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Nas últimas décadas, em que Fernando Pessoa foi elevado ao estrelato nacional, é de certa forma inconveniente um seu pequeno opúsculo de 31 páginas, escrito em 1928, onde defendia a implantação da Ditadura em Portugal:

O interregno : defeza e justificação da dictadura militar em Portugal
Fernando Pessoa (1928)

Citamos uma parte do manuscrito que o mação Pessoa se viria a arrepender de ter escrito, ao mesmo tempo que à época não deixa manifestar orgulho nele - "Não há hoje quem, no nosso país ou em outro, tenha alma e mente, ainda que combinando-se, para compor um opúsculo como este. D'isto nos orgulhamos.";  e se isto parece um excesso egocêntrico, é justificado, pois a sua análise é boa.
Talvez seja mesmo brilhante, mas quando o próprio exibe grande conta, dispensa mais superlativos. Deixo então um extracto (pág. 27)
Concentrados, dos Filipes ao liberalismo, numa estreita tradição familiar, provinciana e religiosa; animalizados, nas classes médias pela educação fradesca, e, nas classes baixas, bestializados pelo analfabetismo que se distingue nas nações católicas, onde não é mister conhecer a Bíblia para ser cristão; desenvolvemos, nas classes superiores, onde principalmente se forma a opinião de intuição, a violenta reacção correspondente a esta acção violenta.
Desnacionalizámos a nossa política, desnacionalizámos a nossa administração, desnacionalizámos a nossa cultura.
A desnacionalização explodiu no constitucionalismo, dádiva que, em reacção, recebemos da Igreja Católica.
Com o constitucionalismo deu-se a desnacionalização quase total das esferas superiores da Nação. Produziu-se a reacção contrária, e, do mesmo modo que na Russia de hoje, se bem que em menor grau, a opinião de hábito recuou para além da província, para além da religião, em muitos casos para além da família.
Surgiu a contra-reacção: veio a República e, com ela, o estrangeiramento completo. Tornou a haver o movimento contrário; estamos hoje sem vida provincial definida, com a religião convertida em superstição e em moda, com a família em plena dissolução. Se dermos mais um passo neste jogo de acções e reacções, estaremos no comunismo e em comer raízes - aliás o terminus natural deste sistema humanitário. É este o estado presente dos dois elementos componentes da opinião pública portuguesa.
Em poucas palavras, indo ao princípio físico newtoniano, da acção-reacção, Pessoa procura estabelecer o processo de repetição histórica entre uma visão local e global, como oscilação pendular. Ou seja, quando domina o estrangeirismo, é desestruturada a cultura provinciana, familiar, depois por reacção nacionalista, esses valores familiares, religiosos, são de novo elevados ao topo, e o país fecha-se a qualquer influência estrangeira. Segundo a visão de Pessoa, isto só teria sido diferente aquando da expansão marítima: 
No caso notável do início dos nossos Descobrimentos, a opinião de hábito se opunha à novidade deles, a de intuição a promovia; porém uma e outra não pensavam fora do ideal de grandeza pátria, ou seja, no fundo, do ideal do império. Assim pôde o Império Português, quando por mal ou bem, veio a ser, ser informado por toda a alma de Portugal.
Porém, a ditadura que trazia alguma ordem ao caos republicano, não rumou no sentido de um grande império global, ao invés, conforme a reacção local prevista ao entrangeirismo republicano, voltou a fechar-se na cultura provinciana, tacanha, de dimensão local, ainda que espalhada pelo globo. 
Assim, passados alguns anos já exibe a sua feroz crítica a Salazar
Coitadinho do tiraninho! Não bebe vinho; nem sequer sozinho…
Bebe a verdade; e a liberdade; e com tal agrado; que já começam a escassear no mercado.
Coitadinho do tiraninho!
O meu vizinho está na Guiné; e o meu padrinho no Limoeiro; aqui ao pé, e ninguém sabe porquê.
O rei reside em segredo; no governar da Nação;
Que é um realismo com medo; chama-se nação ao Rei; e tudo isto é Rei-nação.
A República pragmática; que hoje temos já não é a meretriz democrática;
como deixou de ser pública; agora é somente Ré.
Parece-me que a dimensão que Pessoa pretendia em Portugal, era simplesmente a detida pela Grã-Bretanha, e depois pretendida pela Alemanha, na sua pretensão imperial nazi. Mas ao contrário do que previa Pessoa, o comunismo não se resumiu "a comer raízes", e a disputa por um império de influência global, ocorreu no confronto entre EUA e URSS, ambas desprezando ou suprimindo os interesses locais. 
A análise de Pessoa só é mais notável porque facilmente a encontramos plasmada de novo, no confronto entre os interesses nacionalistas locais, e a imposição de impérios de comércio global que destroem ou ignoram a dimensão local, as tradições culturais e a estrutura familiar, e com isso o bem estar individual é sacrificado face ao plano global.

O problema geral de Pessoa seria o mesmo que uma boa parte dos portugueses... nasceram educados nas grandezas passadas, para uma pequenez presente. Como costumo dizer, ou a mãezinha, ou o espírito santo de orelha, disse-lhes que tinham "grande queda", mas nunca encontraram sítio onde cair, onde exibir tão excelso dote. No caso de Pessoa, essa frustração pessoal encontrou maior âmbito como frustração de toda a nação portuguesa, cada vez mais reduzida na sua influência global.

O "Botas", a forma pejorativa como era identificado Salazar, misturando o seu problema nos pés, com uma sarcástica forma de gozo citadino contra o seu provincianismo, não era certamente o líder da ditadura que Pessoa vira como necessária na transição de regime. Por muito brilhante que tenha sido a condução política de Salazar a nível internacional, o país fechou-se, mantendo aberto um império que não acompanhava minimamente o progresso tecnológico internacional. Como se não bastasse o ridículo, por falta de indústria aeronáutica, e por boicote da NATO ao império colonial, os aviões eram sempre uma segunda escolha.
Assim, se Salazar tinha a amizade e pretensões nacionalistas de Charles de Gaulle, ao contrário disponibilizava uma logística miserável ao exército, contando sempre com sacrifício total, como quando não aceitou a rendição de Goa perante o avanço das tropas de Nehru. E esse miserabilismo era razão suficiente para arrogar ao mesmo tempo uma grandeza da nação e uma conformação do povo à pequenez.

Porém, isto serve apenas como primeira parte da tragicomédia de Salazar, que terminará os seus dias com a ilusão de que ainda era Presidente do Conselho.
E a questão é muito simples... se Salazar tinha o poder nacional tão concentrado na sua pessoa, na figura de ditador único e intransmissível, quem então arriscou a decisão de o demitir?
Formalmente, foi o Presidente Américo Tomás, mas este "obviamente, demito-o" foi a perdição do seu concorrente, Humberto Delgado... portanto não seria uma decisão que Américo Tomás tomasse facilmente, e muito menos sozinho. 
Ou seja, a questão é - quem detinha o poder que decidiu colocar Salazar numa casa de bonecas?
Procurei, e estranhamente não vi nenhuma resposta significativa a esta ligeira questão.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 07:47

Nas últimas décadas, em que Fernando Pessoa foi elevado ao estrelato nacional, é de certa forma inconveniente um seu pequeno opúsculo de 31 páginas, escrito em 1928, onde defendia a implantação da Ditadura em Portugal:

O interregno : defeza e justificação da dictadura militar em Portugal
Fernando Pessoa (1928)

Citamos uma parte do manuscrito que o mação Pessoa se viria a arrepender de ter escrito, ao mesmo tempo que à época não deixa manifestar orgulho nele - "Não há hoje quem, no nosso país ou em outro, tenha alma e mente, ainda que combinando-se, para compor um opúsculo como este. D'isto nos orgulhamos.";  e se isto parece um excesso egocêntrico, é justificado, pois a sua análise é boa.
Talvez seja mesmo brilhante, mas quando o próprio exibe grande conta, dispensa mais superlativos. Deixo então um extracto (pág. 27)
Concentrados, dos Filipes ao liberalismo, numa estreita tradição familiar, provinciana e religiosa; animalizados, nas classes médias pela educação fradesca, e, nas classes baixas, bestializados pelo analfabetismo que se distingue nas nações católicas, onde não é mister conhecer a Bíblia para ser cristão; desenvolvemos, nas classes superiores, onde principalmente se forma a opinião de intuição, a violenta reacção correspondente a esta acção violenta.
Desnacionalizámos a nossa política, desnacionalizámos a nossa administração, desnacionalizámos a nossa cultura.
A desnacionalização explodiu no constitucionalismo, dádiva que, em reacção, recebemos da Igreja Católica.
Com o constitucionalismo deu-se a desnacionalização quase total das esferas superiores da Nação. Produziu-se a reacção contrária, e, do mesmo modo que na Russia de hoje, se bem que em menor grau, a opinião de hábito recuou para além da província, para além da religião, em muitos casos para além da família.
Surgiu a contra-reacção: veio a República e, com ela, o estrangeiramento completo. Tornou a haver o movimento contrário; estamos hoje sem vida provincial definida, com a religião convertida em superstição e em moda, com a família em plena dissolução. Se dermos mais um passo neste jogo de acções e reacções, estaremos no comunismo e em comer raízes - aliás o terminus natural deste sistema humanitário. É este o estado presente dos dois elementos componentes da opinião pública portuguesa.
Em poucas palavras, indo ao princípio físico newtoniano, da acção-reacção, Pessoa procura estabelecer o processo de repetição histórica entre uma visão local e global, como oscilação pendular. Ou seja, quando domina o estrangeirismo, é desestruturada a cultura provinciana, familiar, depois por reacção nacionalista, esses valores familiares, religiosos, são de novo elevados ao topo, e o país fecha-se a qualquer influência estrangeira. Segundo a visão de Pessoa, isto só teria sido diferente aquando da expansão marítima: 
No caso notável do início dos nossos Descobrimentos, a opinião de hábito se opunha à novidade deles, a de intuição a promovia; porém uma e outra não pensavam fora do ideal de grandeza pátria, ou seja, no fundo, do ideal do império. Assim pôde o Império Português, quando por mal ou bem, veio a ser, ser informado por toda a alma de Portugal.
Porém, a ditadura que trazia alguma ordem ao caos republicano, não rumou no sentido de um grande império global, ao invés, conforme a reacção local prevista ao entrangeirismo republicano, voltou a fechar-se na cultura provinciana, tacanha, de dimensão local, ainda que espalhada pelo globo. 
Assim, passados alguns anos já exibe a sua feroz crítica a Salazar
Coitadinho do tiraninho! Não bebe vinho; nem sequer sozinho…
Bebe a verdade; e a liberdade; e com tal agrado; que já começam a escassear no mercado.
Coitadinho do tiraninho!
O meu vizinho está na Guiné; e o meu padrinho no Limoeiro; aqui ao pé, e ninguém sabe porquê.
O rei reside em segredo; no governar da Nação;
Que é um realismo com medo; chama-se nação ao Rei; e tudo isto é Rei-nação.
A República pragmática; que hoje temos já não é a meretriz democrática;
como deixou de ser pública; agora é somente Ré.
Parece-me que a dimensão que Pessoa pretendia em Portugal, era simplesmente a detida pela Grã-Bretanha, e depois pretendida pela Alemanha, na sua pretensão imperial nazi. Mas ao contrário do que previa Pessoa, o comunismo não se resumiu "a comer raízes", e a disputa por um império de influência global, ocorreu no confronto entre EUA e URSS, ambas desprezando ou suprimindo os interesses locais. 
A análise de Pessoa só é mais notável porque facilmente a encontramos plasmada de novo, no confronto entre os interesses nacionalistas locais, e a imposição de impérios de comércio global que destroem ou ignoram a dimensão local, as tradições culturais e a estrutura familiar, e com isso o bem estar individual é sacrificado face ao plano global.

