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Já houve tempos de censura... e hoje estamos a ser conduzidos para tempos de auto-censura.
O exemplo do wikileaks não é tanto um caso de censura, é uma indicação para auto-censura. O que é difundido pelos meios de comunicação tem um propósito. Neste caso, os jornalistas são avisados que devem ser contidos na liberdade de expressão... ou arriscam-se às consequências.
Se os agentes secretos devem estar reservados ao sigilo, pelo seu compromisso profissional, os jornalistas que sabem dessa informação não fizeram nenhum voto de sigilo, para estarem comprometidos a uma efectiva limitação da sua liberdade de expressão.

António Galvão, que é uma nossa fonte preferida, dizia algo bastante instrutivo:
 (,,,)  não podia ser a Terra toda sabida, e a gente comunicada, uma com a outra, porque quando assim fosse se perderia pela malícia e sem justiça, dos habitantes dela.

É um efectivo aviso ao mundo onde começava a viver... um mundo global, sem qualquer alternativa, nunca se livraria da malícia e da injustiça dos homens, seus governantes. 
Mais do que um mundo global, avizinhava-se uma prisão global.
Como é claro, a prisão só é percepcionada por aqueles que viram a altura das paredes que os cercam... todos os outros, que não vislumbram restrições, esses consideram-se livres. Afinal, nunca nenhuma ditadura suprimiu a liberdade de expressão para receitas de culinária e casos de futebol. 
Os limites da liberdade de expressão só são perceptíveis por quem tem algo inconveniente para revelar.

Feita esta pequena introdução conjuntural, continuamos com António Galvão, acerca dos descobrimentos chineses:
E porque os maiores descobrimentos e mais compridos foram por mar feitos, principalmente em nossos tempos, desejei saber quais foram os primeiros inventores disto, depois do Dilúvio. 
Uns escrevem que foram os Gregos, outros dizem que os Fenícios, outros querem que os Egípcios... Os Índios não consentem nisso, dizendo que eles foram os primeiros que navegaram, principalmente os Taybencos, a que agora chamamos Chins... e alegam para isso serem já senhores da Índia até ao Cabo de Boa Esperança, e a Ilha de São Lourenço por ser povoada deles ao longo da praia (...)
O nome Taybencos (Taibencos, ou Tabencos) associado aos Chineses encontro-o exclusivamente na obra de Galvão e nas citações que lhe foram feitas. Seria mais associável à Tailândia, mas Galvão é claro, e as traduções seguem-no.
Há ainda que notar que Galvão usa uma expressão geral de Índios... talvez a única adequada à época. Os índios não seriam mais do que todos os povos de feição oriental. Por isso, haveria as Índias Ocidentais e as Orientais... as feições do povo eram consideradas semelhantes, em partes geográficas distintas.
Também não havia notícia de chineses em Madagáscar (Ilha de São Lourenço)... e porém aqui está o registo do seu povoamento ao longo das praias da ilha.

É sempre preciso colocar António Galvão no seu devido lugar, e para isso é preciso recorrer a autores estrangeiros. Quando o Almirante Charles Bethune reedita a obra de Galvão em 1862, traduzida por Hayklut em 1601, diz claramente que: 
But his deeds were not limited to earthly conquest. Galvano, so intrepid at the head of this troops, might also be seen, with a crucifix in this hand, preaching the Gospel publicly, whereby he became known as the "Apostle" of the Mollucas. (...)
Faria e Sousa sums up his high qualities in these words: "His fame will never perish so long as the world endures; for  neither weak kings, nor wicked ministers, nor blind fortune, nor ages of ignorance, can damage a reputation so justly merited
He spent the latter part of his life in compiling an account of all known voyages, and thus he may be styled the father of historical geography.
Para o Almirante Bethune, Galvão é o Pai da Geografia Histórica, para os portugueses será um completo desconhecido, ausente de qualquer referência condicente na História de Portugal. 
O último registo é a reedição de Miguel Lopes Ferreira, em 1731, dedicada ao Conde da Ericeira, D. Luiz Meneses. O tempo de D. João V irá terminar, e com o Marquês de Pombal, todos os registos vão cair na destruição do Terramoto. 
O livro ficará com o epíteto de "raríssimo" até aos dias de hoje... tão somente porque as mesmas forças que condenaram a figura ímpar de Galvão à mendicidade, nunca deixaram de estar presentes e a comandar os nossos destinos.

Galvão prossegue na descrição:
... e os Jaos [Java], Timores, Selebres [Celebes], Macasares [?], Malucos [Molucas], Borneos, Mindanaos, Luções, Léquios, Japões e outras ilhas, que há muitas, e as terras firmes de Cauchenchinas [Conchinchina, Vietname], Laos, Siamis [Sião, Tailândia], Bremas [Birmânia], Pegus [Birmânia], Arracões [?], até Bengala & além disto, a Nova Espanha, Perú, Brasil, Antilhas e outras conjuntas a elas, como se parece nas feições dos homens, mulheres & seus costumes, olhos pequenos, narizes rombos, & outras proporções que lhe vemos. E chamarem ainda agora a muitas destas ilhas & terras Batochinas, Bocochinas, que quer dizer Terras da China.
Ou seja, Galvão aparenta deduzir pela semelhança fisionómica que todos estes povos [basicamente   a maioria das ilhas do Pacífico, Indico, e toda a América] estavam ligados aos chineses, e eram seus descendentes, por colonização... invocando a designação Batochinas com possessões chinesas.

