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Tendo aqui falado do livro "A Century of War", é apropriado referir as 

"Cartas de Inglaterra", de Eça de Queirós.


Exercendo funções nos consulados (15 anos em Inglaterra), Eça revela nestes textos jornalísticos algo difícil de escrutinar nos seus romances. No seu estilo sarcástico e lúcido, aborda alguns dos acontecimentos do final do Séc. XIX, que corroboram uma boa parte da análise que Engdahl faz desse período.

Aparentemente os textos destinavam-se a leitores brasileiros, ainda que também tenham sido publicados em Portugal, no Diário de Notícias. No Capítulo X intitulado "O Brazil e Portugal" deixa claro que são brasileiros os destinatários, ao avisar sobre o súbito interesse da imprensa inglesa, nomeadamente o "The Times", sobre aquele imenso território "pouco aproveitado" comercialmente. O artigo seria semi-elogioso, contrapondo o Brasil às colónias espanholas, mas Eça antevê uma outra intenção. Esta citação que Eça faz, revela bem o aviso que procurava transmitir sobre as intenções inglesas:
«No Perú, na Bolivia, no Paraguay, no Equador, em Venezuela... em outros mais, os actuais ocupadores do solo terão gradualmente de desaparecer e descer áquela condição inferior, que o seu fraco temperamento lhes marca como destino.»
Sobre esta citação do Times, Eça nota:  "Nunca se escreveu nada tão ferino!"
Está perfeitamente ciente das intenções imperiais inglesas e vê no texto uma ameaça premonitória para que os brasileiros abram a sua economia à invasão inglesa - de forma comercial, ou de forma colonial.

Este contexto é especialmente nítido na descrição "in loco" do ambiente inglês contemporâneo da invasão do Egipto. Esse era o tema da carta anterior, no Capítulo IX: "Os ingleses no Egipto".
O texto é contemporâneo dos primeiros acontecimentos, nomeadamente do "Massacre de Alexandria", e antevê o desfecho - o Egipto tornar-se-ia um protectorado britânico. A designação "massacre" é de Eça, e deveria ser opinião crítica à actuação inglesa, o mesmo termo é hoje entendido para o atentado de 2011 (nada mais que as habituais confusões), e pouco parece restar na memória dos eventos de 11 de Junho de 1882. Os couraçados ingleses, estacionados no Porto de Alexandria, dispararam à vontade, arrasando por completo a velha cidade. Se havia ainda vestígios antigos, de uma cidade que foi o expoente da civilização, muitos deles devem ter sucumbido a nova destruição.

A análise de Eça é notável, são 80 páginas imperdíveis. Basicamente Eça acaba por descrever no caso egípcio um modus operandi que se repetia e que se iria repetir, conforme Engdahl mostra.
Começa com o desejo tecnológico de um governante, seduzido pela impressionante maquinaria inglesa, qual criança numa loja de brinquedos. Ora, esse "choque tecnológico", de que precisaria o Egipto, sendo importado, acabou por ser cobrado como dívida impagável... nada de novo, ou melhor, tudo de velho. A sociedade egípcia foi minada nos seus circuitos administrativos por estrangeiros, e pela sua influência no conselho, foram tornando a situação cada vez mais insustentável para a generalidade da população - os "fellahs" que tinham um estatuto de completa servidão face ao invasor, fosse ele turco, francês ou inglês. O pretexto para o bombardeamento de Alexandria parece ter sido pouco mais do que uma vontade egípcia de recuperação dos fortes que guardavam o porto.  Conforme refere Eça, os ingleses só queriam um pretexto, e qualquer um serviria... os jornais encarregar-se-iam de vender a necessidade da invasão, a necessidade de depor o novo governo hostil à civilização e à cristandade. E assim, conforme previa Eça de Queirós, apesar dos enormes custos, à Inglaterra não parecia faltar nem dinheiro, nem motivação, que consumaram a efectiva invasão do Egipto, e terminaram com a revolta de Urabi, ainda em 1882. Fulcral para a geopolítica britânica, a passagem no Canal do Suez, mantinha-se assegurada.

Nos Capítulos VI, e VIII, Eça vai debruçar-se sobre o "Israelismo" e sobre a morte de Disraeli. Apesar do contexto da primeira carta ser o aumento do anti-semitismo na Alemanha, ambas as cartas acabam por revelar bem como se tornava evidente a influência judaica através das instituições financeiras, em particular a City de Londres, ou a Bolsa de Paris. 
Disraeli não foi um primeiro-ministro qualquer... foi o principal político no reinado da Rainha Vitória, e acabou por definir grande parte da estratégia que definiu a predominância do Império Inglês. Conforme salienta Eça, mais estranha terá sido a ascensão de um plebeu judaico ao topo da "mui selecta" hierarquia britânica. Eça avança algumas razões ocasionais, mas deixa bem clara a arquitectura judaica que o favorecera. Se Disraeli tinha renegado ao judaísmo para se tornar num puritano protestante, o filho pródigo continuava a beneficiar dos favores dos banqueiros e da imprensa, dominada pela comunidade judaica. Eça diz que a fama de "grande inglês" ultrapassava fronteiras, graças à influência da imprensa, controlada a nível global.
Conforme refere Engdahl, depois das pazes com a França, a Alemanha acabou por ser eleita como principal adversário da Inglaterra, e certamente que estes movimentos anti-judaicos, que começavam na Alemanha (e que se iriam repetir com o nazismo), só acirravam essa eleição pelos jornais britânicos. Bismarck tinha levado longe no progresso uma Alemanha que rivalizava agora com a Inglaterra. Curiosamente, Eça menciona como factor de instabilidade o problema Sérvio da Áustria, e esse seria o rastilho que levou à 1ª Guerra Mundial. 
Ainda ao jeito de alguma antevisão, é muito curiosa esta previsão relativa ao socialismo:
(...) talvez um dia, quando o socialismo fôr religião do Estado, se vejam em nichos de templo, com uma lamparina na frente, as imagens dos Santos Padres da revolução: Proudhon de oculos, Bakounine parecendo um urso sob as suas pelles russas, Karl Marx apoiado ao cajado symbolico do pastor d'almas.
Se Proudhon e Bakounine não foram tão idolatrados, é bem verdade que o prognóstico relativo a Karl Marx não falhou por muito, basta lembrar o seu enorme retrato em desfile na Praça Vermelha.

Ainda relativamente a Disraeli, Eça será bastante azedo na crítica à sua veia literária. Talvez também Oscar Wilde quando pintou uma Dorian Gray não deixasse de sugerir ao ouvido o romance Vivian Grey de Disraeli (ver conexão). O "grande inglês" não abandonaria a sua inicial veia literária, mas não seria essa que o celebrizaria, conforme Eça diagnosticara.

Não vemos em Eça uma crítica violente ao crescente poder judaico, como era já habitual no Séc. XIX - relembramos o artigo sobre os Rothschild na revista Panorama, mas ela é explícita. Há assim um misto de compreensão e condenação sobre o movimento na Alemanha. Para além disso, não eram tropas judaicas enviadas para o campo de batalha no Egipto, mas era claro o financiamento e o apoio da imprensa, nos bastidores do conflito. O financiamento que faltava ao Egipto, nunca o deixou de ter o governo inglês. E os benefícios que daí advinham para a generalidade da população inglesa não se podem apenas medir na aristocracia ou na classe média inglesa, também devem ser pesados numa Inglaterra enegrecida pelo sucesso da sua industrialização, onde uma boa parte da população partilhava um destino desgraçado, à semelhança dos "fellahs" egípcios...

Acrescento esta citação, que é ilustrativa da opinião de Eça:
Mas o pior ainda, na Allemanha, é o habil plano com que fortificam a sua prosperidade e garantem a sua influencia - plano tão hábil que tem um sabor de conspiração: na Allemanha, o judeu, lentamente, surdamente, tem-se apoderado das duas grandes forças sociaes—a Bolsa e Imprensa. Quasi todas as grandes casas bancarias da Allemanha, quasi todos os grandes jornais, estão na posse do semita. Assim, torna-se inatacavel. De modo que não só expulsa o allemão das profissões liberais, o humilha com a sua opulencia rutilante, e o traz dependente pelo capital; mas, injuria suprema, pela voz dos seus jornais, ordena-lhe o que ha-de fazer, o que ha-de pensar, como se ha-de governar e com que se ha-de bater!

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 04:52

Tendo aqui falado do livro "A Century of War", é apropriado referir as 

"Cartas de Inglaterra", de Eça de Queirós.


Exercendo funções nos consulados (15 anos em Inglaterra), Eça revela nestes textos jornalísticos algo difícil de escrutinar nos seus romances. No seu estilo sarcástico e lúcido, aborda alguns dos acontecimentos do final do Séc. XIX, que corroboram uma boa parte da análise que Engdahl faz desse período.