O problema geral de Pessoa seria o mesmo que uma boa parte dos portugueses... nasceram educados nas grandezas passadas, para uma pequenez presente. Como costumo dizer, ou a mãezinha, ou o espírito santo de orelha, disse-lhes que tinham "grande queda", mas nunca encontraram sítio onde cair, onde exibir tão excelso dote. No caso de Pessoa, essa frustração pessoal encontrou maior âmbito como frustração de toda a nação portuguesa, cada vez mais reduzida na sua influência global.

O "Botas", a forma pejorativa como era identificado Salazar, misturando o seu problema nos pés, com uma sarcástica forma de gozo citadino contra o seu provincianismo, não era certamente o líder da ditadura que Pessoa vira como necessária na transição de regime. Por muito brilhante que tenha sido a condução política de Salazar a nível internacional, o país fechou-se, mantendo aberto um império que não acompanhava minimamente o progresso tecnológico internacional. Como se não bastasse o ridículo, por falta de indústria aeronáutica, e por boicote da NATO ao império colonial, os aviões eram sempre uma segunda escolha.
Assim, se Salazar tinha a amizade e pretensões nacionalistas de Charles de Gaulle, ao contrário disponibilizava uma logística miserável ao exército, contando sempre com sacrifício total, como quando não aceitou a rendição de Goa perante o avanço das tropas de Nehru. E esse miserabilismo era razão suficiente para arrogar ao mesmo tempo uma grandeza da nação e uma conformação do povo à pequenez.

Porém, isto serve apenas como primeira parte da tragicomédia de Salazar, que terminará os seus dias com a ilusão de que ainda era Presidente do Conselho.
E a questão é muito simples... se Salazar tinha o poder nacional tão concentrado na sua pessoa, na figura de ditador único e intransmissível, quem então arriscou a decisão de o demitir?
Formalmente, foi o Presidente Américo Tomás, mas este "obviamente, demito-o" foi a perdição do seu concorrente, Humberto Delgado... portanto não seria uma decisão que Américo Tomás tomasse facilmente, e muito menos sozinho. 
Ou seja, a questão é - quem detinha o poder que decidiu colocar Salazar numa casa de bonecas?
Procurei, e estranhamente não vi nenhuma resposta significativa a esta ligeira questão.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 07:47

A observação seguinte não é minha, mas fui dar com ela "naturalmente".
Trata-se da semelhança entre as velas representadas em barcos vikings e barcos fenícios:

in http://redqueenwhitequeen.com/wordpress/?page_id=36

Bom, e já aqui tínhamos falado da bandeira da Companhia das Índias inglesa:
Bandeira da Companhia das Indias (B. Lens, em 1700)
onde as riscas vermelhas e brancas, sugerem na forma a bandeira dos Estados Unidos da América, mas sendo igualmente semelhante na disposição à bandeira grega (com a diferença de aí as riscas serem azuis e brancas). O autor do site refere ainda o caso japonês (Rising Sun Flag), mas que é substancialmente diferente na orientação.
Ainda que possam haver cores das velas dos barcos normandos na Tapeçaria de Bayeux, não temos propriamente uma representação colorida do passado fenício, e desconheço se algum historiador refere a forma das velas fenícias, para co-substanciar esta relação vermelho-branca entre velas normandas/vikings e as velas fenícias. Certo parece ser que o vermelho e branco foi ainda seguido nas velas com a Cruz de Cristo. Não é ainda de excluir que parte do legado fenício tenha sido assente na região veneziana, e como o próprio nome indica, a região Venécia e a Fenícia partilharam ligações que Júlio César ligava ainda aos Venetos gauleses, da região da Normandia. (Notar ainda na bandeira de Aragão, que será meia bandeira espanhola com a união dos reis católicos).
Galleaza veneziana  (reconstrução EPFL)

Outra questão é... para onde foi o legado Fenício, da Fénix que renasce das cinzas?
Ou, de que forma o símbolo do pelicano de D. João II, se assemelharia a essa Fénix? 

Como há a suspeita, mais que natural, de navegações fenícias que teriam atingido as paragens americanas, ter riscas fenícias no símbolo da bandeira americana, seria até bastante adequado.
Mas, não é apenas isso.
Com efeito, a maçonaria insiste bastante na história de Hirão Abi, o arquitecto fenício que teria dado a vida para proteger o segredo do Templo de Salomão.

Com a queda de Cartago em 146 a.C., a herança dos navegadores fenícios e cartagineses aparentemente perdeu-se, mas não é de excluir que os judeus tenham tomado para si esse legado, relembrando a velha associação de exploração naval entre o rei hebreu Salomão e o rei fenício Hirão, em direcção às paragens míticas de Ofir.

O poder comercial e o poder militar
A característica principal do poder fenício e cartaginês era a sua faceta comercial, e se houve algo que caracterizou a transformação de Roma, que na sua queda passou a ser o centro de decisão medieval foi o fecho do comércio, que permitiu consolidar o poder militar feudal.

Há uma substancial diferença entre a queda de Cartago às mãos romanas, que é basicamente terraplanada, e a queda de Roma às mãos das invasões bárbaras, já que renasceu imediatamente como único centro de decisão de todas as disputas medievais, através da figura papal que se colocava acima dos reis bárbaros.

Conforme referimos no texto Sete Monarquias, pretendeu-se haver uma continuidade numa certa "Monarquia Universal", que desde o tempo dos Assírios foi passando por diversas mãos, mas só chegou às mãos dos gregos com a investida de Alexandre Magno, e depois passou para os seus generais - Ptolomeu e Seleuco.
Os seleucidas ficaram com o legado fenício, e tal como os cartagineses foram hostis aos romanos até à conquista romana em 60 a.C. Apesar de estar no território seleucida, terá sido mais Alexandria do que Antioquia, a tomar o estatuto de mega-cidade da Antiguidade, após a conquista da Babilónia. 
Na rivalidade natural entre os Seleucidas e o Egipto dos Ptolomeus, levaria uns a apoiar Cartago, pela ligação natural à Fenícia, e os outros a favorecer Roma. 
Assim, a continuidade da monarquia na Antiguidade ficará no Egipto ptolomaico, até ser passada a Júlio César por Cleópatra. É aí que começa a monarquia romana, especialmente com a morte de Cleópatra à chegada de Octávio Augusto, o primeiro imperador.

Mas onde fica mais clara esta circunstância é com o que se irá seguir.
Não é difícil seguir um percurso dos dois lados em confronto.

1) Poder comercial, naval 
Celtas, Fenícia, Grécia, Cartago, Judeus, Árabes, Normandos, Templários, Veneza, Portugal, Holanda, Inglaterra

2) Poder militar, territorial 
Mesopotâmia, Ptolomeus, Roma, Sacro Império Germânico, Espanha, Áustria, Alemanha

Será extenso entrar com cada uma das explicações particulares, mas podemos dizer que a primeira linha terá levado à formação da Maçonaria, enquanto a segunda linha seguiu durante bastante tempo o domínio que a Igreja Romana teve na Europa.

Segue-se uma tentativa de resumo explicativa:

_________ 19/06/2016

(i) Em breves linhas, seguindo o registo de Júlio César sobre os Venetos, a tradição de navegação marítima no Oceano, estaria consolidada, provavelmente em tempos anteriores aos dos Fenícios. A extensão da cultura megalítica celta (ou mesmo Bell Beaker) sugere o mesmo, uma ligação antiga ao longo da costa atlântica, que se manifestou nas diversas ilhas. Fala-se ainda nos Pelasgos ou nos Povos do Mar, a este respeito, após a Guerra de Tróia. Mais consolidada, será uma herança de navegação nos Fenícios, a par com os Gregos, sucessores territoriais dos Aqueus. Nos gregos manter-se-à uma oposição entre um poder naval de Atenas, e um poder territorial de Esparta.
(ii) A longa disputa entre Gregos e Persas será uma faceta dos primeiros embates. Se os Gregos eram por excelência uma civilização naval, o lado Persa era herdeiro da tradição mesopotâmica, da monarquia assíria. O papel do Egipto era suficientemente ambíguo, mas ao tempo do embate grego com persas, seria natural ver os egípcios como aliados dos gregos. Antes disso, foi marcante a divisão política entre os monoteístas de Aquenaton, e a tradicional religião politeísta egípcia.
(iii) Cartago (814 a.C.) e Roma (753 a.C.) são fundadas com 60 anos de intervalo, e serão focos do embate seguinte. Esse embate ocorre após a conquista da Babilónia por Alexandre Magno, que terminará com o ascendente mesopotâmico na Antiguidade. Tanto os seleucidas fenícios, como os macedónios de Pirro, iriam opor-se a Roma, mas o mesmo não se passaria com os ptolomeus do Egipto, com capital em Alexandria que se tornaria na grande metrópole da Antiguidade, depois da Babilónia, e antes de Roma.
(iv) Após a invasão gaulesa de Breno, as vitórias romanas sobre Pirro e sobre Cartago no controlo da Sicília, trouxeram o ascendente que tornaria Roma candidata ao ceptro imperial. Não acontece logo aquando da queda de Cartago. A herança do trono egípcio é oferecida por Cleópatra a Júlio César após a completa submissão dos celtas gauleses. Na Hispânia, o calendário é fixado com o poder de Octávio, após a submissão dos últimos resistentes celtas cantábricos.
(v) Durante a Pax Romana, uma principal oposição será mantida pela resistência dos povos germânicos, que irão servir a invasão do Império Romano. Mas essa incursão será absorvida por Roma como uma esponja. Após saqueada diversas vezes, Roma manter-se-à como capital do antigo mundo romano a Ocidente, pelo ascendente do Bispo de Roma - o Papa.
A principal característica da ascendência da Roma, durante o milénio medieval, será o fecho das fronteiras europeias ao comércio. No mundo medieval o comércio global terminava, e apenas era tolerado algum comércio local. Neste período a roda foi praticamente banida, ou digamos, ainda que houvessem carroças, as carruagens nas estradas só voltaram a aparecer como meio de transporte depois da Idade Média.
(vi) Grande parte da herança comercial foi mantida pelos judeus, e pelos árabes, na manutenção da rota da seda para Oriente, algo especialmente explorado pela República de Veneza. Se os árabes fizeram a primeira incursão significativa contra o Império Romano, o Califado de Damasco teve a máxima extensão, mas durou pouco tempo, pois os Omíadas foram derrotados pelos Abassidas de Bagdad em 750, e refugiaram-se em Córdova.
(vii) A longa linha da aristocracia europeia foi definida a partir do Império de Carlos Magno, incluindo a Germânia, nunca subjugada por Roma. Mas, assim que foi definido esse Sacro Império Germânico, com sede em Roma, também começaram quase simultaneamente as incursões vikings na Europa. Essas incursões navais só pararam com a definição dos reinos Normandos. Por um lado na Normandia, por outro lado na Sicília e Nápoles (que fará parte do domínio de Aragão).
A invasão da Inglaterra sairá da Normandia, e também é daí que sairá o governo da 1ª Cruzada que definirá o Reino de Jerusalém, com Godofredo e Balduíno do Bulhão, da Bolonha normanda.
(viii) É no quadro das Cruzadas que surge a definição do poder dos Templários. Será através dos Templários, e da sua herança na Ordem de Cristo, que se irá definir o poder naval e comercial português durante o Séc. XV. Esse poder comercial será depois assumido pelas diversas Companhias das Índias, e aqui estará grande parte da origem que irá definir a ascensão do poder comercial sobre o poder militar, que permitirá a pequenos estados, como Portugal e Holanda, dominarem grandes impérios territoriais. A influência judaica é aqui clara, tal como estará aqui a definição da maçonaria enquanto poder de bastidores, para controlo desse poder global.
(ix) O Sacro-Império Germânico sente a ofensiva tarde demais, que se manifesta ainda no aparecimento dos movimentos protestantes, que atacam directamente o poder de Roma, tal como antes já a Igreja Anglicana o havia feito. A Contra-Reforma católica será parada na Guerra dos Trinta Anos, basicamente o momento em que Roma perderá a sua influência global sobre os destinos europeus.

