Dissidências, querelas, guerras, foram associadas a uma questão sobre a natureza de Cristo.
Não houve apenas combate entre religiões... uma questão milenar atravessou o cristianismo, causando profundas feridas civilizacionais por motivo de diverso entendimento teológico.
Falamos primeiro do Arianismo, e depois do Cisma entre as igrejas Romana e Ortodoxa.
O problema é essencialmente filosófico e reside na aceitação da Trindade, cujo entendimento escapará a muitos cristãos. Um problema académico filosófico transforma-se num problema letal.
É só no Séc. XX que o Arianismo vai ser confundido com uma questão racial.
A história do arianismo estava ligada à cisão do cristianismo provocada por Arius de Alexandria, conforme
já foi referido.
A questão da identificação de Deus a Cristo, a um Homem, encerra contradições aparentes, que foram levantadas por Arius, e consideradas heréticas no Concílio de Nicéia em 325 d.C.
Não foi por isso que a linha de pensamento de Arius deixou de estar presente na História.
A
revolta de Nika, esmagada por Belisário, opunha os verdes monofisistas (aceitando apenas a parte humana de Cristo), aos azuis conservadores (que aceitavam a dupla natureza, divina e humana, de Cristo). O arianismo surgiu ainda entre os Suevos, durante o seu período obscuro - talvez depois ignorado por essa mesma dissidência. O arianismo esteve ainda ligado à Alemanha através dos Cavaleiros Teutónicos.
Há alguma controvérsia sobre se São Nicolau (de Mira) teria ou não estado presente no Concílio de Nicéia, dado o seu nome não estar presente na lista. No entanto, corre também a forte tradição que teria sido ele a conduzir os trabalhos, e que teria chegado a bofetear Arius de Alexandria.
Nessa tradição, São Nicolau aparece como herói que sustém a heresia de Arius e dos seus seguidores, e impõe a Santa Cláusula da Trindade de Cristo.
Seria exagerado colocar aqui o epíteto "Santa Cláusula" que é omitido, não houvesse a Cláusula Filioque, que aborda o mesmo tema. É claro que a tradição associa ainda a São Nicolau a distribuição de presentes pelas crianças, e que no Séc. XIX ficou instituído o nome Santa Claus, foneticamente lido como Santa Clause. Não é assim nos países latinos, usando-se a designação Pai Natal. O nome teria difícil justificação cristã, sendo associado a São Nicolau... porém junta os dois aspectos essenciais da Cláusula - a junção entre o Pai e o Filho - expresso no nascimento, no Natal.
São Nicolau de Mira (Séc. IV)
terá defendido a "Santa Cláusula" da Trindade
A Cláusula Filioque foi um outro assunto teológico sobre a Trindade, que provocou divisões. Esta cláusula do papa Leão I originou a cisão entre as igrejas Romana e Ortodoxa. Foi inicialmente aceite pelo Concílio de Calcedónia em 451 d.C., mas foi alvo de dúvidas e de uma disputa decisiva em 1059 d.C. entre Miguel Cerulário, patriarca de Constantinopla, e o Papa Leão IX. A Santa Cláusula Filioque impunha que o Espírito Santo emanasse não apenas de Deus, mas também de Cristo. As cláusulas da Trindade obrigavam a uma equivalência entre Pai e Filho.
Não vamos aqui discutir a validade das posições, até porque isso levaria a assuntos de índole filosófica que são normalmente omitidos, mesmo nas abordagens ao solipsismo.
Não sendo um assunto que estivesse claro nos Evangelhos, e não constando por isso como assunto colocado por Jesus Cristo, a questão pertinente será compreender como um assunto de índole filosófica vai afectar tão profundamente a fé cristã. A posição de Arius não negaria o carácter divino, apenas colocaria Jesus como uma encarnação, mas numa posição não igual a Deus.
Jesus seria filho de Deus, e não Deus... dificilmente a maioria dos católicos verá aqui uma heresia insanável. Convirá não esquecer a frase final, que consta nos Evangelhos de Mateus e Marcos, proferida por Jesus, quando se refere ao abandono do Pai.
Haveria muitos temas para controvérsia mais mobilizadora de opiniões e paixões populares, do que um tema de difícil compreensão filosófica, que serviu como mobilizador de populações e exércitos.
A questão colocar-se-ia a um nível diferente... se no entendimento judaico se aguardava o Messias, no entendimento cristão também se aguardava o Messias, mas numa segunda vinda, neste caso de Jesus Cristo. A sua natureza, humana ou divina, seria cuidado para a actuação na vinda futura.