Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]



Maastricht será mais conhecida pelo Tratado que definiu a União Europeia... a escolha da cidade nada indicaria de especial, a menos que se conheçam as Caves do Monte de St. Pietersberg, sobre as quais Buffon diz:
On connoit des carrières qui sont d'une étendue très-considérable; celle de Mastricht, par exemple, où l'on dit que 50 mille personnes peuvent se réfugier, et qui est soutenue par plus de mille pilliers, qui ont 20 ou 24 pieds de hauteur;
e depois de falar das minas de sal na Polónia, remata: "d'ailleurs, les ouvrages des hommes, quelque grands qu'ils puissent être, ne tiendront jamais qu'une bien petite place dans l'histoire de la Nature". Neste caso, as caves de Maastricht têm de facto um lugar pouco conhecido na História da Natureza, ainda que tenha sido lá que se encontrou o primeiro fóssil de grande réptil, o Mososauro:
Ilustração da descoberta do Mososauro em 1764, Maastricht.

Ora, convenientemente, houve artistas que decidiram aí representar nas paredes um mundo pré-histórico.
Ilustrações nas paredes das caves de Maastricht

Há normalmente um aviso colado às ilustrações, dizendo que as pinturas são recentes... não vá o povo pensar que algum homem pré-histórico tinha feito pinturas de carvão naquelas paredes.

A este propósito, aproveito para colocar uma imagem de uma das muitas locomotivas abandonadas no Salar de Uyuni, na Bolívia
Salar de Uyuni, Bolívia - "Asi es la vida"

Qualquer um dirá que esta locomotiva resulta de uma exploração de sal, que depois teve um fim, deixando abandonadas uma imensa quantidade de locomotivas (aparentemente nem o muito ferro abandonado foi considerado valioso). Há situações semelhantes na Austrália, no meio do deserto, ou na América... Nada a dizer, excepto que há uma outra hipótese mais interessante, ficcional é claro: - a confusão passado/presente!

O que fazer com múltiplos registos inconvenientes, espalhados pelo globo?
- Uma hipótese é ocultar, proibir as viagens, as visitas... isso terá sido seguido durante uns séculos.
- Uma outra hipótese é favorecer uma rápida evolução, copiando a evolução anterior, de forma que os registos de milénios se confundam com abandonos recentes. Se alguém no Século XX encontrasse uma locomotiva abandonada num deserto boliviano nunca iria pensar tratar-se doutra coisa que não fosse uma locomotiva com menos de 100 anos... nada de ter ideias para coisas de civilizações passadas. Em jeito de piada, basta reparar no design dos carros americanos dos anos 50, para pensar que foram inspirados em coisas de sáurios

Com as pinturas inconvenientes será a mesma coisa... tivessem os espanhóis do Século XIX convocado um concurso de pintura nas grutas de Altamira, e os registos de caça agora atribuídos ao homem pré-histórico, passavam por terem sido desenhados por crianças na altura. É difícil conter a informação, as populações saberiam, etc... Será? Será que não demos já exemplos suficientes que mostram que a informação não se propaga da forma que se pretende, a menos que haja patrocínio, ou que não haja restrição?

As caves do monte de Maastricht são explicadas como resultado de exploração, como mina de pedra para as construções circundantes. Apesar de completamente esburacada, só em 1764 vão dar com o esqueleto do dinossauro, e em jeito de brincadeira vão usar as mesmas paredes para fazer uma pintura bastante realista do que seria o ambiente pré-histórico. É bastante provável que tenha sido assim, mas não se pode deixar de pensar noutras hipóteses...
A Holanda, tal como a Suiça, depois de sofrer sob domínio Habsburgo, irá ter uma história de independência e sucesso, que só diminuirá justamente na altura da divulgação da descoberta do mososauro, que depois foi parar ao Museu de História Natural de Paris.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 17:56

Maastricht será mais conhecida pelo Tratado que definiu a União Europeia... a escolha da cidade nada indicaria de especial, a menos que se conheçam as Caves do Monte de St. Pietersberg, sobre as quais Buffon diz:
On connoit des carrières qui sont d'une étendue très-considérable; celle de Mastricht, par exemple, où l'on dit que 50 mille personnes peuvent se réfugier, et qui est soutenue par plus de mille pilliers, qui ont 20 ou 24 pieds de hauteur;
e depois de falar das minas de sal na Polónia, remata: "d'ailleurs, les ouvrages des hommes, quelque grands qu'ils puissent être, ne tiendront jamais qu'une bien petite place dans l'histoire de la Nature". Neste caso, as caves de Maastricht têm de facto um lugar pouco conhecido na História da Natureza, ainda que tenha sido lá que se encontrou o primeiro fóssil de grande réptil, o Mososauro:
Ilustração da descoberta do Mososauro em 1764, Maastricht.

Ora, convenientemente, houve artistas que decidiram aí representar nas paredes um mundo pré-histórico.
Ilustrações nas paredes das caves de Maastricht

Há normalmente um aviso colado às ilustrações, dizendo que as pinturas são recentes... não vá o povo pensar que algum homem pré-histórico tinha feito pinturas de carvão naquelas paredes.

A este propósito, aproveito para colocar uma imagem de uma das muitas locomotivas abandonadas no Salar de Uyuni, na Bolívia
Salar de Uyuni, Bolívia - "Asi es la vida"

Qualquer um dirá que esta locomotiva resulta de uma exploração de sal, que depois teve um fim, deixando abandonadas uma imensa quantidade de locomotivas (aparentemente nem o muito ferro abandonado foi considerado valioso). Há situações semelhantes na Austrália, no meio do deserto, ou na América... Nada a dizer, excepto que há uma outra hipótese mais interessante, ficcional é claro: - a confusão passado/presente!

O que fazer com múltiplos registos inconvenientes, espalhados pelo globo?
- Uma hipótese é ocultar, proibir as viagens, as visitas... isso terá sido seguido durante uns séculos.
- Uma outra hipótese é favorecer uma rápida evolução, copiando a evolução anterior, de forma que os registos de milénios se confundam com abandonos recentes. Se alguém no Século XX encontrasse uma locomotiva abandonada num deserto boliviano nunca iria pensar tratar-se doutra coisa que não fosse uma locomotiva com menos de 100 anos... nada de ter ideias para coisas de civilizações passadas. Em jeito de piada, basta reparar no design dos carros americanos dos anos 50, para pensar que foram inspirados em coisas de sáurios

Com as pinturas inconvenientes será a mesma coisa... tivessem os espanhóis do Século XIX convocado um concurso de pintura nas grutas de Altamira, e os registos de caça agora atribuídos ao homem pré-histórico, passavam por terem sido desenhados por crianças na altura. É difícil conter a informação, as populações saberiam, etc... Será? Será que não demos já exemplos suficientes que mostram que a informação não se propaga da forma que se pretende, a menos que haja patrocínio, ou que não haja restrição?

As caves do monte de Maastricht são explicadas como resultado de exploração, como mina de pedra para as construções circundantes. Apesar de completamente esburacada, só em 1764 vão dar com o esqueleto do dinossauro, e em jeito de brincadeira vão usar as mesmas paredes para fazer uma pintura bastante realista do que seria o ambiente pré-histórico. É bastante provável que tenha sido assim, mas não se pode deixar de pensar noutras hipóteses...
A Holanda, tal como a Suiça, depois de sofrer sob domínio Habsburgo, irá ter uma história de independência e sucesso, que só diminuirá justamente na altura da divulgação da descoberta do mososauro, que depois foi parar ao Museu de História Natural de Paris.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 17:56

Maastricht será mais conhecida pelo Tratado que definiu a União Europeia... a escolha da cidade nada indicaria de especial, a menos que se conheçam as Caves do Monte de St. Pietersberg, sobre as quais Buffon diz:
On connoit des carrières qui sont d'une étendue très-considérable; celle de Mastricht, par exemple, où l'on dit que 50 mille personnes peuvent se réfugier, et qui est soutenue par plus de mille pilliers, qui ont 20 ou 24 pieds de hauteur;
e depois de falar das minas de sal na Polónia, remata: "d'ailleurs, les ouvrages des hommes, quelque grands qu'ils puissent être, ne tiendront jamais qu'une bien petite place dans l'histoire de la Nature". Neste caso, as caves de Maastricht têm de facto um lugar pouco conhecido na História da Natureza, ainda que tenha sido lá que se encontrou o primeiro fóssil de grande réptil, o Mososauro:
Ilustração da descoberta do Mososauro em 1764, Maastricht.

