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Nota de Rodopé (bis)
Começamos com mais uma "Nota de Rodopé"... 
Já tínhamos falado de Rodopé, a propósito da fábulas de Esopo e de Perrault. 

Faltou-nos uma história de "sapatinho rosa-dourado"... de uma escrava grega, que apreciada pelo seu senhor recebe os tais sapatinhos, causando inveja nas outras escravas... que a sobrecarregam de trabalho!
Acontece que o faraó Amásis II convida todos para uma festa em Mênfis, mas a pobre escrava não pode ir... é sobrecarregada com trabalho pelas outras invejosas! 
Lembra uma história de gata borralheira... e enquanto a festa decorre em Mênfis (só faltaria ter a actuação de algum Elvis...), a pobre escrava, ao lavar a roupa, molha os chinelos. 
Pior, quando os deixa ao sol a secar, um pássaro pega num e foge com ele.
Porém, o pássaro era afinal o deus Hórus, que deixa cair o chinelo em frente a Amásis II.
Tomando tal sinal divino evidente, o faraó procura a donzela que tenha o outro chinelo rosa-dourado. Acaba por encontrar a escrava... essa escrava é Cinderela?... Não, é Rodopé!
  
Ponte Diavolski, Bulgaria - Montes Rodopé (Trácia)... e o sapato de Cinderela.

Parecerá de facto, a história da Cinderela, mas de quem? 
De Esopo, de Estrabão, de Perrault, dos Irmãos Grimm, ou de Disney?
Bom, parece que também há uma versão chinesa - com Ye Xian, que perde um sapatinho dourado, e também tem uma madrasta malvada. É sabida a importância que os chineses davam aos pés pequenos, por isso esta história é também antiga - encontra-se numa compilação do Séc. IX d.C. (ver também aqui).

Encontrei, por mero acaso, mais esta "nota de Rodopé". 
Não era sobre isso que queria falar. Mas, aparecendo contada por Estrabão, convirá situar a época. 
Rodopé tal como Spartacus seriam escravos da Trácia. A brutal repressão romana à revolta de Spartacus ainda estaria fresca na memória dos gregos, e não podendo falar de Spartacus, talvez ocorresse a Estrabão falar de Rodopé, enquanto símbolo escravo da vizinha Trácia.
Se o grego Esopo atribuíra a Rodopé uma das pirâmides egípcias, o grego Estrabão iria dar-lhe um pé, que colocaria, através de Hórus, ao lado do poder divino faraónico. 
Se o pé do trácio Spartacus, como o de mais 30 mil escravos, foi pregado numa cruz na Via Ápia, houve poucas décadas depois outro pé onde tal cruz ficou imortalizada, com uma Roma rendida a esse símbolo.

4) O declínio egípcio
Amásis II - o faraó que escolheria o pé de Rodopé - seria o último grande faraó egípcio. A partir daí, de Rodopé ficaria essencialmente um Canto, um canto de arquitectos e poetas. 
Logo a seguir à morte de Amásis II os egípcios iriam cair sob domínio persa, do Império Aqueménida, ficando como uma província (isto, à excepção de um curto período, onde por alguns anos a capital será a cidade egípcia de Mendes - XIX dinastia).

Se a civilização egípcia consegue resistir ao primeiro Império, ou primeira monarquia Assíria, o mesmo já não se passará na transição para o segundo Império, quando Medos, Caldeus e Persas passam o poder da velha capital assíria de Nínive para a Babilónia, e depois Persépolis.
Já falámos da descrição de Figueiredo que fazia a divisão em 7 monarquias em vez de 4 impérios.
Quando se fala na mitologia do "Quinto Império", há em comum a primeira monarquia iniciada com os Assírios, por Nimrod ou Nembroth (associado à Torre de Babel e à capital Nínive).
Após a queda assíria, com Assurbanípal, ou Sardanapalo, o segundo império de Medos e Caldeus, começaria na Babilónia, e ficaria marcado por Nabucodonosor, em particular pelo registo bíblico da deportação hebraica, que terminaria com a ascensão persa de Ciro (560-530 a.C), a quem Figueiredo associa a terceira monarquia, persa, que só seria deposta por Alexandre Magno, marcando também o fim do segundo império. O terceiro império será macedónio-grego, a que se seguiria o quarto, de Roma.

O declínio egípicio, a ascensão de Nabucodonosor, e depois de Ciro, no Séc. VI a.C. vai produzir uma significativa mudança global. É dessa época que nos vão chegar os antigos registos históricos, míticos e religiosos... notando que são contemporâneos, ou posteriores ao "grande" Ciro, os "veneráveis": 
- Sete Sábios Gregos (em particular, Sólon, ou antes Tales de Mileto, 624 a 554 a.C) 
- Buda, ou Sidarta Gautama (563 a 483 a.C), 
- Confúcio, ou Kung Fu Tziu (551 a 479 a.C).

O ponto principal é que é nesta época que se definem os registos que passam para as gerações seguintes.
O caso mais emblemático será a confusão hebraica-judaica. É reconhecido que quando Ciro recoloca hebreus e judeus no mesmo "território de origem" já se teria perdido grande parte da cultura pelo período no cativeiro da Babilónia... onde choraram por Sião. Até a língua hebraica seria estranha aos judeus, pelo que a recuperação bíblica será feita com a ajuda dos magos persas - os seus antigos captores.
Não será assim tão estranho que haja muitos pontos comuns entre os registos míticos babilónicos e aqueles que serão depois adoptados pelos judeus. 

Por outro lado, ainda antes do declínio, fica claro que há uma aproximação entre egípcios e gregos.
Sólon, um dos Sete Sábios Gregos do Séc. VI a.C. procura informações no Egipto... em particular será aí que terá o registo da Atlântida, que depois será contado por Platão. 
O aparecimento da cultura grega não pode ser desligado dessa clara influência egípcia, que assim procura uma oposição à expansão persa. O Egipto acabará por retomar o seu protagonismo através deste investimento, pela importância que a dinastia Ptolomaica de Alexandria assumirá até à queda de Cleópatra. 

