Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]


Com chás (3)

23.07.13
Chá Mate.
O Chimarrão, ou Chá Mate, é uma infusão popular do Sul do Brasil até à Argentina, e também em toda a América do Sul. O recipiente por onde se bebe esta infusão é normalmente a parte inferior de uma cabaça (ou cuia):
Cabaça (cuia) por onde se bebe o chá mate.

O assunto do chá na cabaça parece ser aqui um pouco forçado, por via do título dos textos e tema anterior. No entanto, posso fazer uma ligação simples e interessante, indo parar rapidamente das pampas argentinas à zona sul, à Patagónia, cuja conquista se deu na transição para o Séc. XX. A partir daí, deixou-se de ouvir falar naquela raça de gigantes que enchia a imaginação europeia desde a viagem de Magalhães.
Sim, já falei disto aqui, aquiaqui ou aqui... e sendo certo que não gosto de me repetir, há um ligeiro detalhe que devo adicionar. Repisco a famosa imagem de contacto entre patagões e europeus, e ao lado coloco uma imagem do chinês Yao Ming, a estrela de basquetebol da NBA, que alinhou pelos Houston Rockets:
 
Imagem de Patagões no contacto europeu, e imagem de Yao Ming na NBA
(a ligação mostra ainda outros 5 jogadores de 2,30 m)
... a desproporção é muito semelhante.

Bom, e o que nos diz o "Viajante Universal", antes de falar sobre o Taiti... fala por acaso da "Terra Magallanica", da altura dos patagões, e de como era um mito infundado que fossem "gigantes", porque:
Sua controvertida estatura excede geralmente à dos Europeus: medidos escrupulosamente os mais altos, achou-se que não passavam de 7 pés e 1,25 polegadas (2,17 m); e a comum estatura era de 6,5 até 7 pés (ou seja, entre 2,00 e 2,13 metros). Segundo reflecte Mr. Bougainville não é tão notável seu talhe como sua corpulência, que em alguns chegava a 4 pés e 4 polegadas (1,35m) na circunferência do peito; porém seus pés e mãos não correspondem ao membrudo das outras partes (!) Todos estão cobertos de carne sem poder-se chamar gordos: a tensão de seus músculos manifesta a sua força, e não é desagradável sua figura (...)
Uma estatura que (nos medidos) variava entre 2 e 2,20 metros torna claro que a imagem da ilustração era bem verosímil, e estávamos em presença de um povo quase gigante, em que Yao Ming seria um indivíduo normal, e não uma excepção. Aliás, recordamos, era isso que dizia Buffon (1774-89):
- "As raças de gigantes antigamente tão comuns na Ásia, já aí não subsistem. Por que razão as encontramos hoje na América?"

Como dissemos, a pergunta de Buffon, teria uma actualização no Séc. XX:
- Por que razão desapareceram os gigantes do globo?
Há mercados e mercadorias, e a Argentina muito foi subsidiada pelos "mercados" na sua expansão irracional para o terreno patagão, conhecendo um crescimento económico notável no início do Séc. XX. Ao mesmo tempo os patagões foram aniquilados, e passaram a ser confundidos com os Tehuelche.

Por muito que tente a objectividade, há uma confusão de sentimentos associada ao drama de extinção de um povo que tinha o problema nato de ser diferente... dizia Camões (Lusíadas, Canto X - 141):
Dês que passar a via mais que meia
Que ao Antártico Pólo vai da Linha,
Düa estatura quási giganteia
Homens verá, da terra ali vizinha;
 
E mais avante o Estreito que se arreia
Co nome dele agora, o qual caminha
Pera outro mar e terra que fica onde
Com suas frias asas o Austro a esconde.
Agora, "Duma estatura quase gigantesca, homens já não verá..." porque a mediocridade assim o exigiu, e continuará a tentar exigir o impossível para que os ratos se possam esconder nos buracos financeiros, sendo certo que serão os primeiros a abandonar qualquer barca infernal que conduzam.

Qual a relação dos patagões com o chimarrão, com o chá mate?
Começa pelo nome dos seus fiéis cães:
- "São tão fieis companheiros destes Índios os cães, que rara vez os vimos sem um grande número deles: sua casta é quase semelhante à que em Buenos Aires chamam Cimarrões, dos quais certamente trazem a sua origem (...)"
Quanto à palavra "mate", talvez o "xeique-mate" tenha sido decidido à hora de Londres do chá, chá mate!
A pequena palha chamar-se bomba, também não remeterá necessariamente a bombear o líquido.
Depois, a história ganha detalhes mais sinistros, porque a própria zona Gaúcha, do Chimarrão, já teria uma imigração das Canárias, onde tinha ocorrido uma aniquilação dos Guanches, tidos também como gigantes, aquando da conquista espanhola... "com suas frias asas o Austro a esconde". Esta palavra "austro", que escondeu a ilha australiana, mostrou a bicéfala asa imperial da casa austríaca.

Infusão.
Poderia ficar por aqui, porque o tema assim se justificava.
Porém, esta relação está longe de ser suficiente para quem não aprecia chá...
Há muitas possibilidades de infusões... sendo que o simples chá de limão poderia ter constituído uma bebida popular. Porém, a própria escassez alimentar de citrinos, associada ao escorbuto, é outro facto que merece menção. O nome das laranjas estar associado ao nome de Portugal, é outro ponto que evidencia algo estranho. As laranjeiras eram árvores ornamentais, pelo menos entre persas e árabes.
Se é dito que o nome laranja vem do sânscrito "naranga", onde variou para "naranja" entre árabes, nós ficámos com essa derivação do nome, enquanto italianos, gregos, turcos, e outros árabes usavam "portocala" para designar a laranja. Portanto, usamos o nome vindo do Médio Oriente, e aí usa-se o nome vindo daqui? Não é isso que me leva a seguir o texto...

Afinal o que se bebia na Antiguidade até à Idade Média?... 
Não seria café, nem chá... nem sequer um cházinho de limão!
Bom, na Europa havia o vinho, as misturas com mel, hidromel, e variantes de cerveja. Porém, entre os árabes, por via religiosa, nem isso seria permitido. Há uma tradição do chá árabe, mas ainda assim parece vir da Pérsia, só no Séc. XV (tal como o café, por via etíope)... ou seja, quase ao mesmo tempo que os descobrimentos vão tomar essa importação de chá vinda da China. Na China seria já popular muitos séculos antes, sendo a sua introdução remetida a um dos 3 míticos soberanos chineses, Shennong.
Shenong faria uma investigação sobre a natureza das plantas, tal como os druídas celtas (simbolizados por Panoramix), ou outros xamãs, também se entreteriam com as suas "poções" e "mézinhas":

Da cabaça passamos ao caldeirão:
... afinal, quem estava associado à confecção de estranhas infusões com particularidades "mágicas"? 
... a livre ideia de ferver plantas colhidas no campo, seria benvinda a uma sociedade onde a apenas alguns estava reservado o direito de fazer "poções"?

Ou seja, para banir veleidades de experiências psicotrópicas com ervas, parecem ter sidos introduzidos bloqueadores morais. Na Idade Média fazer uma infusão num caldeirão seria algo associado à "bruxaria" ou "alquimia". Um simples cozinhado "não convencional" poderia ser conotado com práticas pouco recomendáveis de bruxaria. Se ao tempo dos druidas esses cozinhados estariam reservados a uma classe sacerdotal, com a chegada da Idade Média, nem tão pouco isso iria ser bem recebido.

As classes dirigentes da sociedade nunca viram o livre uso de plantas com bons olhos:
- o aspecto medicinal seria positivo, para alguns... mas o aspecto psicotrópico das drogas causaria um problema social grave. Uma coisa é a cocaína na Coca, outra coisa é o refrigerante Coca Cola.
Por isso, a chegada do chá, do café, coincidiu com uma prática alargada que foi recuperar medicamentos nas selvas tropicais, ou outras paragens remotas, como no caso das Quinas e do quinino.

Subitamente a sociedade admitia de novo a experimentação de plantas para o uso benéfico da população, com a contrapartida de controlar o problema nefasto do seu abuso... Mas, foi paradigmático a China, de onde saíra o simbólico chá, ver-se confrontada com a alienação da população por via da Guerra do Ópio.