Aparentemente os textos destinavam-se a leitores brasileiros, ainda que também tenham sido publicados em Portugal, no Diário de Notícias. No Capítulo X intitulado "O Brazil e Portugal" deixa claro que são brasileiros os destinatários, ao avisar sobre o súbito interesse da imprensa inglesa, nomeadamente o "The Times", sobre aquele imenso território "pouco aproveitado" comercialmente. O artigo seria semi-elogioso, contrapondo o Brasil às colónias espanholas, mas Eça antevê uma outra intenção. Esta citação que Eça faz, revela bem o aviso que procurava transmitir sobre as intenções inglesas:
«No Perú, na Bolivia, no Paraguay, no Equador, em Venezuela... em outros mais, os actuais ocupadores do solo terão gradualmente de desaparecer e descer áquela condição inferior, que o seu fraco temperamento lhes marca como destino.»
Sobre esta citação do Times, Eça nota:  "Nunca se escreveu nada tão ferino!"
Está perfeitamente ciente das intenções imperiais inglesas e vê no texto uma ameaça premonitória para que os brasileiros abram a sua economia à invasão inglesa - de forma comercial, ou de forma colonial.

Este contexto é especialmente nítido na descrição "in loco" do ambiente inglês contemporâneo da invasão do Egipto. Esse era o tema da carta anterior, no Capítulo IX: "Os ingleses no Egipto".
O texto é contemporâneo dos primeiros acontecimentos, nomeadamente do "Massacre de Alexandria", e antevê o desfecho - o Egipto tornar-se-ia um protectorado britânico. A designação "massacre" é de Eça, e deveria ser opinião crítica à actuação inglesa, o mesmo termo é hoje entendido para o atentado de 2011 (nada mais que as habituais confusões), e pouco parece restar na memória dos eventos de 11 de Junho de 1882. Os couraçados ingleses, estacionados no Porto de Alexandria, dispararam à vontade, arrasando por completo a velha cidade. Se havia ainda vestígios antigos, de uma cidade que foi o expoente da civilização, muitos deles devem ter sucumbido a nova destruição.

A análise de Eça é notável, são 80 páginas imperdíveis. Basicamente Eça acaba por descrever no caso egípcio um modus operandi que se repetia e que se iria repetir, conforme Engdahl mostra.
Começa com o desejo tecnológico de um governante, seduzido pela impressionante maquinaria inglesa, qual criança numa loja de brinquedos. Ora, esse "choque tecnológico", de que precisaria o Egipto, sendo importado, acabou por ser cobrado como dívida impagável... nada de novo, ou melhor, tudo de velho. A sociedade egípcia foi minada nos seus circuitos administrativos por estrangeiros, e pela sua influência no conselho, foram tornando a situação cada vez mais insustentável para a generalidade da população - os "fellahs" que tinham um estatuto de completa servidão face ao invasor, fosse ele turco, francês ou inglês. O pretexto para o bombardeamento de Alexandria parece ter sido pouco mais do que uma vontade egípcia de recuperação dos fortes que guardavam o porto.  Conforme refere Eça, os ingleses só queriam um pretexto, e qualquer um serviria... os jornais encarregar-se-iam de vender a necessidade da invasão, a necessidade de depor o novo governo hostil à civilização e à cristandade. E assim, conforme previa Eça de Queirós, apesar dos enormes custos, à Inglaterra não parecia faltar nem dinheiro, nem motivação, que consumaram a efectiva invasão do Egipto, e terminaram com a revolta de Urabi, ainda em 1882. Fulcral para a geopolítica britânica, a passagem no Canal do Suez, mantinha-se assegurada.

Nos Capítulos VI, e VIII, Eça vai debruçar-se sobre o "Israelismo" e sobre a morte de Disraeli. Apesar do contexto da primeira carta ser o aumento do anti-semitismo na Alemanha, ambas as cartas acabam por revelar bem como se tornava evidente a influência judaica através das instituições financeiras, em particular a City de Londres, ou a Bolsa de Paris. 
Disraeli não foi um primeiro-ministro qualquer... foi o principal político no reinado da Rainha Vitória, e acabou por definir grande parte da estratégia que definiu a predominância do Império Inglês. Conforme salienta Eça, mais estranha terá sido a ascensão de um plebeu judaico ao topo da "mui selecta" hierarquia britânica. Eça avança algumas razões ocasionais, mas deixa bem clara a arquitectura judaica que o favorecera. Se Disraeli tinha renegado ao judaísmo para se tornar num puritano protestante, o filho pródigo continuava a beneficiar dos favores dos banqueiros e da imprensa, dominada pela comunidade judaica. Eça diz que a fama de "grande inglês" ultrapassava fronteiras, graças à influência da imprensa, controlada a nível global.
Conforme refere Engdahl, depois das pazes com a França, a Alemanha acabou por ser eleita como principal adversário da Inglaterra, e certamente que estes movimentos anti-judaicos, que começavam na Alemanha (e que se iriam repetir com o nazismo), só acirravam essa eleição pelos jornais britânicos. Bismarck tinha levado longe no progresso uma Alemanha que rivalizava agora com a Inglaterra. Curiosamente, Eça menciona como factor de instabilidade o problema Sérvio da Áustria, e esse seria o rastilho que levou à 1ª Guerra Mundial. 
Ainda ao jeito de alguma antevisão, é muito curiosa esta previsão relativa ao socialismo:
(...) talvez um dia, quando o socialismo fôr religião do Estado, se vejam em nichos de templo, com uma lamparina na frente, as imagens dos Santos Padres da revolução: Proudhon de oculos, Bakounine parecendo um urso sob as suas pelles russas, Karl Marx apoiado ao cajado symbolico do pastor d'almas.
Se Proudhon e Bakounine não foram tão idolatrados, é bem verdade que o prognóstico relativo a Karl Marx não falhou por muito, basta lembrar o seu enorme retrato em desfile na Praça Vermelha.

Ainda relativamente a Disraeli, Eça será bastante azedo na crítica à sua veia literária. Talvez também Oscar Wilde quando pintou uma Dorian Gray não deixasse de sugerir ao ouvido o romance Vivian Grey de Disraeli (ver conexão). O "grande inglês" não abandonaria a sua inicial veia literária, mas não seria essa que o celebrizaria, conforme Eça diagnosticara.

Não vemos em Eça uma crítica violente ao crescente poder judaico, como era já habitual no Séc. XIX - relembramos o artigo sobre os Rothschild na revista Panorama, mas ela é explícita. Há assim um misto de compreensão e condenação sobre o movimento na Alemanha. Para além disso, não eram tropas judaicas enviadas para o campo de batalha no Egipto, mas era claro o financiamento e o apoio da imprensa, nos bastidores do conflito. O financiamento que faltava ao Egipto, nunca o deixou de ter o governo inglês. E os benefícios que daí advinham para a generalidade da população inglesa não se podem apenas medir na aristocracia ou na classe média inglesa, também devem ser pesados numa Inglaterra enegrecida pelo sucesso da sua industrialização, onde uma boa parte da população partilhava um destino desgraçado, à semelhança dos "fellahs" egípcios...

Acrescento esta citação, que é ilustrativa da opinião de Eça:
Mas o pior ainda, na Allemanha, é o habil plano com que fortificam a sua prosperidade e garantem a sua influencia - plano tão hábil que tem um sabor de conspiração: na Allemanha, o judeu, lentamente, surdamente, tem-se apoderado das duas grandes forças sociaes—a Bolsa e Imprensa. Quasi todas as grandes casas bancarias da Allemanha, quasi todos os grandes jornais, estão na posse do semita. Assim, torna-se inatacavel. De modo que não só expulsa o allemão das profissões liberais, o humilha com a sua opulencia rutilante, e o traz dependente pelo capital; mas, injuria suprema, pela voz dos seus jornais, ordena-lhe o que ha-de fazer, o que ha-de pensar, como se ha-de governar e com que se ha-de bater!

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publicado às 04:52

Tendo aqui falado do livro "A Century of War", é apropriado referir as 

"Cartas de Inglaterra", de Eça de Queirós.



Exercendo funções nos consulados (15 anos em Inglaterra), Eça revela nestes textos jornalísticos algo difícil de escrutinar nos seus romances. No seu estilo sarcástico e lúcido, aborda alguns dos acontecimentos do final do Séc. XIX, que corroboram uma boa parte da análise que Engdahl faz desse período.

Aparentemente os textos destinavam-se a leitores brasileiros, ainda que também tenham sido publicados em Portugal, no Diário de Notícias. No Capítulo X intitulado "O Brazil e Portugal" deixa claro que são brasileiros os destinatários, ao avisar sobre o súbito interesse da imprensa inglesa, nomeadamente o "The Times", sobre aquele imenso território "pouco aproveitado" comercialmente. O artigo seria semi-elogioso, contrapondo o Brasil às colónias espanholas, mas Eça antevê uma outra intenção. Esta citação que Eça faz, revela bem o aviso que procurava transmitir sobre as intenções inglesas:
«No Perú, na Bolivia, no Paraguay, no Equador, em Venezuela... em outros mais, os actuais ocupadores do solo terão gradualmente de desaparecer e descer áquela condição inferior, que o seu fraco temperamento lhes marca como destino.»
Sobre esta citação do Times, Eça nota:  "Nunca se escreveu nada tão ferino!"
Está perfeitamente ciente das intenções imperiais inglesas e vê no texto uma ameaça premonitória para que os brasileiros abram a sua economia à invasão inglesa - de forma comercial, ou de forma colonial.