A tragédia que envolve Júlio César, Cleópatra, Marco António e Augusto Octávio, é uma história que assinala a luta de poder na transição entre o 3º Império sediado em Alexandria e a passagem para o 4º Império sediado em Roma.
Não será imediata, pois mesmo durante o período romano, Alexandria com a sua Biblioteca continuará a ser o principal pólo de conhecimento da Antiguidade. Será apenas com a chegada de Constantino, e a consagração de Bizâncio, que Alexandria perderia a sua importância como capital oriental, entrando em declinio até à conquista árabe.

Se notamos uma influência egípcia na formação filosófica e científica grega, também podemos ver alguma exportação filosófica para Oriente. Em muitos aspectos encontramos noções da filosofia de Hermes ou de Zoroastro nas reflexões budistas, confucianas ou taoístas.  Nota-se uma mudança significativa na forma, mas há muitos pontos comuns no conteúdo, que passam por quase todas as filosofias e religiões.

5) Beroso - Anedotos e Caldeus
Há vários relatos sobre Beroso, mas a sua história dos Caldeus só teria chegado parcialmente através de alguns relatos de Eusébio. Encontrámos um notável trabalho de Isaac Cory que nos dá uma tradução em inglês das citações de Eusébio, e das passagens atribuídas a Beroso (Berossus).
Começamos por esta:
(...) then Ammenon the Chaldean, in whose time appeared the Musarus Oannes the Annedotus from the Erythrean sea.
Quem era esta abominação "Joanes, Anedoto do Mar Vermelho"? 
- Os anedotos eram homens-peixe!
Parecerá "anedota", mas estes "anedotos" eram apresentados como se estivessem "vestidos de peixe", vendo-se os pés, e a cabeça na posição das guelras, assim:
 
Dois Anedotos - Homens Peixe... (imagem) e um enorme bacalhau (imagem)

Se a ideia era dessa forma passarem por "homens-peixe", parece de facto "anedota", e o nome "anedoto" é apropriado. Para além de "Joanes", ou "Oanes", Beroso refere mais anedotos, sempre do Mar "Eritreu"-Vermelho, um outro teria o nome Odacon.
Num dos relatos é dito que o Anedoto conversava com os homens de dia, não comia, e ao pôr-do-sol mergulhava nas águas, onde ficava toda a noite. Parece que com esta anedota eram convencidos os assírios que ele era anfíbio... 
De qualquer forma, aprenderam dele as letras, ciências e outro tipo de artes, como das sementes e frutos. Teria ainda ensinado-os a construir casas, fundar templos, compilar leis, bem como os princípios de geometria. Os seus conhecimentos eram considerados tão universais que nada mais era necessário, tendo tornado os caldeus mais gentis e humanos.
Ao lado decidimos colocar uma imagem de um enorme bacalhau... para que se torne mais claro o que poderia ser um Anedoto ou uma anedota, um bacalhau ou uma cabala.


Não deixa de ser algo estranha esta reverência dos caldeus a esses homens-peixe, que vindos de um Mar Eritreu lhes teriam transmitido conhecimento fundamental. Já aqui referimos da ambiguidade sobre a designação "Eritreu", e de que o Mar Vermelho já foi tido e achado em lugares diferentes. Em particular, esta pesca de bacalhau poderia corresponder a uma secagem de pele noutras paragens, talvez na zona da ilha Eritreia, colocada na Iberia.

Por outro lado, um símbolo na hierarquia cristã é a Mitra, um barrete que já foi visto como perfil de cabeça de peixe. O nome "mitra" está também associado a uma religião persa que chegou a ter um destaque semelhante ao do cristianismo à época da sua implantação no Império Romano. Porém, o barrete do mitraísmo seria o barrete frígio, e não algo com uma abertura que lembra a boca de peixe, como a mitra papal.
Mitra de João XXIII.

Não é nenhuma novidade que um símbolo cristão é o peixe, mas não é convincente que tal se deva às iniciais ΙΧΘΥΣ que corresponderiam a Iesous Christos Theou Yios Soter (Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador,  sendo Ichtys a palavra grega de peixe)... ou ainda a um "alfa" que tem a forma de peixe.
Se o hábito faz o monge, neste caso parece que há hábitos que vêm de longe, do fundo do mar...

6) Beroso - Dilúvio
No mesmo relato atribuído a Beroso fala-se do dilúvio. A divindade é Cronus, que aparece numa visão ao regente Xisuthrus (ou Sisithrus), avisando-o do dilúvio que destruiria a humanidade. Por isso, ele é encarregue de fazer uma história do mundo que guardaria na Cidade do Sol (ver Heliopolis) em Sippara, e de construir um navio onde levaria quem e tudo o que conseguisse, inclusivé todas as espécies de animais.
Depois, tal como na bem conhecida história de Noé, após o dilúvio, envia pássaros três vezes, até que eles não regressaram - o que significava que tinham encontrado terra firme. Num relato (via Abydenus) diz-se explicitamente que o navio se mantinha na Arménia, onde era ainda costume os habitantes fazerem pulseiras e amuletos a partir da sua madeira! (isto é visto como prova posterior da presença do barco no monte Ararat)

Nesse mesmo relato fala-se da construção de Torre de Babel, feita pelos habitantes da terra para desafiarem as alturas, contra vontade dos deuses, que através de ventos a demoliram caindo sobre os executantes, ao mesmo tempo que misturavam as diversas línguas, havendo antes apenas uma língua universal. Do desacordo teria surgido depois uma guerra entre Cronus e Titan...
A torre é colocada na Babilónia, e é dito que "para confusão é pelos Hebreus chamada Babel"...

Podemos concluir, que a menos de detalhes, e diferença de nomes, estas estórias caldeias-babilónicas do Dilúvio e de Babel são exactamente as mesmas que aparecem depois na tradição judaico-cristã. A grande diferença será o carácter monoteísta que parece associado a Cronus, eliminando referências a outros deuses ou a entidades míticas ou controversas, como o caso dos homens-peixe, os anedotos.

