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Garrett

08.12.10
Uma obra pouco conhecida, mas quase de leitura obrigatória, é o texto de Almeida Garrett (1830):

Portugal na balança da Europa :
do que tem sido e do que ora lhe convém ser na nova ordem de coisas do mundo civilizado

A propósito de Napoleão, Garrett consegue ser bastante elucidativo:
"A França e o mundo agradecido se prostraram ante ele, e o adoraram como ao salvador da espécie humana." (...) 
"[Napoleão] viu os homens e as nações curvadas diante de si, e da altura onde estava escorregou-lhe o pé sobre as cervizes que se lhe inclinavam. A Europa já era escrava de Bonaparte e ainda duvidava da sua servidão - os povos tinham perdido a liberdade, independência, glória, honra - e ainda lhes custava a crer que fosse seu tirano, quem havia sido seu libertador."
Da glória e da esperança republicana
à decadência e ridículo sob o "Teatro Real da Europa":
http://putl.pt/5199
A questão Napoleónica é ainda um marco simbólico, até na sua ascendência corsa. A primeira Constituição moderna não é a americana, pois essa foi inspirada na primeira:
Constituição da Córsega de 1755, de Pasquale Paoli

A Córsega com Pasquale Paoli não era uma república... pois a rainha declarada era a "Virgem Maria". Essa breve independência republicana de Génova foi quebrada com a venda da ilha à França que a conquistou. Apesar dos esforços de Paoli, exilado em Inglaterra, a Córsega não voltou a obter a independência... e perdeu o motivo - afinal o maior espírito de França, Napoleão, teria nacionalizado a Córsega pela sua própria origem. A questão perdeu o impacto, e o curto movimento independentista corso foi-se dissipando.

O Teatro Real Europeu conseguiu de novo assegurar o domínio da oligarquia. Conforme explica Garrett:
"As legiões francesas só foram odiadas e acometidas da indignação popular (que ao cabo as venceu), depois que o seu chefe, já legitimado por reis, já amigo federado deles, como eles enganou e zombou das nações nas suas promessas" (...)
"E esse homem, que havia saído das falanges do povo, e de quem todos esperavam liberdade, não só pejorou e atraiçoou a causa que defendera (...) desprezou o apoio de quem o alevantara, e quis firmar-se nos abusos e no erro, que já haviam precipitado os seus antecessores: chamou as classes inúteis para redor do seu trono, federou-se com os reis e potentados contra as nações e os povos, retrogradou a civilização e cuidou de aniquilar a liberdade"

E sobre a ingratidão da realeza para com os povos, Garrett vai mais longe:
"[os reis] ligaram-se, pelejaram contra o soldado da fortuna enquanto ele trajou as roupas da liberdade, e desembainhou a espada em prol da humanidade. Venceu ele (...) forjou um ceptro como o deles, e desde esse momento foi ídolo e adoração dos reis, o que havia sido dos povos. Solicitaram a sua aliança, pagaram-lhe páreas e tributos, receberam assentamento de criados seus, prostituiram-lhe as suas filhas!..."     (...)  
"Porém quando o povo indignado sacudiu o jugo alheio, e meteu ombros à reconquista da independência, qual deles apareceu à frente dessas legiões denodadas e generosas?"
A análise de Garrett é profunda mas muito contemporânea, recorrendo aos exemplos clássicos, é ainda notável ao invocar um conflito de classes, que prevê ocorrer na Rússia:
"Em suma, a guerra dos povos é aos privilégios exclusivos, incertos, vagos e arbitrários, como a vontade de um só homem de cujo capricho emanam: ela é por toda a parte a mesma, unânime. Se entre uma nação esta classe se empenha mais na guerra, entre essoutra, outra classe; as circunstâncias particulares, a particular natureza ou constituição das sociedades produz essa diferença, não a natureza da contenda, não o objecto dela, não o fim, não a causa. 
Onde há opressão há revolução, onde a administração se opõe ao espírito do século, à opinião dos povos, o estado de guerra entre governante e governado existe; onde as classes que possuem e produzem trabalham só, as que só consomem governam só, por horas ou por dias está a peleja aberta entre elas."