Transversalmente, nas mais diversas tribos do globo, aparece uma prática religiosa de xamãs que criam condições de alteração de consciência, seja através de plantas, de venenos em doses toleradas, ou outras. A medicina ligava-se às práticas religiosas neste aspecto, sendo comum o duplo papel - médico e religioso, dos xamãs.
Os xamãs em diferentes culturas (imagem da wikipedia)

Nalgumas tribos índias o ritual de iniciação da adolescência passava por um retiro introspectivo do indivíduo, sujeito a alterações de consciência (plantas, veneno de serpente), que o confrontavam consigo próprio, com os seus medos e fantasmas. Serviria como uma entrada num mundo espiritual, mas não visaria apenas a educação do próprio jovem... serviria também para que desse relevo de realidade a um mundo de espíritos, onde contaria com o seu xamã como guardião.
Peter Gabriel - San Jacinto
(relatando a experiência iniciática de um jovem índio)
I hold the line - the line of strength that pulls me through the fear 
San Jacinto - I hold the line 
San Jacinto - the poison bite and darkness take my sight - 
I hold the line - And the tears roll down my swollen cheek - think I'm losing it - getting weaker 
I hold the line - I hold the line San Jacinto - yellow eagle flies down from the sun - from the sun

Ao contrário de uma sociedade tribal, as civilizações desenvolveram-se numa base de privacidade, onde a individualidade não é respeitada, é condicionada. Numa pequena tribo, os conceitos de privacidade fazem pouco sentido e, por outro lado, conhecendo-se melhor os convivas, os seus problemas serão problemas de todo o grupo. Ao contrário, as civilizações fizeram pagar a privacidade com a desconfiança... sendo permitidos segredos, são todos suspeitos disso mesmo. Por melhores sistemas de vigilância que sejam implementados, a desconfiança serve apenas como chama que se alimenta a si própria.

Os xamãs, e análogos, encontram um mundo alternativo... de universos que se quiseram impor e sucumbiram às próprias contradições. Um caos ausente que encontra uma porta para se manifestar através de irracionalidades presentes... irracionalidades que na sua contradição têm tanto de destruidoras, como de criadoras de belos universos em manifestações artísticas. Um caos presente na iminência destruidora de uma simples sinapse de comando, contra uma ordem regeneradora, que se soube sobrepor à aniquilação. E falo no passado, porque é o passado de todos os universos que falharam, mas que reservaram o direito de se manifestar no único que os poderia albergar. Foi esse o preço da racionalidade albergar a irracionalidade, a beleza, a inocência do amor, as incertezas, e a perversidade hedonista e niilista das suas manipulações... é isso que teremos que transportar em cada presente - todas ilusões e mentiras colapsadas dos "amanhãs que cantariam", e que encontraram maior expressão na única porta que lhes ficou aberta - a irracionalidade e aparente fragilidade humana.


Nota adicional (24/7/2013)
Não sendo o chá, propriamente dito, objecto de análise destes textos que escrevi, não quero deixar de sinalizar uma bela obra: 
(1905)

Começa assim a prosa romantizada de Venceslau de Moraes:
É no Oriente, e em especial no Extremo-Oriente, que as coisas communs da creação ou os usos e costumes triviaes da vida são susceptiveis de merecer um tal requinte de solemnidade sentimental e de praxes de rito, que constituam um verdadeiro culto. No espirito do europeu, despoetizado pela chateza dos ideais da epoca, atribulado pelas multiplices exigencias da vida, pervertido pela febre do negocio, não medram de há muito os cultos. Especializando a observação ao chá, havemos de convir que este artigo de commercio, que de tão longe nos vem, propositadamente adulterado conforme o nosso gosto, no fim de contas se resume n'uma detestavel infusão que entrou em moda no sport social, simples pretexto para repastos pelintras, para reuniões banaes, para palestras vãs. 
Este parágrafo ilustra bem como a generalidade da sociedade ocidental iria tratar a informação... os barões assinalados teriam as suas bibliotecas privadas de espampanantes encadernações... de livros nunca abertos.
As camélias chinesas ou japonesas serviriam um ritual de chá que seria uma encadernação do livro que tinha outro significado quando reportado ao local de origem.
Num pequeno texto, fácil de ler, Moraes coloca muita informação sobre o ritual do chá no Japão, que vai desde mitos, costumes, histórias, até à própria produção, em particular no rio Uji:


O texto de Moraes está decorado com belas e informativas ilustrações japonesas da época, que servem como uma fotografia de tempos passados a Oriente, no quadro duma estabilidade colonial e comercial da belle époque que antecederia as convulsões mundiais do Séc. XX.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 06:05

Com chás (3)

23.07.13
Chá Mate.
O Chimarrão, ou Chá Mate, é uma infusão popular do Sul do Brasil até à Argentina, e também em toda a América do Sul. O recipiente por onde se bebe esta infusão é normalmente a parte inferior de uma cabaça (ou cuia):
Cabaça (cuia) por onde se bebe o chá mate.

O assunto do chá na cabaça parece ser aqui um pouco forçado, por via do título dos textos e tema anterior. No entanto, posso fazer uma ligação simples e interessante, indo parar rapidamente das pampas argentinas à zona sul, à Patagónia, cuja conquista se deu na transição para o Séc. XX. A partir daí, deixou-se de ouvir falar naquela raça de gigantes que enchia a imaginação europeia desde a viagem de Magalhães.
Sim, já falei disto aqui, aquiaqui ou aqui... e sendo certo que não gosto de me repetir, há um ligeiro detalhe que devo adicionar. Repisco a famosa imagem de contacto entre patagões e europeus, e ao lado coloco uma imagem do chinês Yao Ming, a estrela de basquetebol da NBA, que alinhou pelos Houston Rockets:
 
Imagem de Patagões no contacto europeu, e imagem de Yao Ming na NBA
(a ligação mostra ainda outros 5 jogadores de 2,30 m)
... a desproporção é muito semelhante.

Bom, e o que nos diz o "Viajante Universal", antes de falar sobre o Taiti... fala por acaso da "Terra Magallanica", da altura dos patagões, e de como era um mito infundado que fossem "gigantes", porque:
Sua controvertida estatura excede geralmente à dos Europeus: medidos escrupulosamente os mais altos, achou-se que não passavam de 7 pés e 1,25 polegadas (2,17 m); e a comum estatura era de 6,5 até 7 pés (ou seja, entre 2,00 e 2,13 metros). Segundo reflecte Mr. Bougainville não é tão notável seu talhe como sua corpulência, que em alguns chegava a 4 pés e 4 polegadas (1,35m) na circunferência do peito; porém seus pés e mãos não correspondem ao membrudo das outras partes (!) Todos estão cobertos de carne sem poder-se chamar gordos: a tensão de seus músculos manifesta a sua força, e não é desagradável sua figura (...)
Uma estatura que (nos medidos) variava entre 2 e 2,20 metros torna claro que a imagem da ilustração era bem verosímil, e estávamos em presença de um povo quase gigante, em que Yao Ming seria um indivíduo normal, e não uma excepção. Aliás, recordamos, era isso que dizia Buffon (1774-89):
- "As raças de gigantes antigamente tão comuns na Ásia, já aí não subsistem. Por que razão as encontramos hoje na América?"

Como dissemos, a pergunta de Buffon, teria uma actualização no Séc. XX:
- Por que razão desapareceram os gigantes do globo?
Há mercados e mercadorias, e a Argentina muito foi subsidiada pelos "mercados" na sua expansão irracional para o terreno patagão, conhecendo um crescimento económico notável no início do Séc. XX. Ao mesmo tempo os patagões foram aniquilados, e passaram a ser confundidos com os Tehuelche.

Por muito que tente a objectividade, há uma confusão de sentimentos associada ao drama de extinção de um povo que tinha o problema nato de ser diferente... dizia Camões (Lusíadas, Canto X - 141):
Dês que passar a via mais que meia
Que ao Antártico Pólo vai da Linha,
Düa estatura quási giganteia
Homens verá, da terra ali vizinha;
 
E mais avante o Estreito que se arreia
Co nome dele agora, o qual caminha
Pera outro mar e terra que fica onde
Com suas frias asas o Austro a esconde.
Agora, "Duma estatura quase gigantesca, homens já não verá..." porque a mediocridade assim o exigiu, e continuará a tentar exigir o impossível para que os ratos se possam esconder nos buracos financeiros, sendo certo que serão os primeiros a abandonar qualquer barca infernal que conduzam.

