de Capasia [Amazon Maru Shoal], e junto dela está uma ilheta que não há muito que ela e a terra firme tudo era uma coisa. Ptolomeu em suas Tábuas põe esta terra de Malaca ao Sul da linha, em três ou quatro graus de altura, ficando agora a ponta dela, que se chama Ojentana, em um grau da banda do Norte (como se vê no Estreito de Sincapura [Singapura]), onde cada dia passam para a costa de Syão [Tailândia], & China, onde está a ilha de Aynão [Ainão - Hainan] que também dizem que foi junta com a terra da China que Ptolomeu assenta da parte do Norte muito além da linha , ficando agora mais de vinte graus dela da parte do Norte, de maneira, que assim Ásia como Europa, ambas agora estão desta banda. 

Bem podia fer que nos tempos passados, a terra de Malaca, e China fossem acabar além da linha da banda do Sul, como Ptolomeo as pinta, porque pegaria à ponta da terra de Ojentana com as ilhas de Bintão [pulau Bintan], Banqua [pulau Bangka], e Salítres [pulau Belitung?] que há por ali muitas, e seria a terra toda maciça; e assim a ponta da China com as Ilhas dos Luções [Luzon, Filipinas], Borneos [Bornéu], Lequios [Formosa ou Okinawa], Mindanaos [Mindanao, Filipinas], & outras que jazem nesta corda, que também tem por opinião ainda agora, que a Ilha de Samatra foi pegada com a Jaoa [Java], pelo canal de Sunda, e a Ilha de Baly [Bali], Anjane [Lombok], Sinbaba [Sumbawa], Solor, Hogaleao [Pantar], Maulua [Ombai], Vintara [Wetar], Rosolanguim [Rosyngain, (pulau) Romang], & outras que há nesta corda, e alturas, todas foram pegadas com a Jaoa, e a terra uma, & assim o parece a quem as vê de fora, porque aindagora [ainda agora] há nestas partes ilhas tão juntas umas com as outras, que parece tudo uma coisa, e quem passa por antrellas [entre elas] vai tocando com a mão os ramos do arvoredo de uma banda, e da outra. E não há muito tempo que ao Levante das Ilhas de Banda se fundiram muitas; e também dizem agora que na China se alagaram mais de sessenta léguas de terra: por onde senão deve aver [haver] por muito o que Ptolomeo e outros antigos deixaram escrito, que também eu deixo por tornar a meu propósito. 

Depois do Dilúvio 800 anos, diz que foi fundada a Cidade de Troya pelos Dardanos [de Dardano, neto de Atlas pela filha Electra, nome do Estreito de Dardanelos], & que antes disto traziam das Índias à Europa pelo mar Roxo [Mar Vermelho], especiarias, drogas, e outras muitas, e diversas mercadorias, que hi avia [ainda havia] naquele tempo mais que agora. E se assim foi isto bem se pode dar crédito que havia muito tempo que os mares se navegavam, pois naquele tinham tanto comercio o Levante com o Ponente que se traziam estas mercadorias a um porto que se chama Arsinoe, que querem dizer alguns, que seja aquele que agora dizemos Çuez [Suez] que está em trinta graus da parte do Norte neste estreito Arábico. 

Declaram mais os escritores, que deste porto de Arsinoe, Suez (ou como lhe quiserdes chamar) traziam estas mercadorias em caravanas de camelos, asnos, e azemolas [machos ou mulas], ao mar de Levante, a uma Cidade que está nele em xxxij (32) graus de altura que se chama Cazom [Gaza] haverá por aqui de um mar a outro xxxv (35) léguas, dando a cada grau xvii & meio (17,5), como se costumava : pela terra ser quente, e darea [de areia] não andavam senão de noite, governando-se por estrelas, de que tinham conhecimento, & por balizas de paus, e canas que na terra tinham metidas. Vendo que esta estrada não era tal como eles desejavam, diz que duas vezes o mudaram. 

