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Tendo aqui falado do livro "A Century of War", é apropriado referir as 

"Cartas de Inglaterra", de Eça de Queirós.



Exercendo funções nos consulados (15 anos em Inglaterra), Eça revela nestes textos jornalísticos algo difícil de escrutinar nos seus romances. No seu estilo sarcástico e lúcido, aborda alguns dos acontecimentos do final do Séc. XIX, que corroboram uma boa parte da análise que Engdahl faz desse período.

Aparentemente os textos destinavam-se a leitores brasileiros, ainda que também tenham sido publicados em Portugal, no Diário de Notícias. No Capítulo X intitulado "O Brazil e Portugal" deixa claro que são brasileiros os destinatários, ao avisar sobre o súbito interesse da imprensa inglesa, nomeadamente o "The Times", sobre aquele imenso território "pouco aproveitado" comercialmente. O artigo seria semi-elogioso, contrapondo o Brasil às colónias espanholas, mas Eça antevê uma outra intenção. Esta citação que Eça faz, revela bem o aviso que procurava transmitir sobre as intenções inglesas:
«No Perú, na Bolivia, no Paraguay, no Equador, em Venezuela... em outros mais, os actuais ocupadores do solo terão gradualmente de desaparecer e descer áquela condição inferior, que o seu fraco temperamento lhes marca como destino.»
Sobre esta citação do Times, Eça nota:  "Nunca se escreveu nada tão ferino!"
Está perfeitamente ciente das intenções imperiais inglesas e vê no texto uma ameaça premonitória para que os brasileiros abram a sua economia à invasão inglesa - de forma comercial, ou de forma colonial.

Este contexto é especialmente nítido na descrição "in loco" do ambiente inglês contemporâneo da invasão do Egipto. Esse era o tema da carta anterior, no Capítulo IX: "Os ingleses no Egipto".
O texto é contemporâneo dos primeiros acontecimentos, nomeadamente do "Massacre de Alexandria", e antevê o desfecho - o Egipto tornar-se-ia um protectorado britânico. A designação "massacre" é de Eça, e deveria ser opinião crítica à actuação inglesa, o mesmo termo é hoje entendido para o atentado de 2011 (nada mais que as habituais confusões), e pouco parece restar na memória dos eventos de 11 de Junho de 1882. Os couraçados ingleses, estacionados no Porto de Alexandria, dispararam à vontade, arrasando por completo a velha cidade. Se havia ainda vestígios antigos, de uma cidade que foi o expoente da civilização, muitos deles devem ter sucumbido a nova destruição.

A análise de Eça é notável, são 80 páginas imperdíveis. Basicamente Eça acaba por descrever no caso egípcio um modus operandi que se repetia e que se iria repetir, conforme Engdahl mostra.
Começa com o desejo tecnológico de um governante, seduzido pela impressionante maquinaria inglesa, qual criança numa loja de brinquedos. Ora, esse "choque tecnológico", de que precisaria o Egipto, sendo importado, acabou por ser cobrado como dívida impagável... nada de novo, ou melhor, tudo de velho. A sociedade egípcia foi minada nos seus circuitos administrativos por estrangeiros, e pela sua influência no conselho, foram tornando a situação cada vez mais insustentável para a generalidade da população - os "fellahs" que tinham um estatuto de completa servidão face ao invasor, fosse ele turco, francês ou inglês. O pretexto para o bombardeamento de Alexandria parece ter sido pouco mais do que uma vontade egípcia de recuperação dos fortes que guardavam o porto.  Conforme refere Eça, os ingleses só queriam um pretexto, e qualquer um serviria... os jornais encarregar-se-iam de vender a necessidade da invasão, a necessidade de depor o novo governo hostil à civilização e à cristandade. E assim, conforme previa Eça de Queirós, apesar dos enormes custos, à Inglaterra não parecia faltar nem dinheiro, nem motivação, que consumaram a efectiva invasão do Egipto, e terminaram com a revolta de Urabi, ainda em 1882. Fulcral para a geopolítica britânica, a passagem no Canal do Suez, mantinha-se assegurada.

