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Maastricht será mais conhecida pelo Tratado que definiu a União Europeia... a escolha da cidade nada indicaria de especial, a menos que se conheçam as Caves do Monte de St. Pietersberg, sobre as quais Buffon diz:
On connoit des carrières qui sont d'une étendue très-considérable; celle de Mastricht, par exemple, où l'on dit que 50 mille personnes peuvent se réfugier, et qui est soutenue par plus de mille pilliers, qui ont 20 ou 24 pieds de hauteur;
e depois de falar das minas de sal na Polónia, remata: "d'ailleurs, les ouvrages des hommes, quelque grands qu'ils puissent être, ne tiendront jamais qu'une bien petite place dans l'histoire de la Nature". Neste caso, as caves de Maastricht têm de facto um lugar pouco conhecido na História da Natureza, ainda que tenha sido lá que se encontrou o primeiro fóssil de grande réptil, o Mososauro:
Ilustração da descoberta do Mososauro em 1764, Maastricht.

Ora, convenientemente, houve artistas que decidiram aí representar nas paredes um mundo pré-histórico.
Ilustrações nas paredes das caves de Maastricht

Há normalmente um aviso colado às ilustrações, dizendo que as pinturas são recentes... não vá o povo pensar que algum homem pré-histórico tinha feito pinturas de carvão naquelas paredes.

A este propósito, aproveito para colocar uma imagem de uma das muitas locomotivas abandonadas no Salar de Uyuni, na Bolívia
Salar de Uyuni, Bolívia - "Asi es la vida"

Qualquer um dirá que esta locomotiva resulta de uma exploração de sal, que depois teve um fim, deixando abandonadas uma imensa quantidade de locomotivas (aparentemente nem o muito ferro abandonado foi considerado valioso). Há situações semelhantes na Austrália, no meio do deserto, ou na América... Nada a dizer, excepto que há uma outra hipótese mais interessante, ficcional é claro: - a confusão passado/presente!

O que fazer com múltiplos registos inconvenientes, espalhados pelo globo?
- Uma hipótese é ocultar, proibir as viagens, as visitas... isso terá sido seguido durante uns séculos.
- Uma outra hipótese é favorecer uma rápida evolução, copiando a evolução anterior, de forma que os registos de milénios se confundam com abandonos recentes. Se alguém no Século XX encontrasse uma locomotiva abandonada num deserto boliviano nunca iria pensar tratar-se doutra coisa que não fosse uma locomotiva com menos de 100 anos... nada de ter ideias para coisas de civilizações passadas. Em jeito de piada, basta reparar no design dos carros americanos dos anos 50, para pensar que foram inspirados em coisas de sáurios

Com as pinturas inconvenientes será a mesma coisa... tivessem os espanhóis do Século XIX convocado um concurso de pintura nas grutas de Altamira, e os registos de caça agora atribuídos ao homem pré-histórico, passavam por terem sido desenhados por crianças na altura. É difícil conter a informação, as populações saberiam, etc... Será? Será que não demos já exemplos suficientes que mostram que a informação não se propaga da forma que se pretende, a menos que haja patrocínio, ou que não haja restrição?

As caves do monte de Maastricht são explicadas como resultado de exploração, como mina de pedra para as construções circundantes. Apesar de completamente esburacada, só em 1764 vão dar com o esqueleto do dinossauro, e em jeito de brincadeira vão usar as mesmas paredes para fazer uma pintura bastante realista do que seria o ambiente pré-histórico. É bastante provável que tenha sido assim, mas não se pode deixar de pensar noutras hipóteses...
A Holanda, tal como a Suiça, depois de sofrer sob domínio Habsburgo, irá ter uma história de independência e sucesso, que só diminuirá justamente na altura da divulgação da descoberta do mososauro, que depois foi parar ao Museu de História Natural de Paris.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 17:56