Novecentos anos, pouco mais ou menos, depois do Dilúvio, antes da destruição de Troya houve um Rei no Egypto [Egipto] que se chamou Sesostres [talvez Senusret III], o qual vendo que estes caminhos, e diligências que eram feitas não escusavam muitos custos, homens, bestas, carregas, e descarregas, determinou fazer uma vala do mar Vermelho a um braço do rio Nilo, que vai ter à cidade de Seroum [Seróm, Corom - porto junto a Meca], por onde as naus pudessem ir e vir com as mercadorias das índias à Europa , sem serem tiradas, nem descarregadas até Itália. E por isso foi este o primeiro Rey do Egipto qus mandou fazer carracas grandes para efte caminho, o qual não teve efeito, porque se o tivera ficava Africa em uma Ilha toda dagoa [da água] rodeada, por não ter mais de vinte léguas este jsmo [istmo] de terra. 

Neste meio tempo dizem que os Gregos fizeram uma Armada que chamam dos Argonautas, e iam por capitães dela Jasom [Jasão] & Alceo [Alceu], uns querem que partissem da Ilha de Creta, outros da Grécia, como quer que seja, foram pelo mar Pontico [Pontus], e braço de S. Jorge [Georgia] ao mar Euxino, onde se perderam. Jasom tornou à Grécia, Alceo diz que com tormenta foi ter à lagoa Meotis [supostamente, o mar de Azov], onde se desfez de todo, e os que escaparam com muito trabalho, atravessaram por terra ao mar Oceano Dalemanha [mar Báltico] onde reembarcaram, e pela costa Xaxonia [Saxonia], Frisia, Holanda, Flandres, França, Espanha, Itália, tornaram a Peloponeso, ou Morea,e Grécia, atè a Província da Trácia, deixando descoberto por costa a maior parte da Europa.  

Strabon [Estrabão] citando Aristonico, diz que depois da destruição de Troya el Rey Menalao [Menelau] saiu do estreito, e mar do Levante ao Athlantico, & Costa de Africa, & Guine, & dobrou o cabo de Boa esperança, e em certo tempo foi ter à Índia. Disto se pode tomar aos autores mais estreita conta. Este mar Mediterrâneo, também se chamou Adriatico, Egeo, Hercoleo, e outros nomes, segundo as terras, costas & ilhas, que banha ao mar grande Athlantico & costa de Africa. 

No ano de 1300, depois do Dilúvio mandou Salamão [Salomão] fazer huma Armada no mar do mar Roxo que se chamava Eylam, para ir a Levante da Índia onde dizem estar aquela ilha & terra a que chamavam Tarcis & Offir, & que puseram três anos neste caminho, de que trouxeram muito ouro, prata, aciprestes, pinho. Por onde parece que aquelas terras & ilhas deviam ser as que agora chamam Luções [Filipinas], Lequios [Formosa ou Okinawa-Japão], & Chinas, porque não sabemos lá em outras partes haver prata, aciprestes, pinhos nem navegação de tantos annos. 

Também deixaram escrito os passados que houve um Rey no Egypto que se chamou Neco, que desejou muito ajuntar o mar Roxo com o rio Nillo, e mandou aos Fenicios que deste estreito de Meca navegassem até o fim do mar Mediterraneo para ver se tornavam ao Egypto, eles assím o fizeram, indo ao Sul ao longo da costa & terra de Melinde, Quiloa, Sofala, até o cabo de Boa esperança, ficando-lhe sempre o Sol à mão esquerda. Mas dobrando este Cabo, e vendo o Sol à mão direita, espantaram-se muito: com tudo fizeram ao Norte seu caminho pela Costa de Guinè, & mar Mediterrâneo até tornar ao Egypto donde partirão, e puseram dois anos neste descobrimento, & querem alguns que fossem os primeiros que o fizeram, & andassem a costa Dafrica [de África] toda em roda. 