Este contexto é especialmente nítido na descrição "in loco" do ambiente inglês contemporâneo da invasão do Egipto. Esse era o tema da carta anterior, no Capítulo IX: "Os ingleses no Egipto".
O texto é contemporâneo dos primeiros acontecimentos, nomeadamente do "Massacre de Alexandria", e antevê o desfecho - o Egipto tornar-se-ia um protectorado britânico. A designação "massacre" é de Eça, e deveria ser opinião crítica à actuação inglesa, o mesmo termo é hoje entendido para o atentado de 2011 (nada mais que as habituais confusões), e pouco parece restar na memória dos eventos de 11 de Junho de 1882. Os couraçados ingleses, estacionados no Porto de Alexandria, dispararam à vontade, arrasando por completo a velha cidade. Se havia ainda vestígios antigos, de uma cidade que foi o expoente da civilização, muitos deles devem ter sucumbido a nova destruição.

A análise de Eça é notável, são 80 páginas imperdíveis. Basicamente Eça acaba por descrever no caso egípcio um modus operandi que se repetia e que se iria repetir, conforme Engdahl mostra.
Começa com o desejo tecnológico de um governante, seduzido pela impressionante maquinaria inglesa, qual criança numa loja de brinquedos. Ora, esse "choque tecnológico", de que precisaria o Egipto, sendo importado, acabou por ser cobrado como dívida impagável... nada de novo, ou melhor, tudo de velho. A sociedade egípcia foi minada nos seus circuitos administrativos por estrangeiros, e pela sua influência no conselho, foram tornando a situação cada vez mais insustentável para a generalidade da população - os "fellahs" que tinham um estatuto de completa servidão face ao invasor, fosse ele turco, francês ou inglês. O pretexto para o bombardeamento de Alexandria parece ter sido pouco mais do que uma vontade egípcia de recuperação dos fortes que guardavam o porto.  Conforme refere Eça, os ingleses só queriam um pretexto, e qualquer um serviria... os jornais encarregar-se-iam de vender a necessidade da invasão, a necessidade de depor o novo governo hostil à civilização e à cristandade. E assim, conforme previa Eça de Queirós, apesar dos enormes custos, à Inglaterra não parecia faltar nem dinheiro, nem motivação, que consumaram a efectiva invasão do Egipto, e terminaram com a revolta de Urabi, ainda em 1882. Fulcral para a geopolítica britânica, a passagem no Canal do Suez, mantinha-se assegurada.

Nos Capítulos VI, e VIII, Eça vai debruçar-se sobre o "Israelismo" e sobre a morte de Disraeli. Apesar do contexto da primeira carta ser o aumento do anti-semitismo na Alemanha, ambas as cartas acabam por revelar bem como se tornava evidente a influência judaica através das instituições financeiras, em particular a City de Londres, ou a Bolsa de Paris. 
Disraeli não foi um primeiro-ministro qualquer... foi o principal político no reinado da Rainha Vitória, e acabou por definir grande parte da estratégia que definiu a predominância do Império Inglês. Conforme salienta Eça, mais estranha terá sido a ascensão de um plebeu judaico ao topo da "mui selecta" hierarquia britânica. Eça avança algumas razões ocasionais, mas deixa bem clara a arquitectura judaica que o favorecera. Se Disraeli tinha renegado ao judaísmo para se tornar num puritano protestante, o filho pródigo continuava a beneficiar dos favores dos banqueiros e da imprensa, dominada pela comunidade judaica. Eça diz que a fama de "grande inglês" ultrapassava fronteiras, graças à influência da imprensa, controlada a nível global.
Conforme refere Engdahl, depois das pazes com a França, a Alemanha acabou por ser eleita como principal adversário da Inglaterra, e certamente que estes movimentos anti-judaicos, que começavam na Alemanha (e que se iriam repetir com o nazismo), só acirravam essa eleição pelos jornais britânicos. Bismarck tinha levado longe no progresso uma Alemanha que rivalizava agora com a Inglaterra. Curiosamente, Eça menciona como factor de instabilidade o problema Sérvio da Áustria, e esse seria o rastilho que levou à 1ª Guerra Mundial. 
Ainda ao jeito de alguma antevisão, é muito curiosa esta previsão relativa ao socialismo:
(...) talvez um dia, quando o socialismo fôr religião do Estado, se vejam em nichos de templo, com uma lamparina na frente, as imagens dos Santos Padres da revolução: Proudhon de oculos, Bakounine parecendo um urso sob as suas pelles russas, Karl Marx apoiado ao cajado symbolico do pastor d'almas.
Se Proudhon e Bakounine não foram tão idolatrados, é bem verdade que o prognóstico relativo a Karl Marx não falhou por muito, basta lembrar o seu enorme retrato em desfile na Praça Vermelha.

Ainda relativamente a Disraeli, Eça será bastante azedo na crítica à sua veia literária. Talvez também Oscar Wilde quando pintou uma Dorian Gray não deixasse de sugerir ao ouvido o romance Vivian Grey de Disraeli (ver conexão). O "grande inglês" não abandonaria a sua inicial veia literária, mas não seria essa que o celebrizaria, conforme Eça diagnosticara.

Não vemos em Eça uma crítica violente ao crescente poder judaico, como era já habitual no Séc. XIX - relembramos o artigo sobre os Rothschild na revista Panorama, mas ela é explícita. Há assim um misto de compreensão e condenação sobre o movimento na Alemanha. Para além disso, não eram tropas judaicas enviadas para o campo de batalha no Egipto, mas era claro o financiamento e o apoio da imprensa, nos bastidores do conflito. O financiamento que faltava ao Egipto, nunca o deixou de ter o governo inglês. E os benefícios que daí advinham para a generalidade da população inglesa não se podem apenas medir na aristocracia ou na classe média inglesa, também devem ser pesados numa Inglaterra enegrecida pelo sucesso da sua industrialização, onde uma boa parte da população partilhava um destino desgraçado, à semelhança dos "fellahs" egípcios...

Acrescento esta citação, que é ilustrativa da opinião de Eça:
Mas o pior ainda, na Allemanha, é o habil plano com que fortificam a sua prosperidade e garantem a sua influencia - plano tão hábil que tem um sabor de conspiração: na Allemanha, o judeu, lentamente, surdamente, tem-se apoderado das duas grandes forças sociaes—a Bolsa e Imprensa. Quasi todas as grandes casas bancarias da Allemanha, quasi todos os grandes jornais, estão na posse do semita. Assim, torna-se inatacavel. De modo que não só expulsa o allemão das profissões liberais, o humilha com a sua opulencia rutilante, e o traz dependente pelo capital; mas, injuria suprema, pela voz dos seus jornais, ordena-lhe o que ha-de fazer, o que ha-de pensar, como se ha-de governar e com que se ha-de bater!

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publicado às 20:52

Durante algum tempo fiz algum esforço de procurar material histórico que me permitisse compreender o problema que levou a tão pesada ocultação e ao persistente condicionamento educacional, até aos dias de hoje. Já deixei de fazer isso, pois a justificação que aqui fui deixando, e elaborando, está basicamente concluída.
Penso ainda colocar aqui alguns documentos relevantes, uns que acabei por esquecer, outros que encontro acidentalmente, como será esta posta de Camilo Castelo Branco e a sua resposta.

Para o que interessa em termos de conclusões, releva o encobrimento dos descobrimentos. Essa é a parte mais extensa, iniciada com aquilo a que denominei a "Tese de Alvor-Silves", há dois anos e meio. Podem haver mais detalhes, mas o importante são as óbvias contradições históricas, mesmo sem abandonar o "registo oficial". Às contradições históricas acrescentam-se as contradições lógicas, e de bom senso.
Interessa ainda o material adicional, etiquetado como "Questão Gaia", que mostra que o encobrimento histórico foi algo mais profundo, tendo raízes na Antiguidade... ou seja, desde que há "História". O mundo antigo ocidental ficou com fronteiras condicionadas à periferia do Mar Mediterrâneo, e isolado das restantes civilizações, sem que haja razão objectiva que justifique isso, excepto um condicionamento imposto.

Ilustrando como é irrelevante adicionar demasiados detalhes, é bom mencionar o apontamento que Camilo Castelo Branco introduz no nº1 nas suas "Noites de insomnia", num texto denominado "Problema Histórico a Prémio". Criticando o livro de Miguel Dantas (*) que enumera os "falsos D. Sebastião", aparece com três documentos de três papas (Clemente VIII, Paulo V e Urbano VIII).
(*) Também aparece como Miguel d'Antas. A este Dantas seguir-se-à outro Dantas, 
Júlio Dantas, contra quem Almada Negreiros será bastante virulento.