Maastricht será mais conhecida pelo Tratado que definiu a União Europeia... a escolha da cidade nada indicaria de especial, a menos que se conheçam as Caves do Monte de St. Pietersberg, sobre as quais Buffon diz:
On connoit des carrières qui sont d'une étendue très-considérable; celle de Mastricht, par exemple, où l'on dit que 50 mille personnes peuvent se réfugier, et qui est soutenue par plus de mille pilliers, qui ont 20 ou 24 pieds de hauteur;
e depois de falar das minas de sal na Polónia, remata: "d'ailleurs, les ouvrages des hommes, quelque grands qu'ils puissent être, ne tiendront jamais qu'une bien petite place dans l'histoire de la Nature". Neste caso, as caves de Maastricht têm de facto um lugar pouco conhecido na História da Natureza, ainda que tenha sido lá que se encontrou o primeiro fóssil de grande réptil, o Mososauro:
Ilustração da descoberta do Mososauro em 1764, Maastricht.

Ora, convenientemente, houve artistas que decidiram aí representar nas paredes um mundo pré-histórico.
Ilustrações nas paredes das caves de Maastricht

Há normalmente um aviso colado às ilustrações, dizendo que as pinturas são recentes... não vá o povo pensar que algum homem pré-histórico tinha feito pinturas de carvão naquelas paredes.

A este propósito, aproveito para colocar uma imagem de uma das muitas locomotivas abandonadas no Salar de Uyuni, na Bolívia
Salar de Uyuni, Bolívia - "Asi es la vida"

Qualquer um dirá que esta locomotiva resulta de uma exploração de sal, que depois teve um fim, deixando abandonadas uma imensa quantidade de locomotivas (aparentemente nem o muito ferro abandonado foi considerado valioso). Há situações semelhantes na Austrália, no meio do deserto, ou na América... Nada a dizer, excepto que há uma outra hipótese mais interessante, ficcional é claro: - a confusão passado/presente!

O que fazer com múltiplos registos inconvenientes, espalhados pelo globo?
- Uma hipótese é ocultar, proibir as viagens, as visitas... isso terá sido seguido durante uns séculos.
- Uma outra hipótese é favorecer uma rápida evolução, copiando a evolução anterior, de forma que os registos de milénios se confundam com abandonos recentes. Se alguém no Século XX encontrasse uma locomotiva abandonada num deserto boliviano nunca iria pensar tratar-se doutra coisa que não fosse uma locomotiva com menos de 100 anos... nada de ter ideias para coisas de civilizações passadas. Em jeito de piada, basta reparar no design dos carros americanos dos anos 50, para pensar que foram inspirados em coisas de sáurios

Com as pinturas inconvenientes será a mesma coisa... tivessem os espanhóis do Século XIX convocado um concurso de pintura nas grutas de Altamira, e os registos de caça agora atribuídos ao homem pré-histórico, passavam por terem sido desenhados por crianças na altura. É difícil conter a informação, as populações saberiam, etc... Será? Será que não demos já exemplos suficientes que mostram que a informação não se propaga da forma que se pretende, a menos que haja patrocínio, ou que não haja restrição?

As caves do monte de Maastricht são explicadas como resultado de exploração, como mina de pedra para as construções circundantes. Apesar de completamente esburacada, só em 1764 vão dar com o esqueleto do dinossauro, e em jeito de brincadeira vão usar as mesmas paredes para fazer uma pintura bastante realista do que seria o ambiente pré-histórico. É bastante provável que tenha sido assim, mas não se pode deixar de pensar noutras hipóteses...
A Holanda, tal como a Suiça, depois de sofrer sob domínio Habsburgo, irá ter uma história de independência e sucesso, que só diminuirá justamente na altura da divulgação da descoberta do mososauro, que depois foi parar ao Museu de História Natural de Paris.

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publicado às 17:56

Maastricht será mais conhecida pelo Tratado que definiu a União Europeia... a escolha da cidade nada indicaria de especial, a menos que se conheçam as Caves do Monte de St. Pietersberg, sobre as quais Buffon diz:
On connoit des carrières qui sont d'une étendue très-considérable; celle de Mastricht, par exemple, où l'on dit que 50 mille personnes peuvent se réfugier, et qui est soutenue par plus de mille pilliers, qui ont 20 ou 24 pieds de hauteur;
e depois de falar das minas de sal na Polónia, remata: "d'ailleurs, les ouvrages des hommes, quelque grands qu'ils puissent être, ne tiendront jamais qu'une bien petite place dans l'histoire de la Nature". Neste caso, as caves de Maastricht têm de facto um lugar pouco conhecido na História da Natureza, ainda que tenha sido lá que se encontrou o primeiro fóssil de grande réptil, o Mososauro:
Ilustração da descoberta do Mososauro em 1764, Maastricht.