O mundo moderno é praticamente definido pela saída da Guerra dos Trinta Anos.
O conflito entre uma maçonaria de herança de poder comercial, vinda da Fenícia e Cartago, mantida por judeus ao longo de milénios, e um poder real, sancionado por Roma, ao longo dos mesmos milénios, irá levar ao mundo de interacções globais a nível comercial. Note-se que apesar do poder naval espanhol, a sua prevalência era de conquista territorial, e transporte de riquezas, dos metais preciosos americanos para a Europa. Não tinha sido essa a filosofia inicial portuguesa de criação de entrepostos comerciais, nem seria essa a filosofia holandesa, que privilegiavam o aspecto comercial.
A imposição de uma filosofia colonial inglesa na Índia, iniciada com os domínios da Companhia das Índias a partir de 1757, teve quase como imediato contraponto a definição da primeira colónia independente - os Estados Unidos, a que se seguiram movimentos libertadores do jugo colonial em toda a América, todos patrocinados pela maçonaria.
Assim, praticamente 2000 anos depois, o domínio global assente no controlo comercial dos mares, será herdado pela Inglaterra e EUA, quase num renascimento da Fénix... da antiga Fenícia, e da sua colónia Cartago.

Ainda haverá um espasmo de poder liderado por França, na versão napoleónica. No entanto, se Napoleão se viu inicialmente como herdeiro da maçónica Revolução Francesa, ao pretender coroar-se como Sacro-Imperador com a presença papal, inverteu por completo a sua posição histórica, e foi rapidamente destronado.

Depois, o desafio ao poder naval inglês surgiu pelo lado dos impérios europeus germânicos - a Prússia e o Austro-Húngaro, que foram liminarmente derrotados no curso da 1ª Guerra Mundial.
Mais iconicamente clara foi uma reedição do Sacro-Império Germânico no curso da 2ª Guerra Mundial, com a aliança entre Alemanha nazi de Hitler e a Itália fascista de Mussolini, colocando como alvo preferencial de ataque o poder comercial e financeiro dos Judeus.

Finalmente, o último capítulo desta "estória" de conflito entre duas filosofias ancestrais, será de certa forma colocado no confronto entre EUA e URSS no decurso da Guerra Fria, onde os EUA defensores do capitalismo, seriam os campeões do lado do poder comercial e financeiro, contra um sistema estatal centralizado, que rapidamente degenerou em "monarquia comunista".

Ainda que, com diversas simplificações, tenha tentado expor aqui uma certa correlação que se verificou numa permanente confrontação ao longo de milénios, entre um poder real, aristocrático, centrado, e um outro poder mais difuso, naval, burguês, menos centrado; parece-me claro que estes dois poderes colaboraram contra o principal factor caótico - a ira descontrolada do demo, do povo.
De certa forma, foi ponto assente comum que a ignorância da população era essencial para manter uma estabilidade do poder existente... e se dúvidas houve, com o Reino de Terror na Revolução Francesa, terá sido considerado demasiado perigoso falhar uma referência de poder, para definir uma verdade... mesmo que fosse mera falsidade.

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publicado às 07:56

A observação seguinte não é minha, mas fui dar com ela "naturalmente".
Trata-se da semelhança entre as velas representadas em barcos vikings e barcos fenícios:

in http://redqueenwhitequeen.com/wordpress/?page_id=36

Bom, e já aqui tínhamos falado da bandeira da Companhia das Índias inglesa:
Bandeira da Companhia das Indias (B. Lens, em 1700)
onde as riscas vermelhas e brancas, sugerem na forma a bandeira dos Estados Unidos da América, mas sendo igualmente semelhante na disposição à bandeira grega (com a diferença de aí as riscas serem azuis e brancas). O autor do site refere ainda o caso japonês (Rising Sun Flag), mas que é substancialmente diferente na orientação.
Ainda que possam haver cores das velas dos barcos normandos na Tapeçaria de Bayeux, não temos propriamente uma representação colorida do passado fenício, e desconheço se algum historiador refere a forma das velas fenícias, para co-substanciar esta relação vermelho-branca entre velas normandas/vikings e as velas fenícias. Certo parece ser que o vermelho e branco foi ainda seguido nas velas com a Cruz de Cristo. Não é ainda de excluir que parte do legado fenício tenha sido assente na região veneziana, e como o próprio nome indica, a região Venécia e a Fenícia partilharam ligações que Júlio César ligava ainda aos Venetos gauleses, da região da Normandia. (Notar ainda na bandeira de Aragão, que será meia bandeira espanhola com a união dos reis católicos).
Galleaza veneziana  (reconstrução EPFL)

Outra questão é... para onde foi o legado Fenício, da Fénix que renasce das cinzas?
Ou, de que forma o símbolo do pelicano de D. João II, se assemelharia a essa Fénix? 

Como há a suspeita, mais que natural, de navegações fenícias que teriam atingido as paragens americanas, ter riscas fenícias no símbolo da bandeira americana, seria até bastante adequado.
Mas, não é apenas isso.
Com efeito, a maçonaria insiste bastante na história de Hirão Abi, o arquitecto fenício que teria dado a vida para proteger o segredo do Templo de Salomão.

Com a queda de Cartago em 146 a.C., a herança dos navegadores fenícios e cartagineses aparentemente perdeu-se, mas não é de excluir que os judeus tenham tomado para si esse legado, relembrando a velha associação de exploração naval entre o rei hebreu Salomão e o rei fenício Hirão, em direcção às paragens míticas de Ofir.

O poder comercial e o poder militar
A característica principal do poder fenício e cartaginês era a sua faceta comercial, e se houve algo que caracterizou a transformação de Roma, que na sua queda passou a ser o centro de decisão medieval foi o fecho do comércio, que permitiu consolidar o poder militar feudal.

Há uma substancial diferença entre a queda de Cartago às mãos romanas, que é basicamente terraplanada, e a queda de Roma às mãos das invasões bárbaras, já que renasceu imediatamente como único centro de decisão de todas as disputas medievais, através da figura papal que se colocava acima dos reis bárbaros.

Conforme referimos no texto Sete Monarquias, pretendeu-se haver uma continuidade numa certa "Monarquia Universal", que desde o tempo dos Assírios foi passando por diversas mãos, mas só chegou às mãos dos gregos com a investida de Alexandre Magno, e depois passou para os seus generais - Ptolomeu e Seleuco.
Os seleucidas ficaram com o legado fenício, e tal como os cartagineses foram hostis aos romanos até à conquista romana em 60 a.C. Apesar de estar no território seleucida, terá sido mais Alexandria do que Antioquia, a tomar o estatuto de mega-cidade da Antiguidade, após a conquista da Babilónia. 
Na rivalidade natural entre os Seleucidas e o Egipto dos Ptolomeus, levaria uns a apoiar Cartago, pela ligação natural à Fenícia, e os outros a favorecer Roma. 
Assim, a continuidade da monarquia na Antiguidade ficará no Egipto ptolomaico, até ser passada a Júlio César por Cleópatra. É aí que começa a monarquia romana, especialmente com a morte de Cleópatra à chegada de Octávio Augusto, o primeiro imperador.

Mas onde fica mais clara esta circunstância é com o que se irá seguir.
Não é difícil seguir um percurso dos dois lados em confronto.

1) Poder comercial, naval 
Celtas, Fenícia, Grécia, Cartago, Judeus, Árabes, Normandos, Templários, Veneza, Portugal, Holanda, Inglaterra

2) Poder militar, territorial 
Mesopotâmia, Ptolomeus, Roma, Sacro Império Germânico, Espanha, Áustria, Alemanha

Será extenso entrar com cada uma das explicações particulares, mas podemos dizer que a primeira linha terá levado à formação da Maçonaria, enquanto a segunda linha seguiu durante bastante tempo o domínio que a Igreja Romana teve na Europa.

