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Em terra de mouros, ficou assim conhecida a batalha de Alcácer-Quibir... a razão seria simples, os três reis envolvidos teriam perecido em batalha. Apresentamos a conhecida (e única?) ilustração da batalha, feita por Miguel de Andrada, um dos sobreviventes:
Batalha de Alcácer Quibir, 1578
Ilustração de Miguel de Andrade (1629)

Aproveitamos mencionar Miguel de Andrade, para falar de um excerto (seleccionado na wikipedia - Segundo Diálogo, Miscelâneas) acerca de uma ponte em Lisboa "há muitos mil anos".  A certa altura dizem os personagens de Andrade:
Devoto: (...) Pois vemos que quando Lisboa era nada, em comparação do que hoje é, tinha aqui ponte de pedra, segundo agora se parece nos pedaços de pilares que dela ali vedes, desta banda e da outra.
Galácio: Isso seria há muitos mil anos, em tempo que este rio seria mais estreito, e menos fundo.
Devoto: A largura é a mesma, segundo mostram os vestígios dos pilares que vedes, que chega o rio a eles e não passa; e quanto a profundidade, ainda que seja mais, o que não sabemos, contudo, bem se pudera refazer de pedra, que no fundo devem estar os alicerces ou bases dos pilares; quanto mais, que a arte da arquitectura com dinheiro muito alcança e pode, para se fazer de hum só arco: pois dizem, que é infinita esta arte sem termo. E vemos que naquele tão famoso rio Danúbio, está ainda em pé a ponte que nele mandou fazer o Imperador Trajano, com quase todos os pilares inteiros por cima da água cento e cinquenta pés, os vinte deles, que se parecem, e cada hum de sessenta pés de grossura, e o vão de cada arco de cento e sessenta pés. […] Por onde digno era da grandeza de Lisboa, haver aqui uma famosa ponte de pedra, ainda que se fintasse para isso todo o reino.
Galácio: Já nos contentáramos com ela de barcas.
Danúbio - desenho com a ponte de Trajano, supostamente destruída no séc. III,
o que contradiz a afirmação "está ainda de pé a ponte..." que Andrade coloca em Devoto.

Mais uma vez, pequenos registos soltos... Miguel de Andrade, que acompanhou D. Sebastião, fala de uma ponte que se perdeu o rasto, o rasto dos pilares, e pior, perdeu-se mesmo o mito desse rasto. Uma ponte, com milhares de anos ligando Lisboa e outra margem... que margem? Será fácil argumentar que é a  ponte de Sacavém, relatada por Francisco de Holanda (1571, Da fábrica que falece a cidade de Lisboa), mas há um problema... ou falamos de pequenas pontes - inferiores a 30 metros (sobre o Trancão), ou falamos de pontes superiores a 3000 metros (sobre o Tejo)! Fala-se em mudanças da paisagem por consequência do terramoto de 1755... após isso bastaria uma ponte de madeira sobre o Trancão (... se falarmos da mesma Sacavém).
Afinal há sempre explicações, mesmo que infundadas, e a destruição de 1755 aparece sempre como explicação de recurso às diversas perdas nacionais. O panorama de partilha mundial precisou ainda de incursões mais cirúrgicas para readaptar a paisagem a uma estória consistente.

As caricaturas de Gillray explicam muito... (Jorge III/Pitt e Napoleão)
... mas este problema não foi só externo, é interno e anterior.

Voltamos a Alcácer, na Barbaria, e à peça (1591) de George Peele sobre a batalha.
É uma das poucas peças estrangeiras que trata de um assunto marcante para Portugal, e se arrisca a nunca ser conhecida publicação em português. O bolo estava partido entre Portugal e Espanha, os Habsburgos tentaram com a chancela papal ficar com todo o bolo, mas Vestfália e depois Viena acabarão por trazer uma partilha mais estável.