Qual a relação dos patagões com o chimarrão, com o chá mate?
Começa pelo nome dos seus fiéis cães:
- "São tão fieis companheiros destes Índios os cães, que rara vez os vimos sem um grande número deles: sua casta é quase semelhante à que em Buenos Aires chamam Cimarrões, dos quais certamente trazem a sua origem (...)"
Quanto à palavra "mate", talvez o "xeique-mate" tenha sido decidido à hora de Londres do chá, chá mate!
A pequena palha chamar-se bomba, também não remeterá necessariamente a bombear o líquido.
Depois, a história ganha detalhes mais sinistros, porque a própria zona Gaúcha, do Chimarrão, já teria uma imigração das Canárias, onde tinha ocorrido uma aniquilação dos Guanches, tidos também como gigantes, aquando da conquista espanhola... "com suas frias asas o Austro a esconde". Esta palavra "austro", que escondeu a ilha australiana, mostrou a bicéfala asa imperial da casa austríaca.

Infusão.
Poderia ficar por aqui, porque o tema assim se justificava.
Porém, esta relação está longe de ser suficiente para quem não aprecia chá...
Há muitas possibilidades de infusões... sendo que o simples chá de limão poderia ter constituído uma bebida popular. Porém, a própria escassez alimentar de citrinos, associada ao escorbuto, é outro facto que merece menção. O nome das laranjas estar associado ao nome de Portugal, é outro ponto que evidencia algo estranho. As laranjeiras eram árvores ornamentais, pelo menos entre persas e árabes.
Se é dito que o nome laranja vem do sânscrito "naranga", onde variou para "naranja" entre árabes, nós ficámos com essa derivação do nome, enquanto italianos, gregos, turcos, e outros árabes usavam "portocala" para designar a laranja. Portanto, usamos o nome vindo do Médio Oriente, e aí usa-se o nome vindo daqui? Não é isso que me leva a seguir o texto...

Afinal o que se bebia na Antiguidade até à Idade Média?... 
Não seria café, nem chá... nem sequer um cházinho de limão!
Bom, na Europa havia o vinho, as misturas com mel, hidromel, e variantes de cerveja. Porém, entre os árabes, por via religiosa, nem isso seria permitido. Há uma tradição do chá árabe, mas ainda assim parece vir da Pérsia, só no Séc. XV (tal como o café, por via etíope)... ou seja, quase ao mesmo tempo que os descobrimentos vão tomar essa importação de chá vinda da China. Na China seria já popular muitos séculos antes, sendo a sua introdução remetida a um dos 3 míticos soberanos chineses, Shennong.
Shenong faria uma investigação sobre a natureza das plantas, tal como os druídas celtas (simbolizados por Panoramix), ou outros xamãs, também se entreteriam com as suas "poções" e "mézinhas":

Da cabaça passamos ao caldeirão:
... afinal, quem estava associado à confecção de estranhas infusões com particularidades "mágicas"? 
... a livre ideia de ferver plantas colhidas no campo, seria benvinda a uma sociedade onde a apenas alguns estava reservado o direito de fazer "poções"?

Ou seja, para banir veleidades de experiências psicotrópicas com ervas, parecem ter sidos introduzidos bloqueadores morais. Na Idade Média fazer uma infusão num caldeirão seria algo associado à "bruxaria" ou "alquimia". Um simples cozinhado "não convencional" poderia ser conotado com práticas pouco recomendáveis de bruxaria. Se ao tempo dos druidas esses cozinhados estariam reservados a uma classe sacerdotal, com a chegada da Idade Média, nem tão pouco isso iria ser bem recebido.

As classes dirigentes da sociedade nunca viram o livre uso de plantas com bons olhos:
- o aspecto medicinal seria positivo, para alguns... mas o aspecto psicotrópico das drogas causaria um problema social grave. Uma coisa é a cocaína na Coca, outra coisa é o refrigerante Coca Cola.
Por isso, a chegada do chá, do café, coincidiu com uma prática alargada que foi recuperar medicamentos nas selvas tropicais, ou outras paragens remotas, como no caso das Quinas e do quinino.

Subitamente a sociedade admitia de novo a experimentação de plantas para o uso benéfico da população, com a contrapartida de controlar o problema nefasto do seu abuso... Mas, foi paradigmático a China, de onde saíra o simbólico chá, ver-se confrontada com a alienação da população por via da Guerra do Ópio.

Transversalmente, nas mais diversas tribos do globo, aparece uma prática religiosa de xamãs que criam condições de alteração de consciência, seja através de plantas, de venenos em doses toleradas, ou outras. A medicina ligava-se às práticas religiosas neste aspecto, sendo comum o duplo papel - médico e religioso, dos xamãs.
Os xamãs em diferentes culturas (imagem da wikipedia)

Nalgumas tribos índias o ritual de iniciação da adolescência passava por um retiro introspectivo do indivíduo, sujeito a alterações de consciência (plantas, veneno de serpente), que o confrontavam consigo próprio, com os seus medos e fantasmas. Serviria como uma entrada num mundo espiritual, mas não visaria apenas a educação do próprio jovem... serviria também para que desse relevo de realidade a um mundo de espíritos, onde contaria com o seu xamã como guardião.
Peter Gabriel - San Jacinto
(relatando a experiência iniciática de um jovem índio)
I hold the line - the line of strength that pulls me through the fear 
San Jacinto - I hold the line 
San Jacinto - the poison bite and darkness take my sight - 
I hold the line - And the tears roll down my swollen cheek - think I'm losing it - getting weaker 
I hold the line - I hold the line San Jacinto - yellow eagle flies down from the sun - from the sun

Ao contrário de uma sociedade tribal, as civilizações desenvolveram-se numa base de privacidade, onde a individualidade não é respeitada, é condicionada. Numa pequena tribo, os conceitos de privacidade fazem pouco sentido e, por outro lado, conhecendo-se melhor os convivas, os seus problemas serão problemas de todo o grupo. Ao contrário, as civilizações fizeram pagar a privacidade com a desconfiança... sendo permitidos segredos, são todos suspeitos disso mesmo. Por melhores sistemas de vigilância que sejam implementados, a desconfiança serve apenas como chama que se alimenta a si própria.

Os xamãs, e análogos, encontram um mundo alternativo... de universos que se quiseram impor e sucumbiram às próprias contradições. Um caos ausente que encontra uma porta para se manifestar através de irracionalidades presentes... irracionalidades que na sua contradição têm tanto de destruidoras, como de criadoras de belos universos em manifestações artísticas. Um caos presente na iminência destruidora de uma simples sinapse de comando, contra uma ordem regeneradora, que se soube sobrepor à aniquilação. E falo no passado, porque é o passado de todos os universos que falharam, mas que reservaram o direito de se manifestar no único que os poderia albergar. Foi esse o preço da racionalidade albergar a irracionalidade, a beleza, a inocência do amor, as incertezas, e a perversidade hedonista e niilista das suas manipulações... é isso que teremos que transportar em cada presente - todas ilusões e mentiras colapsadas dos "amanhãs que cantariam", e que encontraram maior expressão na única porta que lhes ficou aberta - a irracionalidade e aparente fragilidade humana.


Nota adicional (24/7/2013)
Não sendo o chá, propriamente dito, objecto de análise destes textos que escrevi, não quero deixar de sinalizar uma bela obra: 
(1905)

Começa assim a prosa romantizada de Venceslau de Moraes:
É no Oriente, e em especial no Extremo-Oriente, que as coisas communs da creação ou os usos e costumes triviaes da vida são susceptiveis de merecer um tal requinte de solemnidade sentimental e de praxes de rito, que constituam um verdadeiro culto. No espirito do europeu, despoetizado pela chateza dos ideais da epoca, atribulado pelas multiplices exigencias da vida, pervertido pela febre do negocio, não medram de há muito os cultos. Especializando a observação ao chá, havemos de convir que este artigo de commercio, que de tão longe nos vem, propositadamente adulterado conforme o nosso gosto, no fim de contas se resume n'uma detestavel infusão que entrou em moda no sport social, simples pretexto para repastos pelintras, para reuniões banaes, para palestras vãs. 
Este parágrafo ilustra bem como a generalidade da sociedade ocidental iria tratar a informação... os barões assinalados teriam as suas bibliotecas privadas de espampanantes encadernações... de livros nunca abertos.
As camélias chinesas ou japonesas serviriam um ritual de chá que seria uma encadernação do livro que tinha outro significado quando reportado ao local de origem.
Num pequeno texto, fácil de ler, Moraes coloca muita informação sobre o ritual do chá no Japão, que vai desde mitos, costumes, histórias, até à própria produção, em particular no rio Uji:


O texto de Moraes está decorado com belas e informativas ilustrações japonesas da época, que servem como uma fotografia de tempos passados a Oriente, no quadro duma estabilidade colonial e comercial da belle époque que antecederia as convulsões mundiais do Séc. XX.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 06:05

A progressão de Alexandre Magno em direcção ao Oriente tem um episódio que foi retratado num romance iniciado no Séc. III, com variações no primeiro período medieval, denominado o "Romance de Alexandre". As variações incluem uma exploração subaquática do próprio Alexandre... 
Romance de Alexandre (edição russa, Séc. XVII)

... o que pelo menos mostrará que a ideia de explorar os fundos marinhos não foi certamente ideia recente, e esteve presente, pelo menos no imaginário humano, desde a Antiguidade.