Ora, convenientemente, houve artistas que decidiram aí representar nas paredes um mundo pré-histórico.
Ilustrações nas paredes das caves de Maastricht

Há normalmente um aviso colado às ilustrações, dizendo que as pinturas são recentes... não vá o povo pensar que algum homem pré-histórico tinha feito pinturas de carvão naquelas paredes.

A este propósito, aproveito para colocar uma imagem de uma das muitas locomotivas abandonadas no Salar de Uyuni, na Bolívia
Salar de Uyuni, Bolívia - "Asi es la vida"

Qualquer um dirá que esta locomotiva resulta de uma exploração de sal, que depois teve um fim, deixando abandonadas uma imensa quantidade de locomotivas (aparentemente nem o muito ferro abandonado foi considerado valioso). Há situações semelhantes na Austrália, no meio do deserto, ou na América... Nada a dizer, excepto que há uma outra hipótese mais interessante, ficcional é claro: - a confusão passado/presente!

O que fazer com múltiplos registos inconvenientes, espalhados pelo globo?
- Uma hipótese é ocultar, proibir as viagens, as visitas... isso terá sido seguido durante uns séculos.
- Uma outra hipótese é favorecer uma rápida evolução, copiando a evolução anterior, de forma que os registos de milénios se confundam com abandonos recentes. Se alguém no Século XX encontrasse uma locomotiva abandonada num deserto boliviano nunca iria pensar tratar-se doutra coisa que não fosse uma locomotiva com menos de 100 anos... nada de ter ideias para coisas de civilizações passadas. Em jeito de piada, basta reparar no design dos carros americanos dos anos 50, para pensar que foram inspirados em coisas de sáurios

Com as pinturas inconvenientes será a mesma coisa... tivessem os espanhóis do Século XIX convocado um concurso de pintura nas grutas de Altamira, e os registos de caça agora atribuídos ao homem pré-histórico, passavam por terem sido desenhados por crianças na altura. É difícil conter a informação, as populações saberiam, etc... Será? Será que não demos já exemplos suficientes que mostram que a informação não se propaga da forma que se pretende, a menos que haja patrocínio, ou que não haja restrição?

As caves do monte de Maastricht são explicadas como resultado de exploração, como mina de pedra para as construções circundantes. Apesar de completamente esburacada, só em 1764 vão dar com o esqueleto do dinossauro, e em jeito de brincadeira vão usar as mesmas paredes para fazer uma pintura bastante realista do que seria o ambiente pré-histórico. É bastante provável que tenha sido assim, mas não se pode deixar de pensar noutras hipóteses...
A Holanda, tal como a Suiça, depois de sofrer sob domínio Habsburgo, irá ter uma história de independência e sucesso, que só diminuirá justamente na altura da divulgação da descoberta do mososauro, que depois foi parar ao Museu de História Natural de Paris.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 09:56

No seguimento do post Âncoras Suiças (2), fomos encontrar a citação de Buffon sobre a Serra da Estrela,  mencionada na "Geografia" de Patrick Gordon (aqui edição de 1737, p. 143) :
In a Lake on the Top of the Hill Stella in Portugal, are found Pieces of Ships, though it be distant from the Sea more than twelve Leagues. Near to Raja, is a Lake observable for its hideous rumbling Noise, which is ordinarily heard before a Storm, and that at the Distance of five or fix Leagues. About eight Leagues from Coimbra is a remarkable Fountain, which swallows up, or draws in, whatsoever Thing only touches the Surface of its Waters; an Experiment of which is frequently made with the Trunks of Trees.The Town of Bethlem (nigh to Lisbon) is noted for the sumptuous Tombs of the Kings of Portugal.
Esta "geografia" de Gordon é minimal e tem que ser inserida numa estranha mistura entre objectividade e subjectividade... Será interessante ainda conhecer a descrição que Gordon fazia dos portugueses: "tirem-se as (poucas) qualidades dos vizinhos (espanhóis) e têm aí um português", marcando especialmente um carácter traiçoeiro que atribuía a forte mistura ou influência judaica no reino, após as descobertas.

Pulo do Lobo
A descrição de Gordon está inserida num tópico sobre "raridades", onde sobre a Espanha fala por exemplo do avistamento de um "barco feito de pedra" no Porto de Mongia, na Galiza... e para além de referir a lenda dos Pilares de Hércules em Cádiz, menciona algo que já tínhamos lido sobre o Guadiana - as suas águas desapareciam, algo que podemos associar à zona do Pulo do Lobo.
Guadiana - imagem aérea da cascata do Pulo do Lobo

Ou seja, é provável que o estreitar do Rio Guadiana (antes chamado Ana), ali com uma queda de 20 metros, se fizesse sob a rocha, que entretanto abateu... e por isso o efeito do rio desaparecer sob terra já não é visível hoje, mas pode ter sido no passado.

Serra da Estrela (de Alva)
O mito da Serra da Estrela já o tinhamos encontrado num texto de 1804 do padre Francisco do Nascimento Silveira, no Mappa Breve da Lusitania Antiga e Galliza Bracarense. Silveira fala da Lusitania com a sua origem em Luso ou Elisa e descreve várias particularidades interessantes - umas mais credíveis do que outras. 
Se Tubal, neto de Noé, ficou associado à Iberia, o padre António Vieira associou Elisa, sobrinho de Tubal,  ao nome Lusitânia/Lysitânia. Elisa é irmão de Tarsis, e vizinhos aos lusitanos estavam os tartéssios, a que se associa Tarsis.
Silveira faz mesmo referência aos Campos Elísios, salientando que Homero coloca esse paraíso terrestre nas terras do Oceano Ocidental.
Por outro lado, lembramos que Elisa era o outro nome associado a Dido, a mítica rainha fundadora de Cartago. Para não dispersar, deixamos para outra altura falar de Lysias, o filho de Baco, que também consta da mitologia lusitana... Baco foi talvez o único que Camões decidiu usar. Comportou-se como exigido na mitologia, para poder encriptar nos Lusíadas a sua versão da história recente.

Sobre a Serra da Estrela, Silveira fala da toponímia ligada a uma rocha em forma de estrela, ou de um Templo a Lucífer - entendendo-se aí Vénus, como Estrela de Alva (que era diferenciada na sua aparição a Poente, com o nome Hesper). Seria assim Serra da Estrela de Alva... algo que ele parece querer confirmar falando logo de seguida da tripla origem dos rios Alva, Mondego e Zêzere, algo que já foi mencionado.

Porém, o mais relevante é quando menciona a "Lagoa Escura" e diz
(...) a qual, quando o mar anda bravo se enfurece também, dando bramidos como trovão, motivo porque os naturais crêem que comunica com o mar, e ainda mais o asseveram os que sabem, que João Vaseo, escreve que nela já foram achados troços de mastros de navios.
O relato a que alude Gordon, Buffon e depois Tylor tem o autor identificado, é João Vaseo... e por aí fomos chegar às curtas referências que restam de um "insígne gramático" contemporâneo de João de Barros, Gaspar Barreiros, mas cujo nome nos tem sido afastado.

Fonte de Cadima
Aparentemente numa sua Crónica de Hespanha, João Vaseo fala ainda da tal fonte que tudo absorvia, conforme afirmava Gordon. Fomos encontrar esse relato num site Novo Aquilégio que fala da Fonte de Cadima, associando-a aos Olhos de Fervença, próximos de Tentúgal. Não se conhecendo a obra de Vaseo, é usada uma citação de um Aquilégio Medicinal de 1726 (pág. 115), de Francisco Fonseca Henriques, que diz:
No lugar de Cadima, distante duas léguas da Vila de Tentúgal, comarca de Coimbra, há uma fonte ou charco, que tem de altura um palmo de água, a que os da terra chamam Fervenças, a qual sorve tudo quanto nela se lança, ainda que sejão cousas que nela não cabem , e segundo escreve João Vaseo na Crónica de Hespanha, e depois dele o Padre António Vasconcelos, e Duarte Nunez de Leão nas descrições que escreveram de Portugal, já sucedeu que sorveu arvores inteiras, que de propósito se lhe lançaram, para ver se as sorvia, e chegando-lhe uma besta, a ia sorvendo, de maneira, que com grande trabalho tiveram mão nela.
Olhos de Fervença, a fonte de Cadima (imagem)

À época a fama desta fonte seria bem maior, mas terá sido destronada pelos pastéis de Tentúgal... se existiram alguns olhos de outra dimensão, que ali colocaram na escrita quase a descrição de um mini-buraco-negro, tratou-se de fantasia ou pelo menos fenómeno ocasional (o Aquilégio de 1726 dá conta de fenómeno semelhante na Vila do Cano, em Évora). Vaseo teria ainda tentado relacionar Cadima com uma descrição de Plínio, do chamado Campo Carrinense, que os espanhóis localizam como sendo as Fontes Carrionas.
Ainda que com dificuldade, é interessante ter conseguido ir buscar a origem do relato - João Vaseo, primeiro eminente gramático e depois enterrado nas areias do tempo.

