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Computus

30.05.14
A marcação do tempo não é a história dos relógios.
O registo temporal começou por ser um registo da alternância entre dia e noite, seguindo-se a observação das fases lunares, e só depois do calendário solar.

Computo foi uma palavra associada ao cálculo pascal. 
A Páscoa é definida no primeiro domingo após a primeira lua cheia da Primavera. A marcação da data pascal era o cálculo mais importante a realizar na Idade Média, pois dele dependiam as outras festividades (nomeadamente a Ascenção de Jesus, comemorada 40 dias após a Páscoa, a uma Quinta-feira, chamada Quinta-feira de Espiga, ou seja, foi ontem...).
Capela da Ascenção - Jerusalém - Monte das Oliveiras

Nem sempre foi consensual a marcação da Páscoa, até porque referia a tradição judaica do mês Abib (ou Nissan ~ Abril) e por outro lado a execução de Jesus. Mesmo sendo consensual a definição, implicava observações astronómicas correctas, e as diferenças entre calendários lunares e solares complicavam os cálculos.

Putare
Computar, tal como imputar, reputar e disputar... têm atribuída origem latina a putare.
Ora, o verbo Putar, apesar da sua sonoridade inconveniente, correspondia a pensar, supor ou calcular.

"Não percebes puto" será uma maneira engraçada de dizer que não se entende "puto" como "penso".
várias teorias acerca das palavras puto e puta, e foi interessante ver doutra parte essa confirmação de "Puta" enquanto divindade associada à agricultura. 
Não há que ter pruridos induzidos por falsa cultura inibidora, que remeteu nomes de divindades para conotações sexuais puritanas. Puta é um apelido comum na Roménia, e na minha opinião é equivalente a Maia, Cíbele ou Vénus, enquanto deusas da Terra. 

Ficou claro no texto Puto de Vénus, que Puto era uma forma de Cupido. Associada ao Puto estaria obviamente no feminino, Puta, ou seja Vénus... (e "vê nus" ou "vê-nos", são alternativas).
Isto nada tem de estranho, atendendo a que os cultos de Dionísio e Cíbele promoviam orgias, e portanto as sacerdotisas do culto da divindade Puta podiam perfeitamente ser chamadas putas. Não tem que ser verdade, mas seria consistente. Por exemplo, a palavra "deputado" remeteria ao verbo "putare", de pensar, calcular, ou a um sacerdote eunuco de Puta?
Depois, a própria palavra puta não se refere só à conduta sexual, refere-se ainda hoje a um certo calculismo, a uma certa forma de ludibriar e tirar vantagem de situações por meios imorais. Por exemplo, é natural que essa facilidade sexual pudesse servir estratégias do culto.

Assim, o calculismo, tanto poderia servir para designar uma inocente computação numérica, como poderia ser posto ao serviço de outras computações, com cálculos de poder. Convém notar que as sociedades matriarcais não se impuseram pela força... já que a força física dos homens suplantaria a das mulheres sem dificuldade. 
Porém, a partir de certa altura, deixou de ser a força física a determinar a liderança social. Assim, uma sociedade matriarcal poderia ter sido imposta com computação, calculismo. Adquirida essa força mental, seria possível ao lado feminino manter um ascendente sobre a parte masculina... não tanto como amazonas guerreiras, mas como simples cultura sacerdotal. A manifestação de uma divindade masculina, um Puto, apenas como uma criança, como um cúpido destinado ao amor idealizado, pode reflectir uma rejeição ao lado violento do homem adulto, e apenas um afecto maternal ao homem criança, algo natural nessa religião mais antiga... já que, a mitologia feminina proclama: "os homens são todos iguais", e não se reportando aqui aos ideais da Revolução Francesa.

Tempo e Frequência
Bom, mas voltando ao Tempo, e esquecendo a parte de Cronos, porque já não estamos sob o signo de Touro, e também não falando do Tempo atmosférico, associado a Zeus, interessa distinguir o Tempo no movimento e na mudança.

Do ponto de vista da percepção individual, o movimento não tem que ser associado a uma mudança. Isto pode parecer estranho, mas não é a visão de algo a mexer que induz a noção temporal. A noção de mudança é feita por auxílio da memória. Resulta de saber onde estava antes e esteve depois. O movimento é apenas uma percepção vaga do fluxo que leva de um sítio ao outro... e se o movimento for suficientemente rápido, nem o vemos. A percepção visual está ajustada para décimos de segundo, e por isso com um filme a rodar a 25 imagens por segundo, não notamos diferença face à realidade. 

Hertz (Hz) é a unidade por segundo, a frequência da alteração.
O nome deriva do físico alemão Heinrich Hertz.
1 Hz é a frequência do batimento cardíaco normal, e Herz em alemão significa "coração".
Portanto, nada mais coincidente do que ter Hertz associado ao Herz!

Podemos ainda notar que o prefixo "fre" (f+re) em frequência invoca repetição noutros casos, especialmente em "freguês", mas também em "frenético", "frenesim", etc...

Interessa que se a repetição visual for superior a 25 Hz, pouco notamos visualmente (a maioria dos ecrans usa uma repetição entre 50 a 100 Hz, para conforto visual).
Curiosamente, quando termina a capacidade visual na frequência, surge a capacidade auditiva.
Ou seja, a audição humana varia entre 20 Hz e 20 000 Hz, mas não se manifesta pelo detalhe, manifesta-se por considerar essas alterações como som, ruído ou música.

Isto é importante, porque é um sinal do propósito da limitação das nossas capacidades.
Alterações superiores a 25 Hz no campo visual seriam só úteis num mundo com um caos de eventos superior ao que temos. Não estamos nesse acordo de realidade. 
Acordo vem do coração, e o nosso acordar é espelhado na frequência do batimento cardíaco. 
Quando alguém é forçado a mais de 120 batimentos por minuto, ou seja a mais de 2 Hz, ou até a 3 Hz, está prestes a sair do acordo, porque o seu coração não aguenta. Essa situação remeteria-o para outro acordo, para um mundo caótico que não é o seu... porque neste não tem 2 ou 3 Herz (corações).

Portanto, a percepção que temos da ordem visual vai no limite até aos 25 Hz. Para frequências superiores, o ouvido permite mostrar-nos que, ou se manifestam harmonicamente, em simples repetições, e funcionam como música, ou são entendidas como ruído do caos. É inútil uma deriva insana para aumento de capacidade. Ainda que as capacidades aumentem, não são ilimitadas, e acima da capacidade fica o desconhecido, para além de não evitarem o ruído. 
Do caos só podemos entender a música, a ordem, e devemos filtrar o ruído, a desordem.
Não podemos fechar a porta ao caos, porque precisamos da música na novidade entendível, mas devemos filtrá-la da poluição ruidosa, irracional.

Sem mudança não há tempo
Não haver qualquer mudança significa um congelamento... até dos relógios. 
Sem mudança, não há tempo, mas o tempo é medido pela ordem na mudança. Os relógios registam mudanças repetitivas e essas servem como referencial para as outras mudanças. 
Se todas as mudanças fossem caóticas, e nada se repetisse, também não encontraríamos relógios.