Será que podemos associar estes homens-peixe às figuras de sereias ou ao mito da Atlântida?
Até que ponto é que a questão do desaparecimento de uma potência atlântica não estaria ligada ao próprio mito do dilúvio?
- Afinal, havendo uma Idade do Gelo, quando essa termina para onde iria a água derretida?
- Não faria sentido considerar que o degelo teria provocado um considerável aumento da água do mar, afundando por completo povoações costeiras?
Se os gelos permanentes chegassem até ao Sul de França, como é habitualmente admitido, a retenção de água nesses gelos seria enorme, e a linha de costa seria bem diferente, estendendo-se muitos quilómetros no que hoje é Oceano. Um aquecimento do planeta teria como consequência uma catástrofe diluviana para civilizações costeiras. Só seriam sobreviventes as que assumissem algum carácter marítimo, ou que migrassem para zonas montanhosas. Essa mudança climática provocaria ainda uma mudança civilizacional, arruinando estruturas antigas, deixando perdidas várias tribos, e praticamente tudo teria que ser recomeçado.
Porém, quem sobrevivesse com a herança do passado perdido teria uma grande vantagem civilizacional face a todos os outros sobreviventes desorientados e espalhados por diversas partes, regressando à faceta de homens de cavernas.

Num dos relatos atribuído a Beroso é dito que o mesmo Oanes indicava que no início os homens teriam aparecido também com duas asas, outros com quatro asas e duas caras... podendo ser de homem e mulher.
Haveria ainda figuras humanas com cornos e pernas de cabras, outros pés de cavalo, touros com cabeça humana, etc... toda uma mistura zoológica, que teria sido desenhada no templo de Belus na Babilónia!
Não será assim de admirar que também no Egipto, por altura semelhante, tivessem aparecido representações mistas, que invocavam uma parte humana e outra parte animal... assim se constitui uma boa parte do panteão de divindades egípcias, que também foi exportada para mitos gregos.

Que propósito haveria nestes anedotos, ou nestas anedotas?...
Ou antes, como se manifestaria uma civilização mais avançada no contacto com tribos que estavam praticamente na pré-história? 
Teria paciência para fazer evoluir essas tribos para o mesmo nível? 
Aparecia como elite e tratava os restantes como servos? 
Interviria pontualmente como deuses e deixaria as tribos prosseguir a sua evolução?

Há alguns pontos na mitologia que podem ser encarados como abordagens a estas perguntas.
A civilização preponderante poderia ser encarada como um deus dominante, imortal, que decidiria sobre o futuro das civilizações que nasciam. A diferença de poder seria tal que permitiria intervir para proteger ou aniquilar civilizações emergentes. 
Neste sentido, apenas uma civilização, ou estrutura civilizacional, seria imortalizada... as outras passariam por fados, por jogos de poder, que as levariam a aniquilar-se. Não admitiria filhos... no sentido em que evitaria a competição interna com uma fonte semelhante de poder. 
Estamos perante uma figuração semelhante à de Cronos... que será deposto por Zeus.
O poder com Zeus substituiria essa dominância absoluta de Cronos, partilhando o Olimpo com os seus irmãos, numa oligarquia divina. Figurativamente, seria como substituir uma civilização dominante por uma assembleia olímpica de estruturas civilizacionais dominantes. Seria como se houvesse apenas doze tribos (o número de elementos no Olimpo) que decidissem sobre o futuro das guerras entre todas as outras... 
(ou ainda, seria como um conselho de segurança da ONU, onde cinco estados detêm o poder de veto)

De uma forma, ou de outra, não importa muito, os impérios ou monarquias que dominaram o mundo a partir dos Assírios, parecem ter tido um patrocínio externo, uma influência civilizacional superior que se constituiu como mitologia. Há quem refira os Anunnaki, o que parece ser apenas nome alternativo para a figuração dos Anedotos (um nome por interpretação cuneiforme, o outro das transcrições gregas de Beroso). 



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publicado às 02:09

Nota de Rodopé (bis)
Começamos com mais uma "Nota de Rodopé"... 
Já tínhamos falado de Rodopé, a propósito da fábulas de Esopo e de Perrault. 

Faltou-nos uma história de "sapatinho rosa-dourado"... de uma escrava grega, que apreciada pelo seu senhor recebe os tais sapatinhos, causando inveja nas outras escravas... que a sobrecarregam de trabalho!
Acontece que o faraó Amásis II convida todos para uma festa em Mênfis, mas a pobre escrava não pode ir... é sobrecarregada com trabalho pelas outras invejosas! 
Lembra uma história de gata borralheira... e enquanto a festa decorre em Mênfis (só faltaria ter a actuação de algum Elvis...), a pobre escrava, ao lavar a roupa, molha os chinelos. 
Pior, quando os deixa ao sol a secar, um pássaro pega num e foge com ele.
Porém, o pássaro era afinal o deus Hórus, que deixa cair o chinelo em frente a Amásis II.
Tomando tal sinal divino evidente, o faraó procura a donzela que tenha o outro chinelo rosa-dourado. Acaba por encontrar a escrava... essa escrava é Cinderela?... Não, é Rodopé!
 
Ponte Diavolski, Bulgaria - Montes Rodopé (Trácia)... e o sapato de Cinderela.

Parecerá de facto, a história da Cinderela, mas de quem? 
De Esopo, de Estrabão, de Perrault, dos Irmãos Grimm, ou de Disney?
Bom, parece que também há uma versão chinesa - com Ye Xian, que perde um sapatinho dourado, e também tem uma madrasta malvada. É sabida a importância que os chineses davam aos pés pequenos, por isso esta história é também antiga - encontra-se numa compilação do Séc. IX d.C. (ver também aqui).