Porém o episódio que talvez tenha ficado como mais simbólico é a estória de Alexandre definir uma muralha contra Gog e Magog, personagens bíblicos, episódio que até se encontrará mencionado no Corão (na identificação de Alexandre a Dhul Qarnayn).
A ideia terá sido construir uma muralha (ou portas de ferro...) para impedir uma invasão dos povos do norte, descritos como Gog e Magog, enquanto gigantes lendários. Esta invocação tem sido atribuída a uma tentativa de controlar invasões do Norte, e diverge desde se considerar o perigo das Amazonas, o perigo dos Godos, ou até a ameaça Mongol. Neste último sentido é atribuída uma confusão entre a muralha de Alexandre e a própria muralha da China... feita com o mesmo propósito!
No sentido de associar os Godos a Gog fala-se na semelhança do nome (Goth e Gog), e finalmente o próprio romance estabelece uma relação com Taléstris, uma rainha amazona. 
A conexão com as rainhas amazonas tinha já outro protagonista anterior. 
Com efeito, a rainha amazona Tomiris (ou Thamiris), como vingança da morte de seu filho, teria ordenado que a cabeça de Ciro fosse mergulhada em sangue:
Rubens: a cabeça de Ciro é entregue a Tomiris 
A história oficial não confirma este funesto destino para Ciro, o Grande, que assim terminaria a sua imensa saga de conquistas numa vingança Amazona. Há alguma consonância em reportar a sua morte em batalha com os Citas... designação geral onde se poderiam enquadrar as Amazonas, ou pelo menos uma rainha Tomiris.

No mesmo sentido, Alexandre Magno parece ter reportado uma proposta de casamento com uma princesa ou rainha dos Citas, que poderia ser Taléstris, entendida enquanto amazona.
Parece haver uma certa relutância em aceitar um reino com um poder no feminino, neste caso o reino das Amazonas, sendo que há diversas evidências de sociedades matriarcais. Por outro lado, constata-se ainda que todos os grandes impérios da Antiguidade tiveram como limite de progressão as paragens mais setentrionais... os romanos debatiam-se dificilmente com os godos, e parece nunca terem conseguido um controlo sobre a parte norte do Mar Negro.

Conforme temos aqui insistido, é bastante natural que a configuração geográfica fosse especialmente diferente, e estava a alterar-se na altura de Alexandre (ou mesmo já de Ciro), com a diminuição do nível do mar. As terras contíguas aos montes Urais deixavam de estar isoladas enquanto ilhas num Oceano setentrional, e ao fechar-se progressivamente num Mar Negro, por um lado, e num Mar Cáspio, pelo outro... tornava mais real a ameaça de invasão por povos desse mítico Norte de citas, tártaros, ou amazonas...
Um desses pontos de ligação seria exactamente o istmo (ou península) caucasiana.
A construção de uma defesa que permitisse evitar a invasão terrestre, que entretanto se tornava possível, aproveitando a cadeia montanhosa do Cáucaso, é algo que parece fazer sentido estratégico.

Portas Cáspias de Derbent
Essa linha de defesa foi aliás efectuada em Derbent.
As Portas Cáspias de Derbent parecem datar pelo menos do período sassânida persa, mas podem bem assentar numa linha de defesa já anterior. Uma parte é mesmo conhecida como Muralha de Alexandre, e ainda que não seja reportada a Alexandre, pode bem resultar de uma construção Seleucida, imediatamente posterior.

 

Portas Cáspias de Gorgan
De forma semelhante, na parte sudeste do Mar Cáspio, estão as Muralhas de Gorgan, já datadas pelo menos até ao império Parto-Persa, império sucessor dos Seleucidas macedónicos, em 247 a. C. Estas muralhas estendem-se por uma vasta linha, que as torna segundas em comprimento, com 195 Km. Sendo claramente superadas em extensão pela imensa Muralha da China, o propósito seria possivelmente o mesmo, evitando uma invasão tártara pelas margens do Cáspio.
  

Como Gorgan estaria na rota de progressão de Alexandre, pode ser considerado mais natural associar-lhe estoutra muralha. Porém, parece mais natural que no curto e intenso reinado de Alexandre apenas se possa ter planeado tal empreendimento. Qualquer concretização ligada a Alexandre deverá ser relegada para a dinastia do seu sucessor, o general Seleuco.

Gog e Magog
O Mar Cáspio que agora tende a desaparecer, seria a zona de defesa perante as ameaças de Citas, Tártaros ou Mongóis. A identificação dos gigantes bíblicos Gog e Magog (neto de Noé) aos Citas é feita por Flávio Josefo, com uma conotação de povos bárbaros, e que são até ligados ao Apocalipse!
Independentemente disso, os gigantes Gog e Magog são até considerados como patronos da City de Londres e estão ligados a mitos de gigantes nas ilhas britânicas:
Caricatura que mostra como os gigantes Gog e Magog 
sustentam o Paddy inglês.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 07:55

A progressão de Alexandre Magno em direcção ao Oriente tem um episódio que foi retratado num romance iniciado no Séc. III, com variações no primeiro período medieval, denominado o "Romance de Alexandre". As variações incluem uma exploração subaquática do próprio Alexandre... 
Romance de Alexandre (edição russa, Séc. XVII)

... o que pelo menos mostrará que a ideia de explorar os fundos marinhos não foi certamente ideia recente, e esteve presente, pelo menos no imaginário humano, desde a Antiguidade.

Porém o episódio que talvez tenha ficado como mais simbólico é a estória de Alexandre definir uma muralha contra Gog e Magog, personagens bíblicos, episódio que até se encontrará mencionado no Corão (na identificação de Alexandre a Dhul Qarnayn).
A ideia terá sido construir uma muralha (ou portas de ferro...) para impedir uma invasão dos povos do norte, descritos como Gog e Magog, enquanto gigantes lendários. Esta invocação tem sido atribuída a uma tentativa de controlar invasões do Norte, e diverge desde se considerar o perigo das Amazonas, o perigo dos Godos, ou até a ameaça Mongol. Neste último sentido é atribuída uma confusão entre a muralha de Alexandre e a própria muralha da China... feita com o mesmo propósito!
No sentido de associar os Godos a Gog fala-se na semelhança do nome (Goth e Gog), e finalmente o próprio romance estabelece uma relação com Taléstris, uma rainha amazona. 
A conexão com as rainhas amazonas tinha já outro protagonista anterior. 
Com efeito, a rainha amazona Tomiris (ou Thamiris), como vingança da morte de seu filho, teria ordenado que a cabeça de Ciro fosse mergulhada em sangue:
Rubens: a cabeça de Ciro é entregue a Tomiris 
A história oficial não confirma este funesto destino para Ciro, o Grande, que assim terminaria a sua imensa saga de conquistas numa vingança Amazona. Há alguma consonância em reportar a sua morte em batalha com os Citas... designação geral onde se poderiam enquadrar as Amazonas, ou pelo menos uma rainha Tomiris.

No mesmo sentido, Alexandre Magno parece ter reportado uma proposta de casamento com uma princesa ou rainha dos Citas, que poderia ser Taléstris, entendida enquanto amazona.
Parece haver uma certa relutância em aceitar um reino com um poder no feminino, neste caso o reino das Amazonas, sendo que há diversas evidências de sociedades matriarcais. Por outro lado, constata-se ainda que todos os grandes impérios da Antiguidade tiveram como limite de progressão as paragens mais setentrionais... os romanos debatiam-se dificilmente com os godos, e parece nunca terem conseguido um controlo sobre a parte norte do Mar Negro.