Monte do Cantaro
Não acaba aqui a referência à Serra da Estrela, e no Archivo Popular de 1839 aparece uma outra informação interessante. Para além de ser dito que a Serra estava continuamente coberta por neve (não é a primeira vez que lemos isto), fala-se numa pirâmide, de rochas naturais, no topo da Serra, e é então chamado o "Monte do Cantaro".
É claro que hoje temos a informação de que o ponto mais alto é a zona da Torre, mas é natural considerar que o Cântaro Magro, com a sua forma singular, seria tido como o pico.
 
O Cântaro Magro e os 3 Cântaros (Gordo, Raso, e Magro)

Desconhecia a designação dos Cântaros... ou a estória de que a povoação do Carvalho tinha obrigação de aí colocar um cântaro, mas a denominação particular é conhecida dos montanhistas.

Para finalizar o apontamento, que já vai longo, encontrámos ainda o Dicionário do Portugal Antigo e Moderno, de Augusto Pinho Leal, que no Volume 9, de 1880, já refere as neves restritas aos meses de inverno, e que sobre a antiga vila de Serdaça diz a certa altura:
A 200 metros de distancia, passa o rio Mondego, e fica também próximo o monte do Cântaro (o Olympo dos antigos). Deste monte brotam trez caudalosos mananciaes de cristalinas águas, que dão origem a trez rios — o Mondego, o Alva e o Zêzere.
Desconheço igualmente a razão pela qual Pinho Leal se vai lembrar de associar o Monte do Cântaro ao "Olimpo dos antigos"... parece descabido e de pretencioso nacionalismo exacerbado. É interessante notar que o início do Séc. XIX aparece bem mais frio do que o final do mesmo século... e não só! Apesar dessas neves constantes na Serra da Estrela, Silveira afirma que a Serra de Montejunto seria a mais alta de Portugal... hipótese que também é mencionada no Archivo Popular, mas descartada.

Serra do Caramulo
Não deixamos de assinalar uma outra formação estranha, que é relatada no Archivo Popular, e por Silveira... as rochas empilhadas no topo da Serra do Caramulo - que são ainda hoje bem visíveis, mas menos conhecidas do que os chapéus da Páscoa:


Talvez se pretenda que as formações sejam naturais, ou que sejam celtas, ou quiçá até romanas... não faço ideia e já nada espanta... a arqueologia às vezes parece-se resumir a inventar a melhor estória que cole nas duas ou três possibilidades oficiais.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 06:01

No seguimento do post Âncoras Suiças (2), fomos encontrar a citação de Buffon sobre a Serra da Estrela,  mencionada na "Geografia" de Patrick Gordon (aqui edição de 1737, p. 143) :
In a Lake on the Top of the Hill Stella in Portugal, are found Pieces of Ships, though it be distant from the Sea more than twelve Leagues. Near to Raja, is a Lake observable for its hideous rumbling Noise, which is ordinarily heard before a Storm, and that at the Distance of five or fix Leagues. About eight Leagues from Coimbra is a remarkable Fountain, which swallows up, or draws in, whatsoever Thing only touches the Surface of its Waters; an Experiment of which is frequently made with the Trunks of Trees.The Town of Bethlem (nigh to Lisbon) is noted for the sumptuous Tombs of the Kings of Portugal.
Esta "geografia" de Gordon é minimal e tem que ser inserida numa estranha mistura entre objectividade e subjectividade... Será interessante ainda conhecer a descrição que Gordon fazia dos portugueses: "tirem-se as (poucas) qualidades dos vizinhos (espanhóis) e têm aí um português", marcando especialmente um carácter traiçoeiro que atribuía a forte mistura ou influência judaica no reino, após as descobertas.

Pulo do Lobo
A descrição de Gordon está inserida num tópico sobre "raridades", onde sobre a Espanha fala por exemplo do avistamento de um "barco feito de pedra" no Porto de Mongia, na Galiza... e para além de referir a lenda dos Pilares de Hércules em Cádiz, menciona algo que já tínhamos lido sobre o Guadiana - as suas águas desapareciam, algo que podemos associar à zona do Pulo do Lobo.
Guadiana - imagem aérea da cascata do Pulo do Lobo

Ou seja, é provável que o estreitar do Rio Guadiana (antes chamado Ana), ali com uma queda de 20 metros, se fizesse sob a rocha, que entretanto abateu... e por isso o efeito do rio desaparecer sob terra já não é visível hoje, mas pode ter sido no passado.

Serra da Estrela (de Alva)
O mito da Serra da Estrela já o tinhamos encontrado num texto de 1804 do padre Francisco do Nascimento Silveira, no Mappa Breve da Lusitania Antiga e Galliza Bracarense. Silveira fala da Lusitania com a sua origem em Luso ou Elisa e descreve várias particularidades interessantes - umas mais credíveis do que outras. 
Se Tubal, neto de Noé, ficou associado à Iberia, o padre António Vieira associou Elisa, sobrinho de Tubal,  ao nome Lusitânia/Lysitânia. Elisa é irmão de Tarsis, e vizinhos aos lusitanos estavam os tartéssios, a que se associa Tarsis.
Silveira faz mesmo referência aos Campos Elísios, salientando que Homero coloca esse paraíso terrestre nas terras do Oceano Ocidental.
Por outro lado, lembramos que Elisa era o outro nome associado a Dido, a mítica rainha fundadora de Cartago. Para não dispersar, deixamos para outra altura falar de Lysias, o filho de Baco, que também consta da mitologia lusitana... Baco foi talvez o único que Camões decidiu usar. Comportou-se como exigido na mitologia, para poder encriptar nos Lusíadas a sua versão da história recente.

Sobre a Serra da Estrela, Silveira fala da toponímia ligada a uma rocha em forma de estrela, ou de um Templo a Lucífer - entendendo-se aí Vénus, como Estrela de Alva (que era diferenciada na sua aparição a Poente, com o nome Hesper). Seria assim Serra da Estrela de Alva... algo que ele parece querer confirmar falando logo de seguida da tripla origem dos rios Alva, Mondego e Zêzere, algo que já foi mencionado.

Porém, o mais relevante é quando menciona a "Lagoa Escura" e diz
(...) a qual, quando o mar anda bravo se enfurece também, dando bramidos como trovão, motivo porque os naturais crêem que comunica com o mar, e ainda mais o asseveram os que sabem, que João Vaseo, escreve que nela já foram achados troços de mastros de navios.
O relato a que alude Gordon, Buffon e depois Tylor tem o autor identificado, é João Vaseo... e por aí fomos chegar às curtas referências que restam de um "insígne gramático" contemporâneo de João de Barros, Gaspar Barreiros, mas cujo nome nos tem sido afastado.