Abreviando, citamos a missiva de Urbano VIII, que menciona as anteriores:
«Urbano VIII por Divina Providencia Bispo de Roma, Servo dos Servos de Deus. A todos os Arcebispos e Bispos e pessoas constituidas com dignidade que vivem debaixo do amparo da Igreja Catholica, em especial aos do Reyno de Portugal e suas conquistas, saude e paz em Jesus Christo nosso Salvador que de todos é verdadeiro remedio e salvaçaõ: Fazemos saber que por parte do nosso filho D. Sebastião Rey de Portugal nos foi aprezentado pessoalmente no Castello de Sancto Angelo duas sentenças de Clemente Outavo e Paulo Quinto nossos antecessores, ambas encorporadas, em que constava estar justificado largamente ser o proprio Rey e nesta conformidade estava sentenciado para lh'o largar Felipe 3.o Rey de Hespanha, ao que não quiz nunca satisfazer; pedindo-nos agora tornassemos de novo a examinar os processos, e constando ser o proprio o mandassemos com effeito investir da posse do Reyno, pois tinha filhos e mulher, e não podia perder seus direitos, que prejudicava a seus herdeiros, o que mandamos brevemente e por extenso vêr como convinha em cazo de tanta importancia; e considerando como nos convem julgar e detreminar a cauza dos Principes christãos, mandando dar vista a Felipe Quarto que hoje vive, cometendo a cauza ao Imperador, e a ElRey de Inglaterra e a ElRey de França, com o que se passou e se resolveu que lhe desse posse do Reyno de Portugal; e hora por parte do dito Rey D. Sebastião nos foi pedido pozessemos o cumpra-se na sentença, e mandassemos passar nosso Breve Appostolico com excommunhão rezervada a nós para que nenhum fiel christaõ lhe impida sua posse, nem tome armas offensivas contra elle e seus soldados e Ministros; e vendo nós com os nossos Cardiaes do nosso Conselho sua justiça, com maduro conselho lh'o concedemos: pelo que vos mandamos que depois da notificação desta a nove mezes primeiros seguintes que assignamos pelas trez canonicas admoestaçoens, dando repartidamente trez mezes por cada canonica admoestaçaõ, termo peremptorio, tanto que vos for apresentado e da minha parte mandado, façaes por vossos religiosos assim Seculares como Regulares publicar-se nos pulpitos das egrejas e praças publicas que ...[parte ilegível pela humidade do original]. Dada em esta Curia Romana sob o signal do Pescador aos 20 de outubro de 1630.»
Deixamos as outras duas missivas papais em comentário a esta posta, assim como a resposta de um leitor, publicada no número seguinte. Essa resposta anónima é bastante irónica, podendo até conjecturar-se uma autoria do próprio Camilo. Citamos uma parte elucidativa do tom:
Os documentos pontificios que vossê apresentou resistiriam á critica de João Pedro Ribeiro e Theophilo Braga. Este sabio e vossê são os dous homens que n'este seculo tem achado as melhores peças historicas. Vossê achou as sentenças a favor do Encoberto; o doutor Theophilo achou a carta de Ayres Barbosa a André de Rezende. Eu achei a vossês, os dous, dous odres de sciencia em que espero exercitar o meu intellecto como os touros exercitam a força nos ôdres de vento. Creio que está dada a solução do problema historico. Mande-me o premio pelo portador.
Independentemente dos mimos, que o correspondente estende não apenas a Camilo e a Teófilo Braga, mas também a Guerra Junqueiro, Eça e Ortigão, "conferencistas de Casino" e "demais socialistas"... as referidas missivas papais foram entretanto "desacreditadas". 
Essa "desacreditação" encontrei como inscrita em nota na Sebástica (pág. 39), de Vitor Amaral Oliveira (2002):
A propósito do falso D. Sebastião de Veneza, que Miguel D'Antas dá como tendo sido enforcado em 1603, Camilo possuía uma "sentença" de vários Papas que viram este falso rei e emite a hipótese de um 5º falso D. Sebastião.
É a transcrição dos três "Breves" fictícios de Clemente VIII (1598), Paulo V (1617), e Urbano VII (1630), já desmascarados como sendo talvez obras dos Jesuítas a favor de D. João IV.
A intervenção pombalina foi particularmente bem sucedida em desacreditar a documentação dos Jesuítas, e facilmente se desenvolveram apreciações automáticas. No caso em concreto, parece-me "demasiada fruta" a existência de 3 breves papais, com conteúdo tão sucinto e contundente. Apesar de não descurar a hipótese da sobrevivência de D. Sebastião, e um nefasto tratamento subsequente, não apostaria na validade destas missivas papais, e creio que Camilo Castelo Branco também não fez questão disso... procurou mais revelar a sua existência, negligenciada no livro de Dantas. Por vezes é pior caminho negligenciar a documentação do que revelar razões plausíveis para a sua implausibilidade. Aqui o favorecimento a D. João IV é razoavelmente dúbio, já que o monarca se viu obrigado a condicionar a sua legitimidade a um eventual reaparecimento de D. Sebastião. Estas "provas de vida" de D. Sebastião condicionariam essa mesma legitimidade de D. João IV, caso se apresentasse algum herdeiro legítimo...

No entanto, e como há sempre algo mal explicado, relembramos a gravura constante na Biblioteca Nacional (ref. 669807) que tem como título:

"Morte del Re di Portogalli condanatta dall'Inquisizione l'anno 1628"

Conforme dizia Camilo: "Não podia ser o rei da Ericeira, nem o rei de Penamacor, nem o pasteleiro do Escurial, nem Marco Tullio Catizone. Os quatros impostores eram já mortos. Então quem era?".
De facto, em 1628, não poderia ser nenhum destes, de acordo com o apurado...
Mas então em 1630, a breve do Papa Urbano VIII não faz sentido, estando este "D. Sebastião" morto em 1628, por julgamento da Inquisição, conforme ilustrava a gravura da época. Não há nenhum registo de impostor tão verosímel (ao ponto de merecer gravura como "Rei de Portugal"), condenado apenas em 1628...
Ora, há uma história fácil de contar, que engloba estes dados. Admitindo a sobrevivência de D. Sebastião, e o empenho de alguns fiéis patriotas, houve diligências junto dos papas para estas missivas. Tanto Clemente VIII, como Paulo V, podem ter acedido a estas "breves" diligências, perante alguma incomodidade de pressões na Igreja, se o caso fosse de clara legitimidade do defensor da fé, D. Sebastião.
Convém lembrar que a clara oposição de Filipe III ao papa Leão XI (sucessor de Clemente VIII) talvez não se possa desligar dos seus curtos 26 dias de papado.
E se o sucessor, Paulo V envia a missiva em 1617, também devemos perceber que no ano seguinte se inicia a Guerra dos Trinta Anos, e não seria tempo de cisões no lado católico, face à "ameaça protestante".

A situação no final do pontificado de Paulo V, depois com Gregório XV, e especialmente com Urbano VIII já é completamente diferente... ou seja, a ligação entre os Habsburgo e Urbano VIII era de clara cumplicidade. Por isso, não seria tanto de estranhar que Urbano VIII terminasse em 1628 com o incómodo "D. Sebastião" num julgamento inquisitório, e ao mesmo tempo enviasse uma missiva, em tom semelhante às dos seus predecessores, atestando a presença, de um fantasma, em 1630. Consta haver um provérbio romano sobre Urbano VIII (Mafeo Barberini): "o que os bárbaros não fizeram, fez Barberini", relativamente a grandes destruições ocorridas em Roma no seu pontificado, que ocultaram o legado romano. Por isso, dada a índole, não seria propriamente surpreendente que o próprio Barberini decidisse enviar uma missiva de despiste, relativamente à sua actuação na condenação de 1628.

Enquanto episódio no contexto global, não é demasiado relevante saber se D. Sebastião morreu em Laracha ou se foi vítima de posteriores larachas inquisitórias. Serve apenas como episódio de dúvida adicional no secretismo de que se alimentam os poderes fugazes. Podem até vir a ser encontrados outros documentos, num sentido ou noutro... mas, sem vontade de verdade, o erro será tentar impor argumentos a quem criou automatismos para os rejeitar. 
Pelas suas contradições evidentes e mal explicadas, a História não passa de uma história, escrita por contadores de contos, e propalada pelos bardos de serviço que a cantam oficialmente às criancinhas. Não vale a pena discutir os factos de uma história quando ela mistura a ficção com a realidade... é apenas uma criação artística, de qualidade e bom gosto muito discutíveis.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 16:55

Durante algum tempo fiz algum esforço de procurar material histórico que me permitisse compreender o problema que levou a tão pesada ocultação e ao persistente condicionamento educacional, até aos dias de hoje. Já deixei de fazer isso, pois a justificação que aqui fui deixando, e elaborando, está basicamente concluída.
Penso ainda colocar aqui alguns documentos relevantes, uns que acabei por esquecer, outros que encontro acidentalmente, como será esta posta de Camilo Castelo Branco e a sua resposta.