Conforme temos aqui insistido, é bastante natural que a configuração geográfica fosse especialmente diferente, e estava a alterar-se na altura de Alexandre (ou mesmo já de Ciro), com a diminuição do nível do mar. As terras contíguas aos montes Urais deixavam de estar isoladas enquanto ilhas num Oceano setentrional, e ao fechar-se progressivamente num Mar Negro, por um lado, e num Mar Cáspio, pelo outro... tornava mais real a ameaça de invasão por povos desse mítico Norte de citas, tártaros, ou amazonas...
Um desses pontos de ligação seria exactamente o istmo (ou península) caucasiana.
A construção de uma defesa que permitisse evitar a invasão terrestre, que entretanto se tornava possível, aproveitando a cadeia montanhosa do Cáucaso, é algo que parece fazer sentido estratégico.

Portas Cáspias de Derbent
Essa linha de defesa foi aliás efectuada em Derbent.
As Portas Cáspias de Derbent parecem datar pelo menos do período sassânida persa, mas podem bem assentar numa linha de defesa já anterior. Uma parte é mesmo conhecida como Muralha de Alexandre, e ainda que não seja reportada a Alexandre, pode bem resultar de uma construção Seleucida, imediatamente posterior.

 

Portas Cáspias de Gorgan
De forma semelhante, na parte sudeste do Mar Cáspio, estão as Muralhas de Gorgan, já datadas pelo menos até ao império Parto-Persa, império sucessor dos Seleucidas macedónicos, em 247 a. C. Estas muralhas estendem-se por uma vasta linha, que as torna segundas em comprimento, com 195 Km. Sendo claramente superadas em extensão pela imensa Muralha da China, o propósito seria possivelmente o mesmo, evitando uma invasão tártara pelas margens do Cáspio.
  

Como Gorgan estaria na rota de progressão de Alexandre, pode ser considerado mais natural associar-lhe estoutra muralha. Porém, parece mais natural que no curto e intenso reinado de Alexandre apenas se possa ter planeado tal empreendimento. Qualquer concretização ligada a Alexandre deverá ser relegada para a dinastia do seu sucessor, o general Seleuco.

Gog e Magog
O Mar Cáspio que agora tende a desaparecer, seria a zona de defesa perante as ameaças de Citas, Tártaros ou Mongóis. A identificação dos gigantes bíblicos Gog e Magog (neto de Noé) aos Citas é feita por Flávio Josefo, com uma conotação de povos bárbaros, e que são até ligados ao Apocalipse!
Independentemente disso, os gigantes Gog e Magog são até considerados como patronos da City de Londres e estão ligados a mitos de gigantes nas ilhas britânicas:
Caricatura que mostra como os gigantes Gog e Magog 
sustentam o Paddy inglês.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 07:55

A progressão de Alexandre Magno em direcção ao Oriente tem um episódio que foi retratado num romance iniciado no Séc. III, com variações no primeiro período medieval, denominado o "Romance de Alexandre". As variações incluem uma exploração subaquática do próprio Alexandre... 
Romance de Alexandre (edição russa, Séc. XVII)

... o que pelo menos mostrará que a ideia de explorar os fundos marinhos não foi certamente ideia recente, e esteve presente, pelo menos no imaginário humano, desde a Antiguidade.

Porém o episódio que talvez tenha ficado como mais simbólico é a estória de Alexandre definir uma muralha contra Gog e Magog, personagens bíblicos, episódio que até se encontrará mencionado no Corão (na identificação de Alexandre a Dhul Qarnayn).
A ideia terá sido construir uma muralha (ou portas de ferro...) para impedir uma invasão dos povos do norte, descritos como Gog e Magog, enquanto gigantes lendários. Esta invocação tem sido atribuída a uma tentativa de controlar invasões do Norte, e diverge desde se considerar o perigo das Amazonas, o perigo dos Godos, ou até a ameaça Mongol. Neste último sentido é atribuída uma confusão entre a muralha de Alexandre e a própria muralha da China... feita com o mesmo propósito!
No sentido de associar os Godos a Gog fala-se na semelhança do nome (Goth e Gog), e finalmente o próprio romance estabelece uma relação com Taléstris, uma rainha amazona. 
A conexão com as rainhas amazonas tinha já outro protagonista anterior. 
Com efeito, a rainha amazona Tomiris (ou Thamiris), como vingança da morte de seu filho, teria ordenado que a cabeça de Ciro fosse mergulhada em sangue:
Rubens: a cabeça de Ciro é entregue a Tomiris 
A história oficial não confirma este funesto destino para Ciro, o Grande, que assim terminaria a sua imensa saga de conquistas numa vingança Amazona. Há alguma consonância em reportar a sua morte em batalha com os Citas... designação geral onde se poderiam enquadrar as Amazonas, ou pelo menos uma rainha Tomiris.

No mesmo sentido, Alexandre Magno parece ter reportado uma proposta de casamento com uma princesa ou rainha dos Citas, que poderia ser Taléstris, entendida enquanto amazona.
Parece haver uma certa relutância em aceitar um reino com um poder no feminino, neste caso o reino das Amazonas, sendo que há diversas evidências de sociedades matriarcais. Por outro lado, constata-se ainda que todos os grandes impérios da Antiguidade tiveram como limite de progressão as paragens mais setentrionais... os romanos debatiam-se dificilmente com os godos, e parece nunca terem conseguido um controlo sobre a parte norte do Mar Negro.

Conforme temos aqui insistido, é bastante natural que a configuração geográfica fosse especialmente diferente, e estava a alterar-se na altura de Alexandre (ou mesmo já de Ciro), com a diminuição do nível do mar. As terras contíguas aos montes Urais deixavam de estar isoladas enquanto ilhas num Oceano setentrional, e ao fechar-se progressivamente num Mar Negro, por um lado, e num Mar Cáspio, pelo outro... tornava mais real a ameaça de invasão por povos desse mítico Norte de citas, tártaros, ou amazonas...
Um desses pontos de ligação seria exactamente o istmo (ou península) caucasiana.
A construção de uma defesa que permitisse evitar a invasão terrestre, que entretanto se tornava possível, aproveitando a cadeia montanhosa do Cáucaso, é algo que parece fazer sentido estratégico.

Portas Cáspias de Derbent
Essa linha de defesa foi aliás efectuada em Derbent.
As Portas Cáspias de Derbent parecem datar pelo menos do período sassânida persa, mas podem bem assentar numa linha de defesa já anterior. Uma parte é mesmo conhecida como Muralha de Alexandre, e ainda que não seja reportada a Alexandre, pode bem resultar de uma construção Seleucida, imediatamente posterior.

 

Portas Cáspias de Gorgan
De forma semelhante, na parte sudeste do Mar Cáspio, estão as Muralhas de Gorgan, já datadas pelo menos até ao império Parto-Persa, império sucessor dos Seleucidas macedónicos, em 247 a. C. Estas muralhas estendem-se por uma vasta linha, que as torna segundas em comprimento, com 195 Km. Sendo claramente superadas em extensão pela imensa Muralha da China, o propósito seria possivelmente o mesmo, evitando uma invasão tártara pelas margens do Cáspio.
  

Como Gorgan estaria na rota de progressão de Alexandre, pode ser considerado mais natural associar-lhe estoutra muralha. Porém, parece mais natural que no curto e intenso reinado de Alexandre apenas se possa ter planeado tal empreendimento. Qualquer concretização ligada a Alexandre deverá ser relegada para a dinastia do seu sucessor, o general Seleuco.

Gog e Magog
O Mar Cáspio que agora tende a desaparecer, seria a zona de defesa perante as ameaças de Citas, Tártaros ou Mongóis. A identificação dos gigantes bíblicos Gog e Magog (neto de Noé) aos Citas é feita por Flávio Josefo, com uma conotação de povos bárbaros, e que são até ligados ao Apocalipse!
Independentemente disso, os gigantes Gog e Magog são até considerados como patronos da City de Londres e estão ligados a mitos de gigantes nas ilhas britânicas:
Caricatura que mostra como os gigantes Gog e Magog 
sustentam o Paddy inglês.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 23:55

Campo Damasceno

12.06.11
No texto anterior mencionámos as citações de Carvalho da Costa a Camões, e na estrofe que se segue, ou seja, a 9ª do Canto III, aparece uma referência ao Campo Damasceno:
       Aqui dos Citas grande quantidade 
       Vivem, que antigamente grande guerra
       Tiveram, sobre a humana antiguidade, 
       Co'os que tinham então a Egípcia terra;
       Mas quem tão fora estava da verdade, 
       (Já que o juízo humano tanto erra)
       Para que do mais certo se informara, 
       Ao campo Damasceno o perguntara.

Começamos com a referência a uma grande guerra entre Citas e Egípcios...
A noção de Citas está ainda mais mal definida do que a de Celtas, servindo esta palavra para resolver com uma única designação um eventual grande grupo de tribos nómadas para além da Pérsia, e que se estenderia da Samárcia à Tartária.
No entanto isso não nos ajuda relativamente a esta "grande guerra" com os que tinham a terra egípcia... e a propósito do Campo Damasceno.