No ano de 590 - Antes da encarnação de Christo partiu de Espanha uma armada de mercadores Cartagineses feita à sua custa, e foi contra o Ocidente por esse mar grande ver se achavam alguma terra : diz que foram dar nela. E que é aquela que agora chamamos Antilhas, e nova Espanha que Gonçalo Fernandez de Oviedo, quer que nesse tempo fosse já descoberta, ainda que Christovão Colom nos deu dela mais vera certeza, & todos os que escreveram como falam em cousa duvidosa & terra não descoberta, logo acodem com esta da nova Espanha.

(continua)
______________________________

Nota: Entre parentesis rectos estão algumas associações modernas às designações originais usadas por Galvão, uma boa parte das quais resultou de consulta ao Glossário do Visconde de Lagoa.

editado em 17-01-2016

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publicado às 07:56

Atendendo à descrição que Galvão faz da desaparecida ilha de Calex - "tamanha que se juntava à terra de Espanha", a mais apropriada ilustração será algo da forma:
Mapa com um grande abaixamento do nível do mar, conforme post anterior
Haveria múltiplas coisas a comentar, mas este mapa é meramente ilustrativo do contorno que a costa poderia ter quando, conforme relata Galvão, poderiam estar unidas as terras africanas e europeias, aparecendo nesse caso também uma grande ilha Atlântica ou Atlantida nos Açores.

O nome "Calex" deveria ser lido como "Cales" (som "ch" e não "cs" para o "x", como na Galiza), e o território então existente na Idade do Gelo iria desaparecer, aquando do fim do ciclo gelado e regresso a temperaturas bastantes mais quentes. O degelo teria um efeito de dilúvio, mais ou menos repentino, consoante a queda das massas de gelo no mar, fazendo desaparecer povoações em terrenos costeiros. A certa altura, a ligação poderia perder-se definitivamente... vendo que o aumento do nível do mar deixa ilhas, que ainda irão submergir, com novo aumento.
Mapa com um menor abaixamento do nível do mar (conforme post anterior)
Ao nível da Galiza, por exemplo, aparece uma ilha que seria submergida com a subida do mar.
Ora, este nome Calex, faz lembrar outro tema que aqui abordámos:
que resultou de um comentário de Bartolomeu Lança, que se ligava à versão antiga do Caminho de Santiago, que antes de ser Callix Iago, seria Callix Ianus - um Caminho até Lugo, no rio Minho... o rio que desagua em Caminha.

Os que viviam mais próximos da anterior linha da costa atlântica, podem até ter subido para montanhas altas, mas essas montanhas locais não seriam suficientes para os territórios que vemos como "ilhas verdes", hoje submersas por completo.
Portanto, a situação terá sido bastante dramática para os que se viram ali isolados, e para os que assistiam do lado da Ibéria... também eles sem saberem se seriam suficientes as alturas de Espanha para a subida de águas. Seria a serra da Estrela ou os Pirinéus, suficientes, ou precisariam ir ainda para paragens mais altas, os Alpes?... ou ainda mais alto, na zona do Cáucaso, até à Anatólia do Monte Ararat, afinal os refúgios mais altos e mais próximos (excluindo os Himalaias na Ásia).

Nesse eventual drama de se terem perdido as gentes da ilha de Calex, nesse dilúvio que se seguiu à Idade do Gelo, era natural ficar uma nostalgia marítima intemporal, sobre os territórios para sempre perdidos - um lema como "por tu Calex" seria apropriado para recordar um caminho doutrora, que terminava em Finisterra, na Galiza, mas que antes prosseguia para a ilha situada em frente ao Porto de Cale, onde Cale, hoje Vila Nova de Gaia, coincide com o limite inferior para essa plataforma submersa.
Nesse contexto, pareceria então natural que os que escapassem, quisessem render ali na Finisterra, uma homenagem aos que não teriam salvo na sua fuga. E sabe-se que a rota do Callix Ianus reunia celtas de toda a Gália para efectuar essa antiga peregrinação, que não parava em Lugo, tal como a de Santiago, é habitual continuar até à Finisterra... onde ficou definido o fim da terra.