Nos Capítulos VI, e VIII, Eça vai debruçar-se sobre o "Israelismo" e sobre a morte de Disraeli. Apesar do contexto da primeira carta ser o aumento do anti-semitismo na Alemanha, ambas as cartas acabam por revelar bem como se tornava evidente a influência judaica através das instituições financeiras, em particular a City de Londres, ou a Bolsa de Paris. 
Disraeli não foi um primeiro-ministro qualquer... foi o principal político no reinado da Rainha Vitória, e acabou por definir grande parte da estratégia que definiu a predominância do Império Inglês. Conforme salienta Eça, mais estranha terá sido a ascensão de um plebeu judaico ao topo da "mui selecta" hierarquia britânica. Eça avança algumas razões ocasionais, mas deixa bem clara a arquitectura judaica que o favorecera. Se Disraeli tinha renegado ao judaísmo para se tornar num puritano protestante, o filho pródigo continuava a beneficiar dos favores dos banqueiros e da imprensa, dominada pela comunidade judaica. Eça diz que a fama de "grande inglês" ultrapassava fronteiras, graças à influência da imprensa, controlada a nível global.
Conforme refere Engdahl, depois das pazes com a França, a Alemanha acabou por ser eleita como principal adversário da Inglaterra, e certamente que estes movimentos anti-judaicos, que começavam na Alemanha (e que se iriam repetir com o nazismo), só acirravam essa eleição pelos jornais britânicos. Bismarck tinha levado longe no progresso uma Alemanha que rivalizava agora com a Inglaterra. Curiosamente, Eça menciona como factor de instabilidade o problema Sérvio da Áustria, e esse seria o rastilho que levou à 1ª Guerra Mundial. 
Ainda ao jeito de alguma antevisão, é muito curiosa esta previsão relativa ao socialismo:
(...) talvez um dia, quando o socialismo fôr religião do Estado, se vejam em nichos de templo, com uma lamparina na frente, as imagens dos Santos Padres da revolução: Proudhon de oculos, Bakounine parecendo um urso sob as suas pelles russas, Karl Marx apoiado ao cajado symbolico do pastor d'almas.
Se Proudhon e Bakounine não foram tão idolatrados, é bem verdade que o prognóstico relativo a Karl Marx não falhou por muito, basta lembrar o seu enorme retrato em desfile na Praça Vermelha.

Ainda relativamente a Disraeli, Eça será bastante azedo na crítica à sua veia literária. Talvez também Oscar Wilde quando pintou uma Dorian Gray não deixasse de sugerir ao ouvido o romance Vivian Grey de Disraeli (ver conexão). O "grande inglês" não abandonaria a sua inicial veia literária, mas não seria essa que o celebrizaria, conforme Eça diagnosticara.

Não vemos em Eça uma crítica violente ao crescente poder judaico, como era já habitual no Séc. XIX - relembramos o artigo sobre os Rothschild na revista Panorama, mas ela é explícita. Há assim um misto de compreensão e condenação sobre o movimento na Alemanha. Para além disso, não eram tropas judaicas enviadas para o campo de batalha no Egipto, mas era claro o financiamento e o apoio da imprensa, nos bastidores do conflito. O financiamento que faltava ao Egipto, nunca o deixou de ter o governo inglês. E os benefícios que daí advinham para a generalidade da população inglesa não se podem apenas medir na aristocracia ou na classe média inglesa, também devem ser pesados numa Inglaterra enegrecida pelo sucesso da sua industrialização, onde uma boa parte da população partilhava um destino desgraçado, à semelhança dos "fellahs" egípcios...

Acrescento esta citação, que é ilustrativa da opinião de Eça:
Mas o pior ainda, na Allemanha, é o habil plano com que fortificam a sua prosperidade e garantem a sua influencia - plano tão hábil que tem um sabor de conspiração: na Allemanha, o judeu, lentamente, surdamente, tem-se apoderado das duas grandes forças sociaes—a Bolsa e Imprensa. Quasi todas as grandes casas bancarias da Allemanha, quasi todos os grandes jornais, estão na posse do semita. Assim, torna-se inatacavel. De modo que não só expulsa o allemão das profissões liberais, o humilha com a sua opulencia rutilante, e o traz dependente pelo capital; mas, injuria suprema, pela voz dos seus jornais, ordena-lhe o que ha-de fazer, o que ha-de pensar, como se ha-de governar e com que se ha-de bater!

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publicado às 20:52


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