O que temos de mais próximo para se ajustar a tal menção será a Batalha de Kadesh entre Hititas e  o Egípto de Ramsés II. Atrevemos a sugerir isto porque a noção de "Hitita" é razoavelmente recente... na realidade só começou a fazer parte dos livros comuns de História no final do Século XX, apesar de hipóteses já colocadas no Séc. XIX. Ou seja, Camões, ou qualquer outro escritor até ao Séc. XIX nunca falaria de Hititas... os Hititas apareceram do nada, sem referências perceptíveis em textos antigos.
Batalha de Kadesh (Síria)

A situação é de tal forma surpreendente que, apesar da ausência de menção durante milénios, os Hititas renascem no Séc. XX como se sempre tivessem sido mencionados. São encontrados os documentos de relações diplomáticas com o Egipto e com os Gregos, o que vai levar rapidamente à descodificação da sua linguagem! Ao contrário do habitual, tudo corre sem grande polémica...
Para já não quero dizer mais nada sobre o assunto, apenas que é tão estranho os hititas terem estado fora da inspecção cuidadosa dos investigadores anteriores, como é estranho a súbita aceitação, mais uma vez na zona da Turquia - região que é um autêntico depósito de vestígios antigos. 
A existência de Hititas permitiu resolver uma lacuna de inexistência civilizacional nessas paragens na altura do Antigo Egipto, e deu assim consistência a muitos achados na Ásia Menor que não encaixavam nos períodos temporais posteriores.

Para o que interessa, podemos admitir que Camões se referia a esta guerra entre Hititas e Egípcios... ou melhor, com "quem tinha então o Egipto", algo que já tinha sido também mencionado no século anterior (Séc. XV) por Marco António Sabélico.
Em ambos os casos, o assunto era o Campo Damasceno, território na Terra Santa, que foi consagrado como primeiro local onde se povoou o mundo... ou seja, seria aí o Jardim do Éden.

O nome Damasceno está associado a Damasco, na Síria, mas acabou por ficar mais ligado a Hebron e ao monumento árabe que celebra o Túmulo dos Patriarcas: Adão e Eva, Abraão e Sara, Isaac e Rebeca, Jacó e Lea.

O Túmulo dos Patriarcas, em Hébron. Construção muçulmana (em 1906 e actualmente)

Portanto, a disputa sobre a aparecimento do Homem (que hoje é colocada no Vale de Rift, África), e do local do Jardim do Éden, teria entretido Citas e Egípcios em poderosas guerras... mas como dizia Camões, para certeza do local bastava visitar o Campo Damasceno.

Convém fazer um pequeno parentesis para dizer que não é muito claro o que Camões pretende dizer... há quem pretenda que os restos encontrados seriam sim de gigantes, ou seja pode ler-se nalguns textos criacionistas que Adão e Eva para além de lhe ser atribuída longevidade quase milenar, seriam ainda gigantes! Já vimos em muitos filmes que era frequente no final do Séc. XIX, princípio do Séc. XX, aparecerem registos de monstruosidades ou anormalidades, que faziam atracção em feiras (não sendo reconhecidos oficialmente, não poderiam fazer sucesso em mais nenhum lugar). Um dos casos é justamente o de um gigante petrificado encontrado na Irlanda (Revista Strand, em Dez. 1895):

Se houvesse já na altura de Camões alguma suspeita dessa dimensão gigantesca, pois faria sentido perguntar ao Campo Damasceno, onde estariam as ossadas... já que assim a resposta teria alguma evidência auto-explicativa!

Em 1817 o Frei João de Jesus Christo é sensato ao dizer:
(...) a terra he roxa, o que a palavra Adam significa. Santo Arnulfo, antiquissimo peregrino da Terra Santa, afirma, que ali vira o sepulcro de nossos proloplastas Adam, e Eva. Alguns querem, que neste vale fosse o Paraiso, onde Deos colocou Adam. Porém apesar dos belos discursos, que se tem feito sobre estes objectos, eles serão sempre ignorados; e muito mais sabendo-se, que o Diluvio mudou a face da terra. O melhor é confessar, que visto o alto silêncio da Escritura, e tradição sobre isto, nada se sabe de certo.
Não tanto, por nenhum dilúvio ou fenómeno natural, mas muito mais pela acção humana, se tal sepulcro existisse dificilmente se manteria, resistindo a toda a pressão de encobrimento e destruição.

Adam significaria "a terra é roxa", o que é especialmente curioso já que no Séc. XIX o escocês McAdam (filho de Adam) vai desenvolver estradas de macadame, que associamos a estradas de terra batida, de cor semelhante à que vemos nos courts de ténis! E de forma não relacionada, um outro MacAdam australiano do Séc. XIX irá dar nome a uma planta, talvez do Jardim do Paraíso, a que associamos a macadamia!

Não sei se o nome Damasceno deriva de Adam, por deturpação de Adamasceno... mas é de admitir essa ligação, e assim Damasco poderia ter essa referência primeva importante.
Pela parte dos gregos, era comum usar a palavra Adamas, de onde deriva Adamantino como nome para matéria quase inquebrável, dura como o diamante, ou para pessoas marcadas pela integridade. Essa matéria adamantina fez parte do elmo herculano. Para além de Hércules, Perseu matou a Medusa com um punhal adamantino, e era dessa matéria as correntes que prendiam Prometeu, ou a faca usada por Cronos para castrar o pai Urano, entre outros exemplos.

Notas: (12/6/2011)
1) O recente texto Ager Damascenus de Anthony Hilhorst (Univ. Gröningen, 2007) explora justamente a localização do Campo Damasceno, entre Jerusalém, Hébron e Damasco, seguindo a evolução na tradição milenar.
2) Camões usou a figura de Adamastor, titã quase não referenciado na mitologia greco-romana, e que poderia ter ligação etimológica a Adamantino e a Adam, conforme dito em cima.
3) Por isso, quando há um ano ligámos Adamastor a um eventual anagrama com Madrasto, estávamos obviamente concentrados num único enigma... e longe de suspeitar na altura a extensão e confusão de múltiplas ocultações. Ou seja, se hoje abandonamos essa ligação ao anagrama, ainda não abandonamos uma propositada caracterização da figura de D. João II através de Adamastor.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 07:59

Campo Damasceno

12.06.11
No texto anterior mencionámos as citações de Carvalho da Costa a Camões, e na estrofe que se segue, ou seja, a 9ª do Canto III, aparece uma referência ao Campo Damasceno:
       Aqui dos Citas grande quantidade 
       Vivem, que antigamente grande guerra
       Tiveram, sobre a humana antiguidade, 
       Co'os que tinham então a Egípcia terra;
       Mas quem tão fora estava da verdade, 
       (Já que o juízo humano tanto erra)
       Para que do mais certo se informara, 
       Ao campo Damasceno o perguntara.

Começamos com a referência a uma grande guerra entre Citas e Egípcios...
A noção de Citas está ainda mais mal definida do que a de Celtas, servindo esta palavra para resolver com uma única designação um eventual grande grupo de tribos nómadas para além da Pérsia, e que se estenderia da Samárcia à Tartária.
No entanto isso não nos ajuda relativamente a esta "grande guerra" com os que tinham a terra egípcia... e a propósito do Campo Damasceno.

O que temos de mais próximo para se ajustar a tal menção será a Batalha de Kadesh entre Hititas e  o Egípto de Ramsés II. Atrevemos a sugerir isto porque a noção de "Hitita" é razoavelmente recente... na realidade só começou a fazer parte dos livros comuns de História no final do Século XX, apesar de hipóteses já colocadas no Séc. XIX. Ou seja, Camões, ou qualquer outro escritor até ao Séc. XIX nunca falaria de Hititas... os Hititas apareceram do nada, sem referências perceptíveis em textos antigos.
Batalha de Kadesh (Síria)

A situação é de tal forma surpreendente que, apesar da ausência de menção durante milénios, os Hititas renascem no Séc. XX como se sempre tivessem sido mencionados. São encontrados os documentos de relações diplomáticas com o Egipto e com os Gregos, o que vai levar rapidamente à descodificação da sua linguagem! Ao contrário do habitual, tudo corre sem grande polémica...
Para já não quero dizer mais nada sobre o assunto, apenas que é tão estranho os hititas terem estado fora da inspecção cuidadosa dos investigadores anteriores, como é estranho a súbita aceitação, mais uma vez na zona da Turquia - região que é um autêntico depósito de vestígios antigos. 
A existência de Hititas permitiu resolver uma lacuna de inexistência civilizacional nessas paragens na altura do Antigo Egipto, e deu assim consistência a muitos achados na Ásia Menor que não encaixavam nos períodos temporais posteriores.