O coração é um referencial temporal no corpo relativamente à alimentação celular pela injecção de oxigénio no sangue, tal como o Sol é um referencial temporal na Terra relativamente à alimentação de cada ser. Neste sentido mais lato, o Sol funciona como coração da Terra. 
O segundo para o corpo humano é o dia para a Terra.
Assim, um dia tem 86400 segundos, e essa é a diferença proporcional entre o ciclo de alimentação celular humano regulado pelo coração, e o ciclo de alimentação animal regulado pelo Sol. Deste ponto de vista, a humanidade, com menos de 100 mil anos, é um bebé terrestre, por respeito ao ciclo biológico regulado pelo Sol.

Os animais não precisam de qualquer medida temporal, sem ser o relógio do estômago, muito ligado ao ciclo solar. A outra coordenação temporal que têm resulta de sincronização visual ou instintiva. Não precisam de relógios para marcar encontros para atacar uma presa...
A necessidade dos relógios proveio de uma necessidade humana de coordenação para além do tempo solar que regulava a percepção biológica. Passado o aspecto animal, o homem começou a definir outros ciclos temporais para coordenar acções. Devagar, horas seriam suficientes para apontar encontros, depois passou-se a espremer cada vez mais o tempo, os minutos passaram a contar, e mais recentemente, na época televisiva, até os segundos contam.
Quando o homem passou a contar os segundos, estamos a atingir o limite definido pelo coração, pelo acordo... e já não é possível espremer mais, sem entrar no caos! 

Depois, e mais importante, apesar do frenesim frenético, a mudança é cada vez menor.
O aumento da percepção leva-nos a entender coisas diferentes como iguais, e por diferentes formas parece que há uma máquina social ditada por um realejo que entrou em paranóia repetitiva e apenas produz repetições humanas, arriscando os homens a passar a realejos, para que o realejo principal justifique o seu bom funcionamento.

Os filtros que tínhamos naturalmente, que nos davam uma percepção limitada, para evitar o confronto com o caos, passaram a ser vistos como limitações. Na ânsia de conhecer mais, mais, mas sem orientação nem nexo, estaremos a mergulhar na aproximação caótica, mas já sem filtros que nos digam que informação é relevante e qual é simples ruído. Será como o sujeito que quer ouvir melhor, mas não percebe que ouvir o cantar da cigarra a quilómetros implica ouvir toda a bicharada a centenas de metros. Sem filtros próprios para decidir o que é relevante escutar, o que é informação relevante e o que é ruído, esta deriva é completamente caótica, aleatoriamente arbitrária, e parece promovida por esse próprio caos. As nossas limitações não parecem ser casuais e devem ser entendidas, para além da óbvia constatação científica. As normais limitações físicas não nos trouxeram a um inferno, foi a vontade de as superar que foi criando também situações infernais.

Tempo dos Jerónimos
Aproveito este texto, para um apontamento sobre os relógios que se podem ver nas ilustrações da Bíblia dos Jerónimos, conforme sinalizado pelo José Manuel. Como se poderá entender, o tempo que se marcava aqui pareceria correr a um ritmo mais lento...



Relógios de Pesos na Bíblia dos Jerónimos (feita em Florença, Séc. XV).

Tratam-se de relógios de pesos, que ainda não tinham pêndulo (usavam o foliot). O uso do pêndulo para sincronizar a cadência do relógio é atribuído a Galileu ou a Huyghens, já no Séc. XVII. É curioso ver também uma ampulheta, e notar que a esses relógios faltava o ponteiro dos minutos...

No Séc. XV, Filipe o Belo, Duque de Borgonha, casado com Isabel, filha de D. João I, para além de ter criado a Ordem do Tosão de Ouro, de que já falámos várias vezes, também teve aquele que é considerado como o relógio de corda mais antigo do mundo:

Se os relógios começaram a fazer parte da vida medieval, foi já no seu final que começaram a ver-se nas cidades os relógios em igrejas. O mais antigo que funciona será o de Salsbury (1386), mas mesmo antes Dante se referia ao bater do relógio (na obra Paraíso).
Só por algum prurido religioso com a herança islâmica ibérica, é que também será menos conhecida a notável obra de Al Muradi, que produziu para além de relógios, outras invenções mecânicas. O seu livro:
foi recuperado e algumas das invenções recriadas com o patrocínio, não da Andaluzia natal, mas sim do emir do Qatar.
Relógio com 3 personagens (Al Muradi)

Estamos a falar de uma obra datada pelo Séc. X, o que não deve ser considerado estranho, porque já sabemos do mecanismo de Anticitera, do Séc. I a.C. que seria mais complexo como relógio, ao incluir efemérides planetárias. Al Muradi fez ainda um mecanismo robótico, com personagens animados mecanicamente numa cena com donzelas, víboras e um criado. 
Meca parecia inspirar Mecanismos, e é também reportado um relógio com um mecanismo robotizado, que terá sido enviado a um rei francês medieval.

Ainda nessa tradição do conhecimento islâmico tem sido finalmente reconhecido que a lei de refracção da luz, atribuída a Snell e a Descartes, no Séc. XVI, estava já num manuscrito de Ibn Sahl escrito no Séc. X em Bagdad.

Outras informações, de carácter teológico, de Avicena e Averróis, apesar de serem de pensadores de religião diferente, chegaram rapidamente a influenciar os aristotélicos pensadores cristãos da Europa... e por isso seria muito estranho que relógios e outros mecanismos não fossem do conhecimento medieval dos mosteiros. Creio que o ambiente do Nome da Rosa de Umberto Eco revela todo o cuidado em manter secretos conhecimentos que abalassem a sociedade medieval. 
Quando a Caixa de Pandora foi aberta, após a Guerra dos 30 anos, houve então lugar às "reinvenções da roda"... os coches já podiam circular, e tudo parecia novo como se tivesse sido descoberto pela primeira vez. Podia até ser pela primeira vez para o próprio, mas claramente que se tratavam apenas de redescobertas, como tinha sido a redescoberta da América por Colombo.

Ainda hoje as comunidades continuam fechadas dentro dos seus conhecimentos. Um explorador que é bem conhecido no mundo islâmico - Ibn Battuta, que efectuou um périplo semelhante ao de Marco Polo, permanece quase desconhecido no mundo ocidental.
Os registos não se cruzam, as culturas continuam de costas voltadas, chineses, árabes e ocidentais todos têm histórias disjuntas, que parece não haver interesse em unir.
Convém manter a população crente numa história, e não pensar que foi enganada durante séculos.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 23:10

Computus

30.05.14
A marcação do tempo não é a história dos relógios.
O registo temporal começou por ser um registo da alternância entre dia e noite, seguindo-se a observação das fases lunares, e só depois do calendário solar.

Computo foi uma palavra associada ao cálculo pascal. 
A Páscoa é definida no primeiro domingo após a primeira lua cheia da Primavera. A marcação da data pascal era o cálculo mais importante a realizar na Idade Média, pois dele dependiam as outras festividades (nomeadamente a Ascenção de Jesus, comemorada 40 dias após a Páscoa, a uma Quinta-feira, chamada Quinta-feira de Espiga, ou seja, foi ontem...).
Capela da Ascenção - Jerusalém - Monte das Oliveiras

Nem sempre foi consensual a marcação da Páscoa, até porque referia a tradição judaica do mês Abib (ou Nissan ~ Abril) e por outro lado a execução de Jesus. Mesmo sendo consensual a definição, implicava observações astronómicas correctas, e as diferenças entre calendários lunares e solares complicavam os cálculos.