Ora, convenientemente, houve artistas que decidiram aí representar nas paredes um mundo pré-histórico.
Ilustrações nas paredes das caves de Maastricht

Há normalmente um aviso colado às ilustrações, dizendo que as pinturas são recentes... não vá o povo pensar que algum homem pré-histórico tinha feito pinturas de carvão naquelas paredes.

A este propósito, aproveito para colocar uma imagem de uma das muitas locomotivas abandonadas no Salar de Uyuni, na Bolívia
Salar de Uyuni, Bolívia - "Asi es la vida"

Qualquer um dirá que esta locomotiva resulta de uma exploração de sal, que depois teve um fim, deixando abandonadas uma imensa quantidade de locomotivas (aparentemente nem o muito ferro abandonado foi considerado valioso). Há situações semelhantes na Austrália, no meio do deserto, ou na América... Nada a dizer, excepto que há uma outra hipótese mais interessante, ficcional é claro: - a confusão passado/presente!

O que fazer com múltiplos registos inconvenientes, espalhados pelo globo?
- Uma hipótese é ocultar, proibir as viagens, as visitas... isso terá sido seguido durante uns séculos.
- Uma outra hipótese é favorecer uma rápida evolução, copiando a evolução anterior, de forma que os registos de milénios se confundam com abandonos recentes. Se alguém no Século XX encontrasse uma locomotiva abandonada num deserto boliviano nunca iria pensar tratar-se doutra coisa que não fosse uma locomotiva com menos de 100 anos... nada de ter ideias para coisas de civilizações passadas. Em jeito de piada, basta reparar no design dos carros americanos dos anos 50, para pensar que foram inspirados em coisas de sáurios

Com as pinturas inconvenientes será a mesma coisa... tivessem os espanhóis do Século XIX convocado um concurso de pintura nas grutas de Altamira, e os registos de caça agora atribuídos ao homem pré-histórico, passavam por terem sido desenhados por crianças na altura. É difícil conter a informação, as populações saberiam, etc... Será? Será que não demos já exemplos suficientes que mostram que a informação não se propaga da forma que se pretende, a menos que haja patrocínio, ou que não haja restrição?

As caves do monte de Maastricht são explicadas como resultado de exploração, como mina de pedra para as construções circundantes. Apesar de completamente esburacada, só em 1764 vão dar com o esqueleto do dinossauro, e em jeito de brincadeira vão usar as mesmas paredes para fazer uma pintura bastante realista do que seria o ambiente pré-histórico. É bastante provável que tenha sido assim, mas não se pode deixar de pensar noutras hipóteses...
A Holanda, tal como a Suiça, depois de sofrer sob domínio Habsburgo, irá ter uma história de independência e sucesso, que só diminuirá justamente na altura da divulgação da descoberta do mososauro, que depois foi parar ao Museu de História Natural de Paris.

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publicado às 09:56

No seguimento do post Âncoras Suiças (2), fomos encontrar a citação de Buffon sobre a Serra da Estrela,  mencionada na "Geografia" de Patrick Gordon (aqui edição de 1737, p. 143) :
In a Lake on the Top of the Hill Stella in Portugal, are found Pieces of Ships, though it be distant from the Sea more than twelve Leagues. Near to Raja, is a Lake observable for its hideous rumbling Noise, which is ordinarily heard before a Storm, and that at the Distance of five or fix Leagues. About eight Leagues from Coimbra is a remarkable Fountain, which swallows up, or draws in, whatsoever Thing only touches the Surface of its Waters; an Experiment of which is frequently made with the Trunks of Trees.The Town of Bethlem (nigh to Lisbon) is noted for the sumptuous Tombs of the Kings of Portugal.
Esta "geografia" de Gordon é minimal e tem que ser inserida numa estranha mistura entre objectividade e subjectividade... Será interessante ainda conhecer a descrição que Gordon fazia dos portugueses: "tirem-se as (poucas) qualidades dos vizinhos (espanhóis) e têm aí um português", marcando especialmente um carácter traiçoeiro que atribuía a forte mistura ou influência judaica no reino, após as descobertas.