Mas Galvão acrescenta ainda mais razões para serem os Chineses os primeiros navegadores:
Além disto os nossos escritores deixaram escrito que a Arca de Noé, se assentara da parte norte dos montes da Arménia, que está de 40º para cima [o monte Ararat está a 39º42'], e que logo dali fora a Schytia povoada por ser terra alta e a primeira das águas a ser descoberta. E como a província dos Thaibencos seja uma das principais da Tartaria (se assim é como dizem) bem se mostra serem eles dos mais antigos povoadores e navegadores. Pois neles se acaba aquela terra do levante & os mares são tão bons de navegar como os rios destas partes, por jazerem entre os trópicos onde dias e noites não fazem muita diferença, assim nas horas como na quentura, por onde não há ventos tão destemperados que alevantem as águas, nem as façam soberbas. 
E por experiência o vemos nos pequenos barcos em que navegavam, com um ramo por mastro, & vela, & um remo na mão com que governam, correm muito mar e costa. E assim, nuns paus a que chamam Catamarões, em que se escancham ou assentam & vão com o outro remando. E querem ainda que estes Chins fossem senhores da maior parte da Scithia & que navegassem toda a sua costa, que parece estar até 70º da parte norte. 
Cornélio Nepote referido, assim o aprova, onde diz, que Metelo, colega de Afranio, estando por consul em França, el rey da Suévia lhe mandara certos índios, que vieram pela parte do norte, às praias da Alemanha, & segundo isto devia ser da China, por estar de 20º, 30º, 40º para cima, e tem naus fortes e de pregadura que podeiam sofrer mares e terras tão frias e destemperadas como aquela. 
Se o primeiro argumento está envolto naquilo a que nos habituámos a ver como mito do Dilúvio, os outros argumentos já são de mais difícil contra-argumentação. Por um lado encontramos o primeiro registo aos Catamarãs... designados por Catamarões, e de facto a navegação naquelas partes nada tem a ver com as dificuldades atlânticas. 
Por outro lado, o registo romano de Cornélio Nepote (100-30 a.C), mostra um argumento de navegação organizada, exploratória, que contactou a Alemanha - os Suevos, Suevos que depois se iriam instalar em Portugal e Galiza. Ou seja, esse registo pode não ter sido esquecido dos reis Suevos, ao focarem a sua migração ibérica. Esse registo é tanto mais notável quanto mostraria uma eventual travessia da Passagem Nordeste.

Galvão tem o relato vivido da época. Se os portugueses conquistam o Indico e atingem a China em menos de 20 anos, com D. Manuel, isso mostra um enfraquecimento de qualquer poderio naval, seja dos muçulmanos, seja dos chineses. No entanto, Galvão procura ter o distanciamento suficiente para aceitar que os relatos chineses corresponderiam a efectivas navegações... e essa verdade contrariaria toda a História que se estava a preparar para ser contada durante séculos até hoje!

[Este post surge na sequência do contacto com http://www.redescobrindoobrasil.com.br/   que agradecemos]
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publicado às 01:05


1 comentário

De João Ribeiro a 21.02.2016 às 22:22

Em Pessoa! Ahaha É de Pessoa sim, mas a frase tem estatuto próprio e não deve ser entendida apenas no universo Pessoano,como obviamente sabe. A frase diz tanto com tão pouco que ganhou alma própria e tornou-se universal. São aquelas frases que sobressaem pelo seu sentido. Sobressaindo com particularidade própria mesmo inserida em escrita tão grandiosa como é a de Pessoa. Assim caro Da Maia, lamento mas não se pode cingir a frase e todo o seu sentido apenas a Pessoa. É daquelas frases tão grandes que se tornam motes, verdades universais, lemas. Afirmar o que afirmou é como dizer que "eu penso logo existo" (Agostinho Da Silva, afirmou que afinal não é bem assim :)) só serve para a escrita de Descártes, quanto toda a Humanidade a usa mesmo que sem conhecer o texto onde se inseria e quem a inventou. Assim se Pessoa se destaca dos demais pela sua escrita, se A Mensagem se destaca da sua obra, a frase "O mito é o nada que é tudo", destaca-se da Mensagem. Penso que respondeu o que respondeu só para ter a última palavra e acho que fez muito bem, tem todo o direito, o blog é seu. Também só respondi a frase porque não me queria ficar atrás e até penso que provavelmente tem razão. Reminiscências de infantilidade... Não se pode perder a criança dentro de nós certo? A bem da verdade nem acho que a suposta carta de Obama tenha o estatuto de mito, quanto muito de boato. Mas... mito ou não, por vezes pensamos que apanhámos o fio à meada e descobrimos a pólvora e afinal não, vai-se a ver e afinal apesar da fraca cultura geral americana, o homem sabia mesmo da vida de Cristóvão Colombo. Ou então, não!

Tenho andado doente, tenho passado por cá muito por alto. Já vi que postou coisas bem mais interessantes que isto, vou tentar acompanhar. Hoje apetecia-me escrever.

Ab

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