Putare
Computar, tal como imputar, reputar e disputar... têm atribuída origem latina a putare.
Ora, o verbo Putar, apesar da sua sonoridade inconveniente, correspondia a pensar, supor ou calcular.

"Não percebes puto" será uma maneira engraçada de dizer que não se entende "puto" como "penso".
várias teorias acerca das palavras puto e puta, e foi interessante ver doutra parte essa confirmação de "Puta" enquanto divindade associada à agricultura. 
Não há que ter pruridos induzidos por falsa cultura inibidora, que remeteu nomes de divindades para conotações sexuais puritanas. Puta é um apelido comum na Roménia, e na minha opinião é equivalente a Maia, Cíbele ou Vénus, enquanto deusas da Terra. 

Ficou claro no texto Puto de Vénus, que Puto era uma forma de Cupido. Associada ao Puto estaria obviamente no feminino, Puta, ou seja Vénus... (e "vê nus" ou "vê-nos", são alternativas).
Isto nada tem de estranho, atendendo a que os cultos de Dionísio e Cíbele promoviam orgias, e portanto as sacerdotisas do culto da divindade Puta podiam perfeitamente ser chamadas putas. Não tem que ser verdade, mas seria consistente. Por exemplo, a palavra "deputado" remeteria ao verbo "putare", de pensar, calcular, ou a um sacerdote eunuco de Puta?
Depois, a própria palavra puta não se refere só à conduta sexual, refere-se ainda hoje a um certo calculismo, a uma certa forma de ludibriar e tirar vantagem de situações por meios imorais. Por exemplo, é natural que essa facilidade sexual pudesse servir estratégias do culto.

Assim, o calculismo, tanto poderia servir para designar uma inocente computação numérica, como poderia ser posto ao serviço de outras computações, com cálculos de poder. Convém notar que as sociedades matriarcais não se impuseram pela força... já que a força física dos homens suplantaria a das mulheres sem dificuldade. 
Porém, a partir de certa altura, deixou de ser a força física a determinar a liderança social. Assim, uma sociedade matriarcal poderia ter sido imposta com computação, calculismo. Adquirida essa força mental, seria possível ao lado feminino manter um ascendente sobre a parte masculina... não tanto como amazonas guerreiras, mas como simples cultura sacerdotal. A manifestação de uma divindade masculina, um Puto, apenas como uma criança, como um cúpido destinado ao amor idealizado, pode reflectir uma rejeição ao lado violento do homem adulto, e apenas um afecto maternal ao homem criança, algo natural nessa religião mais antiga... já que, a mitologia feminina proclama: "os homens são todos iguais", e não se reportando aqui aos ideais da Revolução Francesa.

Tempo e Frequência
Bom, mas voltando ao Tempo, e esquecendo a parte de Cronos, porque já não estamos sob o signo de Touro, e também não falando do Tempo atmosférico, associado a Zeus, interessa distinguir o Tempo no movimento e na mudança.

Do ponto de vista da percepção individual, o movimento não tem que ser associado a uma mudança. Isto pode parecer estranho, mas não é a visão de algo a mexer que induz a noção temporal. A noção de mudança é feita por auxílio da memória. Resulta de saber onde estava antes e esteve depois. O movimento é apenas uma percepção vaga do fluxo que leva de um sítio ao outro... e se o movimento for suficientemente rápido, nem o vemos. A percepção visual está ajustada para décimos de segundo, e por isso com um filme a rodar a 25 imagens por segundo, não notamos diferença face à realidade. 

Hertz (Hz) é a unidade por segundo, a frequência da alteração.
O nome deriva do físico alemão Heinrich Hertz.
1 Hz é a frequência do batimento cardíaco normal, e Herz em alemão significa "coração".
Portanto, nada mais coincidente do que ter Hertz associado ao Herz!

Podemos ainda notar que o prefixo "fre" (f+re) em frequência invoca repetição noutros casos, especialmente em "freguês", mas também em "frenético", "frenesim", etc...

Interessa que se a repetição visual for superior a 25 Hz, pouco notamos visualmente (a maioria dos ecrans usa uma repetição entre 50 a 100 Hz, para conforto visual).
Curiosamente, quando termina a capacidade visual na frequência, surge a capacidade auditiva.
Ou seja, a audição humana varia entre 20 Hz e 20 000 Hz, mas não se manifesta pelo detalhe, manifesta-se por considerar essas alterações como som, ruído ou música.

Isto é importante, porque é um sinal do propósito da limitação das nossas capacidades.
Alterações superiores a 25 Hz no campo visual seriam só úteis num mundo com um caos de eventos superior ao que temos. Não estamos nesse acordo de realidade. 
Acordo vem do coração, e o nosso acordar é espelhado na frequência do batimento cardíaco. 
Quando alguém é forçado a mais de 120 batimentos por minuto, ou seja a mais de 2 Hz, ou até a 3 Hz, está prestes a sair do acordo, porque o seu coração não aguenta. Essa situação remeteria-o para outro acordo, para um mundo caótico que não é o seu... porque neste não tem 2 ou 3 Herz (corações).

Portanto, a percepção que temos da ordem visual vai no limite até aos 25 Hz. Para frequências superiores, o ouvido permite mostrar-nos que, ou se manifestam harmonicamente, em simples repetições, e funcionam como música, ou são entendidas como ruído do caos. É inútil uma deriva insana para aumento de capacidade. Ainda que as capacidades aumentem, não são ilimitadas, e acima da capacidade fica o desconhecido, para além de não evitarem o ruído. 
Do caos só podemos entender a música, a ordem, e devemos filtrar o ruído, a desordem.
Não podemos fechar a porta ao caos, porque precisamos da música na novidade entendível, mas devemos filtrá-la da poluição ruidosa, irracional.

Sem mudança não há tempo
Não haver qualquer mudança significa um congelamento... até dos relógios. 
Sem mudança, não há tempo, mas o tempo é medido pela ordem na mudança. Os relógios registam mudanças repetitivas e essas servem como referencial para as outras mudanças. 
Se todas as mudanças fossem caóticas, e nada se repetisse, também não encontraríamos relógios.

O coração é um referencial temporal no corpo relativamente à alimentação celular pela injecção de oxigénio no sangue, tal como o Sol é um referencial temporal na Terra relativamente à alimentação de cada ser. Neste sentido mais lato, o Sol funciona como coração da Terra. 
O segundo para o corpo humano é o dia para a Terra.
Assim, um dia tem 86400 segundos, e essa é a diferença proporcional entre o ciclo de alimentação celular humano regulado pelo coração, e o ciclo de alimentação animal regulado pelo Sol. Deste ponto de vista, a humanidade, com menos de 100 mil anos, é um bebé terrestre, por respeito ao ciclo biológico regulado pelo Sol.

Os animais não precisam de qualquer medida temporal, sem ser o relógio do estômago, muito ligado ao ciclo solar. A outra coordenação temporal que têm resulta de sincronização visual ou instintiva. Não precisam de relógios para marcar encontros para atacar uma presa...
A necessidade dos relógios proveio de uma necessidade humana de coordenação para além do tempo solar que regulava a percepção biológica. Passado o aspecto animal, o homem começou a definir outros ciclos temporais para coordenar acções. Devagar, horas seriam suficientes para apontar encontros, depois passou-se a espremer cada vez mais o tempo, os minutos passaram a contar, e mais recentemente, na época televisiva, até os segundos contam.
Quando o homem passou a contar os segundos, estamos a atingir o limite definido pelo coração, pelo acordo... e já não é possível espremer mais, sem entrar no caos! 