Numa conversa há cinco anos atrás, com o José Manuel, falámos do relato do S. S. Jesmond em 1882, que dava conta do avistamento de uma ilha no meio do Atlântico, conforme está registado nos comentários aqui:
e sobre o qual deverei fazer um post... pois nem me lembrava que não o tinha feito!
É significativo que seja de 1882, época que deve ter correspondido a uma pequena glaciação, a que levaria o Príncipe Wiasemsky a propor-se atravessar o gelo no Estreito de Bering em 1885.
Isso levaria a um significativo abaixamento do nível do mar (e por exemplo ao fim de Alfeizerão, e outras localidades, como portos)... que poderia sido tão grande que estas plataformas submersas fizessem uma fugaz aparição.
Perante o eventual aparecimento de novas terras, qual seria a reacção da liderança europeia?
O ano de 1885 é o ano da Conferência de Berlim, onde é efectuado um reajustamento das pretensões coloniais, o que vai levar à crise do "Mapa Cor de Rosa".
Tudo o que capitão Robson trouxe da ilha (que nem consta da listagem da wikipedia) ficou guardado em Londres... até que tudo desaparece em 1940, na 2ª Guerra Mundial:
Several reporters examined Robson's unusual finds and were infomormed by him that he planned to present the artifacts to the British Museum. Unfortunately for Atlantian research, however, the log of the Jesmond was destroyed during the London blitz of September 1940, along with the offices of the Jesmond's owners. There is no record at the British Museum of their having received Robson's collection. Although it is possible that the artifacts are files in the capacious attics and basements common to all museums. Nor was the island ever heard of again, existing only in the sworn testimony of the captain and crew of the Jesmond.

________________________________________
DESCOBRIMENTOS 
em diversos anos & tempos, 
& quem foram os primeiros que navegaram.
purl.pt/15321
por António Galvão (1563)


A mesma ilha de Calex se afirma ser tamanha que se ajuntava à terra de Espanha, e que as Ilhas dos Açores era uma ponta das serras da Estrella, que se mete no mar na Vila de Cintra [Sintra]. E que a serra Verde que se mete na agua junto da cidade de Safim em Teracucu, que é a própria de Monchim [Monchique], que do Algarve , & que em estas arrebentam as ilhas do Porto Sancto, e a Madeira, porque dizem que todas as ilhas têm as raizes na terra firme, por muito apartadas que estejam dela, que doutra maneira não se susteria. Outros querem que Despanha [de Espanha], a Ceyta [Ceuta] se passasse por terra, & que as Ilhas de Cerdenha [Sardenha] & Corcega [Córsega] se juntassem uma com outra, Cecilia [Sicília] com Itália , Negroponte com a Grécia. Assim contam que acharam cascos de naus, âncoras de ferro, nas montanhas de Suissa [Suiça], muito metidas pela terra, onde parece que nunca houve mar, nem água salgada. 

Também dizem que na Índia & terra do Malabar que é tamanha & tão povoada, foi já tudo mar atá o pé da serra: & que o Cabo de Comorim, & a Ilha de Ceilão era tudo uma coisa, & a Ilha de Samatra que fora pegada com a terra Malaca, por uns baixos de Capasia [Amazon Maru Shoal], e junto dela está uma ilheta que não há muito que ela e a terra firme tudo era uma coisa. Ptolomeu em suas Tábuas põe esta terra de Malaca ao Sul da linha, em três ou quatro graus de altura, ficando agora a ponta dela, que se chama Ojentana, em um grau da banda do Norte (como se vê no Estreito de Sincapura [Singapura]), onde cada dia passam para a costa de Syão [Tailândia], & China, onde está a ilha de Aynão [Ainão - Hainan] que também dizem que foi junta com a terra da China que Ptolomeu assenta da parte do Norte muito além da linha , ficando agora mais de vinte graus dela da parte do Norte, de maneira, que assim Ásia como Europa, ambas agora estão desta banda. 