Fonte de Cadima
Aparentemente numa sua Crónica de Hespanha, João Vaseo fala ainda da tal fonte que tudo absorvia, conforme afirmava Gordon. Fomos encontrar esse relato num site Novo Aquilégio que fala da Fonte de Cadima, associando-a aos Olhos de Fervença, próximos de Tentúgal. Não se conhecendo a obra de Vaseo, é usada uma citação de um Aquilégio Medicinal de 1726 (pág. 115), de Francisco Fonseca Henriques, que diz:
No lugar de Cadima, distante duas léguas da Vila de Tentúgal, comarca de Coimbra, há uma fonte ou charco, que tem de altura um palmo de água, a que os da terra chamam Fervenças, a qual sorve tudo quanto nela se lança, ainda que sejão cousas que nela não cabem , e segundo escreve João Vaseo na Crónica de Hespanha, e depois dele o Padre António Vasconcelos, e Duarte Nunez de Leão nas descrições que escreveram de Portugal, já sucedeu que sorveu arvores inteiras, que de propósito se lhe lançaram, para ver se as sorvia, e chegando-lhe uma besta, a ia sorvendo, de maneira, que com grande trabalho tiveram mão nela.
Olhos de Fervença, a fonte de Cadima (imagem)

À época a fama desta fonte seria bem maior, mas terá sido destronada pelos pastéis de Tentúgal... se existiram alguns olhos de outra dimensão, que ali colocaram na escrita quase a descrição de um mini-buraco-negro, tratou-se de fantasia ou pelo menos fenómeno ocasional (o Aquilégio de 1726 dá conta de fenómeno semelhante na Vila do Cano, em Évora). Vaseo teria ainda tentado relacionar Cadima com uma descrição de Plínio, do chamado Campo Carrinense, que os espanhóis localizam como sendo as Fontes Carrionas.
Ainda que com dificuldade, é interessante ter conseguido ir buscar a origem do relato - João Vaseo, primeiro eminente gramático e depois enterrado nas areias do tempo.

Monte do Cantaro
Não acaba aqui a referência à Serra da Estrela, e no Archivo Popular de 1839 aparece uma outra informação interessante. Para além de ser dito que a Serra estava continuamente coberta por neve (não é a primeira vez que lemos isto), fala-se numa pirâmide, de rochas naturais, no topo da Serra, e é então chamado o "Monte do Cantaro".
É claro que hoje temos a informação de que o ponto mais alto é a zona da Torre, mas é natural considerar que o Cântaro Magro, com a sua forma singular, seria tido como o pico.
 
O Cântaro Magro e os 3 Cântaros (Gordo, Raso, e Magro)

Desconhecia a designação dos Cântaros... ou a estória de que a povoação do Carvalho tinha obrigação de aí colocar um cântaro, mas a denominação particular é conhecida dos montanhistas.

Para finalizar o apontamento, que já vai longo, encontrámos ainda o Dicionário do Portugal Antigo e Moderno, de Augusto Pinho Leal, que no Volume 9, de 1880, já refere as neves restritas aos meses de inverno, e que sobre a antiga vila de Serdaça diz a certa altura:
A 200 metros de distancia, passa o rio Mondego, e fica também próximo o monte do Cântaro (o Olympo dos antigos). Deste monte brotam trez caudalosos mananciaes de cristalinas águas, que dão origem a trez rios — o Mondego, o Alva e o Zêzere.
Desconheço igualmente a razão pela qual Pinho Leal se vai lembrar de associar o Monte do Cântaro ao "Olimpo dos antigos"... parece descabido e de pretencioso nacionalismo exacerbado. É interessante notar que o início do Séc. XIX aparece bem mais frio do que o final do mesmo século... e não só! Apesar dessas neves constantes na Serra da Estrela, Silveira afirma que a Serra de Montejunto seria a mais alta de Portugal... hipótese que também é mencionada no Archivo Popular, mas descartada.

Serra do Caramulo
Não deixamos de assinalar uma outra formação estranha, que é relatada no Archivo Popular, e por Silveira... as rochas empilhadas no topo da Serra do Caramulo - que são ainda hoje bem visíveis, mas menos conhecidas do que os chapéus da Páscoa:


Talvez se pretenda que as formações sejam naturais, ou que sejam celtas, ou quiçá até romanas... não faço ideia e já nada espanta... a arqueologia às vezes parece-se resumir a inventar a melhor estória que cole nas duas ou três possibilidades oficiais.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 06:01

No seguimento do post Âncoras Suiças (2), fomos encontrar a citação de Buffon sobre a Serra da Estrela,  mencionada na "Geografia" de Patrick Gordon (aqui edição de 1737, p. 143) :
In a Lake on the Top of the Hill Stella in Portugal, are found Pieces of Ships, though it be distant from the Sea more than twelve Leagues. Near to Raja, is a Lake observable for its hideous rumbling Noise, which is ordinarily heard before a Storm, and that at the Distance of five or fix Leagues. About eight Leagues from Coimbra is a remarkable Fountain, which swallows up, or draws in, whatsoever Thing only touches the Surface of its Waters; an Experiment of which is frequently made with the Trunks of Trees.The Town of Bethlem (nigh to Lisbon) is noted for the sumptuous Tombs of the Kings of Portugal.
Esta "geografia" de Gordon é minimal e tem que ser inserida numa estranha mistura entre objectividade e subjectividade... Será interessante ainda conhecer a descrição que Gordon fazia dos portugueses: "tirem-se as (poucas) qualidades dos vizinhos (espanhóis) e têm aí um português", marcando especialmente um carácter traiçoeiro que atribuía a forte mistura ou influência judaica no reino, após as descobertas.

Pulo do Lobo
A descrição de Gordon está inserida num tópico sobre "raridades", onde sobre a Espanha fala por exemplo do avistamento de um "barco feito de pedra" no Porto de Mongia, na Galiza... e para além de referir a lenda dos Pilares de Hércules em Cádiz, menciona algo que já tínhamos lido sobre o Guadiana - as suas águas desapareciam, algo que podemos associar à zona do Pulo do Lobo.
Guadiana - imagem aérea da cascata do Pulo do Lobo

Ou seja, é provável que o estreitar do Rio Guadiana (antes chamado Ana), ali com uma queda de 20 metros, se fizesse sob a rocha, que entretanto abateu... e por isso o efeito do rio desaparecer sob terra já não é visível hoje, mas pode ter sido no passado.

Serra da Estrela (de Alva)
O mito da Serra da Estrela já o tinhamos encontrado num texto de 1804 do padre Francisco do Nascimento Silveira, no Mappa Breve da Lusitania Antiga e Galliza Bracarense. Silveira fala da Lusitania com a sua origem em Luso ou Elisa e descreve várias particularidades interessantes - umas mais credíveis do que outras. 
Se Tubal, neto de Noé, ficou associado à Iberia, o padre António Vieira associou Elisa, sobrinho de Tubal,  ao nome Lusitânia/Lysitânia. Elisa é irmão de Tarsis, e vizinhos aos lusitanos estavam os tartéssios, a que se associa Tarsis.
Silveira faz mesmo referência aos Campos Elísios, salientando que Homero coloca esse paraíso terrestre nas terras do Oceano Ocidental.
Por outro lado, lembramos que Elisa era o outro nome associado a Dido, a mítica rainha fundadora de Cartago. Para não dispersar, deixamos para outra altura falar de Lysias, o filho de Baco, que também consta da mitologia lusitana... Baco foi talvez o único que Camões decidiu usar. Comportou-se como exigido na mitologia, para poder encriptar nos Lusíadas a sua versão da história recente.

Sobre a Serra da Estrela, Silveira fala da toponímia ligada a uma rocha em forma de estrela, ou de um Templo a Lucífer - entendendo-se aí Vénus, como Estrela de Alva (que era diferenciada na sua aparição a Poente, com o nome Hesper). Seria assim Serra da Estrela de Alva... algo que ele parece querer confirmar falando logo de seguida da tripla origem dos rios Alva, Mondego e Zêzere, algo que já foi mencionado.

Porém, o mais relevante é quando menciona a "Lagoa Escura" e diz
(...) a qual, quando o mar anda bravo se enfurece também, dando bramidos como trovão, motivo porque os naturais crêem que comunica com o mar, e ainda mais o asseveram os que sabem, que João Vaseo, escreve que nela já foram achados troços de mastros de navios.
O relato a que alude Gordon, Buffon e depois Tylor tem o autor identificado, é João Vaseo... e por aí fomos chegar às curtas referências que restam de um "insígne gramático" contemporâneo de João de Barros, Gaspar Barreiros, mas cujo nome nos tem sido afastado.