Depois, e mais importante, apesar do frenesim frenético, a mudança é cada vez menor.
O aumento da percepção leva-nos a entender coisas diferentes como iguais, e por diferentes formas parece que há uma máquina social ditada por um realejo que entrou em paranóia repetitiva e apenas produz repetições humanas, arriscando os homens a passar a realejos, para que o realejo principal justifique o seu bom funcionamento.

Os filtros que tínhamos naturalmente, que nos davam uma percepção limitada, para evitar o confronto com o caos, passaram a ser vistos como limitações. Na ânsia de conhecer mais, mais, mas sem orientação nem nexo, estaremos a mergulhar na aproximação caótica, mas já sem filtros que nos digam que informação é relevante e qual é simples ruído. Será como o sujeito que quer ouvir melhor, mas não percebe que ouvir o cantar da cigarra a quilómetros implica ouvir toda a bicharada a centenas de metros. Sem filtros próprios para decidir o que é relevante escutar, o que é informação relevante e o que é ruído, esta deriva é completamente caótica, aleatoriamente arbitrária, e parece promovida por esse próprio caos. As nossas limitações não parecem ser casuais e devem ser entendidas, para além da óbvia constatação científica. As normais limitações físicas não nos trouxeram a um inferno, foi a vontade de as superar que foi criando também situações infernais.

Tempo dos Jerónimos
Aproveito este texto, para um apontamento sobre os relógios que se podem ver nas ilustrações da Bíblia dos Jerónimos, conforme sinalizado pelo José Manuel. Como se poderá entender, o tempo que se marcava aqui pareceria correr a um ritmo mais lento...



Relógios de Pesos na Bíblia dos Jerónimos (feita em Florença, Séc. XV).

Tratam-se de relógios de pesos, que ainda não tinham pêndulo (usavam o foliot). O uso do pêndulo para sincronizar a cadência do relógio é atribuído a Galileu ou a Huyghens, já no Séc. XVII. É curioso ver também uma ampulheta, e notar que a esses relógios faltava o ponteiro dos minutos...

No Séc. XV, Filipe o Belo, Duque de Borgonha, casado com Isabel, filha de D. João I, para além de ter criado a Ordem do Tosão de Ouro, de que já falámos várias vezes, também teve aquele que é considerado como o relógio de corda mais antigo do mundo:

Se os relógios começaram a fazer parte da vida medieval, foi já no seu final que começaram a ver-se nas cidades os relógios em igrejas. O mais antigo que funciona será o de Salsbury (1386), mas mesmo antes Dante se referia ao bater do relógio (na obra Paraíso).
Só por algum prurido religioso com a herança islâmica ibérica, é que também será menos conhecida a notável obra de Al Muradi, que produziu para além de relógios, outras invenções mecânicas. O seu livro:
Livro dos Segredos (de Al Muradi)
foi recuperado e algumas das invenções recriadas com o patrocínio, não da Andaluzia natal, mas sim do emir do Qatar.
Relógio com 3 personagens (Al Muradi)

Estamos a falar de uma obra datada pelo Séc. X, o que não deve ser considerado estranho, porque já sabemos do mecanismo de Anticitera, do Séc. I a.C. que seria mais complexo como relógio, ao incluir efemérides planetárias. Al Muradi fez ainda um mecanismo robótico, com personagens animados mecanicamente numa cena com donzelas, víboras e um criado. 
Meca parecia inspirar Mecanismos, e é também reportado um relógio com um mecanismo robotizado, que terá sido enviado a um rei francês medieval.

Ainda nessa tradição do conhecimento islâmico tem sido finalmente reconhecido que a lei de refracção da luz, atribuída a Snell e a Descartes, no Séc. XVI, estava já num manuscrito de Ibn Sahl escrito no Séc. X em Bagdad.

Outras informações, de carácter teológico, de Avicena e Averróis, apesar de serem de pensadores de religião diferente, chegaram rapidamente a influenciar os aristotélicos pensadores cristãos da Europa... e por isso seria muito estranho que relógios e outros mecanismos não fossem do conhecimento medieval dos mosteiros. Creio que o ambiente do Nome da Rosa de Umberto Eco revela todo o cuidado em manter secretos conhecimentos que abalassem a sociedade medieval. 
Quando a Caixa de Pandora foi aberta, após a Guerra dos 30 anos, houve então lugar às "reinvenções da roda"... os coches já podiam circular, e tudo parecia novo como se tivesse sido descoberto pela primeira vez. Podia até ser pela primeira vez para o próprio, mas claramente que se tratavam apenas de redescobertas, como tinha sido a redescoberta da América por Colombo.

Ainda hoje as comunidades continuam fechadas dentro dos seus conhecimentos. Um explorador que é bem conhecido no mundo islâmico - Ibn Battuta, que efectuou um périplo semelhante ao de Marco Polo, permanece quase desconhecido no mundo ocidental.
Os registos não se cruzam, as culturas continuam de costas voltadas, chineses, árabes e ocidentais todos têm histórias disjuntas, que parece não haver interesse em unir.
Convém manter a população crente numa história, e não pensar que foi enganada durante séculos.

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publicado às 23:10

Este texto resulta muito do elmo neste retrato de Manuel Pinto da Fonseca:

O elmo é aqui colocado em comparação com o Elmo atribuído a D. Sebastião, que foi objecto de um outro texto Santelmo... até em sinalização de um forte de Santo Elmo em La Valleta, Malta, e seguia-se a um outro texto sobre Valetas e Gozo de Malta.

Lendo esse texto, a relação que coloquei do Elmo a Santelmo... foi, no mínimo, um bocadinho forçada pelo nome e pelo facto dos Hospitalários se terem refugiado em Malta após a conquista otomana de Rodes. A oferta tinha sido de Carlos V, e um Elmo de D. Sebastião era também de Carlos V.
Havia alguma relação, mas seria mais uma relação discursiva, que permitia ligar temas.

Ora, entretanto, Manuel Pinto da Fonseca, o 68º Grande Mestre da Ordem de Malta, entre 1741 e 1773, fez o favor de se fazer pintar em trajos anacrónicos, com armadura e elmo próprios do Séc. XVI.
É fácil ver que o elmo apresentado sobre o seu estandarte é quase idêntico ao que Rainer Dahenhardt afirma ser o elmo usado por D. Sebastião em Alcácer Quibir.
O elmo repousa sobre crescentes lunares mouros, em número de cinco no estandarte, correspondentes a 5 turcos que Manuel Pinto da Fonseca teria quinado sozinho... 
A cidade maltesa de Qormi, que usa o nome Città Pinto, por referência ao português, tem como símbolo esse brasão pessoal - a quina de crescentes.

Como sabemos nestas coisas, Pinto ter-se feito pintar assim é só mais uma de muitas "coincidências", mas dá algum jeito à relação entre Malta e o Elmo, que é colocado no meio dos crescentes quinados.