Segue-se uma tentativa de resumo explicativa:

_________ 19/06/2016

(i) Em breves linhas, seguindo o registo de Júlio César sobre os Venetos, a tradição de navegação marítima no Oceano, estaria consolidada, provavelmente em tempos anteriores aos dos Fenícios. A extensão da cultura megalítica celta (ou mesmo Bell Beaker) sugere o mesmo, uma ligação antiga ao longo da costa atlântica, que se manifestou nas diversas ilhas. Fala-se ainda nos Pelasgos ou nos Povos do Mar, a este respeito, após a Guerra de Tróia. Mais consolidada, será uma herança de navegação nos Fenícios, a par com os Gregos, sucessores territoriais dos Aqueus. Nos gregos manter-se-à uma oposição entre um poder naval de Atenas, e um poder territorial de Esparta.
(ii) A longa disputa entre Gregos e Persas será uma faceta dos primeiros embates. Se os Gregos eram por excelência uma civilização naval, o lado Persa era herdeiro da tradição mesopotâmica, da monarquia assíria. O papel do Egipto era suficientemente ambíguo, mas ao tempo do embate grego com persas, seria natural ver os egípcios como aliados dos gregos. Antes disso, foi marcante a divisão política entre os monoteístas de Aquenaton, e a tradicional religião politeísta egípcia.
(iii) Cartago (814 a.C.) e Roma (753 a.C.) são fundadas com 60 anos de intervalo, e serão focos do embate seguinte. Esse embate ocorre após a conquista da Babilónia por Alexandre Magno, que terminará com o ascendente mesopotâmico na Antiguidade. Tanto os seleucidas fenícios, como os macedónios de Pirro, iriam opor-se a Roma, mas o mesmo não se passaria com os ptolomeus do Egipto, com capital em Alexandria que se tornaria na grande metrópole da Antiguidade, depois da Babilónia, e antes de Roma.
(iv) Após a invasão gaulesa de Breno, as vitórias romanas sobre Pirro e sobre Cartago no controlo da Sicília, trouxeram o ascendente que tornaria Roma candidata ao ceptro imperial. Não acontece logo aquando da queda de Cartago. A herança do trono egípcio é oferecida por Cleópatra a Júlio César após a completa submissão dos celtas gauleses. Na Hispânia, o calendário é fixado com o poder de Octávio, após a submissão dos últimos resistentes celtas cantábricos.
(v) Durante a Pax Romana, uma principal oposição será mantida pela resistência dos povos germânicos, que irão servir a invasão do Império Romano. Mas essa incursão será absorvida por Roma como uma esponja. Após saqueada diversas vezes, Roma manter-se-à como capital do antigo mundo romano a Ocidente, pelo ascendente do Bispo de Roma - o Papa.
A principal característica da ascendência da Roma, durante o milénio medieval, será o fecho das fronteiras europeias ao comércio. No mundo medieval o comércio global terminava, e apenas era tolerado algum comércio local. Neste período a roda foi praticamente banida, ou digamos, ainda que houvessem carroças, as carruagens nas estradas só voltaram a aparecer como meio de transporte depois da Idade Média.
(vi) Grande parte da herança comercial foi mantida pelos judeus, e pelos árabes, na manutenção da rota da seda para Oriente, algo especialmente explorado pela República de Veneza. Se os árabes fizeram a primeira incursão significativa contra o Império Romano, o Califado de Damasco teve a máxima extensão, mas durou pouco tempo, pois os Omíadas foram derrotados pelos Abassidas de Bagdad em 750, e refugiaram-se em Córdova.
(vii) A longa linha da aristocracia europeia foi definida a partir do Império de Carlos Magno, incluindo a Germânia, nunca subjugada por Roma. Mas, assim que foi definido esse Sacro Império Germânico, com sede em Roma, também começaram quase simultaneamente as incursões vikings na Europa. Essas incursões navais só pararam com a definição dos reinos Normandos. Por um lado na Normandia, por outro lado na Sicília e Nápoles (que fará parte do domínio de Aragão).
A invasão da Inglaterra sairá da Normandia, e também é daí que sairá o governo da 1ª Cruzada que definirá o Reino de Jerusalém, com Godofredo e Balduíno do Bulhão, da Bolonha normanda.
(viii) É no quadro das Cruzadas que surge a definição do poder dos Templários. Será através dos Templários, e da sua herança na Ordem de Cristo, que se irá definir o poder naval e comercial português durante o Séc. XV. Esse poder comercial será depois assumido pelas diversas Companhias das Índias, e aqui estará grande parte da origem que irá definir a ascensão do poder comercial sobre o poder militar, que permitirá a pequenos estados, como Portugal e Holanda, dominarem grandes impérios territoriais. A influência judaica é aqui clara, tal como estará aqui a definição da maçonaria enquanto poder de bastidores, para controlo desse poder global.
(ix) O Sacro-Império Germânico sente a ofensiva tarde demais, que se manifesta ainda no aparecimento dos movimentos protestantes, que atacam directamente o poder de Roma, tal como antes já a Igreja Anglicana o havia feito. A Contra-Reforma católica será parada na Guerra dos Trinta Anos, basicamente o momento em que Roma perderá a sua influência global sobre os destinos europeus.

O mundo moderno é praticamente definido pela saída da Guerra dos Trinta Anos.
O conflito entre uma maçonaria de herança de poder comercial, vinda da Fenícia e Cartago, mantida por judeus ao longo de milénios, e um poder real, sancionado por Roma, ao longo dos mesmos milénios, irá levar ao mundo de interacções globais a nível comercial. Note-se que apesar do poder naval espanhol, a sua prevalência era de conquista territorial, e transporte de riquezas, dos metais preciosos americanos para a Europa. Não tinha sido essa a filosofia inicial portuguesa de criação de entrepostos comerciais, nem seria essa a filosofia holandesa, que privilegiavam o aspecto comercial.
A imposição de uma filosofia colonial inglesa na Índia, iniciada com os domínios da Companhia das Índias a partir de 1757, teve quase como imediato contraponto a definição da primeira colónia independente - os Estados Unidos, a que se seguiram movimentos libertadores do jugo colonial em toda a América, todos patrocinados pela maçonaria.
Assim, praticamente 2000 anos depois, o domínio global assente no controlo comercial dos mares, será herdado pela Inglaterra e EUA, quase num renascimento da Fénix... da antiga Fenícia, e da sua colónia Cartago.

Ainda haverá um espasmo de poder liderado por França, na versão napoleónica. No entanto, se Napoleão se viu inicialmente como herdeiro da maçónica Revolução Francesa, ao pretender coroar-se como Sacro-Imperador com a presença papal, inverteu por completo a sua posição histórica, e foi rapidamente destronado.

Depois, o desafio ao poder naval inglês surgiu pelo lado dos impérios europeus germânicos - a Prússia e o Austro-Húngaro, que foram liminarmente derrotados no curso da 1ª Guerra Mundial.
Mais iconicamente clara foi uma reedição do Sacro-Império Germânico no curso da 2ª Guerra Mundial, com a aliança entre Alemanha nazi de Hitler e a Itália fascista de Mussolini, colocando como alvo preferencial de ataque o poder comercial e financeiro dos Judeus.

Finalmente, o último capítulo desta "estória" de conflito entre duas filosofias ancestrais, será de certa forma colocado no confronto entre EUA e URSS no decurso da Guerra Fria, onde os EUA defensores do capitalismo, seriam os campeões do lado do poder comercial e financeiro, contra um sistema estatal centralizado, que rapidamente degenerou em "monarquia comunista".

Ainda que, com diversas simplificações, tenha tentado expor aqui uma certa correlação que se verificou numa permanente confrontação ao longo de milénios, entre um poder real, aristocrático, centrado, e um outro poder mais difuso, naval, burguês, menos centrado; parece-me claro que estes dois poderes colaboraram contra o principal factor caótico - a ira descontrolada do demo, do povo.
De certa forma, foi ponto assente comum que a ignorância da população era essencial para manter uma estabilidade do poder existente... e se dúvidas houve, com o Reino de Terror na Revolução Francesa, terá sido considerado demasiado perigoso falhar uma referência de poder, para definir uma verdade... mesmo que fosse mera falsidade.

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publicado às 07:56

Saindo de Lisboa, e desviando um pouco dos caminhos habituais, virei um dia para Meca.
Sim, há uma Meca perto de Lisboa, no concelho de Alenquer, pouco conhecida.
Já sabemos que há nomes estranhos em localidades portuguesas, mas não estava propriamente à espera de encontrar aí uma basílica de dimensões assinaláveis, construída ao tempo de D. Maria I (1799), em honra de Santa Quitéria.
Basílica de Santa Quitéria em Meca (imagem)
O estilo da basílica não se afasta muito da Basílica da Estrela, tendo sido construída na mesma altura - e se é óbvio que não tem a mesma dimensão da lisboeta, muito menos tem as dimensões esperadas para uma igreja numa freguesia do concelho de Alenquer.

A fonte para saber mais alguma coisa seria o Portugal Antigo e Moderno de Pinho Leal, que remete para o nome "Espiçandeira e Meca" (pag. 60, Volume 3). 
A aldeia de Espiçandeira tinha um culto a São Sebastião, com uma igreja igualmente interessante, mas muito menos imponente. No Séc. XIX, nalguma reforma administrativa habitual, as freguesias teriam estado juntas, e o nome da aldeia de Meca nem era "oficial".

Pinho Leal refere o seguinte:
Na aldeia de Meca está fundada a famosa igreja de Santa Quitéria, virgem e mártir, que é capela real. É um templo rico e majestoso, e muito concorrido de fiéis de povoações de muitas léguas em redor, pela muita devoção que tributam a esta santa imagem.
Segundo a tradição, no ano de 1238, aparecera num espinheiro, na Quinta de S. Braz, uma pequena imagem de Santa Quitéria, advogada contra a hidrofobia. Edificou-se logo ali uma capelinha para colocar a santa. (...)
Formou-se uma confraria, que veio a ser das mais ricas de Portugal, e no final do Séc. XVII decidiu edificar-se um templo vasto e sumptuoso. D. Maria I, a quem foi pedido auxílio para as obras, deu por várias vezes avultadas esmolas, e as construções principiaram com grande solicitude. É tradição que o mestre de obras não as viu concluir, por morrer da queda de uma das torres. (...)
Concluída a capela, D. Maria I obteve do Papa Pio VI que fosse declarada pertença da Basílica de S. João de Latrão, de Roma, e como tal goza das grandes indulgências e graças espirituais desta famosa basílica. (...)
É um dos mais vastos, ricos e majestosos templos rurais de Portugal. (...)

Portanto, a Basílica de Meca, sendo pertença de Latrão, seria propriedade do Vaticano... o que não deixa de ser curioso. Nada é dito sobre a origem do nome "Meca"... Pinho Leal remete diversas vezes para o nome "Meca", indicando que teria intenção de escrever mais, porém isso não vai acontecer.
Fazendo parte da chamada "região saloia", talvez o nome "Meca" seja remanescente de alguma comunidade muçulmana que ali se tenha mantido, depois da reconquista cristã, mas não vimos nenhuma informação nesse sentido. Já o culto de Santa Quitéria, é tipicamente lusitano, e encontra-se espalhado pelo país, sendo as preces dirigidas para as vítimas de raiva - uma doença ainda mortal, que afligia as populações rurais. A procissão local envolve ainda uma benção aos animais domésticos.

Cabeço de Meca - Chaminé vulcânica
Umas centenas de metros a norte da Basílica de Meca, encontra-se uma cratera com um pequeno lago, que terá tido origem como chaminé vulcânica, em tempos remotos, do complexo vulcânico de Lisboa. 
Cabeço de Meca (imagem - Rui Nunes, 2000)
Este registo é igualmente estranho, pois não sabia de "lagos vulcânicos" no continente (nos Açores são bem conhecidos)... ainda que este seja pequeno e tenha sido bastante destruído pela exploração mineira de basalto, que terá danificado significativamente a forma da cratera da chaminé vulcânica original. 
Google Maps - Cabeço de Meca 
O "cabeço" também aparece com o nome de Santa Quitéria, e não será de excluir que para a hidrofobia (raiva) fossem consideradas as águas da lagoa vulcânica como alguma forma de cura.
Na sua forma actual, tendo sido destruídas paredes laterais, a lagoa não terá aspecto muito diferente de um vulgar charco de uma pedreira, mas ainda assim nota-se bem a forma do "cabeço".