Para o que interessa em termos de conclusões, releva o encobrimento dos descobrimentos. Essa é a parte mais extensa, iniciada com aquilo a que denominei a "Tese de Alvor-Silves", há dois anos e meio. Podem haver mais detalhes, mas o importante são as óbvias contradições históricas, mesmo sem abandonar o "registo oficial". Às contradições históricas acrescentam-se as contradições lógicas, e de bom senso.
Interessa ainda o material adicional, etiquetado como "Questão Gaia", que mostra que o encobrimento histórico foi algo mais profundo, tendo raízes na Antiguidade... ou seja, desde que há "História". O mundo antigo ocidental ficou com fronteiras condicionadas à periferia do Mar Mediterrâneo, e isolado das restantes civilizações, sem que haja razão objectiva que justifique isso, excepto um condicionamento imposto.

Ilustrando como é irrelevante adicionar demasiados detalhes, é bom mencionar o apontamento que Camilo Castelo Branco introduz no nº1 nas suas "Noites de insomnia", num texto denominado "Problema Histórico a Prémio". Criticando o livro de Miguel Dantas (*) que enumera os "falsos D. Sebastião", aparece com três documentos de três papas (Clemente VIII, Paulo V e Urbano VIII).
(*) Também aparece como Miguel d'Antas. A este Dantas seguir-se-à outro Dantas, 
Júlio Dantas, contra quem Almada Negreiros será bastante virulento.

Abreviando, citamos a missiva de Urbano VIII, que menciona as anteriores:
«Urbano VIII por Divina Providencia Bispo de Roma, Servo dos Servos de Deus. A todos os Arcebispos e Bispos e pessoas constituidas com dignidade que vivem debaixo do amparo da Igreja Catholica, em especial aos do Reyno de Portugal e suas conquistas, saude e paz em Jesus Christo nosso Salvador que de todos é verdadeiro remedio e salvaçaõ: Fazemos saber que por parte do nosso filho D. Sebastião Rey de Portugal nos foi aprezentado pessoalmente no Castello de Sancto Angelo duas sentenças de Clemente Outavo e Paulo Quinto nossos antecessores, ambas encorporadas, em que constava estar justificado largamente ser o proprio Rey e nesta conformidade estava sentenciado para lh'o largar Felipe 3.o Rey de Hespanha, ao que não quiz nunca satisfazer; pedindo-nos agora tornassemos de novo a examinar os processos, e constando ser o proprio o mandassemos com effeito investir da posse do Reyno, pois tinha filhos e mulher, e não podia perder seus direitos, que prejudicava a seus herdeiros, o que mandamos brevemente e por extenso vêr como convinha em cazo de tanta importancia; e considerando como nos convem julgar e detreminar a cauza dos Principes christãos, mandando dar vista a Felipe Quarto que hoje vive, cometendo a cauza ao Imperador, e a ElRey de Inglaterra e a ElRey de França, com o que se passou e se resolveu que lhe desse posse do Reyno de Portugal; e hora por parte do dito Rey D. Sebastião nos foi pedido pozessemos o cumpra-se na sentença, e mandassemos passar nosso Breve Appostolico com excommunhão rezervada a nós para que nenhum fiel christaõ lhe impida sua posse, nem tome armas offensivas contra elle e seus soldados e Ministros; e vendo nós com os nossos Cardiaes do nosso Conselho sua justiça, com maduro conselho lh'o concedemos: pelo que vos mandamos que depois da notificação desta a nove mezes primeiros seguintes que assignamos pelas trez canonicas admoestaçoens, dando repartidamente trez mezes por cada canonica admoestaçaõ, termo peremptorio, tanto que vos for apresentado e da minha parte mandado, façaes por vossos religiosos assim Seculares como Regulares publicar-se nos pulpitos das egrejas e praças publicas que ...[parte ilegível pela humidade do original]. Dada em esta Curia Romana sob o signal do Pescador aos 20 de outubro de 1630.»
Deixamos as outras duas missivas papais em comentário a esta posta, assim como a resposta de um leitor, publicada no número seguinte. Essa resposta anónima é bastante irónica, podendo até conjecturar-se uma autoria do próprio Camilo. Citamos uma parte elucidativa do tom:
Os documentos pontificios que vossê apresentou resistiriam á critica de João Pedro Ribeiro e Theophilo Braga. Este sabio e vossê são os dous homens que n'este seculo tem achado as melhores peças historicas. Vossê achou as sentenças a favor do Encoberto; o doutor Theophilo achou a carta de Ayres Barbosa a André de Rezende. Eu achei a vossês, os dous, dous odres de sciencia em que espero exercitar o meu intellecto como os touros exercitam a força nos ôdres de vento. Creio que está dada a solução do problema historico. Mande-me o premio pelo portador.
Independentemente dos mimos, que o correspondente estende não apenas a Camilo e a Teófilo Braga, mas também a Guerra Junqueiro, Eça e Ortigão, "conferencistas de Casino" e "demais socialistas"... as referidas missivas papais foram entretanto "desacreditadas". 
Essa "desacreditação" encontrei como inscrita em nota na Sebástica (pág. 39), de Vitor Amaral Oliveira (2002):
A propósito do falso D. Sebastião de Veneza, que Miguel D'Antas dá como tendo sido enforcado em 1603, Camilo possuía uma "sentença" de vários Papas que viram este falso rei e emite a hipótese de um 5º falso D. Sebastião.
É a transcrição dos três "Breves" fictícios de Clemente VIII (1598), Paulo V (1617), e Urbano VII (1630), já desmascarados como sendo talvez obras dos Jesuítas a favor de D. João IV.
A intervenção pombalina foi particularmente bem sucedida em desacreditar a documentação dos Jesuítas, e facilmente se desenvolveram apreciações automáticas. No caso em concreto, parece-me "demasiada fruta" a existência de 3 breves papais, com conteúdo tão sucinto e contundente. Apesar de não descurar a hipótese da sobrevivência de D. Sebastião, e um nefasto tratamento subsequente, não apostaria na validade destas missivas papais, e creio que Camilo Castelo Branco também não fez questão disso... procurou mais revelar a sua existência, negligenciada no livro de Dantas. Por vezes é pior caminho negligenciar a documentação do que revelar razões plausíveis para a sua implausibilidade. Aqui o favorecimento a D. João IV é razoavelmente dúbio, já que o monarca se viu obrigado a condicionar a sua legitimidade a um eventual reaparecimento de D. Sebastião. Estas "provas de vida" de D. Sebastião condicionariam essa mesma legitimidade de D. João IV, caso se apresentasse algum herdeiro legítimo...

No entanto, e como há sempre algo mal explicado, relembramos a gravura constante na Biblioteca Nacional (ref. 669807) que tem como título:

"Morte del Re di Portogalli condanatta dall'Inquisizione l'anno 1628"

Conforme dizia Camilo: "Não podia ser o rei da Ericeira, nem o rei de Penamacor, nem o pasteleiro do Escurial, nem Marco Tullio Catizone. Os quatros impostores eram já mortos. Então quem era?".
De facto, em 1628, não poderia ser nenhum destes, de acordo com o apurado...
Mas então em 1630, a breve do Papa Urbano VIII não faz sentido, estando este "D. Sebastião" morto em 1628, por julgamento da Inquisição, conforme ilustrava a gravura da época. Não há nenhum registo de impostor tão verosímel (ao ponto de merecer gravura como "Rei de Portugal"), condenado apenas em 1628...
Ora, há uma história fácil de contar, que engloba estes dados. Admitindo a sobrevivência de D. Sebastião, e o empenho de alguns fiéis patriotas, houve diligências junto dos papas para estas missivas. Tanto Clemente VIII, como Paulo V, podem ter acedido a estas "breves" diligências, perante alguma incomodidade de pressões na Igreja, se o caso fosse de clara legitimidade do defensor da fé, D. Sebastião.
Convém lembrar que a clara oposição de Filipe III ao papa Leão XI (sucessor de Clemente VIII) talvez não se possa desligar dos seus curtos 26 dias de papado.
E se o sucessor, Paulo V envia a missiva em 1617, também devemos perceber que no ano seguinte se inicia a Guerra dos Trinta Anos, e não seria tempo de cisões no lado católico, face à "ameaça protestante".

A situação no final do pontificado de Paulo V, depois com Gregório XV, e especialmente com Urbano VIII já é completamente diferente... ou seja, a ligação entre os Habsburgo e Urbano VIII era de clara cumplicidade. Por isso, não seria tanto de estranhar que Urbano VIII terminasse em 1628 com o incómodo "D. Sebastião" num julgamento inquisitório, e ao mesmo tempo enviasse uma missiva, em tom semelhante às dos seus predecessores, atestando a presença, de um fantasma, em 1630. Consta haver um provérbio romano sobre Urbano VIII (Mafeo Barberini): "o que os bárbaros não fizeram, fez Barberini", relativamente a grandes destruições ocorridas em Roma no seu pontificado, que ocultaram o legado romano. Por isso, dada a índole, não seria propriamente surpreendente que o próprio Barberini decidisse enviar uma missiva de despiste, relativamente à sua actuação na condenação de 1628.