Para o que interessa, podemos admitir que Camões se referia a esta guerra entre Hititas e Egípcios... ou melhor, com "quem tinha então o Egipto", algo que já tinha sido também mencionado no século anterior (Séc. XV) por Marco António Sabélico.
Em ambos os casos, o assunto era o Campo Damasceno, território na Terra Santa, que foi consagrado como primeiro local onde se povoou o mundo... ou seja, seria aí o Jardim do Éden.

O nome Damasceno está associado a Damasco, na Síria, mas acabou por ficar mais ligado a Hebron e ao monumento árabe que celebra o Túmulo dos Patriarcas: Adão e Eva, Abraão e Sara, Isaac e Rebeca, Jacó e Lea.
  
O Túmulo dos Patriarcas, em Hébron. Construção muçulmana (em 1906 e actualmente)

Portanto, a disputa sobre a aparecimento do Homem (que hoje é colocada no Vale de Rift, África), e do local do Jardim do Éden, teria entretido Citas e Egípcios em poderosas guerras... mas como dizia Camões, para certeza do local bastava visitar o Campo Damasceno.

Convém fazer um pequeno parentesis para dizer que não é muito claro o que Camões pretende dizer... há quem pretenda que os restos encontrados seriam sim de gigantes, ou seja pode ler-se nalguns textos criacionistas que Adão e Eva para além de lhe ser atribuída longevidade quase milenar, seriam ainda gigantes! Já vimos em muitos filmes que era frequente no final do Séc. XIX, princípio do Séc. XX, aparecerem registos de monstruosidades ou anormalidades, que faziam atracção em feiras (não sendo reconhecidos oficialmente, não poderiam fazer sucesso em mais nenhum lugar). Um dos casos é justamente o de um gigante petrificado encontrado na Irlanda (Revista Strand, em Dez. 1895):

Se houvesse já na altura de Camões alguma suspeita dessa dimensão gigantesca, pois faria sentido perguntar ao Campo Damasceno, onde estariam as ossadas... já que assim a resposta teria alguma evidência auto-explicativa!

Em 1817 o Frei João de Jesus Christo é sensato ao dizer:
(...) a terra he roxa, o que a palavra Adam significa. Santo Arnulfo, antiquissimo peregrino da Terra Santa, afirma, que ali vira o sepulcro de nossos proloplastas Adam, e Eva. Alguns querem, que neste vale fosse o Paraiso, onde Deos colocou Adam. Porém apesar dos belos discursos, que se tem feito sobre estes objectos, eles serão sempre ignorados; e muito mais sabendo-se, que o Diluvio mudou a face da terra. O melhor é confessar, que visto o alto silêncio da Escritura, e tradição sobre isto, nada se sabe de certo.
Não tanto, por nenhum dilúvio ou fenómeno natural, mas muito mais pela acção humana, se tal sepulcro existisse dificilmente se manteria, resistindo a toda a pressão de encobrimento e destruição.

Adam significaria "a terra é roxa", o que é especialmente curioso já que no Séc. XIX o escocês McAdam (filho de Adam) vai desenvolver estradas de macadame, que associamos a estradas de terra batida, de cor semelhante à que vemos nos courts de ténis! E de forma não relacionada, um outro MacAdam australiano do Séc. XIX irá dar nome a uma planta, talvez do Jardim do Paraíso, a que associamos a macadamia!

Não sei se o nome Damasceno deriva de Adam, por deturpação de Adamasceno... mas é de admitir essa ligação, e assim Damasco poderia ter essa referência primeva importante.
Pela parte dos gregos, era comum usar a palavra Adamas, de onde deriva Adamantino como nome para matéria quase inquebrável, dura como o diamante, ou para pessoas marcadas pela integridade. Essa matéria adamantina fez parte do elmo herculano. Para além de Hércules, Perseu matou a Medusa com um punhal adamantino, e era dessa matéria as correntes que prendiam Prometeu, ou a faca usada por Cronos para castrar o pai Urano, entre outros exemplos.

Notas: (12/6/2011)
1) O recente texto Ager Damascenus de Anthony Hilhorst (Univ. Gröningen, 2007) explora justamente a localização do Campo Damasceno, entre Jerusalém, Hébron e Damasco, seguindo a evolução na tradição milenar.
2) Camões usou a figura de Adamastor, titã quase não referenciado na mitologia greco-romana, e que poderia ter ligação etimológica a Adamantino e a Adam, conforme dito em cima.
3) Por isso, quando há um ano ligámos Adamastor a um eventual anagrama com Madrasto, estávamos obviamente concentrados num único enigma... e longe de suspeitar na altura a extensão e confusão de múltiplas ocultações. Ou seja, se hoje abandonamos essa ligação ao anagrama, ainda não abandonamos uma propositada caracterização da figura de D. João II através de Adamastor.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 07:59

Gigante de Lucerna, gigante da lâmpada, ou génio da lâmpada...
Quando falámos aqui de Lucerna, ligámos à história de Aladino, pelas lâmpadas egípcias, uma vez que lucerna e lâmpada são sinónimos, e o "génio" ficou guardado na lâmpada... mas não tínhamos a informação que permitiria juntar um outro dado - o Génio da história era um gigante!
Depois de esfregar no assunto, o gigante apareceu, conforme texto sobre as Âncoras suiças (2), e esteve presente nas armas de Lucerna.
Gigante de Lucerna, na ponte Kappelbrucke (imagem)

É Antoine Galland que no início do Séc. XVIII vai popularizar no ocidente as "Mil e uma Noites", e aparentemente decide incorporar a história de Aladino e também as de Ali Babá e Sindbad. À falta de pesquisa e dados sobre as duas últimas, voltamos a Aladino e à lâmpada, ou seja Lucerna, que mereceu esta atenção suplementar.

Galland estaria certamente ciente da história do Gigante de Lucerna, ossos enviados ao médico de Basileia, Felix Plater em 1577, depois dos ossos terem sido descobertos numa tempestade, quando uma árvore tombou. Plater determinou que eram humanos e de dimensão considerável, ou seja 18 a 19 pés, o que colocaria o indivíduo perto dos 6 metros de altura.

Os ossos foram guardados, juntamente com o esboço do desenho feito por Plater, e como a polémica se reacendeu no início do Séc. XIX, foram enviados ossos ao antropólogo Blumenbach, que determinou tratarem-se de ossos de elefante. Ponto final... reticências, e exclamação!
Afinal, haveria elefantes na Suiça... bom, é claro que Blumenbach deveria querer referir-se a algum mamute ou mastodonte, mas a palavra não teria ainda sido inventada. 
Blumenbach irá ficar famoso por definir que existe apenas uma espécie humana, e que é semelhante em toda a Terra. Isso é obviamente marcante pelo bem maior que teve ao igualar as diferentes raças, numa altura em que havia escravatura. Porém, é também nessa altura que a afirmação de Blumenbach ganhará mais significado - os eventuais gigantes da Patagónia ou da Tasmânia, estariam em vias de desaparecer, sendo que os pigmeus já teriam desaparecido!

Felix Plater, e outros avaliadores suiços, até Blumenbach terão simplesmente confundido ossadas de elefante com ossadas humanas... Assim, com um erro grosseiro passado, o problema fica resolvido no presente - uma técnica de Estória repetida vezes sem conta na História.

Porém, o problema é um pouco mais complicado!
Não há apenas o relato desse caso invulgar do Gigante de Lucerna.
Voltamos a Buffon... ainda não estamos no Séc. XIX, e ele pode dizer isto:
Les races fes géans autrefois si communes en Asie, n'y subsistent lus. Porquoi se trouvent-elles en Amérique aujourd'hui?
(Buffon, Volume 3, Époques de la Nature, pag. 431)

De quem falava Buffon? Falava dos gigantes da Patagónia, dizendo "car on ne peut douter qu'on n'ait rencontré dans l'Amérique méridionale des hommes en grand nombre tous plus grands, plus carrés, plus épais et plus forts que ne le sont tous les autres hommes de la terre".