Encontrei, por mero acaso, mais esta "nota de Rodopé". 
Não era sobre isso que queria falar. Mas, aparecendo contada por Estrabão, convirá situar a época. 
Rodopé tal como Spartacus seriam escravos da Trácia. A brutal repressão romana à revolta de Spartacus ainda estaria fresca na memória dos gregos, e não podendo falar de Spartacus, talvez ocorresse a Estrabão falar de Rodopé, enquanto símbolo escravo da vizinha Trácia.
Se o grego Esopo atribuíra a Rodopé uma das pirâmides egípcias, o grego Estrabão iria dar-lhe um pé, que colocaria, através de Hórus, ao lado do poder divino faraónico. 
Se o pé do trácio Spartacus, como o de mais 30 mil escravos, foi pregado numa cruz na Via Ápia, houve poucas décadas depois outro pé onde tal cruz ficou imortalizada, com uma Roma rendida a esse símbolo.

4) O declínio egípcio
Amásis II - o faraó que escolheria o pé de Rodopé - seria o último grande faraó egípcio. A partir daí, de Rodopé ficaria essencialmente um Canto, um canto de arquitectos e poetas. 
Logo a seguir à morte de Amásis II os egípcios iriam cair sob domínio persa, do Império Aqueménida, ficando como uma província (isto, à excepção de um curto período, onde por alguns anos a capital será a cidade egípcia de Mendes - XIX dinastia).

Se a civilização egípcia consegue resistir ao primeiro Império, ou primeira monarquia Assíria, o mesmo já não se passará na transição para o segundo Império, quando Medos, Caldeus e Persas passam o poder da velha capital assíria de Nínive para a Babilónia, e depois Persépolis.
Já falámos da descrição de Figueiredo que fazia a divisão em 7 monarquias em vez de 4 impérios.
Quando se fala na mitologia do "Quinto Império", há em comum a primeira monarquia iniciada com os Assírios, por Nimrod ou Nembroth (associado à Torre de Babel e à capital Nínive).
Após a queda assíria, com Assurbanípal, ou Sardanapalo, o segundo império de Medos e Caldeus, começaria na Babilónia, e ficaria marcado por Nabucodonosor, em particular pelo registo bíblico da deportação hebraica, que terminaria com a ascensão persa de Ciro (560-530 a.C), a quem Figueiredo associa a terceira monarquia, persa, que só seria deposta por Alexandre Magno, marcando também o fim do segundo império. O terceiro império será macedónio-grego, a que se seguiria o quarto, de Roma.

O declínio egípicio, a ascensão de Nabucodonosor, e depois de Ciro, no Séc. VI a.C. vai produzir uma significativa mudança global. É dessa época que nos vão chegar os antigos registos históricos, míticos e religiosos... notando que são contemporâneos, ou posteriores ao "grande" Ciro, os "veneráveis": 
- Sete Sábios Gregos (em particular, Sólon, ou antes Tales de Mileto, 624 a 554 a.C) 
- Buda, ou Sidarta Gautama (563 a 483 a.C), 
- Confúcio, ou Kung Fu Tziu (551 a 479 a.C).

O ponto principal é que é nesta época que se definem os registos que passam para as gerações seguintes.
O caso mais emblemático será a confusão hebraica-judaica. É reconhecido que quando Ciro recoloca hebreus e judeus no mesmo "território de origem" já se teria perdido grande parte da cultura pelo período no cativeiro da Babilónia... onde choraram por Sião. Até a língua hebraica seria estranha aos judeus, pelo que a recuperação bíblica será feita com a ajuda dos magos persas - os seus antigos captores.
Não será assim tão estranho que haja muitos pontos comuns entre os registos míticos babilónicos e aqueles que serão depois adoptados pelos judeus. 

Por outro lado, ainda antes do declínio, fica claro que há uma aproximação entre egípcios e gregos.
Sólon, um dos Sete Sábios Gregos do Séc. VI a.C. procura informações no Egipto... em particular será aí que terá o registo da Atlântida, que depois será contado por Platão. 
O aparecimento da cultura grega não pode ser desligado dessa clara influência egípcia, que assim procura uma oposição à expansão persa. O Egipto acabará por retomar o seu protagonismo através deste investimento, pela importância que a dinastia Ptolomaica de Alexandria assumirá até à queda de Cleópatra. 

A tragédia que envolve Júlio César, Cleópatra, Marco António e Augusto Octávio, é uma história que assinala a luta de poder na transição entre o 3º Império sediado em Alexandria e a passagem para o 4º Império sediado em Roma.
Não será imediata, pois mesmo durante o período romano, Alexandria com a sua Biblioteca continuará a ser o principal pólo de conhecimento da Antiguidade. Será apenas com a chegada de Constantino, e a consagração de Bizâncio, que Alexandria perderia a sua importância como capital oriental, entrando em declinio até à conquista árabe.

Se notamos uma influência egípcia na formação filosófica e científica grega, também podemos ver alguma exportação filosófica para Oriente. Em muitos aspectos encontramos noções da filosofia de Hermes ou de Zoroastro nas reflexões budistas, confucianas ou taoístas.  Nota-se uma mudança significativa na forma, mas há muitos pontos comuns no conteúdo, que passam por quase todas as filosofias e religiões.

5) Beroso - Anedotos e Caldeus
Há vários relatos sobre Beroso, mas a sua história dos Caldeus só teria chegado parcialmente através de alguns relatos de Eusébio. Encontrámos um notável trabalho de Isaac Cory que nos dá uma tradução em inglês das citações de Eusébio, e das passagens atribuídas a Beroso (Berossus).
Começamos por esta:
(...) then Ammenon the Chaldean, in whose time appeared the Musarus Oannes the Annedotus from the Erythrean sea.
Quem era esta abominação "Joanes, Anedoto do Mar Vermelho"? 
- Os anedotos eram homens-peixe!
Parecerá "anedota", mas estes "anedotos" eram apresentados como se estivessem "vestidos de peixe", vendo-se os pés, e a cabeça na posição das guelras, assim:
 
Dois Anedotos - Homens Peixe... (imagem) e um enorme bacalhau (imagem)

Se a ideia era dessa forma passarem por "homens-peixe", parece de facto "anedota", e o nome "anedoto" é apropriado. Para além de "Joanes", ou "Oanes", Beroso refere mais anedotos, sempre do Mar "Eritreu"-Vermelho, um outro teria o nome Odacon.
Num dos relatos é dito que o Anedoto conversava com os homens de dia, não comia, e ao pôr-do-sol mergulhava nas águas, onde ficava toda a noite. Parece que com esta anedota eram convencidos os assírios que ele era anfíbio... 
De qualquer forma, aprenderam dele as letras, ciências e outro tipo de artes, como das sementes e frutos. Teria ainda ensinado-os a construir casas, fundar templos, compilar leis, bem como os princípios de geometria. Os seus conhecimentos eram considerados tão universais que nada mais era necessário, tendo tornado os caldeus mais gentis e humanos.
Ao lado decidimos colocar uma imagem de um enorme bacalhau... para que se torne mais claro o que poderia ser um Anedoto ou uma anedota, um bacalhau ou uma cabala.