Fonte de Cadima
Aparentemente numa sua Crónica de Hespanha, João Vaseo fala ainda da tal fonte que tudo absorvia, conforme afirmava Gordon. Fomos encontrar esse relato num site Novo Aquilégio que fala da Fonte de Cadima, associando-a aos Olhos de Fervença, próximos de Tentúgal. Não se conhecendo a obra de Vaseo, é usada uma citação de um Aquilégio Medicinal de 1726 (pág. 115), de Francisco Fonseca Henriques, que diz:
No lugar de Cadima, distante duas léguas da Vila de Tentúgal, comarca de Coimbra, há uma fonte ou charco, que tem de altura um palmo de água, a que os da terra chamam Fervenças, a qual sorve tudo quanto nela se lança, ainda que sejão cousas que nela não cabem , e segundo escreve João Vaseo na Crónica de Hespanha, e depois dele o Padre António Vasconcelos, e Duarte Nunez de Leão nas descrições que escreveram de Portugal, já sucedeu que sorveu arvores inteiras, que de propósito se lhe lançaram, para ver se as sorvia, e chegando-lhe uma besta, a ia sorvendo, de maneira, que com grande trabalho tiveram mão nela.
Olhos de Fervença, a fonte de Cadima (imagem)

À época a fama desta fonte seria bem maior, mas terá sido destronada pelos pastéis de Tentúgal... se existiram alguns olhos de outra dimensão, que ali colocaram na escrita quase a descrição de um mini-buraco-negro, tratou-se de fantasia ou pelo menos fenómeno ocasional (o Aquilégio de 1726 dá conta de fenómeno semelhante na Vila do Cano, em Évora). Vaseo teria ainda tentado relacionar Cadima com uma descrição de Plínio, do chamado Campo Carrinense, que os espanhóis localizam como sendo as Fontes Carrionas.
Ainda que com dificuldade, é interessante ter conseguido ir buscar a origem do relato - João Vaseo, primeiro eminente gramático e depois enterrado nas areias do tempo.

Monte do Cantaro
Não acaba aqui a referência à Serra da Estrela, e no Archivo Popular de 1839 aparece uma outra informação interessante. Para além de ser dito que a Serra estava continuamente coberta por neve (não é a primeira vez que lemos isto), fala-se numa pirâmide, de rochas naturais, no topo da Serra, e é então chamado o "Monte do Cantaro".
É claro que hoje temos a informação de que o ponto mais alto é a zona da Torre, mas é natural considerar que o Cântaro Magro, com a sua forma singular, seria tido como o pico.
 
O Cântaro Magro e os 3 Cântaros (Gordo, Raso, e Magro)

Desconhecia a designação dos Cântaros... ou a estória de que a povoação do Carvalho tinha obrigação de aí colocar um cântaro, mas a denominação particular é conhecida dos montanhistas.

Para finalizar o apontamento, que já vai longo, encontrámos ainda o Dicionário do Portugal Antigo e Moderno, de Augusto Pinho Leal, que no Volume 9, de 1880, já refere as neves restritas aos meses de inverno, e que sobre a antiga vila de Serdaça diz a certa altura:
A 200 metros de distancia, passa o rio Mondego, e fica também próximo o monte do Cântaro (o Olympo dos antigos). Deste monte brotam trez caudalosos mananciaes de cristalinas águas, que dão origem a trez rios — o Mondego, o Alva e o Zêzere.
Desconheço igualmente a razão pela qual Pinho Leal se vai lembrar de associar o Monte do Cântaro ao "Olimpo dos antigos"... parece descabido e de pretencioso nacionalismo exacerbado. É interessante notar que o início do Séc. XIX aparece bem mais frio do que o final do mesmo século... e não só! Apesar dessas neves constantes na Serra da Estrela, Silveira afirma que a Serra de Montejunto seria a mais alta de Portugal... hipótese que também é mencionada no Archivo Popular, mas descartada.

Serra do Caramulo
Não deixamos de assinalar uma outra formação estranha, que é relatada no Archivo Popular, e por Silveira... as rochas empilhadas no topo da Serra do Caramulo - que são ainda hoje bem visíveis, mas menos conhecidas do que os chapéus da Páscoa:


Talvez se pretenda que as formações sejam naturais, ou que sejam celtas, ou quiçá até romanas... não faço ideia e já nada espanta... a arqueologia às vezes parece-se resumir a inventar a melhor estória que cole nas duas ou três possibilidades oficiais.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 22:01

Quando falámos aqui sobre as Âncoras Suiças, já tinhamos também lido relatos de terem sido encontradas embarcações na Lagoa da Serra da Estrela. Coisa um pouco estranha... mas nada impedia terem sido feitas embarcações para a Lagoa (Comprida). Ao mesmo tempo esses relatos invocavam uma profundidade insondável e a suspeita dessa Lagoa ter comunicação com o mar... pelo que demos mais relevo ao relato notável da descoberta de âncoras incrustadas nas montanhas suiças, conforme afirmava António Galvão.

Na sequência do post anterior, voltamos a abordar a questão das âncoras suiças, porque fomos encontrar um relato notável de 1878, de Edward B. Tylor. Ele localiza a história que Galvão contava, porque Buffon na sua Teoria da Terra invoca essa descoberta:
Sur la montagne de Stella au Portugal, il y a un lac dans lequel on a trouvé des débris de vaisseaux, quoique cette montagen soit éloignée de la mer de plus de douze lieues (Voyez la Geographie de Gordon, édit. de Londres 1733, page 149). Sabinus, dans ses commentaires sur les métamorphoses d'Ovide, dit qu'il paroît para les monumens de l'Histoire, qu'en l'année 1460 on trouva dans une mine des Alpes un vaisseau avec ses ancres.
 Temos aqui o relato da Serra da Estrela, e ao mesmo tempo o relato da Suiça, mais detalhado.
A origem é Angelo Sabino que num comentário a um texto de Ovídio relata a descoberta do navio com as âncoras numa mina dos Alpes.
Barcos incrustados numa mina dos Alpes... e que forma teriam as suas proas?
Olhando para os símbolos dos cantões suiços, percebe-se que houve uma Jura em Basileia:
  
brasões dos 2 cantóes de Basileia e brasão do cantão do Jura
... a semelhança com proas de navios antigos fica justificada!

Para que se perceba o silêncio sobre o assunto... que deveria constar nalgum livro de teorias de conspiração, de civilizações antigas, ou algo semelhante... basta fazer uma pesquisa no Google sobre o assunto. Em particular experimente-se "mine des Alpes un vaisseau avec ses ancres"... alguém deveria ter citado o Conde Buffon, autor largamente conhecido, considerado percursor da teoria da evolução.
Ora, aparecem 5 resultados antes do Séc. XX, e a partir daí o assunto morre por completo, ou quase...
Poderá dizer-se que é por ser em francês... mas então vamos experimentar encontrar uma citação ao texto de Edward Tylor:
"in the year 1460 a vessel was found with its anchors"
ocorrem 3 resultados ligados ao próprio texto que encontrámos!      [as aspas são necessárias]
Se o Google estiver a funcionar bem, acrescem os novos resultados deste blog, após publicar o post. Ou seja, será que há quase 150 anos que não se publica nada sobre o assunto?!
É natural, os "teóricos da conspiração" seguem aquele caminho habitual que é seguir o guru anterior, e não fazem pesquisa própria... repetem o que é suposto ser repetido, interessam-se sobre aquilo que lhes é dito ser interessante, e vão calcorreando o caminho das pedras gastas. Como o objectivo é quase sempre o reconhecimento comunitário, não faz aí nenhum sentido caminhar isolado. Apesar de estarem habitualmente fora da academia oficial, vão desenvolvendo uma academia alternativa imitando a hierarquia pelos seus sucessos livreiros... e ficam assim facilmente manipuláveis, mesmo que alguns não o saibam.

Desculpando-me por estas divagações, resultado da irritação de ver mais um "assunto escaldante" que foi escondido com sucesso, regresso ao assunto principal.

Estamos em 1460, e uns mineiros da Suiça comunicam a descoberta de navios incrustados nas minas... o efeito deve ter sido avassalador! A Suiça que pouco mais seria do que um projecto de intenções anti-domínio Habsburgo fica subitamente armada com uma besta letal.
Se Hércules segurava uma Maça numa mão e uma Maçã na outra... Guilherme Tell apontou directamente à maçã, sendo certo que no tiro da besta arriscava a aniquilação do filho. 
A lenda de Guilherme Tell aparece não em 1460, mas sim por volta de 1470, e algumas décadas depois os suiços vão ocupar lugar de destaque na protecção do Papa. A partir daí a história da independência Suiça é uma história de sucesso, e apesar de alinharem pelo lado protestante ou calvinista, nunca deixarão de ter aquele lugar especial no coração ultra-católico do Vaticano.