Meca-ventos
No mapa da Google notam-se ainda umas ruínas - provavelmente da antiga exploração mineira, mas não tendo encontrado nada sobre isso, fui parar não muito longe, a umas ruínas igualmente interessantes, a sul, já à vista de Lisboa - no cabeço de Montachique.
Sanatório Grandella - Cabeço de Montachique (imagem - Paulo Benjamim Cardoso)
Já aqui falámos dos Macavencos, uma sociedade "secreta" presidida por Grandela, que reunia vários bon.vivants de Lisboa (incluindo Rafael Bordalo Pinheiro, Bulhão Pato, Ferreira do Amaral, etc.), e que serviria um pouco como escaparate sexual, ou bordel, para devaneio de alguns maçons na transição para o Séc. XX.

Na sua faceta de benemérito, ciente dos problemas de saúde no início do Séc. XX, Grandela terá financiado um sanatório para "raparigas indigentes e tuberculosas", ou como é dito no anúncio abaixo transcrito - aceitava também "candidatas a tuberculosas", o que reflectiria melhor o espírito do clube Makavenko. 
Anúncio do Sanatório Grandela pelo "Clube dos Makavenkos"
Já meio apagado, deveria ler-se a citação do Antigo Testamento - Eclesiastes - Cap. III, que reúne duas frases do ideal hedonista do clube dos Makavenkos:
12 - Descobri que não há nada melhor para o homem do que ser feliz e praticar o bem enquanto vive.
13 - Descobri também que poder comer, beber e ser recompensado pelo seu trabalho é um presente de Deus.

O imóvel não terá sido completamente acabado, e na prática o sanatório nunca terá funcionado, mesmo depois de doado a uma associação nacional de tuberculosos. No entanto, apesar disso no alto do cabeço de Montachique, com uma vista esplêndida sobre Lisboa, as suas ruínas ficaram hoje como um monumento digno de nota.

Mecânica
Para a mecânica universal, não há qualquer acrescento cognitivo quando os homens são felizes, tendo razões materiais para isso, e igualmente muito pouco, quando complementam isso com alguns actos de generosidade colectiva. A grande interrogação cognitiva do Mecanismo universal é entender a disposição dos restantes, na ausência de tudo isso.
As regras mecânicas conhecidas servem a tecnologia, que nos serve, mas na ausência de mecânica conhecida, surge o deus ex machina, uma última esperança de que há uma lógica ulterior que poderia impedir profundas injustiças. Enquanto a população de Meca e arredores endereçava preces para uma cura de raiva, de hidrofobia, numa última esperança de que a mecânica universal se vergasse perante as suas orações, os makavenkos encaravam-se como pequenos deuses, por dominarem pequenas regras do mecanismo, pelo simples facto de terem acesso a uma herança de botões negados aos restantes. Ora, não é novidade nenhuma que os botões controlam um mecanismo, e que a potência pode ser exercida. É com a potência dos maxilares que os animais predadores dilaceram as presas, desde o tempo em que se definiram predadores e presas. Pode parecer estranho, mas ainda assim faz parte de uma mecânica evolutiva, que a mãe de uma cria esteja disposta a arriscar a sua vida por ela... pois está em causa o seu material genético. Agora, o que ultrapassaria toda a mecânica, que se faz do passado para o presente, seria que houvesse homens capazes de se sacrificar a sua vida por uma causa humanitária, que não lhes traria nenhuma vantagem pessoal. E a partir desse momento, a mecânica maternal, que se faz do passado para o presente, deixa de ser o único factor em jogo. Entra em jogo a mecânica paternal, que se faz do presente para um futuro com sentido racional, numa racionalidade que não está escrita do passado por uma ciência exterior, mas sim se escreverá por uma avaliação interior, com valores universais e intemporais, escritos em espirais murais que definiram a igualdade nos nossos espíritos morais.

_____________________________
Nota adicional (17/06/2016)
Alguns links deixados pelo comentador J. Ribeiro:
- Basílica de Meca - por J. Hermano Saraiva na RTP
- Sanatório Grandella - reportagem Abandonados na SIC

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publicado às 06:39

Saindo de Lisboa, e desviando um pouco dos caminhos habituais, virei um dia para Meca.
Sim, há uma Meca perto de Lisboa, no concelho de Alenquer, pouco conhecida.
Já sabemos que há nomes estranhos em localidades portuguesas, mas não estava propriamente à espera de encontrar aí uma basílica de dimensões assinaláveis, construída ao tempo de D. Maria I (1799), em honra de Santa Quitéria.
Basílica de Santa Quitéria em Meca (imagem)
O estilo da basílica não se afasta muito da Basílica da Estrela, tendo sido construída na mesma altura - e se é óbvio que não tem a mesma dimensão da lisboeta, muito menos tem as dimensões esperadas para uma igreja numa freguesia do concelho de Alenquer.

A fonte para saber mais alguma coisa seria o Portugal Antigo e Moderno de Pinho Leal, que remete para o nome "Espiçandeira e Meca" (pag. 60, Volume 3). 
A aldeia de Espiçandeira tinha um culto a São Sebastião, com uma igreja igualmente interessante, mas muito menos imponente. No Séc. XIX, nalguma reforma administrativa habitual, as freguesias teriam estado juntas, e o nome da aldeia de Meca nem era "oficial".

Pinho Leal refere o seguinte:
Na aldeia de Meca está fundada a famosa igreja de Santa Quitéria, virgem e mártir, que é capela real. É um templo rico e majestoso, e muito concorrido de fiéis de povoações de muitas léguas em redor, pela muita devoção que tributam a esta santa imagem.
Segundo a tradição, no ano de 1238, aparecera num espinheiro, na Quinta de S. Braz, uma pequena imagem de Santa Quitéria, advogada contra a hidrofobia. Edificou-se logo ali uma capelinha para colocar a santa. (...)
Formou-se uma confraria, que veio a ser das mais ricas de Portugal, e no final do Séc. XVII decidiu edificar-se um templo vasto e sumptuoso. D. Maria I, a quem foi pedido auxílio para as obras, deu por várias vezes avultadas esmolas, e as construções principiaram com grande solicitude. É tradição que o mestre de obras não as viu concluir, por morrer da queda de uma das torres. (...)
Concluída a capela, D. Maria I obteve do Papa Pio VI que fosse declarada pertença da Basílica de S. João de Latrão, de Roma, e como tal goza das grandes indulgências e graças espirituais desta famosa basílica. (...)
É um dos mais vastos, ricos e majestosos templos rurais de Portugal. (...)

Portanto, a Basílica de Meca, sendo pertença de Latrão, seria propriedade do Vaticano... o que não deixa de ser curioso. Nada é dito sobre a origem do nome "Meca"... Pinho Leal remete diversas vezes para o nome "Meca", indicando que teria intenção de escrever mais, porém isso não vai acontecer.
Fazendo parte da chamada "região saloia", talvez o nome "Meca" seja remanescente de alguma comunidade muçulmana que ali se tenha mantido, depois da reconquista cristã, mas não vimos nenhuma informação nesse sentido. Já o culto de Santa Quitéria, é tipicamente lusitano, e encontra-se espalhado pelo país, sendo as preces dirigidas para as vítimas de raiva - uma doença ainda mortal, que afligia as populações rurais. A procissão local envolve ainda uma benção aos animais domésticos.

Cabeço de Meca - Chaminé vulcânica
Umas centenas de metros a norte da Basílica de Meca, encontra-se uma cratera com um pequeno lago, que terá tido origem como chaminé vulcânica, em tempos remotos, do complexo vulcânico de Lisboa. 
Cabeço de Meca (imagem - Rui Nunes, 2000)
Este registo é igualmente estranho, pois não sabia de "lagos vulcânicos" no continente (nos Açores são bem conhecidos)... ainda que este seja pequeno e tenha sido bastante destruído pela exploração mineira de basalto, que terá danificado significativamente a forma da cratera da chaminé vulcânica original. 
Google Maps - Cabeço de Meca 
O "cabeço" também aparece com o nome de Santa Quitéria, e não será de excluir que para a hidrofobia (raiva) fossem consideradas as águas da lagoa vulcânica como alguma forma de cura.
Na sua forma actual, tendo sido destruídas paredes laterais, a lagoa não terá aspecto muito diferente de um vulgar charco de uma pedreira, mas ainda assim nota-se bem a forma do "cabeço".

Meca-ventos
No mapa da Google notam-se ainda umas ruínas - provavelmente da antiga exploração mineira, mas não tendo encontrado nada sobre isso, fui parar não muito longe, a umas ruínas igualmente interessantes, a sul, já à vista de Lisboa - no cabeço de Montachique.
Sanatório Grandella - Cabeço de Montachique (imagem - Paulo Benjamim Cardoso)
Já aqui falámos dos Macavencos, uma sociedade "secreta" presidida por Grandela, que reunia vários bon.vivants de Lisboa (incluindo Rafael Bordalo Pinheiro, Bulhão Pato, Ferreira do Amaral, etc.), e que serviria um pouco como escaparate sexual, ou bordel, para devaneio de alguns maçons na transição para o Séc. XX.

Na sua faceta de benemérito, ciente dos problemas de saúde no início do Séc. XX, Grandela terá financiado um sanatório para "raparigas indigentes e tuberculosas", ou como é dito no anúncio abaixo transcrito - aceitava também "candidatas a tuberculosas", o que reflectiria melhor o espírito do clube Makavenko. 
Anúncio do Sanatório Grandela pelo "Clube dos Makavenkos"
Já meio apagado, deveria ler-se a citação do Antigo Testamento - Eclesiastes - Cap. III, que reúne duas frases do ideal hedonista do clube dos Makavenkos:
12 - Descobri que não há nada melhor para o homem do que ser feliz e praticar o bem enquanto vive.
13 - Descobri também que poder comer, beber e ser recompensado pelo seu trabalho é um presente de Deus.

O imóvel não terá sido completamente acabado, e na prática o sanatório nunca terá funcionado, mesmo depois de doado a uma associação nacional de tuberculosos. No entanto, apesar disso no alto do cabeço de Montachique, com uma vista esplêndida sobre Lisboa, as suas ruínas ficaram hoje como um monumento digno de nota.

Mecânica
Para a mecânica universal, não há qualquer acrescento cognitivo quando os homens são felizes, tendo razões materiais para isso, e igualmente muito pouco, quando complementam isso com alguns actos de generosidade colectiva. A grande interrogação cognitiva do Mecanismo universal é entender a disposição dos restantes, na ausência de tudo isso.
As regras mecânicas conhecidas servem a tecnologia, que nos serve, mas na ausência de mecânica conhecida, surge o deus ex machina, uma última esperança de que há uma lógica ulterior que poderia impedir profundas injustiças. Enquanto a população de Meca e arredores endereçava preces para uma cura de raiva, de hidrofobia, numa última esperança de que a mecânica universal se vergasse perante as suas orações, os makavenkos encaravam-se como pequenos deuses, por dominarem pequenas regras do mecanismo, pelo simples facto de terem acesso a uma herança de botões negados aos restantes. Ora, não é novidade nenhuma que os botões controlam um mecanismo, e que a potência pode ser exercida. É com a potência dos maxilares que os animais predadores dilaceram as presas, desde o tempo em que se definiram predadores e presas. Pode parecer estranho, mas ainda assim faz parte de uma mecânica evolutiva, que a mãe de uma cria esteja disposta a arriscar a sua vida por ela... pois está em causa o seu material genético. Agora, o que ultrapassaria toda a mecânica, que se faz do passado para o presente, seria que houvesse homens capazes de se sacrificar a sua vida por uma causa humanitária, que não lhes traria nenhuma vantagem pessoal. E a partir desse momento, a mecânica maternal, que se faz do passado para o presente, deixa de ser o único factor em jogo. Entra em jogo a mecânica paternal, que se faz do presente para um futuro com sentido racional, numa racionalidade que não está escrita do passado por uma ciência exterior, mas sim se escreverá por uma avaliação interior, com valores universais e intemporais, escritos em espirais murais que definiram a igualdade nos nossos espíritos morais.