Não deixa de ser algo estranha esta reverência dos caldeus a esses homens-peixe, que vindos de um Mar Eritreu lhes teriam transmitido conhecimento fundamental. Já aqui referimos da ambiguidade sobre a designação "Eritreu", e de que o Mar Vermelho já foi tido e achado em lugares diferentes. Em particular, esta pesca de bacalhau poderia corresponder a uma secagem de pele noutras paragens, talvez na zona da ilha Eritreia, colocada na Iberia.

Por outro lado, um símbolo na hierarquia cristã é a Mitra, um barrete que já foi visto como perfil de cabeça de peixe. O nome "mitra" está também associado a uma religião persa que chegou a ter um destaque semelhante ao do cristianismo à época da sua implantação no Império Romano. Porém, o barrete do mitraísmo seria o barrete frígio, e não algo com uma abertura que lembra a boca de peixe, como a mitra papal.
Mitra de João XXIII.

Não é nenhuma novidade que um símbolo cristão é o peixe, mas não é convincente que tal se deva às iniciais ΙΧΘΥΣ que corresponderiam a Iesous Christos Theou Yios Soter (Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador,  sendo Ichtys a palavra grega de peixe)... ou ainda a um "alfa" que tem a forma de peixe.
Se o hábito faz o monge, neste caso parece que há hábitos que vêm de longe, do fundo do mar...

6) Beroso - Dilúvio
No mesmo relato atribuído a Beroso fala-se do dilúvio. A divindade é Cronus, que aparece numa visão ao regente Xisuthrus (ou Sisithrus), avisando-o do dilúvio que destruiria a humanidade. Por isso, ele é encarregue de fazer uma história do mundo que guardaria na Cidade do Sol (ver Heliopolis) em Sippara, e de construir um navio onde levaria quem e tudo o que conseguisse, inclusivé todas as espécies de animais.
Depois, tal como na bem conhecida história de Noé, após o dilúvio, envia pássaros três vezes, até que eles não regressaram - o que significava que tinham encontrado terra firme. Num relato (via Abydenus) diz-se explicitamente que o navio se mantinha na Arménia, onde era ainda costume os habitantes fazerem pulseiras e amuletos a partir da sua madeira! (isto é visto como prova posterior da presença do barco no monte Ararat)

Nesse mesmo relato fala-se da construção de Torre de Babel, feita pelos habitantes da terra para desafiarem as alturas, contra vontade dos deuses, que através de ventos a demoliram caindo sobre os executantes, ao mesmo tempo que misturavam as diversas línguas, havendo antes apenas uma língua universal. Do desacordo teria surgido depois uma guerra entre Cronus e Titan...
A torre é colocada na Babilónia, e é dito que "para confusão é pelos Hebreus chamada Babel"...

Podemos concluir, que a menos de detalhes, e diferença de nomes, estas estórias caldeias-babilónicas do Dilúvio e de Babel são exactamente as mesmas que aparecem depois na tradição judaico-cristã. A grande diferença será o carácter monoteísta que parece associado a Cronus, eliminando referências a outros deuses ou a entidades míticas ou controversas, como o caso dos homens-peixe, os anedotos.

Será que podemos associar estes homens-peixe às figuras de sereias ou ao mito da Atlântida?
Até que ponto é que a questão do desaparecimento de uma potência atlântica não estaria ligada ao próprio mito do dilúvio?
- Afinal, havendo uma Idade do Gelo, quando essa termina para onde iria a água derretida?
- Não faria sentido considerar que o degelo teria provocado um considerável aumento da água do mar, afundando por completo povoações costeiras?
Se os gelos permanentes chegassem até ao Sul de França, como é habitualmente admitido, a retenção de água nesses gelos seria enorme, e a linha de costa seria bem diferente, estendendo-se muitos quilómetros no que hoje é Oceano. Um aquecimento do planeta teria como consequência uma catástrofe diluviana para civilizações costeiras. Só seriam sobreviventes as que assumissem algum carácter marítimo, ou que migrassem para zonas montanhosas. Essa mudança climática provocaria ainda uma mudança civilizacional, arruinando estruturas antigas, deixando perdidas várias tribos, e praticamente tudo teria que ser recomeçado.
Porém, quem sobrevivesse com a herança do passado perdido teria uma grande vantagem civilizacional face a todos os outros sobreviventes desorientados e espalhados por diversas partes, regressando à faceta de homens de cavernas.

Num dos relatos atribuído a Beroso é dito que o mesmo Oanes indicava que no início os homens teriam aparecido também com duas asas, outros com quatro asas e duas caras... podendo ser de homem e mulher.
Haveria ainda figuras humanas com cornos e pernas de cabras, outros pés de cavalo, touros com cabeça humana, etc... toda uma mistura zoológica, que teria sido desenhada no templo de Belus na Babilónia!
Não será assim de admirar que também no Egipto, por altura semelhante, tivessem aparecido representações mistas, que invocavam uma parte humana e outra parte animal... assim se constitui uma boa parte do panteão de divindades egípcias, que também foi exportada para mitos gregos.