Bem podia fer que nos tempos passados, a terra de Malaca, e China fossem acabar além da linha da banda do Sul, como Ptolomeo as pinta, porque pegaria à ponta da terra de Ojentana com as ilhas de Bintão [pulau Bintan], Banqua [pulau Bangka], e Salítres [pulau Belitung?] que há por ali muitas, e seria a terra toda maciça; e assim a ponta da China com as Ilhas dos Luções [Luzon, Filipinas], Borneos [Bornéu], Lequios [Formosa ou Okinawa], Mindanaos [Mindanao, Filipinas], & outras que jazem nesta corda, que também tem por opinião ainda agora, que a Ilha de Samatra foi pegada com a Jaoa [Java], pelo canal de Sunda, e a Ilha de Baly [Bali], Anjane [Lombok], Sinbaba [Sumbawa], Solor, Hogaleao [Pantar], Maulua [Ombai], Vintara [Wetar], Rosolanguim [Rosyngain, (pulau) Romang], & outras que há nesta corda, e alturas, todas foram pegadas com a Jaoa, e a terra uma, & assim o parece a quem as vê de fora, porque aindagora [ainda agora] há nestas partes ilhas tão juntas umas com as outras, que parece tudo uma coisa, e quem passa por antrellas [entre elas] vai tocando com a mão os ramos do arvoredo de uma banda, e da outra. E não há muito tempo que ao Levante das Ilhas de Banda se fundiram muitas; e também dizem agora que na China se alagaram mais de sessenta léguas de terra: por onde senão deve aver [haver] por muito o que Ptolomeo e outros antigos deixaram escrito, que também eu deixo por tornar a meu propósito. 

Depois do Dilúvio 800 anos, diz que foi fundada a Cidade de Troya pelos Dardanos [de Dardano, neto de Atlas pela filha Electra, nome do Estreito de Dardanelos], & que antes disto traziam das Índias à Europa pelo mar Roxo [Mar Vermelho], especiarias, drogas, e outras muitas, e diversas mercadorias, que hi avia [ainda havia] naquele tempo mais que agora. E se assim foi isto bem se pode dar crédito que havia muito tempo que os mares se navegavam, pois naquele tinham tanto comercio o Levante com o Ponente que se traziam estas mercadorias a um porto que se chama Arsinoe, que querem dizer alguns, que seja aquele que agora dizemos Çuez [Suez] que está em trinta graus da parte do Norte neste estreito Arábico. 

Declaram mais os escritores, que deste porto de Arsinoe, Suez (ou como lhe quiserdes chamar) traziam estas mercadorias em caravanas de camelos, asnos, e azemolas [machos ou mulas], ao mar de Levante, a uma Cidade que está nele em xxxij (32) graus de altura que se chama Cazom [Gaza] haverá por aqui de um mar a outro xxxv (35) léguas, dando a cada grau xvii & meio (17,5), como se costumava : pela terra ser quente, e darea [de areia] não andavam senão de noite, governando-se por estrelas, de que tinham conhecimento, & por balizas de paus, e canas que na terra tinham metidas. Vendo que esta estrada não era tal como eles desejavam, diz que duas vezes o mudaram. 

Novecentos anos, pouco mais ou menos, depois do Dilúvio, antes da destruição de Troya houve um Rei no Egypto [Egipto] que se chamou Sesostres [talvez Senusret III], o qual vendo que estes caminhos, e diligências que eram feitas não escusavam muitos custos, homens, bestas, carregas, e descarregas, determinou fazer uma vala do mar Vermelho a um braço do rio Nilo, que vai ter à cidade de Seroum [Seróm, Corom - porto junto a Meca], por onde as naus pudessem ir e vir com as mercadorias das índias à Europa , sem serem tiradas, nem descarregadas até Itália. E por isso foi este o primeiro Rey do Egipto qus mandou fazer carracas grandes para efte caminho, o qual não teve efeito, porque se o tivera ficava Africa em uma Ilha toda dagoa [da água] rodeada, por não ter mais de vinte léguas este jsmo [istmo] de terra. 