Quer Buffon, quer Tylor, alongam-se no discurso sobre as eventuais evidências de um nível marítimo superior ao contemporâneo, nomeadamente pelo registo fóssil. Em particular é referida a evidência da presença marítima no deserto da Mongólia, conforme já abordámos.
Tylor apanha já a transição para o Darwinismo, e essa mudança de mentalidades é bem denunciada nalgumas frases:
            "In the ninth edition of Home's 'Introduction to the Scriptures,' published in 1846, the evidence of fossils is confidently held to prove the universality of the Deluge; but the argument disappears from the next edition, published ten years later."
Aproximava-se uma "entente cordiale" que recolocaria a educação no devido lugar.

Tylor vai ainda muito mais longe... 
Both in Scotland and in South America, upheaval of land in more or less modern times is a recognized fact, and the finding of boats, as of various other productions of human art, in places where they could hardly have been placed by man, is readily accounted for between this upheaval and the effects of ordinary accumulation and degradation.
(estes barcos e artefactos em posições estranhas não são muito relatados... a menos de algum conto de reis de Garcia Marquez, que colocava barcos em desertos)
... e atreve-se a falar na questão dos gigantes.
Deixo uma larga citação que é instrutiva em muitos aspectos:
In the Old World, myths both old and new connected with huge bones, fossil or recent, are common enough. Marcus Scaurus brought to Rome, from Joppa, the bones of the monster who was to have devoured Andromeda, while the vestiges of the chains which bound her were to be seen there on the rock; and the sepulchre of Antaeus, containing his skeleton, 60 cubits long, was found in Mauritania. 
Don Quixote was beforehand with Dr. Falconer in reasoning on the huge fossil bones so common in Sicily as remains of ancient inhabitants, as appears from his answer to the barber's question, how big he thought the giant Morgante might have been? "... Moreover, in the island of Sicily there have been found long-bones and shoulder-bones so huge, that their size manifests their owners to have been giants, and as big as great towers, for this truth geometry sets beyond doubt." Again, the fossil bones so plentifully strewed over the Sewalik, or lowest ranges of the Himalayas, belonged to the slain Rakis, [p.324] the gigantic Eakshasas of the Indian mythology. 
The remains of the Dun Cow that Guy Earl of Warwick slew are or were to be seen in England, in the shape of a whale's rib in the church of St. Mary Redcliffe, and some great fossil bone kept, I believe, in Warwick Castle. "The giant sixteen feet high, whose bones were found in 1577 near Heyden under an uprooted oak, and examined and celebrated in song by Felix Plater, the renowned physician of Basle, has been long ago banished by later naturalists into a very distant department of zoology; but the giant has from that time forth got a firm standing ground beside the arms of Lucerne, and will keep it, all critics to the contrary notwithstanding."
Ao contrário do que julgava Tylor, o brazão de Lucerna já não inclui nenhum gigante de Felix Plater, reportado com 18 ou 19 pés de altura, e que era citado por Júlio Verne na sua "Viagem ao centro da Terra"... Agora ficou bastante simplificado:

... em compensação temos o monumento de Lucerna, que ilustra a protecção que o leão dos mercenários suiços tentou fazer aquando da Revolução Francesa. A protecção da flor-de-lis da casa real francesa custou a vida a esses suiços, que tal como Buffon obedeciam ao rei francês, e que talvez lhe tivessem feito confidência do assunto esquecido das âncoras suiças.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 06:35

Quando falámos aqui sobre as Âncoras Suiças, já tinhamos também lido relatos de terem sido encontradas embarcações na Lagoa da Serra da Estrela. Coisa um pouco estranha... mas nada impedia terem sido feitas embarcações para a Lagoa (Comprida). Ao mesmo tempo esses relatos invocavam uma profundidade insondável e a suspeita dessa Lagoa ter comunicação com o mar... pelo que demos mais relevo ao relato notável da descoberta de âncoras incrustadas nas montanhas suiças, conforme afirmava António Galvão.

Na sequência do post anterior, voltamos a abordar a questão das âncoras suiças, porque fomos encontrar um relato notável de 1878, de Edward B. Tylor. Ele localiza a história que Galvão contava, porque Buffon na sua Teoria da Terra invoca essa descoberta:
Sur la montagne de Stella au Portugal, il y a un lac dans lequel on a trouvé des débris de vaisseaux, quoique cette montagen soit éloignée de la mer de plus de douze lieues (Voyez la Geographie de Gordon, édit. de Londres 1733, page 149). Sabinus, dans ses commentaires sur les métamorphoses d'Ovide, dit qu'il paroît para les monumens de l'Histoire, qu'en l'année 1460 on trouva dans une mine des Alpes un vaisseau avec ses ancres.
 Temos aqui o relato da Serra da Estrela, e ao mesmo tempo o relato da Suiça, mais detalhado.
A origem é Angelo Sabino que num comentário a um texto de Ovídio relata a descoberta do navio com as âncoras numa mina dos Alpes.
Barcos incrustados numa mina dos Alpes... e que forma teriam as suas proas?
Olhando para os símbolos dos cantões suiços, percebe-se que houve uma Jura em Basileia:
  
brasões dos 2 cantóes de Basileia e brasão do cantão do Jura
... a semelhança com proas de navios antigos fica justificada!

Para que se perceba o silêncio sobre o assunto... que deveria constar nalgum livro de teorias de conspiração, de civilizações antigas, ou algo semelhante... basta fazer uma pesquisa no Google sobre o assunto. Em particular experimente-se "mine des Alpes un vaisseau avec ses ancres"... alguém deveria ter citado o Conde Buffon, autor largamente conhecido, considerado percursor da teoria da evolução.
Ora, aparecem 5 resultados antes do Séc. XX, e a partir daí o assunto morre por completo, ou quase...
Poderá dizer-se que é por ser em francês... mas então vamos experimentar encontrar uma citação ao texto de Edward Tylor:
"in the year 1460 a vessel was found with its anchors"
ocorrem 3 resultados ligados ao próprio texto que encontrámos!      [as aspas são necessárias]
Se o Google estiver a funcionar bem, acrescem os novos resultados deste blog, após publicar o post. Ou seja, será que há quase 150 anos que não se publica nada sobre o assunto?!
É natural, os "teóricos da conspiração" seguem aquele caminho habitual que é seguir o guru anterior, e não fazem pesquisa própria... repetem o que é suposto ser repetido, interessam-se sobre aquilo que lhes é dito ser interessante, e vão calcorreando o caminho das pedras gastas. Como o objectivo é quase sempre o reconhecimento comunitário, não faz aí nenhum sentido caminhar isolado. Apesar de estarem habitualmente fora da academia oficial, vão desenvolvendo uma academia alternativa imitando a hierarquia pelos seus sucessos livreiros... e ficam assim facilmente manipuláveis, mesmo que alguns não o saibam.

Desculpando-me por estas divagações, resultado da irritação de ver mais um "assunto escaldante" que foi escondido com sucesso, regresso ao assunto principal.

Estamos em 1460, e uns mineiros da Suiça comunicam a descoberta de navios incrustados nas minas... o efeito deve ter sido avassalador! A Suiça que pouco mais seria do que um projecto de intenções anti-domínio Habsburgo fica subitamente armada com uma besta letal.
Se Hércules segurava uma Maça numa mão e uma Maçã na outra... Guilherme Tell apontou directamente à maçã, sendo certo que no tiro da besta arriscava a aniquilação do filho. 
A lenda de Guilherme Tell aparece não em 1460, mas sim por volta de 1470, e algumas décadas depois os suiços vão ocupar lugar de destaque na protecção do Papa. A partir daí a história da independência Suiça é uma história de sucesso, e apesar de alinharem pelo lado protestante ou calvinista, nunca deixarão de ter aquele lugar especial no coração ultra-católico do Vaticano.