Enquanto episódio no contexto global, não é demasiado relevante saber se D. Sebastião morreu em Laracha ou se foi vítima de posteriores larachas inquisitórias. Serve apenas como episódio de dúvida adicional no secretismo de que se alimentam os poderes fugazes. Podem até vir a ser encontrados outros documentos, num sentido ou noutro... mas, sem vontade de verdade, o erro será tentar impor argumentos a quem criou automatismos para os rejeitar. 
Pelas suas contradições evidentes e mal explicadas, a História não passa de uma história, escrita por contadores de contos, e propalada pelos bardos de serviço que a cantam oficialmente às criancinhas. Não vale a pena discutir os factos de uma história quando ela mistura a ficção com a realidade... é apenas uma criação artística, de qualidade e bom gosto muito discutíveis.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 16:55

Durante algum tempo fiz algum esforço de procurar material histórico que me permitisse compreender o problema que levou a tão pesada ocultação e ao persistente condicionamento educacional, até aos dias de hoje. Já deixei de fazer isso, pois a justificação que aqui fui deixando, e elaborando, está basicamente concluída.
Penso ainda colocar aqui alguns documentos relevantes, uns que acabei por esquecer, outros que encontro acidentalmente, como será esta posta de Camilo Castelo Branco e a sua resposta.

Para o que interessa em termos de conclusões, releva o encobrimento dos descobrimentos. Essa é a parte mais extensa, iniciada com aquilo a que denominei a "Tese de Alvor-Silves", há dois anos e meio. Podem haver mais detalhes, mas o importante são as óbvias contradições históricas, mesmo sem abandonar o "registo oficial". Às contradições históricas acrescentam-se as contradições lógicas, e de bom senso.
Interessa ainda o material adicional, etiquetado como "Questão Gaia", que mostra que o encobrimento histórico foi algo mais profundo, tendo raízes na Antiguidade... ou seja, desde que há "História". O mundo antigo ocidental ficou com fronteiras condicionadas à periferia do Mar Mediterrâneo, e isolado das restantes civilizações, sem que haja razão objectiva que justifique isso, excepto um condicionamento imposto.

Ilustrando como é irrelevante adicionar demasiados detalhes, é bom mencionar o apontamento que Camilo Castelo Branco introduz no nº1 nas suas "Noites de insomnia", num texto denominado "Problema Histórico a Prémio". Criticando o livro de Miguel Dantas (*) que enumera os "falsos D. Sebastião", aparece com três documentos de três papas (Clemente VIII, Paulo V e Urbano VIII).
(*) Também aparece como Miguel d'Antas. A este Dantas seguir-se-à outro Dantas, 
Júlio Dantas, contra quem Almada Negreiros será bastante virulento.

Abreviando, citamos a missiva de Urbano VIII, que menciona as anteriores:
«Urbano VIII por Divina Providencia Bispo de Roma, Servo dos Servos de Deus. A todos os Arcebispos e Bispos e pessoas constituidas com dignidade que vivem debaixo do amparo da Igreja Catholica, em especial aos do Reyno de Portugal e suas conquistas, saude e paz em Jesus Christo nosso Salvador que de todos é verdadeiro remedio e salvaçaõ: Fazemos saber que por parte do nosso filho D. Sebastião Rey de Portugal nos foi aprezentado pessoalmente no Castello de Sancto Angelo duas sentenças de Clemente Outavo e Paulo Quinto nossos antecessores, ambas encorporadas, em que constava estar justificado largamente ser o proprio Rey e nesta conformidade estava sentenciado para lh'o largar Felipe 3.o Rey de Hespanha, ao que não quiz nunca satisfazer; pedindo-nos agora tornassemos de novo a examinar os processos, e constando ser o proprio o mandassemos com effeito investir da posse do Reyno, pois tinha filhos e mulher, e não podia perder seus direitos, que prejudicava a seus herdeiros, o que mandamos brevemente e por extenso vêr como convinha em cazo de tanta importancia; e considerando como nos convem julgar e detreminar a cauza dos Principes christãos, mandando dar vista a Felipe Quarto que hoje vive, cometendo a cauza ao Imperador, e a ElRey de Inglaterra e a ElRey de França, com o que se passou e se resolveu que lhe desse posse do Reyno de Portugal; e hora por parte do dito Rey D. Sebastião nos foi pedido pozessemos o cumpra-se na sentença, e mandassemos passar nosso Breve Appostolico com excommunhão rezervada a nós para que nenhum fiel christaõ lhe impida sua posse, nem tome armas offensivas contra elle e seus soldados e Ministros; e vendo nós com os nossos Cardiaes do nosso Conselho sua justiça, com maduro conselho lh'o concedemos: pelo que vos mandamos que depois da notificação desta a nove mezes primeiros seguintes que assignamos pelas trez canonicas admoestaçoens, dando repartidamente trez mezes por cada canonica admoestaçaõ, termo peremptorio, tanto que vos for apresentado e da minha parte mandado, façaes por vossos religiosos assim Seculares como Regulares publicar-se nos pulpitos das egrejas e praças publicas que ...[parte ilegível pela humidade do original]. Dada em esta Curia Romana sob o signal do Pescador aos 20 de outubro de 1630.»
Deixamos as outras duas missivas papais em comentário a esta posta, assim como a resposta de um leitor, publicada no número seguinte. Essa resposta anónima é bastante irónica, podendo até conjecturar-se uma autoria do próprio Camilo. Citamos uma parte elucidativa do tom:
Os documentos pontificios que vossê apresentou resistiriam á critica de João Pedro Ribeiro e Theophilo Braga. Este sabio e vossê são os dous homens que n'este seculo tem achado as melhores peças historicas. Vossê achou as sentenças a favor do Encoberto; o doutor Theophilo achou a carta de Ayres Barbosa a André de Rezende. Eu achei a vossês, os dous, dous odres de sciencia em que espero exercitar o meu intellecto como os touros exercitam a força nos ôdres de vento. Creio que está dada a solução do problema historico. Mande-me o premio pelo portador.
Independentemente dos mimos, que o correspondente estende não apenas a Camilo e a Teófilo Braga, mas também a Guerra Junqueiro, Eça e Ortigão, "conferencistas de Casino" e "demais socialistas"... as referidas missivas papais foram entretanto "desacreditadas". 
Essa "desacreditação" encontrei como inscrita em nota na Sebástica (pág. 39), de Vitor Amaral Oliveira (2002):
A propósito do falso D. Sebastião de Veneza, que Miguel D'Antas dá como tendo sido enforcado em 1603, Camilo possuía uma "sentença" de vários Papas que viram este falso rei e emite a hipótese de um 5º falso D. Sebastião.
É a transcrição dos três "Breves" fictícios de Clemente VIII (1598), Paulo V (1617), e Urbano VII (1630), já desmascarados como sendo talvez obras dos Jesuítas a favor de D. João IV.
A intervenção pombalina foi particularmente bem sucedida em desacreditar a documentação dos Jesuítas, e facilmente se desenvolveram apreciações automáticas. No caso em concreto, parece-me "demasiada fruta" a existência de 3 breves papais, com conteúdo tão sucinto e contundente. Apesar de não descurar a hipótese da sobrevivência de D. Sebastião, e um nefasto tratamento subsequente, não apostaria na validade destas missivas papais, e creio que Camilo Castelo Branco também não fez questão disso... procurou mais revelar a sua existência, negligenciada no livro de Dantas. Por vezes é pior caminho negligenciar a documentação do que revelar razões plausíveis para a sua implausibilidade. Aqui o favorecimento a D. João IV é razoavelmente dúbio, já que o monarca se viu obrigado a condicionar a sua legitimidade a um eventual reaparecimento de D. Sebastião. Estas "provas de vida" de D. Sebastião condicionariam essa mesma legitimidade de D. João IV, caso se apresentasse algum herdeiro legítimo...

No entanto, e como há sempre algo mal explicado, relembramos a gravura constante na Biblioteca Nacional (ref. 669807) que tem como título:
"Morte del Re di Portogalli condanatta dall'Inquisizione l'anno 1628"

Conforme dizia Camilo: "Não podia ser o rei da Ericeira, nem o rei de Penamacor, nem o pasteleiro do Escurial, nem Marco Tullio Catizone. Os quatros impostores eram já mortos. Então quem era?".
De facto, em 1628, não poderia ser nenhum destes, de acordo com o apurado...
Mas então em 1630, a breve do Papa Urbano VIII não faz sentido, estando este "D. Sebastião" morto em 1628, por julgamento da Inquisição, conforme ilustrava a gravura da época. Não há nenhum registo de impostor tão verosímel (ao ponto de merecer gravura como "Rei de Portugal"), condenado apenas em 1628...
Ora, há uma história fácil de contar, que engloba estes dados. Admitindo a sobrevivência de D. Sebastião, e o empenho de alguns fiéis patriotas, houve diligências junto dos papas para estas missivas. Tanto Clemente VIII, como Paulo V, podem ter acedido a estas "breves" diligências, perante alguma incomodidade de pressões na Igreja, se o caso fosse de clara legitimidade do defensor da fé, D. Sebastião.
Convém lembrar que a clara oposição de Filipe III ao papa Leão XI (sucessor de Clemente VIII) talvez não se possa desligar dos seus curtos 26 dias de papado.
E se o sucessor, Paulo V envia a missiva em 1617, também devemos perceber que no ano seguinte se inicia a Guerra dos Trinta Anos, e não seria tempo de cisões no lado católico, face à "ameaça protestante".