Dalguma forma antevia o desfecho seguinte - "leur race s'est conservée dans ce continent désert; tandis qu'elle a été entièrement détruite par le nombre des autres hommes dans les contrées peuplées"... ou seja, o isolamento tinha permitido à raça de patagões subsistir, mas isso estava prestes a mudar no Séc. XIX, quando a Província do Rio de La Plata vai passar a ser Argentina conquistando a Patagónia, conforme já mencionámos. Apesar do relato de Pigafetta na viagem de Magalhães, e de avistamentos posteriores, de Drake e outros viajantes, tudo isso passará a mito. Ora, não o era para Buffon, credibilizado como um dos pais da teoria da evolução.

Juntamos mais alguns registos, que fomos encontrar numa Enciclopedia Americana do Séc. XIX, começando por um que também consta da wikipedia, o de Teutobochus Rex, segundo W. A. Seaver em 1869:
In times more modern (1613), some masons digging near the ruins of a castle in Dauphine, in a field which by tradition had long been called 'The Giant's Field,' at a depth of 18 feet discovered a brick tomb 30 feet long, 12 feet wide, and 8 feet high, on which was a gray stone with the words 'Theutobochus Rex' cut thereon. When the tomb was opened they found a human skeleton entire, 25-1/2 feet long, 10 feet wide across the shoulders, and 5 feet deep from the breast to the back. His teeth were about the size of an ox's foot, and his shin-bone measured 4 feet in length.
O nome Teutobochus Rex refere-se ao líder Teutónico que combateu o romano Mário na batalha de Aquae Sextiae, e assim estaríamos na presença de um combate de um romano David contra um Golias teutónico. A justificação da wikipedia é simples... os restos mortais eram de um dinossauro, só faltava dizer que na tomba deveria estar Tyranosaurus Rex e não Teutobochus Rex (sendo que aí o tirano deveria ser Sula, inimigo de Mário). Talvez tenha havido alguma falsificação na identidade, mas não necessariamente confusão entre um humano e um dinossauro!

Outros registos de gigantes passam na Sicília, por Licetus, que dá conta de um gigante com 30 pés, e de serem gigantes os Guanches, primevos habitantes das Canárias, antes de serem extintos na conquista portuguesa e especialmente na espanhola. Há ainda as outras menções já feitas, que incluem os registos asiáticos, nomeadamente na Índia, onde aparecem agora as imagens assumidamente falsas de vários achados de gigantes:
Imagem falsa de gigante - com propaganda de "imagens falsas"
fica quase impossível passar alguma que fosse verdadeira... ainda que existisse!

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 02:49

Gigante de Lucerna, gigante da lâmpada, ou génio da lâmpada...
Quando falámos aqui de Lucerna, ligámos à história de Aladino, pelas lâmpadas egípcias, uma vez que lucerna e lâmpada são sinónimos, e o "génio" ficou guardado na lâmpada... mas não tínhamos a informação que permitiria juntar um outro dado - o Génio da história era um gigante!
Depois de esfregar no assunto, o gigante apareceu, conforme texto sobre as Âncoras suiças (2), e esteve presente nas armas de Lucerna.
Gigante de Lucerna, na ponte Kappelbrucke (imagem)

É Antoine Galland que no início do Séc. XVIII vai popularizar no ocidente as "Mil e uma Noites", e aparentemente decide incorporar a história de Aladino e também as de Ali Babá e Sindbad. À falta de pesquisa e dados sobre as duas últimas, voltamos a Aladino e à lâmpada, ou seja Lucerna, que mereceu esta atenção suplementar.

Galland estaria certamente ciente da história do Gigante de Lucerna, ossos enviados ao médico de Basileia, Felix Plater em 1577, depois dos ossos terem sido descobertos numa tempestade, quando uma árvore tombou. Plater determinou que eram humanos e de dimensão considerável, ou seja 18 a 19 pés, o que colocaria o indivíduo perto dos 6 metros de altura.

Os ossos foram guardados, juntamente com o esboço do desenho feito por Plater, e como a polémica se reacendeu no início do Séc. XIX, foram enviados ossos ao antropólogo Blumenbach, que determinou tratarem-se de ossos de elefante. Ponto final... reticências, e exclamação!
Afinal, haveria elefantes na Suiça... bom, é claro que Blumenbach deveria querer referir-se a algum mamute ou mastodonte, mas a palavra não teria ainda sido inventada. 
Blumenbach irá ficar famoso por definir que existe apenas uma espécie humana, e que é semelhante em toda a Terra. Isso é obviamente marcante pelo bem maior que teve ao igualar as diferentes raças, numa altura em que havia escravatura. Porém, é também nessa altura que a afirmação de Blumenbach ganhará mais significado - os eventuais gigantes da Patagónia ou da Tasmânia, estariam em vias de desaparecer, sendo que os pigmeus já teriam desaparecido!

Felix Plater, e outros avaliadores suiços, até Blumenbach terão simplesmente confundido ossadas de elefante com ossadas humanas... Assim, com um erro grosseiro passado, o problema fica resolvido no presente - uma técnica de Estória repetida vezes sem conta na História.

Porém, o problema é um pouco mais complicado!
Não há apenas o relato desse caso invulgar do Gigante de Lucerna.
Voltamos a Buffon... ainda não estamos no Séc. XIX, e ele pode dizer isto:
Les races fes géans autrefois si communes en Asie, n'y subsistent lus. Porquoi se trouvent-elles en Amérique aujourd'hui?
(Buffon, Volume 3, Époques de la Nature, pag. 431)

De quem falava Buffon? Falava dos gigantes da Patagónia, dizendo "car on ne peut douter qu'on n'ait rencontré dans l'Amérique méridionale des hommes en grand nombre tous plus grands, plus carrés, plus épais et plus forts que ne le sont tous les autres hommes de la terre".

Dalguma forma antevia o desfecho seguinte - "leur race s'est conservée dans ce continent désert; tandis qu'elle a été entièrement détruite par le nombre des autres hommes dans les contrées peuplées"... ou seja, o isolamento tinha permitido à raça de patagões subsistir, mas isso estava prestes a mudar no Séc. XIX, quando a Província do Rio de La Plata vai passar a ser Argentina conquistando a Patagónia, conforme já mencionámos. Apesar do relato de Pigafetta na viagem de Magalhães, e de avistamentos posteriores, de Drake e outros viajantes, tudo isso passará a mito. Ora, não o era para Buffon, credibilizado como um dos pais da teoria da evolução.

Juntamos mais alguns registos, que fomos encontrar numa Enciclopedia Americana do Séc. XIX, começando por um que também consta da wikipedia, o de Teutobochus Rex, segundo W. A. Seaver em 1869:
In times more modern (1613), some masons digging near the ruins of a castle in Dauphine, in a field which by tradition had long been called 'The Giant's Field,' at a depth of 18 feet discovered a brick tomb 30 feet long, 12 feet wide, and 8 feet high, on which was a gray stone with the words 'Theutobochus Rex' cut thereon. When the tomb was opened they found a human skeleton entire, 25-1/2 feet long, 10 feet wide across the shoulders, and 5 feet deep from the breast to the back. His teeth were about the size of an ox's foot, and his shin-bone measured 4 feet in length.
O nome Teutobochus Rex refere-se ao líder Teutónico que combateu o romano Mário na batalha de Aquae Sextiae, e assim estaríamos na presença de um combate de um romano David contra um Golias teutónico. A justificação da wikipedia é simples... os restos mortais eram de um dinossauro, só faltava dizer que na tomba deveria estar Tyranosaurus Rex e não Teutobochus Rex (sendo que aí o tirano deveria ser Sula, inimigo de Mário). Talvez tenha havido alguma falsificação na identidade, mas não necessariamente confusão entre um humano e um dinossauro!

Outros registos de gigantes passam na Sicília, por Licetus, que dá conta de um gigante com 30 pés, e de serem gigantes os Guanches, primevos habitantes das Canárias, antes de serem extintos na conquista portuguesa e especialmente na espanhola. Há ainda as outras menções já feitas, que incluem os registos asiáticos, nomeadamente na Índia, onde aparecem agora as imagens assumidamente falsas de vários achados de gigantes:
Imagem falsa de gigante - com propaganda de "imagens falsas"
fica quase impossível passar alguma que fosse verdadeira... ainda que existisse!

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 02:49


Alojamento principal

alvor-silves.blogspot.com

calendário

Julho 2020

D S T Q Q S S
1234
567891011
12131415161718
19202122232425
262728293031

Posts mais comentados



Arquivo

  1. 2020
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2019
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2018
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2017
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2016
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2015
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2014
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2013
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2012
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2011
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2010
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D