Poderia parecer que Garrett estava a ser influenciado pelas ideias de Karl Marx... mas há uma diferença temporal - quando Garrett escreve este texto, Marx teria apenas 12 anos.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 15:17

Garrett

08.12.10
Uma obra pouco conhecida, mas quase de leitura obrigatória, é o texto de Almeida Garrett (1830):

Portugal na balança da Europa :
do que tem sido e do que ora lhe convém ser na nova ordem de coisas do mundo civilizado

A propósito de Napoleão, Garrett consegue ser bastante elucidativo:
"A França e o mundo agradecido se prostraram ante ele, e o adoraram como ao salvador da espécie humana." (...) 
"[Napoleão] viu os homens e as nações curvadas diante de si, e da altura onde estava escorregou-lhe o pé sobre as cervizes que se lhe inclinavam. A Europa já era escrava de Bonaparte e ainda duvidava da sua servidão - os povos tinham perdido a liberdade, independência, glória, honra - e ainda lhes custava a crer que fosse seu tirano, quem havia sido seu libertador."
Da glória e da esperança republicana
à decadência e ridículo sob o "Teatro Real da Europa":
http://putl.pt/5199
A questão Napoleónica é ainda um marco simbólico, até na sua ascendência corsa. A primeira Constituição moderna não é a americana, pois essa foi inspirada na primeira:
Constituição da Córsega de 1755, de Pasquale Paoli

A Córsega com Pasquale Paoli não era uma república... pois a rainha declarada era a "Virgem Maria". Essa breve independência republicana de Génova foi quebrada com a venda da ilha à França que a conquistou. Apesar dos esforços de Paoli, exilado em Inglaterra, a Córsega não voltou a obter a independência... e perdeu o motivo - afinal o maior espírito de França, Napoleão, teria nacionalizado a Córsega pela sua própria origem. A questão perdeu o impacto, e o curto movimento independentista corso foi-se dissipando.

O Teatro Real Europeu conseguiu de novo assegurar o domínio da oligarquia. Conforme explica Garrett:
"As legiões francesas só foram odiadas e acometidas da indignação popular (que ao cabo as venceu), depois que o seu chefe, já legitimado por reis, já amigo federado deles, como eles enganou e zombou das nações nas suas promessas" (...)
"E esse homem, que havia saído das falanges do povo, e de quem todos esperavam liberdade, não só pejorou e atraiçoou a causa que defendera (...) desprezou o apoio de quem o alevantara, e quis firmar-se nos abusos e no erro, que já haviam precipitado os seus antecessores: chamou as classes inúteis para redor do seu trono, federou-se com os reis e potentados contra as nações e os povos, retrogradou a civilização e cuidou de aniquilar a liberdade"

E sobre a ingratidão da realeza para com os povos, Garrett vai mais longe:
"[os reis] ligaram-se, pelejaram contra o soldado da fortuna enquanto ele trajou as roupas da liberdade, e desembainhou a espada em prol da humanidade. Venceu ele (...) forjou um ceptro como o deles, e desde esse momento foi ídolo e adoração dos reis, o que havia sido dos povos. Solicitaram a sua aliança, pagaram-lhe páreas e tributos, receberam assentamento de criados seus, prostituiram-lhe as suas filhas!..."     (...)  
"Porém quando o povo indignado sacudiu o jugo alheio, e meteu ombros à reconquista da independência, qual deles apareceu à frente dessas legiões denodadas e generosas?"
A análise de Garrett é profunda mas muito contemporânea, recorrendo aos exemplos clássicos, é ainda notável ao invocar um conflito de classes, que prevê ocorrer na Rússia:
"Em suma, a guerra dos povos é aos privilégios exclusivos, incertos, vagos e arbitrários, como a vontade de um só homem de cujo capricho emanam: ela é por toda a parte a mesma, unânime. Se entre uma nação esta classe se empenha mais na guerra, entre essoutra, outra classe; as circunstâncias particulares, a particular natureza ou constituição das sociedades produz essa diferença, não a natureza da contenda, não o objecto dela, não o fim, não a causa. 
Onde há opressão há revolução, onde a administração se opõe ao espírito do século, à opinião dos povos, o estado de guerra entre governante e governado existe; onde as classes que possuem e produzem trabalham só, as que só consomem governam só, por horas ou por dias está a peleja aberta entre elas."

Poderia parecer que Garrett estava a ser influenciado pelas ideias de Karl Marx... mas há uma diferença temporal - quando Garrett escreve este texto, Marx teria apenas 12 anos.