A figura central da peça é Thomas Stukeley, sobre o qual Peele no seu Farewell (sobre a expedição de Drake e Norris, a chamada Contra-Armada), diz o seguinte:
Bid theatres, and proud tragedians, Bid Mahomet's Poo, and mighty Tamburline, and the rest. King Charlemagne, Tom Stukeley, and Adieu !
Dificilmente se colocaria numa mesma frase Maomé, Tamerlão, Carlos Magno e o quase desconhecido Stukeley... porém os seus contemporâneos dão-lhe algum relevo crítico, talvez suspeitando ser filho de Henrique VIII. Afinal, o título da peça acaba por colocar quase ao mesmo nível a morte dos três reis e a morte de Stukeley. Esse será um moto de interesse para o público inglês, já que Stukeley teria procurado depor a rainha Isabel.

Como diria Fuller, a propósito de Stuckeley, mas referindo-se à batalha de Alcácer:
A fatal fight, where in one day was slain, Three Kings that were, and One that would he fain
O resultado da batalha foi favorável a Filipe II e também ao império Otomano, mas a pressão sobre este "domínio filipino", omnipotente agora com os dois hemisférios de Tordesilhas, tornava a partilha ineficaz no quadro Europeu. A partir da derrota da Armada Invencível, a Guerra dos Trinta Anos terminará com o domínio espanhol Habsburgo, e com o fim do Vaticano como centro de arbitragem.
Os próximos tratados de paz dispensarão por completo a chancela ou até a presença papal... o mundo Charlemagne estava a modificar-se mas já era demasiado vasto para desaparecer.

NOTA: Há um ano atrás, quando comecei esta publicação, comecei com D. Sebastião, abordando algumas inconsistências que foram transparecendo a partir da cartografia antiga, com que acidentalmente me deparei. A partir daí, tratou-se de tentar desmontar e montar um gigantesco puzzle com milhares de anos, começando com a parte em que é evidente que as peças não encaixam - os descobrimentos marítimos. Fica o obrigado a quem foi seguindo este percurso, e não me deixou a falar sózinho - Maria da Fonte, José Manuel, Calisto, KTemplar.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 06:18

Em terra de mouros, ficou assim conhecida a batalha de Alcácer-Quibir... a razão seria simples, os três reis envolvidos teriam perecido em batalha. Apresentamos a conhecida (e única?) ilustração da batalha, feita por Miguel de Andrada, um dos sobreviventes:
Batalha de Alcácer Quibir, 1578
Ilustração de Miguel de Andrade (1629)

Aproveitamos mencionar Miguel de Andrade, para falar de um excerto (seleccionado na wikipedia - Segundo Diálogo, Miscelâneas) acerca de uma ponte em Lisboa "há muitos mil anos".  A certa altura dizem os personagens de Andrade:
Devoto: (...) Pois vemos que quando Lisboa era nada, em comparação do que hoje é, tinha aqui ponte de pedra, segundo agora se parece nos pedaços de pilares que dela ali vedes, desta banda e da outra.
Galácio: Isso seria há muitos mil anos, em tempo que este rio seria mais estreito, e menos fundo.
Devoto: A largura é a mesma, segundo mostram os vestígios dos pilares que vedes, que chega o rio a eles e não passa; e quanto a profundidade, ainda que seja mais, o que não sabemos, contudo, bem se pudera refazer de pedra, que no fundo devem estar os alicerces ou bases dos pilares; quanto mais, que a arte da arquitectura com dinheiro muito alcança e pode, para se fazer de hum só arco: pois dizem, que é infinita esta arte sem termo. E vemos que naquele tão famoso rio Danúbio, está ainda em pé a ponte que nele mandou fazer o Imperador Trajano, com quase todos os pilares inteiros por cima da água cento e cinquenta pés, os vinte deles, que se parecem, e cada hum de sessenta pés de grossura, e o vão de cada arco de cento e sessenta pés. […] Por onde digno era da grandeza de Lisboa, haver aqui uma famosa ponte de pedra, ainda que se fintasse para isso todo o reino.
Galácio: Já nos contentáramos com ela de barcas.
Danúbio - desenho com a ponte de Trajano, supostamente destruída no séc. III,
o que contradiz a afirmação "está ainda de pé a ponte..." que Andrade coloca em Devoto.