_____________________________
Nota adicional (17/06/2016)
Alguns links deixados pelo comentador J. Ribeiro:
- Basílica de Meca - por J. Hermano Saraiva na RTP
- Sanatório Grandella - reportagem Abandonados na SIC

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publicado às 06:39

A teia global

11.06.16
A designação Dios ao invés de Zeus é frequente quando olhamos para transcrições dos textos gregos, e não para as suas traduções. A wikipedia espanhola fala numa excepção gramatical, de declinação para o genitivo.
En griego el nombre del dios es Ζεύς Zeús en el caso nominativo y Διός Diós en el genitivo. Las formas más antiguas del nombre son las micénicas di-we y di-wo, escritas en lineal B.
Interessa que, aprendida essa justificação, os tradutores invariavelmente omitem qualquer menção a Dios como nome alternativo a Zeus, nem para dizer que seria um equivalente de escrever "de Zeus". Acresce que aparecem outras declinações (como Diés), pelo que a excepção terá como causa muito provável evitar confundir o nome Deus com o nome Zeus, ainda que em português é preciso ser um pouco surdo para não notar uma semelhança. Isso resultará ainda da outra variante Θεός, transcrita como Theos, associada à divindade.
Como já referimos há bastante tempo, consta ter havido uma introdução de novas letras gregas após a Guerra de Tróia, e aí se incluem o zeta e o theta, sendo assim natural suspeitar que o original fosse o mesmo e escrito como Dio, conforme sugere a mais antiga escrita Linear B.

É ainda natural que a divindade correspondesse ao Dia, não no aspecto de Hemera, mas sim na suas vertente de tempo, unidade de contagem... e no seu aspecto de luz, associada ao Sol. Enquanto unidade de tempo, o Dia-Zeus seria naturalmente visto como o filho do Tempo-Cronos, assim como pela sua ligação ao Sol, estaria colocado no topo das divindades, como os egípcios faziam com  (também lido em copta como "Rei"). O que mais ensombraria os dias seriam as suas manifestações com tempestades, trovões e relâmpagos, entendidas como armas de Zeus. Qualquer uma destas divindades esteve associada ao "touro".

Curiosamente acresce que a habitual transcrição deturpada do upsilon em ypsilon, ou seja de ύ em y, não é feita neste caso... se fosse feita, de Ζεύς falaríamos em Zeys e não em Zeus (e talvez fosse apropriado ser conotado com o número 6, pelo menos em português, e triplamente sendo a terceira divindade na teogonia, após Úrano e Cronos).

Também Úrano é escrito como Οὐρανός ... devendo ler-se Ouranos, ou usando o y seria Oyranos, e não deixa de ser significativo que tanto temos "ouro" como "oiro", ou ainda "touro" e "toiro", provavelmente relevando dessa variação propositada de transcrições.

Nada tem de especial este assunto, apenas reitera a desconfiança em todo o legado antigo que se arrasta como uma permanente codificação desde a Antiguidade, destinada a baralhar as fontes, separando coisas iguais, ou juntando coisas diferentes.

Afinal, quando falamos em filosofia ateia vamos ao grego para explicar para explicar filo como amiga do saber sofia, e em que o prefixo a nega a religião teia, numa variante no feminino do theos divino (ou di vino, de vinho, como sangue presente na Eucaristia).
Porém parece naturalmente vedado associar a teia à religião.
Também se fala mais facilmente em rede global do que em teia global, sendo que a palavra web se usa mais para a teia da aranha.

El ... "eles"... "seus"
Uma divindade do panteão antigo judaico é El, nome da divindade suprema dos Cananeus, também usado em hebreu, que na sua vertente plural é Elohim.
El (divindade)
El seria depois considerado pelos judeus como Deus único, na forma de Jeová, numa vocalização próxima à do romano Jove, o correspondente a Zeus, também escrito como Jupiter.
Na sua forma plural, seria natural nós declinarmos El como Eles.

"Eles"... é ainda o nome culpado numa boa parte de "teorias de conspiração" que vemos circular. Mesmo que se evidencie um nexo de culpabilidade de "alguém", é depois muito mais difícil de concretizar e apontar culpados, surgindo assim facilmente "eles" como uma entidade impessoal, culpada naturalmente. Depois é frequente ouvir perguntar:
- Mas quem são "eles"?
Ora, e "aí é que são elas", porque a menos que o sujeito invoque os culpados de serviço (maçons, judeus, etc...), dificilmente consegue apontar alguém em concreto.

É pois interessante que, ao fim de tantos milénios, se use quase o mesmo nome para agentes não identificados que condicionavam o bom desenrolar dos acontecimentos. Antes seriam divindades, hoje serão "eles"... mas estes "eles", ainda que humanos, parecem estar numa esfera igualmente inatingível ou imprescrutável.

Acresce que os motivos, igualmente não declarados, são "seus", tais como seriam os de Zeus ou de Deus... e mais uma vez se mantém a forma não prescrutável das suas intenções finais.
Só que aí o problema é bem mais vasto, e, se podemos vislumbrar nexos fáceis, tipicamente animais, em acções de favorecimento, para benefício competitivo, num padrão evolutivo darwiniano, parece também claro que isso só explicaria a faceta pouco profunda do problema. Ou seja, ainda que "eles" julguem que sabem, que têm um nexo e orientação na sua acção, é inevitável que não façam a mais pálida ideia, e assim, os nossos "eles" têm outros "eles" que os condicionam a "eles". Reduzir "eles" a um único senhor, a um único "el", não adianta rigorosamente nada. Mas, mesmo chegados ao topo da pirâmide de poder, restará toda a impotência... faceta clara de uma realidade que não é sonho individual.

E há uma coisa completamente clara...
Quem se tiver em pouca conta, pode considerar que o seu destino está condicionado pelo exterior, estará sempre sujeito a uma potência externa, mais humana e previsível, ou menos humana e imprevisível, pode considerar que está a ser avaliado superiormente, pelas suas acções.
No entanto, quem não reduzir o seu papel a coisa nenhuma, deve ter em atenção que o nosso papel não é somente de ser condicionados e avaliados.
O papel principal de cada um é o de ser, ele mesmo, avaliador de tudo o presencia. A avaliação do próprio pouco conta para o conjunto se for pessoal e subjectiva, mas será incomensuravelmente devastadora se, elevando-se acima das suas aspirações mundanas, for objectivo e compreensivo.
Porquê? Porque podemos aceitar uma provação sendo prova de ser são, mas devemos rejeitar todas as que não são. Aceitar insanidades é um caminho que leva apenas a um universo insano, que não tem sustentação na realidade. E a realidade será o único sonho onde até as insanidades terão a sua justificação, com a devida compreensão... será o único sonho para o qual não é possível deixar de acordar, porque não resta outra realidade que o sustente enquanto tal.

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publicado às 07:37

A teia global

11.06.16
A designação Dios ao invés de Zeus é frequente quando olhamos para transcrições dos textos gregos, e não para as suas traduções. A wikipedia espanhola fala numa excepção gramatical, de declinação para o genitivo.
En griego el nombre del dios es Ζεύς Zeús en el caso nominativo y Διός Diós en el genitivo. Las formas más antiguas del nombre son las micénicas di-we y di-wo, escritas en lineal B.
Interessa que, aprendida essa justificação, os tradutores invariavelmente omitem qualquer menção a Dios como nome alternativo a Zeus, nem para dizer que seria um equivalente de escrever "de Zeus". Acresce que aparecem outras declinações (como Diés), pelo que a excepção terá como causa muito provável evitar confundir o nome Deus com o nome Zeus, ainda que em português é preciso ser um pouco surdo para não notar uma semelhança. Isso resultará ainda da outra variante Θεός, transcrita como Theos, associada à divindade.
Como já referimos há bastante tempo, consta ter havido uma introdução de novas letras gregas após a Guerra de Tróia, e aí se incluem o zeta e o theta, sendo assim natural suspeitar que o original fosse o mesmo e escrito como Dio, conforme sugere a mais antiga escrita Linear B.

É ainda natural que a divindade correspondesse ao Dia, não no aspecto de Hemera, mas sim na suas vertente de tempo, unidade de contagem... e no seu aspecto de luz, associada ao Sol. Enquanto unidade de tempo, o Dia-Zeus seria naturalmente visto como o filho do Tempo-Cronos, assim como pela sua ligação ao Sol, estaria colocado no topo das divindades, como os egípcios faziam com  (também lido em copta como "Rei"). O que mais ensombraria os dias seriam as suas manifestações com tempestades, trovões e relâmpagos, entendidas como armas de Zeus. Qualquer uma destas divindades esteve associada ao "touro".

Curiosamente acresce que a habitual transcrição deturpada do upsilon em ypsilon, ou seja de ύ em y, não é feita neste caso... se fosse feita, de Ζεύς falaríamos em Zeys e não em Zeus (e talvez fosse apropriado ser conotado com o número 6, pelo menos em português, e triplamente sendo a terceira divindade na teogonia, após Úrano e Cronos).

Também Úrano é escrito como Οὐρανός ... devendo ler-se Ouranos, ou usando o y seria Oyranos, e não deixa de ser significativo que tanto temos "ouro" como "oiro", ou ainda "touro" e "toiro", provavelmente relevando dessa variação propositada de transcrições.

Nada tem de especial este assunto, apenas reitera a desconfiança em todo o legado antigo que se arrasta como uma permanente codificação desde a Antiguidade, destinada a baralhar as fontes, separando coisas iguais, ou juntando coisas diferentes.

Afinal, quando falamos em filosofia ateia vamos ao grego para explicar para explicar filo como amiga do saber sofia, e em que o prefixo a nega a religião teia, numa variante no feminino do theos divino (ou di vino, de vinho, como sangue presente na Eucaristia).
Porém parece naturalmente vedado associar a teia à religião.
Também se fala mais facilmente em rede global do que em teia global, sendo que a palavra web se usa mais para a teia da aranha.

El ... "eles"... "seus"
Uma divindade do panteão antigo judaico é El, nome da divindade suprema dos Cananeus, também usado em hebreu, que na sua vertente plural é Elohim.
El (divindade)
El seria depois considerado pelos judeus como Deus único, na forma de Jeová, numa vocalização próxima à do romano Jove, o correspondente a Zeus, também escrito como Jupiter.
Na sua forma plural, seria natural nós declinarmos El como Eles.