Pulo do Lobo
A descrição de Gordon está inserida num tópico sobre "raridades", onde sobre a Espanha fala por exemplo do avistamento de um "barco feito de pedra" no Porto de Mongia, na Galiza... e para além de referir a lenda dos Pilares de Hércules em Cádiz, menciona algo que já tínhamos lido sobre o Guadiana - as suas águas desapareciam, algo que podemos associar à zona do Pulo do Lobo.
Guadiana - imagem aérea da cascata do Pulo do Lobo

Ou seja, é provável que o estreitar do Rio Guadiana (antes chamado Ana), ali com uma queda de 20 metros, se fizesse sob a rocha, que entretanto abateu... e por isso o efeito do rio desaparecer sob terra já não é visível hoje, mas pode ter sido no passado.

Serra da Estrela (de Alva)
O mito da Serra da Estrela já o tinhamos encontrado num texto de 1804 do padre Francisco do Nascimento Silveira, no Mappa Breve da Lusitania Antiga e Galliza Bracarense. Silveira fala da Lusitania com a sua origem em Luso ou Elisa e descreve várias particularidades interessantes - umas mais credíveis do que outras. 
Se Tubal, neto de Noé, ficou associado à Iberia, o padre António Vieira associou Elisa, sobrinho de Tubal,  ao nome Lusitânia/Lysitânia. Elisa é irmão de Tarsis, e vizinhos aos lusitanos estavam os tartéssios, a que se associa Tarsis.
Silveira faz mesmo referência aos Campos Elísios, salientando que Homero coloca esse paraíso terrestre nas terras do Oceano Ocidental.
Por outro lado, lembramos que Elisa era o outro nome associado a Dido, a mítica rainha fundadora de Cartago. Para não dispersar, deixamos para outra altura falar de Lysias, o filho de Baco, que também consta da mitologia lusitana... Baco foi talvez o único que Camões decidiu usar. Comportou-se como exigido na mitologia, para poder encriptar nos Lusíadas a sua versão da história recente.

Sobre a Serra da Estrela, Silveira fala da toponímia ligada a uma rocha em forma de estrela, ou de um Templo a Lucífer - entendendo-se aí Vénus, como Estrela de Alva (que era diferenciada na sua aparição a Poente, com o nome Hesper). Seria assim Serra da Estrela de Alva... algo que ele parece querer confirmar falando logo de seguida da tripla origem dos rios Alva, Mondego e Zêzere, algo que já foi mencionado.

Porém, o mais relevante é quando menciona a "Lagoa Escura" e diz
(...) a qual, quando o mar anda bravo se enfurece também, dando bramidos como trovão, motivo porque os naturais crêem que comunica com o mar, e ainda mais o asseveram os que sabem, que João Vaseo, escreve que nela já foram achados troços de mastros de navios.
O relato a que alude Gordon, Buffon e depois Tylor tem o autor identificado, é João Vaseo... e por aí fomos chegar às curtas referências que restam de um "insígne gramático" contemporâneo de João de Barros, Gaspar Barreiros, mas cujo nome nos tem sido afastado.

Fonte de Cadima
Aparentemente numa sua Crónica de Hespanha, João Vaseo fala ainda da tal fonte que tudo absorvia, conforme afirmava Gordon. Fomos encontrar esse relato num site Novo Aquilégio que fala da Fonte de Cadima, associando-a aos Olhos de Fervença, próximos de Tentúgal. Não se conhecendo a obra de Vaseo, é usada uma citação de um Aquilégio Medicinal de 1726 (pág. 115), de Francisco Fonseca Henriques, que diz:
No lugar de Cadima, distante duas léguas da Vila de Tentúgal, comarca de Coimbra, há uma fonte ou charco, que tem de altura um palmo de água, a que os da terra chamam Fervenças, a qual sorve tudo quanto nela se lança, ainda que sejão cousas que nela não cabem , e segundo escreve João Vaseo na Crónica de Hespanha, e depois dele o Padre António Vasconcelos, e Duarte Nunez de Leão nas descrições que escreveram de Portugal, já sucedeu que sorveu arvores inteiras, que de propósito se lhe lançaram, para ver se as sorvia, e chegando-lhe uma besta, a ia sorvendo, de maneira, que com grande trabalho tiveram mão nela.
Olhos de Fervença, a fonte de Cadima (imagem)