Que propósito haveria nestes anedotos, ou nestas anedotas?...
Ou antes, como se manifestaria uma civilização mais avançada no contacto com tribos que estavam praticamente na pré-história? 
Teria paciência para fazer evoluir essas tribos para o mesmo nível? 
Aparecia como elite e tratava os restantes como servos? 
Interviria pontualmente como deuses e deixaria as tribos prosseguir a sua evolução?

Há alguns pontos na mitologia que podem ser encarados como abordagens a estas perguntas.
A civilização preponderante poderia ser encarada como um deus dominante, imortal, que decidiria sobre o futuro das civilizações que nasciam. A diferença de poder seria tal que permitiria intervir para proteger ou aniquilar civilizações emergentes. 
Neste sentido, apenas uma civilização, ou estrutura civilizacional, seria imortalizada... as outras passariam por fados, por jogos de poder, que as levariam a aniquilar-se. Não admitiria filhos... no sentido em que evitaria a competição interna com uma fonte semelhante de poder. 
Estamos perante uma figuração semelhante à de Cronos... que será deposto por Zeus.
O poder com Zeus substituiria essa dominância absoluta de Cronos, partilhando o Olimpo com os seus irmãos, numa oligarquia divina. Figurativamente, seria como substituir uma civilização dominante por uma assembleia olímpica de estruturas civilizacionais dominantes. Seria como se houvesse apenas doze tribos (o número de elementos no Olimpo) que decidissem sobre o futuro das guerras entre todas as outras... 
(ou ainda, seria como um conselho de segurança da ONU, onde cinco estados detêm o poder de veto)

De uma forma, ou de outra, não importa muito, os impérios ou monarquias que dominaram o mundo a partir dos Assírios, parecem ter tido um patrocínio externo, uma influência civilizacional superior que se constituiu como mitologia. Há quem refira os Anunnaki, o que parece ser apenas nome alternativo para a figuração dos Anedotos (um nome por interpretação cuneiforme, o outro das transcrições gregas de Beroso). 



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publicado às 02:09

A progressão de Alexandre Magno em direcção ao Oriente tem um episódio que foi retratado num romance iniciado no Séc. III, com variações no primeiro período medieval, denominado o "Romance de Alexandre". As variações incluem uma exploração subaquática do próprio Alexandre... 
Romance de Alexandre (edição russa, Séc. XVII)

... o que pelo menos mostrará que a ideia de explorar os fundos marinhos não foi certamente ideia recente, e esteve presente, pelo menos no imaginário humano, desde a Antiguidade.

Porém o episódio que talvez tenha ficado como mais simbólico é a estória de Alexandre definir uma muralha contra Gog e Magog, personagens bíblicos, episódio que até se encontrará mencionado no Corão (na identificação de Alexandre a Dhul Qarnayn).
A ideia terá sido construir uma muralha (ou portas de ferro...) para impedir uma invasão dos povos do norte, descritos como Gog e Magog, enquanto gigantes lendários. Esta invocação tem sido atribuída a uma tentativa de controlar invasões do Norte, e diverge desde se considerar o perigo das Amazonas, o perigo dos Godos, ou até a ameaça Mongol. Neste último sentido é atribuída uma confusão entre a muralha de Alexandre e a própria muralha da China... feita com o mesmo propósito!
No sentido de associar os Godos a Gog fala-se na semelhança do nome (Goth e Gog), e finalmente o próprio romance estabelece uma relação com Taléstris, uma rainha amazona. 
A conexão com as rainhas amazonas tinha já outro protagonista anterior. 
Com efeito, a rainha amazona Tomiris (ou Thamiris), como vingança da morte de seu filho, teria ordenado que a cabeça de Ciro fosse mergulhada em sangue:
Rubens: a cabeça de Ciro é entregue a Tomiris 
A história oficial não confirma este funesto destino para Ciro, o Grande, que assim terminaria a sua imensa saga de conquistas numa vingança Amazona. Há alguma consonância em reportar a sua morte em batalha com os Citas... designação geral onde se poderiam enquadrar as Amazonas, ou pelo menos uma rainha Tomiris.

No mesmo sentido, Alexandre Magno parece ter reportado uma proposta de casamento com uma princesa ou rainha dos Citas, que poderia ser Taléstris, entendida enquanto amazona.
Parece haver uma certa relutância em aceitar um reino com um poder no feminino, neste caso o reino das Amazonas, sendo que há diversas evidências de sociedades matriarcais. Por outro lado, constata-se ainda que todos os grandes impérios da Antiguidade tiveram como limite de progressão as paragens mais setentrionais... os romanos debatiam-se dificilmente com os godos, e parece nunca terem conseguido um controlo sobre a parte norte do Mar Negro.

Conforme temos aqui insistido, é bastante natural que a configuração geográfica fosse especialmente diferente, e estava a alterar-se na altura de Alexandre (ou mesmo já de Ciro), com a diminuição do nível do mar. As terras contíguas aos montes Urais deixavam de estar isoladas enquanto ilhas num Oceano setentrional, e ao fechar-se progressivamente num Mar Negro, por um lado, e num Mar Cáspio, pelo outro... tornava mais real a ameaça de invasão por povos desse mítico Norte de citas, tártaros, ou amazonas...
Um desses pontos de ligação seria exactamente o istmo (ou península) caucasiana.
A construção de uma defesa que permitisse evitar a invasão terrestre, que entretanto se tornava possível, aproveitando a cadeia montanhosa do Cáucaso, é algo que parece fazer sentido estratégico.

Portas Cáspias de Derbent
Essa linha de defesa foi aliás efectuada em Derbent.
As Portas Cáspias de Derbent parecem datar pelo menos do período sassânida persa, mas podem bem assentar numa linha de defesa já anterior. Uma parte é mesmo conhecida como Muralha de Alexandre, e ainda que não seja reportada a Alexandre, pode bem resultar de uma construção Seleucida, imediatamente posterior.