"Eles"... é ainda o nome culpado numa boa parte de "teorias de conspiração" que vemos circular. Mesmo que se evidencie um nexo de culpabilidade de "alguém", é depois muito mais difícil de concretizar e apontar culpados, surgindo assim facilmente "eles" como uma entidade impessoal, culpada naturalmente. Depois é frequente ouvir perguntar:
- Mas quem são "eles"?
Ora, e "aí é que são elas", porque a menos que o sujeito invoque os culpados de serviço (maçons, judeus, etc...), dificilmente consegue apontar alguém em concreto.

É pois interessante que, ao fim de tantos milénios, se use quase o mesmo nome para agentes não identificados que condicionavam o bom desenrolar dos acontecimentos. Antes seriam divindades, hoje serão "eles"... mas estes "eles", ainda que humanos, parecem estar numa esfera igualmente inatingível ou imprescrutável.

Acresce que os motivos, igualmente não declarados, são "seus", tais como seriam os de Zeus ou de Deus... e mais uma vez se mantém a forma não prescrutável das suas intenções finais.
Só que aí o problema é bem mais vasto, e, se podemos vislumbrar nexos fáceis, tipicamente animais, em acções de favorecimento, para benefício competitivo, num padrão evolutivo darwiniano, parece também claro que isso só explicaria a faceta pouco profunda do problema. Ou seja, ainda que "eles" julguem que sabem, que têm um nexo e orientação na sua acção, é inevitável que não façam a mais pálida ideia, e assim, os nossos "eles" têm outros "eles" que os condicionam a "eles". Reduzir "eles" a um único senhor, a um único "el", não adianta rigorosamente nada. Mas, mesmo chegados ao topo da pirâmide de poder, restará toda a impotência... faceta clara de uma realidade que não é sonho individual.

E há uma coisa completamente clara...
Quem se tiver em pouca conta, pode considerar que o seu destino está condicionado pelo exterior, estará sempre sujeito a uma potência externa, mais humana e previsível, ou menos humana e imprevisível, pode considerar que está a ser avaliado superiormente, pelas suas acções.
No entanto, quem não reduzir o seu papel a coisa nenhuma, deve ter em atenção que o nosso papel não é somente de ser condicionados e avaliados.
O papel principal de cada um é o de ser, ele mesmo, avaliador de tudo o presencia. A avaliação do próprio pouco conta para o conjunto se for pessoal e subjectiva, mas será incomensuravelmente devastadora se, elevando-se acima das suas aspirações mundanas, for objectivo e compreensivo.
Porquê? Porque podemos aceitar uma provação sendo prova de ser são, mas devemos rejeitar todas as que não são. Aceitar insanidades é um caminho que leva apenas a um universo insano, que não tem sustentação na realidade. E a realidade será o único sonho onde até as insanidades terão a sua justificação, com a devida compreensão... será o único sonho para o qual não é possível deixar de acordar, porque não resta outra realidade que o sustente enquanto tal.

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publicado às 07:37

Os ingleses tinham o "John Bull", desde o tempo de Gillray, mas parece-me que o "Zé Povinho" foi apenas definido por Rafael Bordalo Pinheiro, quase um século depois.
Rafael Bordalo Pinheiro usou abundantemente a figura do Zé Povinho na sua publicação regular sarcástica denominada:
"António Maria" (1879-1885, 1891-1898)
cujos volumes estão disponíveis no link (que remete para a Biblioteca Nacional Digital). 

Para compreensão do final do Séc. XIX em Portugal, dificilmente se encontra muito melhor.

No início do ano de 1892, Bordalo Pinheiro faz o tríptico seguinte, em que representa a transição entre os anos 1890-91-92, altura do ultimato e de grande crise financeira que leva a uma bancarrota parcial.
No periódico "António Maria" de Rafael Bordalo Pinheiro aparece este Tryptico - 1890-91-92  (clique p/aumentar)
A situação era explicada de forma razoavelmente simples, pelo "semítico" Ano 1891:
- Em 1890 houve o Ultimato Britânico onde Portugal foi forçado a abdicar do Mapa Cor-de-Rosa.
- Em 1891 ocorreu a bancarrota, pelo incumprimento do pagamento da dívida no padrão-ouro.
- Para 1892 o legado deixado era papel da Casa da Moeda - sem correspondente no padrão-ouro.

Ou seja, já em 1891 houve a tentativa "habitual" de resolver o problema da dívida, criando uma moeda alternativa, para dinamizar a economia interna... a chamada solução Keynesiana - o estado inventava dinheiro de forma a convencer os cidadãos a acreditarem no seu valor, e assim produzirem mais.
A desvalorização tornou o "conto de reis" (um milhão de reis) numa moeda corrente, porque a desvalorização ocorreu progressivamente na proporção aproximada de 1000 para 1, que levou à introdução do "escudo" como "mil reis", já em tempo republicano, 20 anos depois.

As únicas formas conhecidas de os estados se protegerem contra a demagogia política resultante do caos económico imposto por potências externas, levaram praticamente sempre a regimes totalitários - ou seja, o fascismo ou o comunismo, na sua faceta de reacção nacionalista contra o ataque externo.
Foi assim que os regimes fascistas de Mussolini, Salazar ou Hitler, procuraram restaurar as frágeis repúblicas expostas ao comércio externo, definindo regimes nacionalistas que produziriam tudo internamente, livrando-se do jugo imperialista do comércio externo. Não foi diferente com o Japão, após a imposição americana (ilustrada por Madame Butterfly), e também não foi diferente a tentativa de Lenine e Estaline de procurarem definir uma auto-suficiência interna, algo igualmente seguido por Mao Tse Tung, dado o historial da Guerra do Ópio.

Portugal no Séc. XIX ficou a pagar indemnizações à Inglaterra pela ajuda nas Guerras Napoleónicas, e a sua dívida foi aumentando sucessivamente. Essa sangria económica servia para acompanhar o progresso dos tempos - na altura a construção de vias férreas, comboios, etc... A dívida teria chegado a 75% do PIB, mas os juros eram muito maiores e chegavam a representar 50% do orçamento.

Para entendermos melhor esta situação, convém relembrar o que aconteceu com Cartago.
Cartago tendo perdido a 1ª Guerra Púnica, negociou primeiro uma paz, para obter a clemência romana, Nessa altura Roma não precisava de se incomodar em explorar as minas ibéricas - os cartagineses faziam isso por si. Todos os anos entregavam um pesado tributo de prata e ouro para manter a paz.
É claro que a exploração mineira de territórios da Ibéria dava motivos de protestos, que os romanos incentivavam... Portanto, os cartagineses exploravam alguns ibéricos, para pagar aos romanos, que por sua vez apoiavam esses mesmos ibéricos contra os cartagineses.
Roma deixava todo o odioso em Cartago, mas era Roma quem beneficiava da exploração ibérica, pelo tributo exigido a Cartago. 
Qual era a alternativa de Cartago? 
- Bom, tendo falhado a incursão de Aníbal, que esteve às portas de Roma, ao perder a 2ª Guerra Púnica, ainda ficou com tributo mais pesado, para evitar a escravidão.
Roma ainda hesitou se haveria de destruir Cartago, mas com o fim do prazo de 50 anos desse tributo, decidiu não arriscar mais, e Cipião varreu Cartago do mapa.
Uma geração de cartagineses acabou por trabalhar gratuitamente para os romanos, para que depois estes, ainda mais fortalecidos, aniquilassem por completo os seus filhos cartagineses, na 3ª Guerra Púnica, que foi praticamente uma chacina.

Esta receita tem sido aplicada sucessivamente...
Também o líder inca Atahualpa ofereceu o maior resgate da história a Carlos V, o que só serviu para financiar os seus exércitos na Europa, e expedições contra os turcos - nenhum resgate mudaria a intenção dos espanhóis em aniquilar o império inca.

A situação só foi ligeiramente diferente na Europa durante o tempo de intermediação papal, não impondo tratados que condenavam os estados a submissões ad eternum. Com o fim da influência papal, pela derrota na Guerra dos Trinta Anos, os "tratados de guerra" vieram a definir de novo a política mundial, como única lei internacional.
A maçonaria gabava-se de ter terminado assim com a influência papal, que proibia quaisquer negociações de tratados com infiéis. E se essa evolução permitia negociar com os infiéis, não havia propriamente nenhum limite máximo, ao que lhes poderiam exigir.
Seguiu-se assim um tempo de subjugação colonial, em que o equilíbrio inicial foi rapidamente modificado tecnologicamente.

Essa pretensa evolução da maçonaria, abolindo a mediação papal, foi um certo regresso à Antiguidade, ao ponto de não se ver nenhum problema em reintroduzir a própria ideia de escravatura, pelo menos no contexto colonial. A potência dominante praticamente poderia exigir o que bem lhe apetecesse.
Isso terá causado um incómodo interno, que foi levando aos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, mas Rafael Bordalo Pinheiro era bastante sarcástico sobre a República.
Num cartoon colocou dois negros a comentar:
- Com a República seremos todos iguais;
- Sim, seremos todos brancos;
- Não, seremos todos negros.

Assim, no Séc. XIX já era bastante claro que a forma de impor um poder global sobre os estados, era torná-los dependentes de uma economia global. A diferença do poder papal, que usava a fé cristã na versão do poder católico de Roma, seria substituída pela fé no dinheiro, volátil, na especulação dos mercados na City de Londres e depois Wall Street.

A forma como a França negociou o Tratado de Versalhes, foi praticamente com condições ruinosas para a economia alemã, levando a que praticamente até à ascensão de Hitler, os alemães não tivessem qualquer hipótese de se reerguer economicamente, tendo mesmo sido alvos de uma invasão francesa do Ruhr quando não cumpriram as exigências draconianas.
A forma como os EUA negociaram depois a reconstrução europeia foi bastante mais inteligente, dando uma margem de esperança, e não de submissão completa, quase ao ponto esclavagista.

É essa transição entre uma prisão feita pelos tratados - na maioria das vezes com cláusulas secretas, e desconhecidas do público, e uma prisão feita pela desproporção económica, definida pela fé no dinheiro, que Rafael Bordalo Pinheiro ilustra neste cartoon de 1890-91-92.

As cláusulas dos tratados seriam intoleráveis, e incompreensíveis pelas populações, levando facilmente a movimentos nacionalistas, que gerariam guerras intermináveis.
Ao invés, a herança de uma dívida, poderia ser mais facilmente aceite pela geração seguinte, atribuindo à própria governação do estados a culpa dos desvarios económicos da geração anterior.

Mas, a grande novidade, que reuniu um grande consenso global, nada teve a ver com nacionalidade, mas apenas com a definição de classes sociais. Nesse sentido houve uma grande herança da política da Idade Média, trazida para os tempos modernos pela maçonaria. Também na Idade Média, as guerras entre nações não eram o principal problema... a aristocracia era uma grande família europeia. A única coisa que a maçonaria fez foi alargar muito a dimensão dessa família, ou a ilusão de dimensão dessa família.
O grande problema foi sempre manter toda a população num estado de vassalagem, de milhões de servos ao serviço de escassas centenas de senhores, e de tentar obter o máximo rendimento desses servos, dando-lhes a ilusão de democracia. Mas, o "demo" a combater foi sempre essa massa perigosa, pouco controlável, que tinha tanto de génio criativo, como de mau génio destruidor. A fé religiosa serviu durante séculos, mas à custa de uma estagnação... o que a maçonaria trouxe de novo foi convocar líderes de todo o lado, para essa grande missão de educar o povo na fé do progresso. Como o progresso comunista se revelou como uma mera forma de aristocracia, com perigos de dissolução pela realidade, a grande aposta manteve-se na manutenção da ilusão capitalista, servida como sonho de todos poderem ascender à idolatria material, em troca da simples fé no dinheiro.