À época a fama desta fonte seria bem maior, mas terá sido destronada pelos pastéis de Tentúgal... se existiram alguns olhos de outra dimensão, que ali colocaram na escrita quase a descrição de um mini-buraco-negro, tratou-se de fantasia ou pelo menos fenómeno ocasional (o Aquilégio de 1726 dá conta de fenómeno semelhante na Vila do Cano, em Évora). Vaseo teria ainda tentado relacionar Cadima com uma descrição de Plínio, do chamado Campo Carrinense, que os espanhóis localizam como sendo as Fontes Carrionas.
Ainda que com dificuldade, é interessante ter conseguido ir buscar a origem do relato - João Vaseo, primeiro eminente gramático e depois enterrado nas areias do tempo.

Monte do Cantaro
Não acaba aqui a referência à Serra da Estrela, e no Archivo Popular de 1839 aparece uma outra informação interessante. Para além de ser dito que a Serra estava continuamente coberta por neve (não é a primeira vez que lemos isto), fala-se numa pirâmide, de rochas naturais, no topo da Serra, e é então chamado o "Monte do Cantaro".
É claro que hoje temos a informação de que o ponto mais alto é a zona da Torre, mas é natural considerar que o Cântaro Magro, com a sua forma singular, seria tido como o pico.
 
O Cântaro Magro e os 3 Cântaros (Gordo, Raso, e Magro)

Desconhecia a designação dos Cântaros... ou a estória de que a povoação do Carvalho tinha obrigação de aí colocar um cântaro, mas a denominação particular é conhecida dos montanhistas.

Para finalizar o apontamento, que já vai longo, encontrámos ainda o Dicionário do Portugal Antigo e Moderno, de Augusto Pinho Leal, que no Volume 9, de 1880, já refere as neves restritas aos meses de inverno, e que sobre a antiga vila de Serdaça diz a certa altura:
A 200 metros de distancia, passa o rio Mondego, e fica também próximo o monte do Cântaro (o Olympo dos antigos). Deste monte brotam trez caudalosos mananciaes de cristalinas águas, que dão origem a trez rios — o Mondego, o Alva e o Zêzere.
Desconheço igualmente a razão pela qual Pinho Leal se vai lembrar de associar o Monte do Cântaro ao "Olimpo dos antigos"... parece descabido e de pretencioso nacionalismo exacerbado. É interessante notar que o início do Séc. XIX aparece bem mais frio do que o final do mesmo século... e não só! Apesar dessas neves constantes na Serra da Estrela, Silveira afirma que a Serra de Montejunto seria a mais alta de Portugal... hipótese que também é mencionada no Archivo Popular, mas descartada.

Serra do Caramulo
Não deixamos de assinalar uma outra formação estranha, que é relatada no Archivo Popular, e por Silveira... as rochas empilhadas no topo da Serra do Caramulo - que são ainda hoje bem visíveis, mas menos conhecidas do que os chapéus da Páscoa:


Talvez se pretenda que as formações sejam naturais, ou que sejam celtas, ou quiçá até romanas... não faço ideia e já nada espanta... a arqueologia às vezes parece-se resumir a inventar a melhor estória que cole nas duas ou três possibilidades oficiais.