Quer Buffon, quer Tylor, alongam-se no discurso sobre as eventuais evidências de um nível marítimo superior ao contemporâneo, nomeadamente pelo registo fóssil. Em particular é referida a evidência da presença marítima no deserto da Mongólia, conforme já abordámos.
Tylor apanha já a transição para o Darwinismo, e essa mudança de mentalidades é bem denunciada nalgumas frases:
            "In the ninth edition of Home's 'Introduction to the Scriptures,' published in 1846, the evidence of fossils is confidently held to prove the universality of the Deluge; but the argument disappears from the next edition, published ten years later."
Aproximava-se uma "entente cordiale" que recolocaria a educação no devido lugar.

Tylor vai ainda muito mais longe... 
Both in Scotland and in South America, upheaval of land in more or less modern times is a recognized fact, and the finding of boats, as of various other productions of human art, in places where they could hardly have been placed by man, is readily accounted for between this upheaval and the effects of ordinary accumulation and degradation.
(estes barcos e artefactos em posições estranhas não são muito relatados... a menos de algum conto de reis de Garcia Marquez, que colocava barcos em desertos)
... e atreve-se a falar na questão dos gigantes.
Deixo uma larga citação que é instrutiva em muitos aspectos:
In the Old World, myths both old and new connected with huge bones, fossil or recent, are common enough. Marcus Scaurus brought to Rome, from Joppa, the bones of the monster who was to have devoured Andromeda, while the vestiges of the chains which bound her were to be seen there on the rock; and the sepulchre of Antaeus, containing his skeleton, 60 cubits long, was found in Mauritania. 
Don Quixote was beforehand with Dr. Falconer in reasoning on the huge fossil bones so common in Sicily as remains of ancient inhabitants, as appears from his answer to the barber's question, how big he thought the giant Morgante might have been? "... Moreover, in the island of Sicily there have been found long-bones and shoulder-bones so huge, that their size manifests their owners to have been giants, and as big as great towers, for this truth geometry sets beyond doubt." Again, the fossil bones so plentifully strewed over the Sewalik, or lowest ranges of the Himalayas, belonged to the slain Rakis, [p.324] the gigantic Eakshasas of the Indian mythology. 
The remains of the Dun Cow that Guy Earl of Warwick slew are or were to be seen in England, in the shape of a whale's rib in the church of St. Mary Redcliffe, and some great fossil bone kept, I believe, in Warwick Castle. "The giant sixteen feet high, whose bones were found in 1577 near Heyden under an uprooted oak, and examined and celebrated in song by Felix Plater, the renowned physician of Basle, has been long ago banished by later naturalists into a very distant department of zoology; but the giant has from that time forth got a firm standing ground beside the arms of Lucerne, and will keep it, all critics to the contrary notwithstanding."
Ao contrário do que julgava Tylor, o brazão de Lucerna já não inclui nenhum gigante de Felix Plater, reportado com 18 ou 19 pés de altura, e que era citado por Júlio Verne na sua "Viagem ao centro da Terra"... Agora ficou bastante simplificado:

... em compensação temos o monumento de Lucerna, que ilustra a protecção que o leão dos mercenários suiços tentou fazer aquando da Revolução Francesa. A protecção da flor-de-lis da casa real francesa custou a vida a esses suiços, que tal como Buffon obedeciam ao rei francês, e que talvez lhe tivessem feito confidência do assunto esquecido das âncoras suiças.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 06:35

Quando falámos aqui sobre as Âncoras Suiças, já tinhamos também lido relatos de terem sido encontradas embarcações na Lagoa da Serra da Estrela. Coisa um pouco estranha... mas nada impedia terem sido feitas embarcações para a Lagoa (Comprida). Ao mesmo tempo esses relatos invocavam uma profundidade insondável e a suspeita dessa Lagoa ter comunicação com o mar... pelo que demos mais relevo ao relato notável da descoberta de âncoras incrustadas nas montanhas suiças, conforme afirmava António Galvão.

Na sequência do post anterior, voltamos a abordar a questão das âncoras suiças, porque fomos encontrar um relato notável de 1878, de Edward B. Tylor. Ele localiza a história que Galvão contava, porque Buffon na sua Teoria da Terra invoca essa descoberta:
Sur la montagne de Stella au Portugal, il y a un lac dans lequel on a trouvé des débris de vaisseaux, quoique cette montagen soit éloignée de la mer de plus de douze lieues (Voyez la Geographie de Gordon, édit. de Londres 1733, page 149). Sabinus, dans ses commentaires sur les métamorphoses d'Ovide, dit qu'il paroît para les monumens de l'Histoire, qu'en l'année 1460 on trouva dans une mine des Alpes un vaisseau avec ses ancres.
 Temos aqui o relato da Serra da Estrela, e ao mesmo tempo o relato da Suiça, mais detalhado.
A origem é Angelo Sabino que num comentário a um texto de Ovídio relata a descoberta do navio com as âncoras numa mina dos Alpes.
Barcos incrustados numa mina dos Alpes... e que forma teriam as suas proas?
Olhando para os símbolos dos cantões suiços, percebe-se que houve uma Jura em Basileia:
  
brasões dos 2 cantóes de Basileia e brasão do cantão do Jura
... a semelhança com proas de navios antigos fica justificada!

Para que se perceba o silêncio sobre o assunto... que deveria constar nalgum livro de teorias de conspiração, de civilizações antigas, ou algo semelhante... basta fazer uma pesquisa no Google sobre o assunto. Em particular experimente-se "mine des Alpes un vaisseau avec ses ancres"... alguém deveria ter citado o Conde Buffon, autor largamente conhecido, considerado percursor da teoria da evolução.
Ora, aparecem 5 resultados antes do Séc. XX, e a partir daí o assunto morre por completo, ou quase...
Poderá dizer-se que é por ser em francês... mas então vamos experimentar encontrar uma citação ao texto de Edward Tylor:
"in the year 1460 a vessel was found with its anchors"
ocorrem 3 resultados ligados ao próprio texto que encontrámos!      [as aspas são necessárias]
Se o Google estiver a funcionar bem, acrescem os novos resultados deste blog, após publicar o post. Ou seja, será que há quase 150 anos que não se publica nada sobre o assunto?!
É natural, os "teóricos da conspiração" seguem aquele caminho habitual que é seguir o guru anterior, e não fazem pesquisa própria... repetem o que é suposto ser repetido, interessam-se sobre aquilo que lhes é dito ser interessante, e vão calcorreando o caminho das pedras gastas. Como o objectivo é quase sempre o reconhecimento comunitário, não faz aí nenhum sentido caminhar isolado. Apesar de estarem habitualmente fora da academia oficial, vão desenvolvendo uma academia alternativa imitando a hierarquia pelos seus sucessos livreiros... e ficam assim facilmente manipuláveis, mesmo que alguns não o saibam.

Desculpando-me por estas divagações, resultado da irritação de ver mais um "assunto escaldante" que foi escondido com sucesso, regresso ao assunto principal.

Estamos em 1460, e uns mineiros da Suiça comunicam a descoberta de navios incrustados nas minas... o efeito deve ter sido avassalador! A Suiça que pouco mais seria do que um projecto de intenções anti-domínio Habsburgo fica subitamente armada com uma besta letal.
Se Hércules segurava uma Maça numa mão e uma Maçã na outra... Guilherme Tell apontou directamente à maçã, sendo certo que no tiro da besta arriscava a aniquilação do filho. 
A lenda de Guilherme Tell aparece não em 1460, mas sim por volta de 1470, e algumas décadas depois os suiços vão ocupar lugar de destaque na protecção do Papa. A partir daí a história da independência Suiça é uma história de sucesso, e apesar de alinharem pelo lado protestante ou calvinista, nunca deixarão de ter aquele lugar especial no coração ultra-católico do Vaticano.

Quer Buffon, quer Tylor, alongam-se no discurso sobre as eventuais evidências de um nível marítimo superior ao contemporâneo, nomeadamente pelo registo fóssil. Em particular é referida a evidência da presença marítima no deserto da Mongólia, conforme já abordámos.
Tylor apanha já a transição para o Darwinismo, e essa mudança de mentalidades é bem denunciada nalgumas frases:
            "In the ninth edition of Home's 'Introduction to the Scriptures,' published in 1846, the evidence of fossils is confidently held to prove the universality of the Deluge; but the argument disappears from the next edition, published ten years later."
Aproximava-se uma "entente cordiale" que recolocaria a educação no devido lugar.