Albergue Espanhol
Com o lançamento das Cruzadas em 1095, as ordenações monásticas passaram ao seu aspecto militar, tendo-se destacado a Ordem dos Hospitalários e a Ordem dos Templários nas proezas militares na Palestina. Se a Ordem dos Templários foi extinta, tendo tido a evolução para Ordem de Cristo em Portugal, e outras possíveis evoluções maçónicas... a Ordem dos Hospitalários foi evoluindo basicamente pela posição da sua sede. 
A sucessiva expulsão dos Reinos de Jerusalém na Palestina, começada por Saladino, levou a Ordem em 1284 para Chipre, depois em 1305 para Rodes, e finalmente em 1521 para Malta, pela concessão de Carlos V, que mencionámos. Deixou de ter solo próprio quando Napoleão aí desembarca em 1798.
Apesar da Ordem ainda existir formalmente num edifício do Vaticano, e ser bem distintiva a Cruz de Malta, podemos dizer que o motto hospitalar inicial acabou por ser congregado na Cruz Vermelha Internacional, fundada por Dunant, em Genebra, 1863, e que no ano seguinte aí definiu a primeira Convenção de Genebra de 1864.

Como a Ordem congregava cavaleiros de diferentes nacionalidades, tinha uma divisão linguística... por "Langues", e havia diversos albergues - uma denominação apropriada ao motto assistencial. 
Em Malta, o Albergue de Castela incluía Castela, Leão e Portugal... mas não Aragão, que tinha outro edifício. Portanto, a aplicar-se o termo Albergue Espanhol, vemos que houve uma pequena troca prática sobre independências de Aragão e Portugal no contexto Espanhol da Malta.
Albergue de Castela - reedificado por Pinto da Fonseca
era albergue castelhano e português e é actual Residência do Primeiro Ministro Maltês.

Em 1768, tal como o Marquês de Pombal expulsara os Jesuítas, também Pinto da Fonseca expulsava os Jesuítas de Malta. A ordem era papal, e a coordenação da execução era sincronizada. 
Tem o pormenor curioso de envolver a dissolução dos Jesuítas em França por imputação de dividas do jesuíta Antoine La Vallette. Assim, se um hospitalário Valette dava nome à maltesa La Valeta, outro Valette tirava de Malta e de França os jesuítas. Portanto, é caso para dizer que os Valetes deram cartas à Malta.

Finalmente, Pinto da Fonseca acolhe Cagliostro na Ordem de Malta, e, após a sua expulsão, Cagliostro irá encontrar-se numa série de iniciativas místicas, terá fundado várias lojas maçónicas (segundo Camilo Castelo Branco), e participa no caso do colar de diamantes que abalará Maria Antonieta, e na sequência de 1789, determinará o fim da Monarquia Francesa. 

Outros portugueses na Ordem de Malta
A lista dos Grão-Mestres da Ordem dos Hospitalários e depois de Malta, pode ser vista aqui.
Tem como portugueses: 
Fernando Afonso (1202-06), filho bastardo de Afonso Henriques.
- Luis Mendes de Vasconcelos (1622-23), anterior governador de Angola, ao tempo filipino.
- Antonio Manuel de Vilhena (1722-36), que funda Floriana em Malta.
- Manuel Pinto da Fonseca (1741-73), de que aqui falámos.

Vilhena também terá deixado uma marca importante em Malta (não em Gozo), criando uma cidade com o nome Floriana, também conhecida como Borgo Vilhena. 
Ora é interessante haver duas versões consistentes sobre a origem do nome Floriana... uma diz que o nome vem do arquitecto italiano Floriani, a outra remete para o pai de Vilhena ser o Conde de Vila Flor. Provavelmente os dois acontecimentos coincidem bem, admitindo que Vilhena pretendesse imortalizar o nome do arquitecto que escolhera... e que o nome Borgo Vilhena seja então homenagem do arquitecto ao patrono!

Do ponto de vista português interessa notar principalmente os 50 anos com Grão-Mestre luso, de 1722 a 1773, com uma interrupção de 5 anos. Atendendo à importância que esta Ordem Hospitalária sempre teve no seio da cúria do Vaticano, e ao período em questão - que vai da ascensão e declínio de D. João V, ao desastre de D. José I, não é de negligenciar este "reinado" em paralelo, do Marquês de Pombal e de Pinto da Fonseca, com algumas afinidades políticas, nomeadamente na expulsão jesuíta e simpatia com a maçonaria. 
E se sobre a expulsão jesuíta poderíamos remeter a ordem papal, nunca é muito claro nestas relações de poder quem o exerce de facto, basta afinal remeter para uma "teoria de conspiração" que circulou sobre a "demissão" de Bento XVI:
Cavaleiros da Ordem Malta despedem Bento XVI,  hipótese deste artigo:

Esta "teoria da conspiração" tem apenas o "problema seguinte" - da eleição seguinte sairia Francisco, um jesuíta, e portanto parece pouco consistente com outros passados da Malta. De qualquer forma, fica o registo.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 05:12

Este texto resulta muito do elmo neste retrato de Manuel Pinto da Fonseca:

O elmo é aqui colocado em comparação com o Elmo atribuído a D. Sebastião, que foi objecto de um outro texto Santelmo... até em sinalização de um forte de Santo Elmo em La Valleta, Malta, e seguia-se a um outro texto sobre Valetas e Gozo de Malta.

Lendo esse texto, a relação que coloquei do Elmo a Santelmo... foi, no mínimo, um bocadinho forçada pelo nome e pelo facto dos Hospitalários se terem refugiado em Malta após a conquista otomana de Rodes. A oferta tinha sido de Carlos V, e um Elmo de D. Sebastião era também de Carlos V.
Havia alguma relação, mas seria mais uma relação discursiva, que permitia ligar temas.

Ora, entretanto, Manuel Pinto da Fonseca, o 68º Grande Mestre da Ordem de Malta, entre 1741 e 1773, fez o favor de se fazer pintar em trajos anacrónicos, com armadura e elmo próprios do Séc. XVI.
É fácil ver que o elmo apresentado sobre o seu estandarte é quase idêntico ao que Rainer Dahenhardt afirma ser o elmo usado por D. Sebastião em Alcácer Quibir.
O elmo repousa sobre crescentes lunares mouros, em número de cinco no estandarte, correspondentes a 5 turcos que Manuel Pinto da Fonseca teria quinado sozinho... 
A cidade maltesa de Qormi, que usa o nome Città Pinto, por referência ao português, tem como símbolo esse brasão pessoal - a quina de crescentes.

Como sabemos nestas coisas, Pinto ter-se feito pintar assim é só mais uma de muitas "coincidências", mas dá algum jeito à relação entre Malta e o Elmo, que é colocado no meio dos crescentes quinados.