Neste meio tempo dizem que os Gregos fizeram uma Armada que chamam dos Argonautas, e iam por capitães dela Jasom [Jasão] & Alceo [Alceu], uns querem que partissem da Ilha de Creta, outros da Grécia, como quer que seja, foram pelo mar Pontico [Pontus], e braço de S. Jorge [Georgia] ao mar Euxino, onde se perderam. Jasom tornou à Grécia, Alceo diz que com tormenta foi ter à lagoa Meotis [supostamente, o mar de Azov], onde se desfez de todo, e os que escaparam com muito trabalho, atravessaram por terra ao mar Oceano Dalemanha [mar Báltico] onde reembarcaram, e pela costa Xaxonia [Saxonia], Frisia, Holanda, Flandres, França, Espanha, Itália, tornaram a Peloponeso, ou Morea,e Grécia, atè a Província da Trácia, deixando descoberto por costa a maior parte da Europa.  

Strabon [Estrabão] citando Aristonico, diz que depois da destruição de Troya el Rey Menalao [Menelau] saiu do estreito, e mar do Levante ao Athlantico, & Costa de Africa, & Guine, & dobrou o cabo de Boa esperança, e em certo tempo foi ter à Índia. Disto se pode tomar aos autores mais estreita conta. Este mar Mediterrâneo, também se chamou Adriatico, Egeo, Hercoleo, e outros nomes, segundo as terras, costas & ilhas, que banha ao mar grande Athlantico & costa de Africa. 

No ano de 1300, depois do Dilúvio mandou Salamão [Salomão] fazer huma Armada no mar do mar Roxo que se chamava Eylam, para ir a Levante da Índia onde dizem estar aquela ilha & terra a que chamavam Tarcis & Offir, & que puseram três anos neste caminho, de que trouxeram muito ouro, prata, aciprestes, pinho. Por onde parece que aquelas terras & ilhas deviam ser as que agora chamam Luções [Filipinas], Lequios [Formosa ou Okinawa-Japão], & Chinas, porque não sabemos lá em outras partes haver prata, aciprestes, pinhos nem navegação de tantos annos. 

Também deixaram escrito os passados que houve um Rey no Egypto que se chamou Neco, que desejou muito ajuntar o mar Roxo com o rio Nillo, e mandou aos Fenicios que deste estreito de Meca navegassem até o fim do mar Mediterraneo para ver se tornavam ao Egypto, eles assím o fizeram, indo ao Sul ao longo da costa & terra de Melinde, Quiloa, Sofala, até o cabo de Boa esperança, ficando-lhe sempre o Sol à mão esquerda. Mas dobrando este Cabo, e vendo o Sol à mão direita, espantaram-se muito: com tudo fizeram ao Norte seu caminho pela Costa de Guinè, & mar Mediterrâneo até tornar ao Egypto donde partirão, e puseram dois anos neste descobrimento, & querem alguns que fossem os primeiros que o fizeram, & andassem a costa Dafrica [de África] toda em roda. 

No ano de 590 - Antes da encarnação de Christo partiu de Espanha uma armada de mercadores Cartagineses feita à sua custa, e foi contra o Ocidente por esse mar grande ver se achavam alguma terra : diz que foram dar nela. E que é aquela que agora chamamos Antilhas, e nova Espanha que Gonçalo Fernandez de Oviedo, quer que nesse tempo fosse já descoberta, ainda que Christovão Colom nos deu dela mais vera certeza, & todos os que escreveram como falam em cousa duvidosa & terra não descoberta, logo acodem com esta da nova Espanha.

(continua)
______________________________

Nota: Entre parentesis rectos estão algumas associações modernas às designações originais usadas por Galvão, uma boa parte das quais resultou de consulta ao Glossário do Visconde de Lagoa.

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