Tylor vai ainda muito mais longe... 
Both in Scotland and in South America, upheaval of land in more or less modern times is a recognized fact, and the finding of boats, as of various other productions of human art, in places where they could hardly have been placed by man, is readily accounted for between this upheaval and the effects of ordinary accumulation and degradation.
(estes barcos e artefactos em posições estranhas não são muito relatados... a menos de algum conto de reis de Garcia Marquez, que colocava barcos em desertos)
... e atreve-se a falar na questão dos gigantes.
Deixo uma larga citação que é instrutiva em muitos aspectos:
In the Old World, myths both old and new connected with huge bones, fossil or recent, are common enough. Marcus Scaurus brought to Rome, from Joppa, the bones of the monster who was to have devoured Andromeda, while the vestiges of the chains which bound her were to be seen there on the rock; and the sepulchre of Antaeus, containing his skeleton, 60 cubits long, was found in Mauritania. 
Don Quixote was beforehand with Dr. Falconer in reasoning on the huge fossil bones so common in Sicily as remains of ancient inhabitants, as appears from his answer to the barber's question, how big he thought the giant Morgante might have been? "... Moreover, in the island of Sicily there have been found long-bones and shoulder-bones so huge, that their size manifests their owners to have been giants, and as big as great towers, for this truth geometry sets beyond doubt." Again, the fossil bones so plentifully strewed over the Sewalik, or lowest ranges of the Himalayas, belonged to the slain Rakis, [p.324] the gigantic Eakshasas of the Indian mythology. 
The remains of the Dun Cow that Guy Earl of Warwick slew are or were to be seen in England, in the shape of a whale's rib in the church of St. Mary Redcliffe, and some great fossil bone kept, I believe, in Warwick Castle. "The giant sixteen feet high, whose bones were found in 1577 near Heyden under an uprooted oak, and examined and celebrated in song by Felix Plater, the renowned physician of Basle, has been long ago banished by later naturalists into a very distant department of zoology; but the giant has from that time forth got a firm standing ground beside the arms of Lucerne, and will keep it, all critics to the contrary notwithstanding."
Ao contrário do que julgava Tylor, o brazão de Lucerna já não inclui nenhum gigante de Felix Plater, reportado com 18 ou 19 pés de altura, e que era citado por Júlio Verne na sua "Viagem ao centro da Terra"... Agora ficou bastante simplificado:

... em compensação temos o monumento de Lucerna, que ilustra a protecção que o leão dos mercenários suiços tentou fazer aquando da Revolução Francesa. A protecção da flor-de-lis da casa real francesa custou a vida a esses suiços, que tal como Buffon obedeciam ao rei francês, e que talvez lhe tivessem feito confidência do assunto esquecido das âncoras suiças.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 22:35

A piada é simples, foi escrita por Vilhena Barbosa em 1860, mas por isso mesmo ele não poderia perceber que a estava a escrever:
No reinado de D. Maria I fizeram-se ali grandes escavações, que afinal não progrediram pela causa referida. Descobriram-se, contudo, alguns edifícios, e extraíram-se muitos objectos d'arte preciosos, medalhas, utensílios, etc. Entre os primeiros figura uma magnifica coluna de mármore branco arraiado de negro e cinzento, com um capitel de ordem corinthia, se bem nos lembramos, primorosamente cinzelado; a qual a mesma soberana mandou inaugurar n'uma praça de Setubal, onde ao presente se admira como um dos melhores adornos da cidade.
Passados onze anos, em 1871 foi inaugurada na praça de Setúbal um monumento de homenagem a Bocage.
Que monumento, que ainda se ergue hoje?
- Uma outra coluna de mármore branco sobre a qual se colocou uma estátua de Bocage:
O monumento a Bocage sobre uma coluna coríntia
... mas não a mesma que ali estava, retirada de Tróia.
[foto antiga no blog pracadobocage.wordpress.com]

É preciso explicar mais o humor dos nossos governantes?
Como o assunto é Bocage e Vilhena, apetece usar o vernáculo para exprimir sentimentos... mas lá está - é melhor observar, perceber, e sorrir. 
O sorriso é a melhor arma da impotência contra o absurdo da prepotência.

Já tínhamos escrito que o epíteto "louca" para D. Maria I revelaria uma outra coisa, tal como aconteceu com Afonso VI... mas não sabíamos que no seu reinado tinham sido feitas grandes escavações em Tróia. Claramente uma antecessora em 100 anos da busca que Schliemann levou depois para a Turquia. Fechada uma Tróia, era preciso abrir as escavações para outra...
Quando é que Schliemann começa as suas escavações em Hissarlik?
Exactamente na década em que se inaugurava a última piada du Bocage, colocada em Setúbal.
Estaremos a ser injustos, não foi provavelmente a última piada sobre Bocage, mas talvez sim a primeira...  sem intervenção do próprio.

Por outro lado, há ainda o "Pelourinho" de Setúbal, curiosamente também com uma coluna de mármore branco, mas cuja inscrição remete para o Marquês de Pombal, 1774, três anos antes de D. Maria I iniciar o seu reinado...


Colocamos ainda a imagem da página, para que não se pense que isto é piada... certamente que não será pensado pela meia-dúzia de leitores habituais, que já perceberam que os assuntos de aqui falo são do mais sério que se pode imaginar... mas poderia ser entendido como tal por algum leitor incauto.
Página 50 do Volume III das Cidades e Villas... de Vilhena Barbosa

Quando, há um ano atrás, referia a citação de Damião Castro sobre as Torres Altas... estava obviamente a lembrar-me dos empreendimentos Torralta, que caracterizaram Tróia.
Se de um lado do Promontório Magno estava uma Estrema Dura (com uma ilha Arrotrebae, quiçá a Arrábida), pelo lado de Tróia estava uma Estrema Arenosa. As areias dos tempos parece que decidiram ter sempre ali uma parte arenosa... e aproveito aqui para esclarecer que suspeitando ser a outra Estrema mais acima do nível do mar, na zona de Grandola... ou Cuba, a descoberta de artefactos tão antigos na península de Tróia tem um indicador diferente sobre a permanência daqueles areais ao longo dos tempos. Uma coluna coríntia é algo que não ilude pelo menos dois milénios...

Quando se fala da cimenteira de Outão, podemos responder com a Torre do Outão, quando se fala da Torralta, podemos responder com as Torres Altas da Tróia de Homero. E é claro que os empreendimentos não são só estes, nem ficaram pela zona de Setúbal... Vilhena faz nomeadamente referência à ribeira de Querteira, onde teria existido uma cidade antiquíssima. Na altura nada existia, mas no decurso do final do Século XX, como sabemos, foi levado a cabo um desenfreado ímpeto construtor no Algarve, que criou uma nova Querteira, chamada Quarteira.
A receita pode ser simples... os proprietários são confrontados com uma possibilidade de inibição de construir por cima de ruínas antigas, logo tornam-se eles próprios cúmplices de quaisquer descobertas. O essencial é prosseguir o empreendimento de pato-bravo... os bravios são apanhados como patos, e feitos cúmplices no sistema de ocultação. De bom grado desfazem-se a custo zero dos achados, sempre tidos como "romanos", e alegremente podem ocultar a paisagem e a história.

Bocage terá sido poeta da Nova Arcádia, e numa altura em que D. Maria I levara a cabo tais escavações em Tróia, o movimento da Arcádia Lusitana renascia, mas a coluna du Bocage, passados quase cem anos, vinha encerrar um movimento entretanto terminado... é revelador saber-se que Eça de Queirós esteve presente na inauguração da nova coluna, conforme se pode ler aqui.

O rasto da coluna troiana original, sendo perdido (a menos que seja o pelourinho), terá guarida nalguma colecção privada, particular, institucional ou estatal... talvez alguns dos artefactos tenham migrado para Turquia, para serem encontrados de novo, num local mais conveniente, por um qualquer Schliemann.

A voz que saiu de Setúbal nessa altura não foi propriamente a dos poetas da Arcádia, mas muito mais a voz de uma Luísa que tomou pelo casamento o nome de uma célebre montanha suiça, o Monte Todi... e coloco assim uma singela âncora para sinalização futura.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 21:05



Alojamento principal

alvor-silves.blogspot.com

calendário

Maio 2011

D S T Q Q S S
1234567
891011121314
15161718192021
22232425262728
293031



Arquivo

  1. 2020
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2019
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2018
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2017
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2016
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2015
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2014
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2013
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2012
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2011
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2010
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D