Albergue Espanhol
Com o lançamento das Cruzadas em 1095, as ordenações monásticas passaram ao seu aspecto militar, tendo-se destacado a Ordem dos Hospitalários e a Ordem dos Templários nas proezas militares na Palestina. Se a Ordem dos Templários foi extinta, tendo tido a evolução para Ordem de Cristo em Portugal, e outras possíveis evoluções maçónicas... a Ordem dos Hospitalários foi evoluindo basicamente pela posição da sua sede. 
A sucessiva expulsão dos Reinos de Jerusalém na Palestina, começada por Saladino, levou a Ordem em 1284 para Chipre, depois em 1305 para Rodes, e finalmente em 1521 para Malta, pela concessão de Carlos V, que mencionámos. Deixou de ter solo próprio quando Napoleão aí desembarca em 1798.
Apesar da Ordem ainda existir formalmente num edifício do Vaticano, e ser bem distintiva a Cruz de Malta, podemos dizer que o motto hospitalar inicial acabou por ser congregado na Cruz Vermelha Internacional, fundada por Dunant, em Genebra, 1863, e que no ano seguinte aí definiu a primeira Convenção de Genebra de 1864.

Como a Ordem congregava cavaleiros de diferentes nacionalidades, tinha uma divisão linguística... por "Langues", e havia diversos albergues - uma denominação apropriada ao motto assistencial. 
Em Malta, o Albergue de Castela incluía Castela, Leão e Portugal... mas não Aragão, que tinha outro edifício. Portanto, a aplicar-se o termo Albergue Espanhol, vemos que houve uma pequena troca prática sobre independências de Aragão e Portugal no contexto Espanhol da Malta.
Albergue de Castela - reedificado por Pinto da Fonseca
era albergue castelhano e português e é actual Residência do Primeiro Ministro Maltês.

Em 1768, tal como o Marquês de Pombal expulsara os Jesuítas, também Pinto da Fonseca expulsava os Jesuítas de Malta. A ordem era papal, e a coordenação da execução era sincronizada. 
Tem o pormenor curioso de envolver a dissolução dos Jesuítas em França por imputação de dividas do jesuíta Antoine La Vallette. Assim, se um hospitalário Valette dava nome à maltesa La Valeta, outro Valette tirava de Malta e de França os jesuítas. Portanto, é caso para dizer que os Valetes deram cartas à Malta.

Finalmente, Pinto da Fonseca acolhe Cagliostro na Ordem de Malta, e, após a sua expulsão, Cagliostro irá encontrar-se numa série de iniciativas místicas, terá fundado várias lojas maçónicas (segundo Camilo Castelo Branco), e participa no caso do colar de diamantes que abalará Maria Antonieta, e na sequência de 1789, determinará o fim da Monarquia Francesa. 

Outros portugueses na Ordem de Malta
A lista dos Grão-Mestres da Ordem dos Hospitalários e depois de Malta, pode ser vista aqui.
Tem como portugueses: 
Fernando Afonso (1202-06), filho bastardo de Afonso Henriques.
- Luis Mendes de Vasconcelos (1622-23), anterior governador de Angola, ao tempo filipino.
- Antonio Manuel de Vilhena (1722-36), que funda Floriana em Malta.
- Manuel Pinto da Fonseca (1741-73), de que aqui falámos.

Vilhena também terá deixado uma marca importante em Malta (não em Gozo), criando uma cidade com o nome Floriana, também conhecida como Borgo Vilhena. 
Ora é interessante haver duas versões consistentes sobre a origem do nome Floriana... uma diz que o nome vem do arquitecto italiano Floriani, a outra remete para o pai de Vilhena ser o Conde de Vila Flor. Provavelmente os dois acontecimentos coincidem bem, admitindo que Vilhena pretendesse imortalizar o nome do arquitecto que escolhera... e que o nome Borgo Vilhena seja então homenagem do arquitecto ao patrono!

Do ponto de vista português interessa notar principalmente os 50 anos com Grão-Mestre luso, de 1722 a 1773, com uma interrupção de 5 anos. Atendendo à importância que esta Ordem Hospitalária sempre teve no seio da cúria do Vaticano, e ao período em questão - que vai da ascensão e declínio de D. João V, ao desastre de D. José I, não é de negligenciar este "reinado" em paralelo, do Marquês de Pombal e de Pinto da Fonseca, com algumas afinidades políticas, nomeadamente na expulsão jesuíta e simpatia com a maçonaria. 
E se sobre a expulsão jesuíta poderíamos remeter a ordem papal, nunca é muito claro nestas relações de poder quem o exerce de facto, basta afinal remeter para uma "teoria de conspiração" que circulou sobre a "demissão" de Bento XVI:
Cavaleiros da Ordem Malta despedem Bento XVI,  hipótese deste artigo:

Esta "teoria da conspiração" tem apenas o "problema seguinte" - da eleição seguinte sairia Francisco, um jesuíta, e portanto parece pouco consistente com outros passados da Malta. De qualquer forma, fica o registo.

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publicado às 05:12

O texto que se segue escrevi-o há quase duas semanas... era suposto ser sobre silêncio e ruído.
Tomou caminho diferente e tive que parar, porque por vezes as coisas ganham vida própria, e do que sabemos chegamos ao que não sabíamos.
Segue o texto conforme ficou... parado:
_______________________________________________ 
Zebras e Leões
Aprendemos de infância uma linguagem, pouco importa qual, interessa o processo.
Ninguém ensina uma criança a falar de forma sistemática... aliás a criança até quase pode dispensar o tutor individualizado, o que interessa é o despertar das palavras em si. Não das palavras, na forma de som, mas sim das noções que se associam a elas. 

Há um martelar do mesmo som associado a situação semelhante, e o som começa a fazer par com a situação que se repete. Até aqui não há nenhuma novidade, mas o "problema" é que não fica por aqui.

Os animais têm uma capacidade de aniquilar diferenças e remete-las ao mesmo tratamento igual.
Uma zebra aniquila a diferença entre leões com mais ou menos juba, pois a informação que lhe interessa é apenas a de se pôr a milhas de qualquer leão...
Pode parecer que o processo é destrutivo de informação, já que não cuidou de ver a distintiva juba do leão, mas a zebra não se podia estar a ralar menos para esse detalhe. De forma semelhante, o leão não parece muito interessado no padrão das listas da zebra, e presta-se a fazer refeição de qualquer uma.

O que interessa isto? 
Interessa que há uma criação de informação tomando por igual o que é diferente. Os leões são processados indistintamente pela zebra, e vice-versa. Se aí encontramos uma luta pela sobrevivência, podemos ver que o mesmo processo de tomar por igual o que é diferente permitiu definir a maior parte das noções abstractas que temos. 
Os copos, as mesas, as cadeiras, podem ser diferentes, mas retirámos as diferenças, e quando falamos num copo, não podemos dizer que falamos nalgum em particular, ainda que possamos nos referir a um em concreto.
Ora, como vimos, essa capacidade de abstracção simples parece estar presente nos animais.
Qualquer bicho tem processos inerentes desse género - servem a alimentação e a reprodução. Nalguns casos esses processos básicos evoluíram para uma socialização básica.

Uma socialização básica é apenas um apuramento desses instintos animais, onde o indivíduo procura obter vantagem aumentando o seu corpo. Ou seja, em vez de ser um único ser, a interacção de vários seres pode efectivamente levar à coordenação de um corpo maior. 
Não foge do seu aspecto animalesco se interagir com outros tendo em vista os fins animalescos.
Os leões ganham vantagem em caçar em manada, os humanos também, e em última análise fizeram exércitos para aumentar esse corpo. Os leões disputam a supremacia no grupo, e entre as fêmeas, e os humanos também... ainda que usem doutros artifícios de despiste. O maior do bairro, da paróquia, ou o mayor da cidade, do país, etc... poucas vezes é mais motivado do que por esse processo animalesco. Seja em que campo for, desde o campo de futebol, ao campo intelectual. 
A situação é tanto mais caricata que o macho em questão raramente pretende ser alfa, pretende que os alfas lhe reconheçam o estatuto de beta...

