Há pistas e despistes... quando se fabrica uma História, e pela própria experiência ocasional, vão sendo rematados alguns pontos aglomeradores de atenção, destinados aos espíritos curiosos.
Esses pontos de atenção são chamados "Últimos Mistérios da História, do Mundo, do Universo, etc..."
Nalguns casos são verdadeiros e incontornáveis pela sua presença persistente na História, mas isso não se deve aplicar indistintamente, nem necessariamente aos casos mais conhecidos.
Vamos apenas dar alguns exemplos, para ilustrar do que falamos.
Fala-se muito de Stonehenge e do seu admirável alinhamento estelar. Excelente!
Como teria sido possível com tecnologia pré-histórica produzir tal monumento notável, de grande precisão astronómica... talvez só possível no Séc. XX.
Acontece que Stonehenge foi alvo de remodelação no Séc. XX (ao que vimos, em 1901, 1920 e em 1958). Aquilo que vemos hoje não é exactamente o que existia no Séc. XIX... ou seja, de acordo com um desenho de John Constable em 1835, houve alguma mudança na localização das pedras:
Para percebermos melhor Stonehenge, fomos encontrar uma Crónica de Reis de Inglaterra, de Richard Baker (Séc. XVII), que fala de Stonehenge... e ao mesmo tempo percebem-se melhor as novas versões que vão aparecendo sobre o Rei Artur e Merlim.
... mas pode ter sido apenas um monumento associado à Távola Redonda, seguindo o relato de Baker que o associa à lenda Arturiana.
Não é preciso procurar muito para encontrar exemplos recentes.
De facto, Abu Simbel é um exemplo notável de deslocação monumental, bem conhecido. Apesar disso, tudo se passa turisticamente como se o monumento não tivesse mudado de sítio, devido à barragem do Assuão, que Nasser decidiu construir:
Foto de Abu-Simbel no seu local original
Propositadamente ou não, esta deslocação maciça ilustra à presente geração como a alteração histórica é efectuada e como a população continua a visitar Abu Simbel da mesma forma como se nada tivesse ocorrido. As fotos antigas de Abu Simbel já nem sempre são mostradas (é o caso da Wikipedia), e não demorará muito a que se torne num mero detalhe conhecido por especialistas. Quando se perder essa memória, o alinhamento do templo será referido face à localização actual... e talvez também dê para especulações descontextualizadas.
c) GalápagosFalamos agora de um exemplo razoavelmente diferente na forma, mas semelhante no conteúdo.
Quando se fala das ilhas Galápagos é habitual associar às tartarugas de Darwin...
Acontece que há uma tese oficial de origem espanhola que coloca a sua descoberta ao Bispo
Tomás de Berlanga, por volta de 1535...
Não é de estranhar a causa - foi acidental, numa viagem para Lima, afastou-se muito da rota!
Falámos dos acidentes convenientes, para resolverem os in-convenientes.
João de Lisboa, e o seu Livro de Marinharia é um grande inconveniente!
Assinalamos num quadrado verde, a localização das Galápagos
no mapa de João de Lisboa (c. 1514)
Inconvenientes, os mapas de João de Lisboa são convenientemente inexistentes na literatura histórica.
Quando se diz que as Galápagos aparecem em mapas, fala-se de Mercator ou Ortélio, mapas posteriores mesmo com a pior das datações colocada no Livro de Marinharia (inferior a 1560).
Outro exemplo notável é o mapa do almirante turco
Piri Reis de 1513... muito se tem escrito acerca desse mapa, assim escrevendo-se pouco acerca de outros mapas!
Há uma forçada propaganda superlativa que pretende uma possível representação da Antártida...
Ora, é bem sabido que nada de original está no mapa de Piri Reis (acho que o próprio assume ter sido baseado em mapas portugueses), e que não estivesse já na bem conhecida representação do globo no Atlas Miller (assim chamado o mapa atribuído a Lopo Homem e aos Reinéis, em 1519):
Globo de Lopo Homem, Pedro e Jorge Reinel, 1519
a Lua, o sonho ocidental & o Sol, a alvorada oriental
O mapa de Piri Reis é extremamente conveniente... sendo uma provável cópia não terá inclusa informação invisível, normalmente colocada pelos cartógrafos portugueses. Essa informação invisível permite descobertas acidentais, como já aqui referimos... no caso do mapa de 1485 de Pedro Reinel, e não só!
Quem quiser seguir a
main-stream, levantar alguma teoria "pseudo-inconveniente" sobre Stonehenge, Abu Simbel, ou sobre o mapa de Piri Reis, pois é natural que tenha conveniente receptividade editorial.
Sobre esses assuntos, dificilmente falarei mais do que escrevi neste texto.
Quem quiser trilhar outro caminho, fora dos circuitos de distribuição, da fama, procurando alguma verdade no meio de tanta informação contraditória, a maioria pouco fiável, pois tem muito mais caminho solitário e inglório a percorrer.
Cito a este propósito Frutuoso, nas Saudades da Terra... "
Em que a Verdade diz à Fama quem é":
Muitos me buscam mais em vaidade que em verdade, mas só aos humildes me manifesto. E, algumas horas, saio à luz, quando não sou buscada; sendo impugnada, mais fermosa resplandesço. Mais seguramente sou ouvida que pregada, e, quase como em deserto, pregada sou antre os mentirosos.
Afinal, a Verdade será apenas o que aceitamos quando se identificam as mentiras pelas suas contradições insanáveis... Apenas podemos esperar identificar as contradições, e ir pouco a pouco eliminando as camadas de mentiras.
A "verdade" manifesta-se como uma questão de fé social, propagandeada por um grupo dominante. Atinge o topo por cooptação, propaga-se por contágio de rumores na base, através das relações pessoais.
Ocasionalmente essa "verdade" é atingida por contradições e manifestações físicas impossíveis de ignorar... aí o grupo tem que reorganizar-se e inventar uma nova "verdade", ou procurar de uma vez por todas a Verdade.
É uma questão de escolher lados... os agentes inventores das verdades ocasionais terão cada vez mais dificuldade de credibilidade num processo de procura da Verdade.
É uma questão de escolher lados, e assumir essa escolha!