A situação no final do pontificado de Paulo V, depois com Gregório XV, e especialmente com Urbano VIII já é completamente diferente... ou seja, a ligação entre os Habsburgo e Urbano VIII era de clara cumplicidade. Por isso, não seria tanto de estranhar que Urbano VIII terminasse em 1628 com o incómodo "D. Sebastião" num julgamento inquisitório, e ao mesmo tempo enviasse uma missiva, em tom semelhante às dos seus predecessores, atestando a presença, de um fantasma, em 1630. Consta haver um provérbio romano sobre Urbano VIII (Mafeo Barberini): "o que os bárbaros não fizeram, fez Barberini", relativamente a grandes destruições ocorridas em Roma no seu pontificado, que ocultaram o legado romano. Por isso, dada a índole, não seria propriamente surpreendente que o próprio Barberini decidisse enviar uma missiva de despiste, relativamente à sua actuação na condenação de 1628.

Enquanto episódio no contexto global, não é demasiado relevante saber se D. Sebastião morreu em Laracha ou se foi vítima de posteriores larachas inquisitórias. Serve apenas como episódio de dúvida adicional no secretismo de que se alimentam os poderes fugazes. Podem até vir a ser encontrados outros documentos, num sentido ou noutro... mas, sem vontade de verdade, o erro será tentar impor argumentos a quem criou automatismos para os rejeitar. 
Pelas suas contradições evidentes e mal explicadas, a História não passa de uma história, escrita por contadores de contos, e propalada pelos bardos de serviço que a cantam oficialmente às criancinhas. Não vale a pena discutir os factos de uma história quando ela mistura a ficção com a realidade... é apenas uma criação artística, de qualidade e bom gosto muito discutíveis.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 08:55

Já mencionámos que Alexandre Dumas vai recuperar no seu Conde de Monte-Cristo, em 1844, as figuras de Sindbad e de Ali Babá, inseridas nas Mil e Uma Noites transcritas por Antoine Galland no início do Séc. XVIII. Se já tínhamos referido Aladino e Lucerna, é agora tempo de dedicar algumas linhas a Ali Babá, mais propriamente à palavra "Sésamo"... já que os 40 ladrões são de difícil identificação!

A planta Sésamo diz-se Gergelim no Brasil, provindo da palavra árabe gilgilan, o que mostra que a designação vinda do árabe simsim será alternativa. Estas sementes abrem quando maduras, e são as sementes de Simsim ou Sésamo que polvilham o pão usado nos hambúrgueres desde o antigo sucesso da McDonalds. Para além desta conexão gastronómica, não há muito mais sobre Sésamo.

Porém, vamos encontrar uma referência a Sésamo tão antiga quanto Homero, que no Canto II da Ilíada diz:
       Pílemeneu veloso os Paflagónios       De Enete move, aítriz de agrestes mulas,
       Os que o Citoro e Sésamo possuem,        As lindas várzeas do Parténio rio,        Comna e Egíalo e os celsos Eritinos.

É assim por Homero que juntamos Sésamo e Citoro, mais propriamente o Monte Citoro, locais que hoje fazem parte da bela cidade turca de Amasra (de Amastris, esposa do persa Xerxes), cidade no Mar Negro, na zona costeira do território atribuído aos Hititas...

 
Monte Citoro e Sésamo, hoje Amasra.

Está iniciado o caminho, e daqui pelo poeta romano Catulo podemos chegar a Itália... mas a viagem não vai exactamente para Sirmione no Lago Garda, faz aqui um desvio para o Monte Citorio, mais propriamente para o Palazzo Montecitorio, em Roma, onde há um notável obelisco:
Obelisco egípcio em frente ao Palazzo Montecitorio

Em 1696 a Cúria Romana foi instalada na Praça de Montecitorio.
Escrevendo uma década depois, quando Galland diz "Abre-te Sésamo", seguindo Homero poderia bem dizer "Abre-te Monte Citoro", referindo-se à Cúria Romana aí instalada recentemente. Desconheço o número de elementos da Cúria(*) à época e em vez de 24 poderiam ser mais, digamos mais 16?
Afinal, era apenas uma estória... mas seria menos estória que a Cúria Romana escondia tesouros fabulosos!

No Conde Monte-Cristo, Alexandre Dumas lembra-se também do palácio Montecitorio, e diz que o sino apenas tocava no início do Carnaval (ou quando o papa morria)... é claro que o personagem Dantes beneficia do excelente tesouro revelado por Faria, mas tem o amor subtraído por Mondego... falando apenas da conexão dos nomes Dantes-Faria-Mondego, onde o pouco usual nome Mondego nos levaria às termas de Curia.
Diz-se é claro que Dumas foi motivado pela visita a Elba, onde acompanhou o sobrinho de Napoleão em 1842, e avistou a ilha de Montecristo, quase proibida e visitada pelos piratas Barbarrosa e Dragut, talvez na direcção do seu Sindbad...
A ilha de MonteCristo, próximo de Elba, só foi aberta ao público em 2008

Com Dumas é recente e está subjacente o exílio de Napoleão a Elba... que tal como MonteCristo, seria uma ilha formada pelos diademas de Vénus caídos quando se banhou no Mar Tirreno. E é claro que  o declínio de Napoleão começou perto do Mondego, no Bussaco, ou seja na zona da Curia.

Deixemos a Curia do Mondego, e voltemos à Praça Montecitorio.
O obelisco egípcio de Montecitorio estava em destroços, mas é recolocado no seu lugar em 1789, exactamente no ano da Revolução Francesa.
O obelisco Solarium Augusti antes da reconstrução (em 1738).

Roma é a cidade com mais obeliscos, muitos dos quais vindos do Egipto, já que não começou com Napoleão a ideia de levar obeliscos do Egipto para a Europa, os Romanos já o tinham feito!
Este obelisco Solarium Augusti tinha uma particularidade notável, pois Augusto fez dele um Relógio de Sol, no Campo de Marte, comemorando a sujeição do Egipto de Cleópatra e Marco António. Não se tratava apenas de um gnomo apontando a hora do dia, servia ainda para identificar o dia do ano.
Inscrições descobertas no Campo de Marte, 
do meridiano do Solarium Augustii

O problema é que passadas poucas décadas, o Solarium Augusti deixara de "funcionar", conforme já se queixava Plínio, apontando algumas hipóteses estranhas... a mais oficialmente admissível seria a sua hipótese de que todo o Campo da Marte, onde se sustinha o Obelisco, tinha sido deslocado por algum movimento subterrâneo do leito do Tibre. Mas se esta é estranha, a sua primeira hipótese é digna de mais reflexão... ele considera que toda a orbe terrestre se teria deslocado no espaço de algumas décadas! Ou seja, a Terra teria sofrido uma mudança profunda na sua órbita entre a sua fundação por Augusto e a observação de Plínio, que nasce sob reinado do sucessor, Tibério.
The readings thus given have for about thirty years past failed to correspond to the calendar, either because the course of the sun itself is anomalous and has been altered by some change in the behavior of the heavens or because the whole earth has shifted slightly from its central position, a phenomenon which, I hear, has been detected also in other places. Or else earth-tremors in the city may have brought about a purely local displacement of the shaft or floods from the Tiber may have caused the mass to settle, even thought the foundations are said to have been sunk to a depth equal to the height of the load they have to carry.

Como este desvio é reportado nos 30 anos anteriores à data que escreve Plínio (ou seja, termina em 77 d. C.), coloca a detecção da perturbação cósmica desde circa 37 a 47 d.C., ou seja aproximadamente desde a morte de Jesus Cristo. Falamos de perturbação cósmica, porque segundo Plínio o fenómeno tinha sido reportado noutros sítios, e por isso a explicação localizada em Roma pretenderá ser secundária.

Augusto tomava em conta o calendário juliano, e a menos de fortes sismos que seriam identificáveis, não era de supor nenhuma alteração que justificasse tal perturbação. É reportado aliás o cuidado de uma alteração no ano seguinte à construção em 9 a.C. que preconizava o ajustamento pelos anos bissextos, conforme o calendário juliano, pelo que o meridiano foi assinalado do solo. Esse cuidado colocaria o relógio solar de Augusto como mecanismo de funcionamento quase intemporal, e porém estava fora de rigor poucas décadas depois! O seu realinhamento terá sido feito por Domiciano, ainda no Séc. I, mas não é claro se durou muito tempo... o Obelisco acabará por ser destruído após o Séc. VIII, talvez por um terramoto ou por motivo de um saque normando.