Quando deixa a socialização de ser básica?
Creio que a maior demonstração de uma socialização que ultrapassa o básico se dá quando o indivíduo abdica dos interesses próprios, para se colocar verdadeiramente noutros interesses.
Quando uma mãe defende uma cria, ainda que defenda a sua reprodução, coloca um futuro doutrém acima do seu interesse individual presente. Se é instintivo, radicado nos genes, então esses genes codificaram o destino presente do indivíduo como irrelevante face ao futuro.

Portanto, a socialização não básica é a dos parvos.
Quando o indivíduo coloca outros interesses acima do seu interesse individual animal, está a ser agente de um processo que ultrapassa os interesses do seu corpo. No entanto, continua a servir a lógica animalesca se tomar como destino apenas os seus filhos, ou alguma descendência comunitária específica. A noção primitiva podemos vê-la na mãe que defende a cria, mas o seu entendimento é limitado, provavelmente limitado pelos genes que lhe programam esse instinto. Esse é ainda o enquadramento fundamental, na ligação ao semelhante, mas deve ser estendido quando a compreensão das semelhanças se alarga à compreensão de todo o universo onde se insere. 

Ora, para a compreensão plena dessa parvoíce altruísta, a que também se chama "amor", os genes não são suficientes... porquê?

O Sísifo das Formigas
As formigas desenvolveram um processo de orientação baseado em feromonas, que lhes é muito útil na definição de caminhos, por onde umas se seguem às outras, mas ocorre um fenómeno interessante que é a possibilidade desse caminho definir um circuito. Como as formigas se basearam exclusivamente na orientação de feromonas, se esse caminho ficar circular, ficam aí presas... É algo ridículo para quem vê de fora, mas a condição de processamento animalesco, baseado numa programação genética, leva àquilo a que se chama um "loop infinito", e ao que é dito, o circuito pode não ser desfeito, ficando sucessivamente a andar em círculos até ao seu esgotamento e morte.

Portanto, nem toda a programação instintiva codificada nos genes ficou à prova de situações absurdas. 
E se a natureza foi madrasta para estas formigas não prevendo este detalhe ao dotá-las de feromonas, ofereceu-nos a possibilidade de ver o fenómeno, e tirar daí algumas ilações... nomeadamente sobre o comportamento de manadas presas a uma repetição tirada da história das suas feromonas.

Qual o principal problema nesta repetição? 
A incapacidade de ver a repetição.
Poderíamos dizer que as formigas não poderiam fazer de forma diferente, dada a informação circular... mas não é assim. Tão confiantes estavam nas suas feromonas que não abdicaram dessa orientação instintiva, apesar de ficarem cada vez mais fracas e sem alimento.

Ora, o que acontece com as formigas, acontecerá sempre com qualquer processo pré-determinado.
Qualquer regra escrita leva às mesmas acções perante as mesmas condições.
Assim, qualquer definição genética sofreria sempre do mesmo problema... do problema das formigas.
Sendo determinadas geneticamente, as acções seriam as mesmas perante situações semelhantes.
Pode argumentar-se que o cérebro se desenvolve distintamente, permitindo reacções diferentes perante situações similares... mas isso já é propriedade de cérebros mais evoluídos, e ainda assim não sairia do mesmo vício circular. Porquê? 
Porque se o cérebro fosse definido por um número finito de genes então esse próprio cérebro seria definido por um número finito de ligações (os neurónios não são infinitos), e a certa altura entrava em repetição, ao esgotarem-se todas as combinações possíveis. E isto é independente do exterior... quando o exterior se repete.

Portanto, para abdicar de andar à volta em repetições, o indivíduo teria que ter capacidade de questionar os seus instintos genéticos, ou animalescos. Teria que ter capacidade de se questionar, de ser parvo ao ponto de recusar o caminho por onde todos seguiam, e que instintivamente deveria seguir.
Ora, essa capacidade de auto-análise não é programável geneticamente.
Porquê? Porque é anti-instintiva, recusando o que é programado geneticamente.
A única coisa que a genética pode fazer é abrir a porta à programação exterior, ou seja, deixar que o caos externo se possa sobrepor à ordem interna inerente. A programação cerebral deixa de depender dos genes, e encontrando outra ordem nesse caos, é a ordem do caos exterior que definirá as noções infinitas.

Isto é apenas um pequeno complemento à evidência, já falada, de que um número finito de genes nunca poderiam programar um ser capaz de conceber o infinito. Num mundo de bezerros dourados pode ocultar-se que a inteligência artificial é impossível, pelo simples facto de ser impossível aritmeticamente a uma máquina finita desenvolver conceitos infinitos, mas isso seria voltar a falar do vortex de formigas. Isso seria falar do ruído do silêncio... 
____________________________________ 5/05/2014

Por que razão parei o texto?
Ora, o texto até estava a fluir, e apesar de extenso, até a questão maternal ligava bem com o "dia da mãe".
Apareciam várias ideias novas, que ainda não tinha aqui falado, e iria aproveitar para pegar noutras para o contexto do "Sísifo das formigas".
A parte que está a cinzento, era o fluxo planeado. A conclusão já a tinha, antes de aparecer outra.
É essa nova conclusão que remete a mais um item no tópico "Arquitecturas".

Poderia não escrever mais nada, mas não sei se fica suficientemente claro o que escrevi.
Ora, eu estava a seguir a argumentação genética, conforme a ciência tanto gosta.
O meu ponto era repetir que essa argumentação genética não podia funcionar no nosso caso, pela capacidade de conceber o infinito, pela capacidade de auto-análise, etc.
Porém, subitamente vi que poderia funcionar na mesma... e isso não estava à espera.

Ia para o argumento negativo porque não via o argumento científico positivo.
Ia para o argumento negativo porque estamos habituados a ver-nos de dentro para fora.
No entanto, bastava aceitar que a visão era feita de fora para dentro... e tudo encaixava!

O que significa isto?
Algo muito complicado e muito simples ao mesmo tempo.
Complicado porque é contra-intuitivo, simples porque é compreensível.
Significa que estamos fora do universo que vemos.
O universo físico é apenas uma plataforma de informação e comunicação.
Ninguém está dentro da internet... liga-se ao universo da internet.
Se se desligar, apenas perde a possibilidade de aí interagir e comunicar...

Até aqui seria apenas uma teoria normal, própria de um livro de sci-fi.
O problema é o encaixe. E o encaixe é perfeito.