Mais uma vez, pequenos registos soltos... Miguel de Andrade, que acompanhou D. Sebastião, fala de uma ponte que se perdeu o rasto, o rasto dos pilares, e pior, perdeu-se mesmo o mito desse rasto. Uma ponte, com milhares de anos ligando Lisboa e outra margem... que margem? Será fácil argumentar que é a  ponte de Sacavém, relatada por Francisco de Holanda (1571, Da fábrica que falece a cidade de Lisboa), mas há um problema... ou falamos de pequenas pontes - inferiores a 30 metros (sobre o Trancão), ou falamos de pontes superiores a 3000 metros (sobre o Tejo)! Fala-se em mudanças da paisagem por consequência do terramoto de 1755... após isso bastaria uma ponte de madeira sobre o Trancão (... se falarmos da mesma Sacavém).
Afinal há sempre explicações, mesmo que infundadas, e a destruição de 1755 aparece sempre como explicação de recurso às diversas perdas nacionais. O panorama de partilha mundial precisou ainda de incursões mais cirúrgicas para readaptar a paisagem a uma estória consistente.

As caricaturas de Gillray explicam muito... (Jorge III/Pitt e Napoleão)
... mas este problema não foi só externo, é interno e anterior.

Voltamos a Alcácer, na Barbaria, e à peça (1591) de George Peele sobre a batalha.
É uma das poucas peças estrangeiras que trata de um assunto marcante para Portugal, e se arrisca a nunca ser conhecida publicação em português. O bolo estava partido entre Portugal e Espanha, os Habsburgos tentaram com a chancela papal ficar com todo o bolo, mas Vestfália e depois Viena acabarão por trazer uma partilha mais estável.

A figura central da peça é Thomas Stukeley, sobre o qual Peele no seu Farewell (sobre a expedição de Drake e Norris, a chamada Contra-Armada), diz o seguinte:
Bid theatres, and proud tragedians, Bid Mahomet's Poo, and mighty Tamburline, and the rest. King Charlemagne, Tom Stukeley, and Adieu !
Dificilmente se colocaria numa mesma frase Maomé, Tamerlão, Carlos Magno e o quase desconhecido Stukeley... porém os seus contemporâneos dão-lhe algum relevo crítico, talvez suspeitando ser filho de Henrique VIII. Afinal, o título da peça acaba por colocar quase ao mesmo nível a morte dos três reis e a morte de Stukeley. Esse será um moto de interesse para o público inglês, já que Stukeley teria procurado depor a rainha Isabel.

Como diria Fuller, a propósito de Stuckeley, mas referindo-se à batalha de Alcácer:
A fatal fight, where in one day was slain, Three Kings that were, and One that would he fain
O resultado da batalha foi favorável a Filipe II e também ao império Otomano, mas a pressão sobre este "domínio filipino", omnipotente agora com os dois hemisférios de Tordesilhas, tornava a partilha ineficaz no quadro Europeu. A partir da derrota da Armada Invencível, a Guerra dos Trinta Anos terminará com o domínio espanhol Habsburgo, e com o fim do Vaticano como centro de arbitragem.
Os próximos tratados de paz dispensarão por completo a chancela ou até a presença papal... o mundo Charlemagne estava a modificar-se mas já era demasiado vasto para desaparecer.

NOTA: Há um ano atrás, quando comecei esta publicação, comecei com D. Sebastião, abordando algumas inconsistências que foram transparecendo a partir da cartografia antiga, com que acidentalmente me deparei. A partir daí, tratou-se de tentar desmontar e montar um gigantesco puzzle com milhares de anos, começando com a parte em que é evidente que as peças não encaixam - os descobrimentos marítimos. Fica o obrigado a quem foi seguindo este percurso, e não me deixou a falar sózinho - Maria da Fonte, José Manuel, Calisto, KTemplar.

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