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Garrett

08.12.10
Uma obra pouco conhecida, mas quase de leitura obrigatória, é o texto de Almeida Garrett (1830):

Portugal na balança da Europa :
do que tem sido e do que ora lhe convém ser na nova ordem de coisas do mundo civilizado

A propósito de Napoleão, Garrett consegue ser bastante elucidativo:
"A França e o mundo agradecido se prostraram ante ele, e o adoraram como ao salvador da espécie humana." (...) 
"[Napoleão] viu os homens e as nações curvadas diante de si, e da altura onde estava escorregou-lhe o pé sobre as cervizes que se lhe inclinavam. A Europa já era escrava de Bonaparte e ainda duvidava da sua servidão - os povos tinham perdido a liberdade, independência, glória, honra - e ainda lhes custava a crer que fosse seu tirano, quem havia sido seu libertador."
Da glória e da esperança republicana
à decadência e ridículo sob o "Teatro Real da Europa":
http://putl.pt/5199
A questão Napoleónica é ainda um marco simbólico, até na sua ascendência corsa. A primeira Constituição moderna não é a americana, pois essa foi inspirada na primeira:
Constituição da Córsega de 1755, de Pasquale Paoli

A Córsega com Pasquale Paoli não era uma república... pois a rainha declarada era a "Virgem Maria". Essa breve independência republicana de Génova foi quebrada com a venda da ilha à França que a conquistou. Apesar dos esforços de Paoli, exilado em Inglaterra, a Córsega não voltou a obter a independência... e perdeu o motivo - afinal o maior espírito de França, Napoleão, teria nacionalizado a Córsega pela sua própria origem. A questão perdeu o impacto, e o curto movimento independentista corso foi-se dissipando.

O Teatro Real Europeu conseguiu de novo assegurar o domínio da oligarquia. Conforme explica Garrett:
"As legiões francesas só foram odiadas e acometidas da indignação popular (que ao cabo as venceu), depois que o seu chefe, já legitimado por reis, já amigo federado deles, como eles enganou e zombou das nações nas suas promessas" (...)
"E esse homem, que havia saído das falanges do povo, e de quem todos esperavam liberdade, não só pejorou e atraiçoou a causa que defendera (...) desprezou o apoio de quem o alevantara, e quis firmar-se nos abusos e no erro, que já haviam precipitado os seus antecessores: chamou as classes inúteis para redor do seu trono, federou-se com os reis e potentados contra as nações e os povos, retrogradou a civilização e cuidou de aniquilar a liberdade"

E sobre a ingratidão da realeza para com os povos, Garrett vai mais longe:
"[os reis] ligaram-se, pelejaram contra o soldado da fortuna enquanto ele trajou as roupas da liberdade, e desembainhou a espada em prol da humanidade. Venceu ele (...) forjou um ceptro como o deles, e desde esse momento foi ídolo e adoração dos reis, o que havia sido dos povos. Solicitaram a sua aliança, pagaram-lhe páreas e tributos, receberam assentamento de criados seus, prostituiram-lhe as suas filhas!..."     (...)  
"Porém quando o povo indignado sacudiu o jugo alheio, e meteu ombros à reconquista da independência, qual deles apareceu à frente dessas legiões denodadas e generosas?"
A análise de Garrett é profunda mas muito contemporânea, recorrendo aos exemplos clássicos, é ainda notável ao invocar um conflito de classes, que prevê ocorrer na Rússia:
"Em suma, a guerra dos povos é aos privilégios exclusivos, incertos, vagos e arbitrários, como a vontade de um só homem de cujo capricho emanam: ela é por toda a parte a mesma, unânime. Se entre uma nação esta classe se empenha mais na guerra, entre essoutra, outra classe; as circunstâncias particulares, a particular natureza ou constituição das sociedades produz essa diferença, não a natureza da contenda, não o objecto dela, não o fim, não a causa. 
Onde há opressão há revolução, onde a administração se opõe ao espírito do século, à opinião dos povos, o estado de guerra entre governante e governado existe; onde as classes que possuem e produzem trabalham só, as que só consomem governam só, por horas ou por dias está a peleja aberta entre elas."

Poderia parecer que Garrett estava a ser influenciado pelas ideias de Karl Marx... mas há uma diferença temporal - quando Garrett escreve este texto, Marx teria apenas 12 anos.

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