 

Portas Cáspias de Gorgan
De forma semelhante, na parte sudeste do Mar Cáspio, estão as Muralhas de Gorgan, já datadas pelo menos até ao império Parto-Persa, império sucessor dos Seleucidas macedónicos, em 247 a. C. Estas muralhas estendem-se por uma vasta linha, que as torna segundas em comprimento, com 195 Km. Sendo claramente superadas em extensão pela imensa Muralha da China, o propósito seria possivelmente o mesmo, evitando uma invasão tártara pelas margens do Cáspio.
  

Como Gorgan estaria na rota de progressão de Alexandre, pode ser considerado mais natural associar-lhe estoutra muralha. Porém, parece mais natural que no curto e intenso reinado de Alexandre apenas se possa ter planeado tal empreendimento. Qualquer concretização ligada a Alexandre deverá ser relegada para a dinastia do seu sucessor, o general Seleuco.

Gog e Magog
O Mar Cáspio que agora tende a desaparecer, seria a zona de defesa perante as ameaças de Citas, Tártaros ou Mongóis. A identificação dos gigantes bíblicos Gog e Magog (neto de Noé) aos Citas é feita por Flávio Josefo, com uma conotação de povos bárbaros, e que são até ligados ao Apocalipse!
Independentemente disso, os gigantes Gog e Magog são até considerados como patronos da City de Londres e estão ligados a mitos de gigantes nas ilhas britânicas:
Caricatura que mostra como os gigantes Gog e Magog 
sustentam o Paddy inglês.

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publicado às 07:55

A progressão de Alexandre Magno em direcção ao Oriente tem um episódio que foi retratado num romance iniciado no Séc. III, com variações no primeiro período medieval, denominado o "Romance de Alexandre". As variações incluem uma exploração subaquática do próprio Alexandre... 
Romance de Alexandre (edição russa, Séc. XVII)

... o que pelo menos mostrará que a ideia de explorar os fundos marinhos não foi certamente ideia recente, e esteve presente, pelo menos no imaginário humano, desde a Antiguidade.

Porém o episódio que talvez tenha ficado como mais simbólico é a estória de Alexandre definir uma muralha contra Gog e Magog, personagens bíblicos, episódio que até se encontrará mencionado no Corão (na identificação de Alexandre a Dhul Qarnayn).
A ideia terá sido construir uma muralha (ou portas de ferro...) para impedir uma invasão dos povos do norte, descritos como Gog e Magog, enquanto gigantes lendários. Esta invocação tem sido atribuída a uma tentativa de controlar invasões do Norte, e diverge desde se considerar o perigo das Amazonas, o perigo dos Godos, ou até a ameaça Mongol. Neste último sentido é atribuída uma confusão entre a muralha de Alexandre e a própria muralha da China... feita com o mesmo propósito!
No sentido de associar os Godos a Gog fala-se na semelhança do nome (Goth e Gog), e finalmente o próprio romance estabelece uma relação com Taléstris, uma rainha amazona. 
A conexão com as rainhas amazonas tinha já outro protagonista anterior. 
Com efeito, a rainha amazona Tomiris (ou Thamiris), como vingança da morte de seu filho, teria ordenado que a cabeça de Ciro fosse mergulhada em sangue:
Rubens: a cabeça de Ciro é entregue a Tomiris 
A história oficial não confirma este funesto destino para Ciro, o Grande, que assim terminaria a sua imensa saga de conquistas numa vingança Amazona. Há alguma consonância em reportar a sua morte em batalha com os Citas... designação geral onde se poderiam enquadrar as Amazonas, ou pelo menos uma rainha Tomiris.

No mesmo sentido, Alexandre Magno parece ter reportado uma proposta de casamento com uma princesa ou rainha dos Citas, que poderia ser Taléstris, entendida enquanto amazona.
Parece haver uma certa relutância em aceitar um reino com um poder no feminino, neste caso o reino das Amazonas, sendo que há diversas evidências de sociedades matriarcais. Por outro lado, constata-se ainda que todos os grandes impérios da Antiguidade tiveram como limite de progressão as paragens mais setentrionais... os romanos debatiam-se dificilmente com os godos, e parece nunca terem conseguido um controlo sobre a parte norte do Mar Negro.

Conforme temos aqui insistido, é bastante natural que a configuração geográfica fosse especialmente diferente, e estava a alterar-se na altura de Alexandre (ou mesmo já de Ciro), com a diminuição do nível do mar. As terras contíguas aos montes Urais deixavam de estar isoladas enquanto ilhas num Oceano setentrional, e ao fechar-se progressivamente num Mar Negro, por um lado, e num Mar Cáspio, pelo outro... tornava mais real a ameaça de invasão por povos desse mítico Norte de citas, tártaros, ou amazonas...
Um desses pontos de ligação seria exactamente o istmo (ou península) caucasiana.
A construção de uma defesa que permitisse evitar a invasão terrestre, que entretanto se tornava possível, aproveitando a cadeia montanhosa do Cáucaso, é algo que parece fazer sentido estratégico.

Portas Cáspias de Derbent
Essa linha de defesa foi aliás efectuada em Derbent.
As Portas Cáspias de Derbent parecem datar pelo menos do período sassânida persa, mas podem bem assentar numa linha de defesa já anterior. Uma parte é mesmo conhecida como Muralha de Alexandre, e ainda que não seja reportada a Alexandre, pode bem resultar de uma construção Seleucida, imediatamente posterior.

 

Portas Cáspias de Gorgan
De forma semelhante, na parte sudeste do Mar Cáspio, estão as Muralhas de Gorgan, já datadas pelo menos até ao império Parto-Persa, império sucessor dos Seleucidas macedónicos, em 247 a. C. Estas muralhas estendem-se por uma vasta linha, que as torna segundas em comprimento, com 195 Km. Sendo claramente superadas em extensão pela imensa Muralha da China, o propósito seria possivelmente o mesmo, evitando uma invasão tártara pelas margens do Cáspio.
  

Como Gorgan estaria na rota de progressão de Alexandre, pode ser considerado mais natural associar-lhe estoutra muralha. Porém, parece mais natural que no curto e intenso reinado de Alexandre apenas se possa ter planeado tal empreendimento. Qualquer concretização ligada a Alexandre deverá ser relegada para a dinastia do seu sucessor, o general Seleuco.