Ora, o problema é que, em última análise, o dinheiro deveria ter algum correspondente no ouro guardado... sob pena de ser mesmo uma completa ilusão de fé. Aos rumores de que o ouro guardado em Fort Knox, já pouco tem de ouro, surgiu a questão de se estar apenas a imprimir papel, pois já não há qualquer ligação ao padrão-ouro, perdida nos acordos de Bretton-Woods, que levaram à formação do FMI. No entanto, o papel da moeda, já não é a produção, nem a dinamização de nenhuma economia, é uma simples lógica de manter o poder na aristocracia existente. Assim, o grande intuito da economia mundial actual é simplesmente evitar que a ideia de riqueza se possa co-substanciar, já que a capacidade produtiva mundial, sendo distribuída, tornaria praticamente todos livres do medo da pobreza.

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publicado às 07:15

Os ingleses tinham o "John Bull", desde o tempo de Gillray, mas parece-me que o "Zé Povinho" foi apenas definido por Rafael Bordalo Pinheiro, quase um século depois.
Rafael Bordalo Pinheiro usou abundantemente a figura do Zé Povinho na sua publicação regular sarcástica denominada:
"António Maria" (1879-1885, 1891-1898)
cujos volumes estão disponíveis no link (que remete para a Biblioteca Nacional Digital). 

Para compreensão do final do Séc. XIX em Portugal, dificilmente se encontra muito melhor.

No início do ano de 1892, Bordalo Pinheiro faz o tríptico seguinte, em que representa a transição entre os anos 1890-91-92, altura do ultimato e de grande crise financeira que leva a uma bancarrota parcial.
No periódico "António Maria" de Rafael Bordalo Pinheiro aparece este Tryptico - 1890-91-92  (clique p/aumentar)
A situação era explicada de forma razoavelmente simples, pelo "semítico" Ano 1891:
- Em 1890 houve o Ultimato Britânico onde Portugal foi forçado a abdicar do Mapa Cor-de-Rosa.
- Em 1891 ocorreu a bancarrota, pelo incumprimento do pagamento da dívida no padrão-ouro.
- Para 1892 o legado deixado era papel da Casa da Moeda - sem correspondente no padrão-ouro.

Ou seja, já em 1891 houve a tentativa "habitual" de resolver o problema da dívida, criando uma moeda alternativa, para dinamizar a economia interna... a chamada solução Keynesiana - o estado inventava dinheiro de forma a convencer os cidadãos a acreditarem no seu valor, e assim produzirem mais.
A desvalorização tornou o "conto de reis" (um milhão de reis) numa moeda corrente, porque a desvalorização ocorreu progressivamente na proporção aproximada de 1000 para 1, que levou à introdução do "escudo" como "mil reis", já em tempo republicano, 20 anos depois.

As únicas formas conhecidas de os estados se protegerem contra a demagogia política resultante do caos económico imposto por potências externas, levaram praticamente sempre a regimes totalitários - ou seja, o fascismo ou o comunismo, na sua faceta de reacção nacionalista contra o ataque externo.
Foi assim que os regimes fascistas de Mussolini, Salazar ou Hitler, procuraram restaurar as frágeis repúblicas expostas ao comércio externo, definindo regimes nacionalistas que produziriam tudo internamente, livrando-se do jugo imperialista do comércio externo. Não foi diferente com o Japão, após a imposição americana (ilustrada por Madame Butterfly), e também não foi diferente a tentativa de Lenine e Estaline de procurarem definir uma auto-suficiência interna, algo igualmente seguido por Mao Tse Tung, dado o historial da Guerra do Ópio.

Portugal no Séc. XIX ficou a pagar indemnizações à Inglaterra pela ajuda nas Guerras Napoleónicas, e a sua dívida foi aumentando sucessivamente. Essa sangria económica servia para acompanhar o progresso dos tempos - na altura a construção de vias férreas, comboios, etc... A dívida teria chegado a 75% do PIB, mas os juros eram muito maiores e chegavam a representar 50% do orçamento.

Para entendermos melhor esta situação, convém relembrar o que aconteceu com Cartago.
Cartago tendo perdido a 1ª Guerra Púnica, negociou primeiro uma paz, para obter a clemência romana, Nessa altura Roma não precisava de se incomodar em explorar as minas ibéricas - os cartagineses faziam isso por si. Todos os anos entregavam um pesado tributo de prata e ouro para manter a paz.
É claro que a exploração mineira de territórios da Ibéria dava motivos de protestos, que os romanos incentivavam... Portanto, os cartagineses exploravam alguns ibéricos, para pagar aos romanos, que por sua vez apoiavam esses mesmos ibéricos contra os cartagineses.
Roma deixava todo o odioso em Cartago, mas era Roma quem beneficiava da exploração ibérica, pelo tributo exigido a Cartago. 
Qual era a alternativa de Cartago? 
- Bom, tendo falhado a incursão de Aníbal, que esteve às portas de Roma, ao perder a 2ª Guerra Púnica, ainda ficou com tributo mais pesado, para evitar a escravidão.
Roma ainda hesitou se haveria de destruir Cartago, mas com o fim do prazo de 50 anos desse tributo, decidiu não arriscar mais, e Cipião varreu Cartago do mapa.
Uma geração de cartagineses acabou por trabalhar gratuitamente para os romanos, para que depois estes, ainda mais fortalecidos, aniquilassem por completo os seus filhos cartagineses, na 3ª Guerra Púnica, que foi praticamente uma chacina.

Esta receita tem sido aplicada sucessivamente...
Também o líder inca Atahualpa ofereceu o maior resgate da história a Carlos V, o que só serviu para financiar os seus exércitos na Europa, e expedições contra os turcos - nenhum resgate mudaria a intenção dos espanhóis em aniquilar o império inca.

A situação só foi ligeiramente diferente na Europa durante o tempo de intermediação papal, não impondo tratados que condenavam os estados a submissões ad eternum. Com o fim da influência papal, pela derrota na Guerra dos Trinta Anos, os "tratados de guerra" vieram a definir de novo a política mundial, como única lei internacional.
A maçonaria gabava-se de ter terminado assim com a influência papal, que proibia quaisquer negociações de tratados com infiéis. E se essa evolução permitia negociar com os infiéis, não havia propriamente nenhum limite máximo, ao que lhes poderiam exigir.
Seguiu-se assim um tempo de subjugação colonial, em que o equilíbrio inicial foi rapidamente modificado tecnologicamente.

Essa pretensa evolução da maçonaria, abolindo a mediação papal, foi um certo regresso à Antiguidade, ao ponto de não se ver nenhum problema em reintroduzir a própria ideia de escravatura, pelo menos no contexto colonial. A potência dominante praticamente poderia exigir o que bem lhe apetecesse.
Isso terá causado um incómodo interno, que foi levando aos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, mas Rafael Bordalo Pinheiro era bastante sarcástico sobre a República.
Num cartoon colocou dois negros a comentar:
- Com a República seremos todos iguais;
- Sim, seremos todos brancos;
- Não, seremos todos negros.

Assim, no Séc. XIX já era bastante claro que a forma de impor um poder global sobre os estados, era torná-los dependentes de uma economia global. A diferença do poder papal, que usava a fé cristã na versão do poder católico de Roma, seria substituída pela fé no dinheiro, volátil, na especulação dos mercados na City de Londres e depois Wall Street.

A forma como a França negociou o Tratado de Versalhes, foi praticamente com condições ruinosas para a economia alemã, levando a que praticamente até à ascensão de Hitler, os alemães não tivessem qualquer hipótese de se reerguer economicamente, tendo mesmo sido alvos de uma invasão francesa do Ruhr quando não cumpriram as exigências draconianas.
A forma como os EUA negociaram depois a reconstrução europeia foi bastante mais inteligente, dando uma margem de esperança, e não de submissão completa, quase ao ponto esclavagista.

É essa transição entre uma prisão feita pelos tratados - na maioria das vezes com cláusulas secretas, e desconhecidas do público, e uma prisão feita pela desproporção económica, definida pela fé no dinheiro, que Rafael Bordalo Pinheiro ilustra neste cartoon de 1890-91-92.

As cláusulas dos tratados seriam intoleráveis, e incompreensíveis pelas populações, levando facilmente a movimentos nacionalistas, que gerariam guerras intermináveis.
Ao invés, a herança de uma dívida, poderia ser mais facilmente aceite pela geração seguinte, atribuindo à própria governação do estados a culpa dos desvarios económicos da geração anterior.

Mas, a grande novidade, que reuniu um grande consenso global, nada teve a ver com nacionalidade, mas apenas com a definição de classes sociais. Nesse sentido houve uma grande herança da política da Idade Média, trazida para os tempos modernos pela maçonaria. Também na Idade Média, as guerras entre nações não eram o principal problema... a aristocracia era uma grande família europeia. A única coisa que a maçonaria fez foi alargar muito a dimensão dessa família, ou a ilusão de dimensão dessa família.
O grande problema foi sempre manter toda a população num estado de vassalagem, de milhões de servos ao serviço de escassas centenas de senhores, e de tentar obter o máximo rendimento desses servos, dando-lhes a ilusão de democracia. Mas, o "demo" a combater foi sempre essa massa perigosa, pouco controlável, que tinha tanto de génio criativo, como de mau génio destruidor. A fé religiosa serviu durante séculos, mas à custa de uma estagnação... o que a maçonaria trouxe de novo foi convocar líderes de todo o lado, para essa grande missão de educar o povo na fé do progresso. Como o progresso comunista se revelou como uma mera forma de aristocracia, com perigos de dissolução pela realidade, a grande aposta manteve-se na manutenção da ilusão capitalista, servida como sonho de todos poderem ascender à idolatria material, em troca da simples fé no dinheiro.

Ora, o problema é que, em última análise, o dinheiro deveria ter algum correspondente no ouro guardado... sob pena de ser mesmo uma completa ilusão de fé. Aos rumores de que o ouro guardado em Fort Knox, já pouco tem de ouro, surgiu a questão de se estar apenas a imprimir papel, pois já não há qualquer ligação ao padrão-ouro, perdida nos acordos de Bretton-Woods, que levaram à formação do FMI. No entanto, o papel da moeda, já não é a produção, nem a dinamização de nenhuma economia, é uma simples lógica de manter o poder na aristocracia existente. Assim, o grande intuito da economia mundial actual é simplesmente evitar que a ideia de riqueza se possa co-substanciar, já que a capacidade produtiva mundial, sendo distribuída, tornaria praticamente todos livres do medo da pobreza.

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