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publicado às 06:01

No seguimento do post Âncoras Suiças (2), fomos encontrar a citação de Buffon sobre a Serra da Estrela,  mencionada na "Geografia" de Patrick Gordon (aqui edição de 1737, p. 143) :
In a Lake on the Top of the Hill Stella in Portugal, are found Pieces of Ships, though it be distant from the Sea more than twelve Leagues. Near to Raja, is a Lake observable for its hideous rumbling Noise, which is ordinarily heard before a Storm, and that at the Distance of five or fix Leagues. About eight Leagues from Coimbra is a remarkable Fountain, which swallows up, or draws in, whatsoever Thing only touches the Surface of its Waters; an Experiment of which is frequently made with the Trunks of Trees.The Town of Bethlem (nigh to Lisbon) is noted for the sumptuous Tombs of the Kings of Portugal.
Esta "geografia" de Gordon é minimal e tem que ser inserida numa estranha mistura entre objectividade e subjectividade... Será interessante ainda conhecer a descrição que Gordon fazia dos portugueses: "tirem-se as (poucas) qualidades dos vizinhos (espanhóis) e têm aí um português", marcando especialmente um carácter traiçoeiro que atribuía a forte mistura ou influência judaica no reino, após as descobertas.

Pulo do Lobo
A descrição de Gordon está inserida num tópico sobre "raridades", onde sobre a Espanha fala por exemplo do avistamento de um "barco feito de pedra" no Porto de Mongia, na Galiza... e para além de referir a lenda dos Pilares de Hércules em Cádiz, menciona algo que já tínhamos lido sobre o Guadiana - as suas águas desapareciam, algo que podemos associar à zona do Pulo do Lobo.
Guadiana - imagem aérea da cascata do Pulo do Lobo

Ou seja, é provável que o estreitar do Rio Guadiana (antes chamado Ana), ali com uma queda de 20 metros, se fizesse sob a rocha, que entretanto abateu... e por isso o efeito do rio desaparecer sob terra já não é visível hoje, mas pode ter sido no passado.

Serra da Estrela (de Alva)
O mito da Serra da Estrela já o tinhamos encontrado num texto de 1804 do padre Francisco do Nascimento Silveira, no Mappa Breve da Lusitania Antiga e Galliza Bracarense. Silveira fala da Lusitania com a sua origem em Luso ou Elisa e descreve várias particularidades interessantes - umas mais credíveis do que outras. 
Se Tubal, neto de Noé, ficou associado à Iberia, o padre António Vieira associou Elisa, sobrinho de Tubal,  ao nome Lusitânia/Lysitânia. Elisa é irmão de Tarsis, e vizinhos aos lusitanos estavam os tartéssios, a que se associa Tarsis.
Silveira faz mesmo referência aos Campos Elísios, salientando que Homero coloca esse paraíso terrestre nas terras do Oceano Ocidental.
Por outro lado, lembramos que Elisa era o outro nome associado a Dido, a mítica rainha fundadora de Cartago. Para não dispersar, deixamos para outra altura falar de Lysias, o filho de Baco, que também consta da mitologia lusitana... Baco foi talvez o único que Camões decidiu usar. Comportou-se como exigido na mitologia, para poder encriptar nos Lusíadas a sua versão da história recente.

Sobre a Serra da Estrela, Silveira fala da toponímia ligada a uma rocha em forma de estrela, ou de um Templo a Lucífer - entendendo-se aí Vénus, como Estrela de Alva (que era diferenciada na sua aparição a Poente, com o nome Hesper). Seria assim Serra da Estrela de Alva... algo que ele parece querer confirmar falando logo de seguida da tripla origem dos rios Alva, Mondego e Zêzere, algo que já foi mencionado.

Porém, o mais relevante é quando menciona a "Lagoa Escura" e diz
(...) a qual, quando o mar anda bravo se enfurece também, dando bramidos como trovão, motivo porque os naturais crêem que comunica com o mar, e ainda mais o asseveram os que sabem, que João Vaseo, escreve que nela já foram achados troços de mastros de navios.
O relato a que alude Gordon, Buffon e depois Tylor tem o autor identificado, é João Vaseo... e por aí fomos chegar às curtas referências que restam de um "insígne gramático" contemporâneo de João de Barros, Gaspar Barreiros, mas cujo nome nos tem sido afastado.