Gog e Magog
O Mar Cáspio que agora tende a desaparecer, seria a zona de defesa perante as ameaças de Citas, Tártaros ou Mongóis. A identificação dos gigantes bíblicos Gog e Magog (neto de Noé) aos Citas é feita por Flávio Josefo, com uma conotação de povos bárbaros, e que são até ligados ao Apocalipse!
Independentemente disso, os gigantes Gog e Magog são até considerados como patronos da City de Londres e estão ligados a mitos de gigantes nas ilhas britânicas:
Caricatura que mostra como os gigantes Gog e Magog 
sustentam o Paddy inglês.

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A progressão de Alexandre Magno em direcção ao Oriente tem um episódio que foi retratado num romance iniciado no Séc. III, com variações no primeiro período medieval, denominado o "Romance de Alexandre". As variações incluem uma exploração subaquática do próprio Alexandre... 
Romance de Alexandre (edição russa, Séc. XVII)

... o que pelo menos mostrará que a ideia de explorar os fundos marinhos não foi certamente ideia recente, e esteve presente, pelo menos no imaginário humano, desde a Antiguidade.

Porém o episódio que talvez tenha ficado como mais simbólico é a estória de Alexandre definir uma muralha contra Gog e Magog, personagens bíblicos, episódio que até se encontrará mencionado no Corão (na identificação de Alexandre a Dhul Qarnayn).
A ideia terá sido construir uma muralha (ou portas de ferro...) para impedir uma invasão dos povos do norte, descritos como Gog e Magog, enquanto gigantes lendários. Esta invocação tem sido atribuída a uma tentativa de controlar invasões do Norte, e diverge desde se considerar o perigo das Amazonas, o perigo dos Godos, ou até a ameaça Mongol. Neste último sentido é atribuída uma confusão entre a muralha de Alexandre e a própria muralha da China... feita com o mesmo propósito!
No sentido de associar os Godos a Gog fala-se na semelhança do nome (Goth e Gog), e finalmente o próprio romance estabelece uma relação com Taléstris, uma rainha amazona. 
A conexão com as rainhas amazonas tinha já outro protagonista anterior. 
Com efeito, a rainha amazona Tomiris (ou Thamiris), como vingança da morte de seu filho, teria ordenado que a cabeça de Ciro fosse mergulhada em sangue:
Rubens: a cabeça de Ciro é entregue a Tomiris 
A história oficial não confirma este funesto destino para Ciro, o Grande, que assim terminaria a sua imensa saga de conquistas numa vingança Amazona. Há alguma consonância em reportar a sua morte em batalha com os Citas... designação geral onde se poderiam enquadrar as Amazonas, ou pelo menos uma rainha Tomiris.

No mesmo sentido, Alexandre Magno parece ter reportado uma proposta de casamento com uma princesa ou rainha dos Citas, que poderia ser Taléstris, entendida enquanto amazona.
Parece haver uma certa relutância em aceitar um reino com um poder no feminino, neste caso o reino das Amazonas, sendo que há diversas evidências de sociedades matriarcais. Por outro lado, constata-se ainda que todos os grandes impérios da Antiguidade tiveram como limite de progressão as paragens mais setentrionais... os romanos debatiam-se dificilmente com os godos, e parece nunca terem conseguido um controlo sobre a parte norte do Mar Negro.

Conforme temos aqui insistido, é bastante natural que a configuração geográfica fosse especialmente diferente, e estava a alterar-se na altura de Alexandre (ou mesmo já de Ciro), com a diminuição do nível do mar. As terras contíguas aos montes Urais deixavam de estar isoladas enquanto ilhas num Oceano setentrional, e ao fechar-se progressivamente num Mar Negro, por um lado, e num Mar Cáspio, pelo outro... tornava mais real a ameaça de invasão por povos desse mítico Norte de citas, tártaros, ou amazonas...
Um desses pontos de ligação seria exactamente o istmo (ou península) caucasiana.
A construção de uma defesa que permitisse evitar a invasão terrestre, que entretanto se tornava possível, aproveitando a cadeia montanhosa do Cáucaso, é algo que parece fazer sentido estratégico.

Portas Cáspias de Derbent
Essa linha de defesa foi aliás efectuada em Derbent.
As Portas Cáspias de Derbent parecem datar pelo menos do período sassânida persa, mas podem bem assentar numa linha de defesa já anterior. Uma parte é mesmo conhecida como Muralha de Alexandre, e ainda que não seja reportada a Alexandre, pode bem resultar de uma construção Seleucida, imediatamente posterior.

 

Portas Cáspias de Gorgan
De forma semelhante, na parte sudeste do Mar Cáspio, estão as Muralhas de Gorgan, já datadas pelo menos até ao império Parto-Persa, império sucessor dos Seleucidas macedónicos, em 247 a. C. Estas muralhas estendem-se por uma vasta linha, que as torna segundas em comprimento, com 195 Km. Sendo claramente superadas em extensão pela imensa Muralha da China, o propósito seria possivelmente o mesmo, evitando uma invasão tártara pelas margens do Cáspio.
  

Como Gorgan estaria na rota de progressão de Alexandre, pode ser considerado mais natural associar-lhe estoutra muralha. Porém, parece mais natural que no curto e intenso reinado de Alexandre apenas se possa ter planeado tal empreendimento. Qualquer concretização ligada a Alexandre deverá ser relegada para a dinastia do seu sucessor, o general Seleuco.

Gog e Magog
O Mar Cáspio que agora tende a desaparecer, seria a zona de defesa perante as ameaças de Citas, Tártaros ou Mongóis. A identificação dos gigantes bíblicos Gog e Magog (neto de Noé) aos Citas é feita por Flávio Josefo, com uma conotação de povos bárbaros, e que são até ligados ao Apocalipse!
Independentemente disso, os gigantes Gog e Magog são até considerados como patronos da City de Londres e estão ligados a mitos de gigantes nas ilhas britânicas:
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publicado às 23:55


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