O Obelisco original vinha da Heliópolis egípcia (não confundir aqui com Baalbec), e comemoraria uma vitória de Psamético II sobre os rivais núbios de Kush. Depois de servir o tempo no relógio de Augusto, foi recuperado dos destroços pelo papa Bento XIV e foi colocado em Montecitorio por Pio VI, em 1789, sendo que o Palácio Montecitorio é a Câmara de Deputados desde o Risorgimento de 1870. Montecitorio manteve o seu carácter de órgão de poder, com o detalhe da estória de Galland requerer agora um pouco mais do que 40 ladrões...

(*) Quarantia, o Conselho dos Quarenta era um órgão consultivo muito importante na República de Veneza, que inseria a componente aristocrática funcionando como tribunal e órgão constitucional. O número é aqui importante pela revelação de Alexandre Dumas... o sino de MonteCitorio tocava apenas no início do Carnaval. 
É claro que o nome Venezia ou Venetia tem aquele problema fonético da confusão entre V e F, que nos pode transportar rapidamente a Fenecia ou Fenícia, o que não é despropositado se entendermos que Veneza assumiu uma importância marítima ao nível de se colocar como herdeira dos Fenícios.

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publicado às 21:01

Já mencionámos que Alexandre Dumas vai recuperar no seu Conde de Monte-Cristo, em 1844, as figuras de Sindbad e de Ali Babá, inseridas nas Mil e Uma Noites transcritas por Antoine Galland no início do Séc. XVIII. Se já tínhamos referido Aladino e Lucerna, é agora tempo de dedicar algumas linhas a Ali Babá, mais propriamente à palavra "Sésamo"... já que os 40 ladrões são de difícil identificação!

A planta Sésamo diz-se Gergelim no Brasil, provindo da palavra árabe gilgilan, o que mostra que a designação vinda do árabe simsim será alternativa. Estas sementes abrem quando maduras, e são as sementes de Simsim ou Sésamo que polvilham o pão usado nos hambúrgueres desde o antigo sucesso da McDonalds. Para além desta conexão gastronómica, não há muito mais sobre Sésamo.

Porém, vamos encontrar uma referência a Sésamo tão antiga quanto Homero, que no Canto II da Ilíada diz:
       Pílemeneu veloso os Paflagónios       De Enete move, aítriz de agrestes mulas,
       Os que o Citoro e Sésamo possuem,        As lindas várzeas do Parténio rio,        Comna e Egíalo e os celsos Eritinos.

É assim por Homero que juntamos Sésamo e Citoro, mais propriamente o Monte Citoro, locais que hoje fazem parte da bela cidade turca de Amasra (de Amastris, esposa do persa Xerxes), cidade no Mar Negro, na zona costeira do território atribuído aos Hititas...

 
Monte Citoro e Sésamo, hoje Amasra.

Está iniciado o caminho, e daqui pelo poeta romano Catulo podemos chegar a Itália... mas a viagem não vai exactamente para Sirmione no Lago Garda, faz aqui um desvio para o Monte Citorio, mais propriamente para o Palazzo Montecitorio, em Roma, onde há um notável obelisco:
Obelisco egípcio em frente ao Palazzo Montecitorio

Em 1696 a Cúria Romana foi instalada na Praça de Montecitorio.
Escrevendo uma década depois, quando Galland diz "Abre-te Sésamo", seguindo Homero poderia bem dizer "Abre-te Monte Citoro", referindo-se à Cúria Romana aí instalada recentemente. Desconheço o número de elementos da Cúria(*) à época e em vez de 24 poderiam ser mais, digamos mais 16?
Afinal, era apenas uma estória... mas seria menos estória que a Cúria Romana escondia tesouros fabulosos!

No Conde Monte-Cristo, Alexandre Dumas lembra-se também do palácio Montecitorio, e diz que o sino apenas tocava no início do Carnaval (ou quando o papa morria)... é claro que o personagem Dantes beneficia do excelente tesouro revelado por Faria, mas tem o amor subtraído por Mondego... falando apenas da conexão dos nomes Dantes-Faria-Mondego, onde o pouco usual nome Mondego nos levaria às termas de Curia.
Diz-se é claro que Dumas foi motivado pela visita a Elba, onde acompanhou o sobrinho de Napoleão em 1842, e avistou a ilha de Montecristo, quase proibida e visitada pelos piratas Barbarrosa e Dragut, talvez na direcção do seu Sindbad...
A ilha de MonteCristo, próximo de Elba, só foi aberta ao público em 2008

Com Dumas é recente e está subjacente o exílio de Napoleão a Elba... que tal como MonteCristo, seria uma ilha formada pelos diademas de Vénus caídos quando se banhou no Mar Tirreno. E é claro que  o declínio de Napoleão começou perto do Mondego, no Bussaco, ou seja na zona da Curia.

Deixemos a Curia do Mondego, e voltemos à Praça Montecitorio.
O obelisco egípcio de Montecitorio estava em destroços, mas é recolocado no seu lugar em 1789, exactamente no ano da Revolução Francesa.
O obelisco Solarium Augusti antes da reconstrução (em 1738).

Roma é a cidade com mais obeliscos, muitos dos quais vindos do Egipto, já que não começou com Napoleão a ideia de levar obeliscos do Egipto para a Europa, os Romanos já o tinham feito!
Este obelisco Solarium Augusti tinha uma particularidade notável, pois Augusto fez dele um Relógio de Sol, no Campo de Marte, comemorando a sujeição do Egipto de Cleópatra e Marco António. Não se tratava apenas de um gnomo apontando a hora do dia, servia ainda para identificar o dia do ano.
Inscrições descobertas no Campo de Marte, 
do meridiano do Solarium Augustii

O problema é que passadas poucas décadas, o Solarium Augusti deixara de "funcionar", conforme já se queixava Plínio, apontando algumas hipóteses estranhas... a mais oficialmente admissível seria a sua hipótese de que todo o Campo da Marte, onde se sustinha o Obelisco, tinha sido deslocado por algum movimento subterrâneo do leito do Tibre. Mas se esta é estranha, a sua primeira hipótese é digna de mais reflexão... ele considera que toda a orbe terrestre se teria deslocado no espaço de algumas décadas! Ou seja, a Terra teria sofrido uma mudança profunda na sua órbita entre a sua fundação por Augusto e a observação de Plínio, que nasce sob reinado do sucessor, Tibério.
The readings thus given have for about thirty years past failed to correspond to the calendar, either because the course of the sun itself is anomalous and has been altered by some change in the behavior of the heavens or because the whole earth has shifted slightly from its central position, a phenomenon which, I hear, has been detected also in other places. Or else earth-tremors in the city may have brought about a purely local displacement of the shaft or floods from the Tiber may have caused the mass to settle, even thought the foundations are said to have been sunk to a depth equal to the height of the load they have to carry.

Como este desvio é reportado nos 30 anos anteriores à data que escreve Plínio (ou seja, termina em 77 d. C.), coloca a detecção da perturbação cósmica desde circa 37 a 47 d.C., ou seja aproximadamente desde a morte de Jesus Cristo. Falamos de perturbação cósmica, porque segundo Plínio o fenómeno tinha sido reportado noutros sítios, e por isso a explicação localizada em Roma pretenderá ser secundária.

Augusto tomava em conta o calendário juliano, e a menos de fortes sismos que seriam identificáveis, não era de supor nenhuma alteração que justificasse tal perturbação. É reportado aliás o cuidado de uma alteração no ano seguinte à construção em 9 a.C. que preconizava o ajustamento pelos anos bissextos, conforme o calendário juliano, pelo que o meridiano foi assinalado do solo. Esse cuidado colocaria o relógio solar de Augusto como mecanismo de funcionamento quase intemporal, e porém estava fora de rigor poucas décadas depois! O seu realinhamento terá sido feito por Domiciano, ainda no Séc. I, mas não é claro se durou muito tempo... o Obelisco acabará por ser destruído após o Séc. VIII, talvez por um terramoto ou por motivo de um saque normando.

O Obelisco original vinha da Heliópolis egípcia (não confundir aqui com Baalbec), e comemoraria uma vitória de Psamético II sobre os rivais núbios de Kush. Depois de servir o tempo no relógio de Augusto, foi recuperado dos destroços pelo papa Bento XIV e foi colocado em Montecitorio por Pio VI, em 1789, sendo que o Palácio Montecitorio é a Câmara de Deputados desde o Risorgimento de 1870. Montecitorio manteve o seu carácter de órgão de poder, com o detalhe da estória de Galland requerer agora um pouco mais do que 40 ladrões...

(*) Quarantia, o Conselho dos Quarenta era um órgão consultivo muito importante na República de Veneza, que inseria a componente aristocrática funcionando como tribunal e órgão constitucional. O número é aqui importante pela revelação de Alexandre Dumas... o sino de MonteCitorio tocava apenas no início do Carnaval. 
É claro que o nome Venezia ou Venetia tem aquele problema fonético da confusão entre V e F, que nos pode transportar rapidamente a Fenecia ou Fenícia, o que não é despropositado se entendermos que Veneza assumiu uma importância marítima ao nível de se colocar como herdeira dos Fenícios.

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