Fonte de Cadima
Aparentemente numa sua Crónica de Hespanha, João Vaseo fala ainda da tal fonte que tudo absorvia, conforme afirmava Gordon. Fomos encontrar esse relato num site Novo Aquilégio que fala da Fonte de Cadima, associando-a aos Olhos de Fervença, próximos de Tentúgal. Não se conhecendo a obra de Vaseo, é usada uma citação de um Aquilégio Medicinal de 1726 (pág. 115), de Francisco Fonseca Henriques, que diz:
No lugar de Cadima, distante duas léguas da Vila de Tentúgal, comarca de Coimbra, há uma fonte ou charco, que tem de altura um palmo de água, a que os da terra chamam Fervenças, a qual sorve tudo quanto nela se lança, ainda que sejão cousas que nela não cabem , e segundo escreve João Vaseo na Crónica de Hespanha, e depois dele o Padre António Vasconcelos, e Duarte Nunez de Leão nas descrições que escreveram de Portugal, já sucedeu que sorveu arvores inteiras, que de propósito se lhe lançaram, para ver se as sorvia, e chegando-lhe uma besta, a ia sorvendo, de maneira, que com grande trabalho tiveram mão nela.
Olhos de Fervença, a fonte de Cadima (imagem)

À época a fama desta fonte seria bem maior, mas terá sido destronada pelos pastéis de Tentúgal... se existiram alguns olhos de outra dimensão, que ali colocaram na escrita quase a descrição de um mini-buraco-negro, tratou-se de fantasia ou pelo menos fenómeno ocasional (o Aquilégio de 1726 dá conta de fenómeno semelhante na Vila do Cano, em Évora). Vaseo teria ainda tentado relacionar Cadima com uma descrição de Plínio, do chamado Campo Carrinense, que os espanhóis localizam como sendo as Fontes Carrionas.
Ainda que com dificuldade, é interessante ter conseguido ir buscar a origem do relato - João Vaseo, primeiro eminente gramático e depois enterrado nas areias do tempo.

Monte do Cantaro
Não acaba aqui a referência à Serra da Estrela, e no Archivo Popular de 1839 aparece uma outra informação interessante. Para além de ser dito que a Serra estava continuamente coberta por neve (não é a primeira vez que lemos isto), fala-se numa pirâmide, de rochas naturais, no topo da Serra, e é então chamado o "Monte do Cantaro".
É claro que hoje temos a informação de que o ponto mais alto é a zona da Torre, mas é natural considerar que o Cântaro Magro, com a sua forma singular, seria tido como o pico.
 
O Cântaro Magro e os 3 Cântaros (Gordo, Raso, e Magro)

Desconhecia a designação dos Cântaros... ou a estória de que a povoação do Carvalho tinha obrigação de aí colocar um cântaro, mas a denominação particular é conhecida dos montanhistas.

Para finalizar o apontamento, que já vai longo, encontrámos ainda o Dicionário do Portugal Antigo e Moderno, de Augusto Pinho Leal, que no Volume 9, de 1880, já refere as neves restritas aos meses de inverno, e que sobre a antiga vila de Serdaça diz a certa altura:
A 200 metros de distancia, passa o rio Mondego, e fica também próximo o monte do Cântaro (o Olympo dos antigos). Deste monte brotam trez caudalosos mananciaes de cristalinas águas, que dão origem a trez rios — o Mondego, o Alva e o Zêzere.
Desconheço igualmente a razão pela qual Pinho Leal se vai lembrar de associar o Monte do Cântaro ao "Olimpo dos antigos"... parece descabido e de pretencioso nacionalismo exacerbado. É interessante notar que o início do Séc. XIX aparece bem mais frio do que o final do mesmo século... e não só! Apesar dessas neves constantes na Serra da Estrela, Silveira afirma que a Serra de Montejunto seria a mais alta de Portugal... hipótese que também é mencionada no Archivo Popular, mas descartada.

Serra do Caramulo
Não deixamos de assinalar uma outra formação estranha, que é relatada no Archivo Popular, e por Silveira... as rochas empilhadas no topo da Serra do Caramulo - que são ainda hoje bem visíveis, mas menos conhecidas do que os chapéus da Páscoa:


Talvez se pretenda que as formações sejam naturais, ou que sejam celtas, ou quiçá até romanas... não faço ideia e já nada espanta... a arqueologia às vezes parece-se resumir a inventar a melhor estória que cole nas duas ou três possibilidades oficiais.

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