Quando falamos de Gaius Julius Caesar, transformamos o I de Iulius em Julius, não o fazemos com o I de Gaius, se o fizéssemos ficaria Gajus Julius Caesar.
A língua sofreu muitas torturas, até falar mentira... mas amparou-se com uma tradição semi-popular resistente. O Gajus não ficou em César, mas ficou na língua que não se atreve a ser escrita... de forma selvagem, ficaram gajos e gaiatos.
Falamos, é claro do culto a Gaia, à deusa primordial no panteão greco-romano, que empresta o prefixo "geo" a tudo o que se refere à Terra. Falar de GAJA seria rasca, falar de GAIA, não. A simples curva final na letra que transforma o I em J, altera a nossa percepção da semelhança, por vício educacional.
Já não choca escrever MAJA com significado de MAIA, mas tudo se altera quando há conotação pejorativa enraízada... um raciocínio sujeito a troça, é educacionalmente auto-censurado. As semelhanças são exactamente as mesmas - num caso nem notamos, noutro caso recusamos a associação... é tudo um ardil educacional. Os
maiatos são habitantes da Maia, mas os habitantes de Gaia passaram a
gaienses e não a gaiatos. Caminhos diferentes para os filhos da mesma Terra, em fases diferentes. Junte-se-lhe a nossa Raia fronteiriça, para adicionar Reia ao mais primevo panteão feminino greco-romano.
La Maja desnuda y vestida (antes e após 1800), de Goja
No aspecto masculino, Majo terá associado Maio, mas do folclore de transmutações que se escondeu na letra G (que dá para Caius/Gaius ou Caia/Gaia) não me surpreenderia a associação Majo a Mago... (ou então, com o tratamento "ch" que damos ao "j" poderia bem ler-se Macho... já o castelhano cumpriu melhor o disfarce com o som "rr" para o "j").
Um bom exemplo de tortura da nomenclatura está documentado na evolução do nome Senegal.
Duarte Pacheco Pereira identifica-o escrevendo Canágua, algumas décadas depois a tortura fonética tinha levado à seguinte transformação sucessiva: Canágua, Çanágua, Çanaga, Senegal (conforme vai constando de registos e mapas).
Dir-se-à que invocando trocas de letras, as associações não têm fim e tudo é permitido... mas não é bem assim! Há registo causal suspeito nuns casos, enquanto noutras situações, sem o nexo causal, poderá ser considerado acidental. A escrita pode violentar mais facilmente a tradição fonética oral, que é bem menos controlável que a escrita.
Exércitos de eruditos e documentações indubitáveis podem dizer que a ligação Maja/Maia nada tem a ver com a alteração similar Gaja/Gaia... Sim, se fosse apenas essa a coincidência, poderíamos bem seguir sempre a voz do altifalante, mas não abdiquemos do nosso próprio escrutínio.
Quando se alimenta o absurdo por séculos, a credibilidade efectiva é pouco mais que nada... e a troça recai sobre a postura dos anões sobreviventes, guardadores do anel de Saturno, o gaiato, filho de Gaia e Úrano.
Saturno devorando os filhos, de Goya.
GUAA linha das analogias na nomenclatura, que a Duquesa de Medina-Sidónia procurou seguir, na sua conexão
África-América, foi diferente da nossa, mas chegou a paralelismos semelhantes, que obtivemos seguindo a cartografia e a descrição dos cronistas.
Há no entanto um ponto revelador que abunda nas atribuições feitas às línguas indígenas americanas e que tem uma conexão fonética directa com a cultura andaluza... o termo GUA, que pura e simplesmente deveria querer significar Água. Podemos assumir que a origem é o latino Aqua, mas parece mais indicado encarar o inverso, e aceitar a raiz de uma simples indicação directa: "a gua" - a água. A diferença fonética entre "qua" e "gua" pode ser imperceptível.
É óbvio que esta livre suspeita tem dupla raiz nos rios Guadiana e Guadalquivir, que leremos como:
Gua de Ana, e
Gua del Quibir... e ficamos por aqui, apenas salientando que a palavra árabe para água é
almaa (havendo certamente alternativas...).
Na América Central e Antilhas, multiplicam-se os nomes que usam "Gua", pelo que dispensamos a enumeração exaustiva, por exemplo:
Guatemala, Nicará
gua, lago Maná
gua, Guarumal, Guálan, rios Mota
gua, Á
guan, as ilhas Maya
guana ou mesmo
Guadalupe... Guadalcanal, Guam, Guadalajara, Guana, Gualala, Guayteca, Guantanamo, etc... encontramos mais designações em mapas primitivos, antes das convenientes alterações posteriores.
É claro que isto pode nada significar, mas pode também significar a presença de uma cultura com fonética semelhante que influenciaria o Atlântico, desde a zona do Estreito de Gibraltar a toda a América Central (e sul).
A "Questão Gaia" começa aqui, e esta é a sua introdução.
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