Começa pela linguagem.
Como já disse várias vezes, ter a noção de infinito só poderia ocorrer num ser infinito. Se o nosso interior físico é limitado, o exterior não é. Por isso, a nossa noção de infinito tinha que estar fora do corpo.
O mesmo acontece com a simples noção de número.
Sabemos o que são 7 maçãs ou 7 laranjas, mas em que parte física está o número 7?
O número 7 não está em nenhuma natureza que conheçamos. Transcende toda a natureza, porque sabemos que podemos identificar 7 coisas, e estas coisas são o quê? São só o que conhecemos?
Não! A noção do número 7 aplica-se a coisas desconhecidas também.
Ora, como podemos ter esta certeza sobre o desconhecido?
O número 7 não se aplica a sete coisas... aplica-se a uma infinidade de coisas e à nossa capacidade de agrupá-las, contando sete... Pior, estabelece uma tal identificação que permite misturar na contagem alhos com bugalhos.
Tal noção só pode ter emergido depois de se ter formado. Esse invariante numérico é uma noção que o universo repetiu e repetirá pela eternidade. Só depois do número ter ficado como invariante universal, é que é impensável ser colocado em causa. Só depois é que pudemos pensar nele dessa forma.

Portanto a linguagem trouxe-nos noções infinitas invariantes que resistiram a todos os tempos.
São despoletadas nas crianças pela repetição, e ecoam firmes no infinito da sua mente onde se alicerçaram.

O processo vem de fora para dentro biologicamente... e essa foi a conclusão.
Foi a conclusão quando os genes que determinavam o indivíduo levaram a um cérebro.
Os animais passavam a ter uma possibilidade de ajustar a sua acção com o exterior. A programação ordenada geneticamente passou a aceitar modificações no comportamento através do cérebro. A formação do cérebro era interior pelo lado genético, mas exterior pela sua reprogramação na aprendizagem.
Se os instintos resultavam de ordens finitas programadas, a ordem que emergia do caos exterior permitia um novo conhecimento. O cérebro passou a ser programado como máquina formatada, com alguns programas de sobrevivência, vindos da genética, mas abriu-se também à programação externa. Se não existisse alguma ordem no caos exterior, nenhumas noções teriam sido adquiridas. Porém, o cérebro aberto a esse exterior incorporou essas manifestações externas, e fixou-as pelas noções invariantes.
Portanto, o nosso pensamento abstracto não vem do interior, está cimentado no exterior, e encontrou nos cérebros humanos uma maneira de manifestar as noções que tem... porque a arquitectura do cérebro humano era suficientemente flexível para o aceitar consistentemente.

Ora, esse exterior é comum, e por isso as noções abstractas são comuns, permitindo a linguagem.
Doutra forma, seria até suficientemente estranho que as noções abstractas fossem as mesmas, não havendo ponto comum.
Aquilo que estou a dizer nem sequer vai contra o que é assumido habitualmente... porque é obviamente pelo exterior que o cérebro aprende a linguagem. A grande diferença é que admitido que o exterior conseguiria com umas tantas repetições fazer despertar numa criança as noções da linguagem... que são infinitas, mas que ficariam dominadas "magicamente" por um cérebro finito. Isso é que é impossível matematicamente.
Por isso o nosso pensamento não pode residir nessa limitação, pode é ser condicionado por ela.

Por outro lado, ao colocar o pensamento num exterior que se manifesta e é condicionado por um avatar corpóreo, isso parece implicar que para além dessa condicionante corpórea, o substrato comum é o mesmo.
Digamos, vindos do exterior, os diversos pensamentos são canalizados para o cérebro onde fazem sentido no contexto corpóreo que o definiu. Como é óbvio, ainda que não tenham nenhuma manifestação física, ideias abstractas comuns existem... e com o contexto físico apropriado, podem ser partilhadas, mesmo para além da linguagem. Ou seja, se temos noções comuns, só condicionantes físicas implicam que não possamos ter pensamentos comuns. No entanto, quanto mais não seja a bem da diversidade, haver pensamento distinto é uma benesse contra o isolamento numa única entidade.

Este texto não será tão fundamental quanto os anteriores desta série, mas pela constatação dessa localização comum externa da abstracção do pensamento, apresenta uma visão bem diferente do habitual.

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publicado às 03:59

O texto que se segue escrevi-o há quase duas semanas... era suposto ser sobre silêncio e ruído.
Tomou caminho diferente e tive que parar, porque por vezes as coisas ganham vida própria, e do que sabemos chegamos ao que não sabíamos.
Segue o texto conforme ficou... parado:
_______________________________________________ 
Zebras e Leões
Aprendemos de infância uma linguagem, pouco importa qual, interessa o processo.
Ninguém ensina uma criança a falar de forma sistemática... aliás a criança até quase pode dispensar o tutor individualizado, o que interessa é o despertar das palavras em si. Não das palavras, na forma de som, mas sim das noções que se associam a elas. 

Há um martelar do mesmo som associado a situação semelhante, e o som começa a fazer par com a situação que se repete. Até aqui não há nenhuma novidade, mas o "problema" é que não fica por aqui.

Os animais têm uma capacidade de aniquilar diferenças e remete-las ao mesmo tratamento igual.
Uma zebra aniquila a diferença entre leões com mais ou menos juba, pois a informação que lhe interessa é apenas a de se pôr a milhas de qualquer leão...
Pode parecer que o processo é destrutivo de informação, já que não cuidou de ver a distintiva juba do leão, mas a zebra não se podia estar a ralar menos para esse detalhe. De forma semelhante, o leão não parece muito interessado no padrão das listas da zebra, e presta-se a fazer refeição de qualquer uma.

O que interessa isto? 
Interessa que há uma criação de informação tomando por igual o que é diferente. Os leões são processados indistintamente pela zebra, e vice-versa. Se aí encontramos uma luta pela sobrevivência, podemos ver que o mesmo processo de tomar por igual o que é diferente permitiu definir a maior parte das noções abstractas que temos. 
Os copos, as mesas, as cadeiras, podem ser diferentes, mas retirámos as diferenças, e quando falamos num copo, não podemos dizer que falamos nalgum em particular, ainda que possamos nos referir a um em concreto.
Ora, como vimos, essa capacidade de abstracção simples parece estar presente nos animais.
Qualquer bicho tem processos inerentes desse género - servem a alimentação e a reprodução. Nalguns casos esses processos básicos evoluíram para uma socialização básica.

Uma socialização básica é apenas um apuramento desses instintos animais, onde o indivíduo procura obter vantagem aumentando o seu corpo. Ou seja, em vez de ser um único ser, a interacção de vários seres pode efectivamente levar à coordenação de um corpo maior. 
Não foge do seu aspecto animalesco se interagir com outros tendo em vista os fins animalescos.
Os leões ganham vantagem em caçar em manada, os humanos também, e em última análise fizeram exércitos para aumentar esse corpo. Os leões disputam a supremacia no grupo, e entre as fêmeas, e os humanos também... ainda que usem doutros artifícios de despiste. O maior do bairro, da paróquia, ou o mayor da cidade, do país, etc... poucas vezes é mais motivado do que por esse processo animalesco. Seja em que campo for, desde o campo de futebol, ao campo intelectual. 
A situação é tanto mais caricata que o macho em questão raramente pretende ser alfa, pretende que os alfas lhe reconheçam o estatuto de beta...

Quando deixa a socialização de ser básica?
Creio que a maior demonstração de uma socialização que ultrapassa o básico se dá quando o indivíduo abdica dos interesses próprios, para se colocar verdadeiramente noutros interesses.
Quando uma mãe defende uma cria, ainda que defenda a sua reprodução, coloca um futuro doutrém acima do seu interesse individual presente. Se é instintivo, radicado nos genes, então esses genes codificaram o destino presente do indivíduo como irrelevante face ao futuro.

Portanto, a socialização não básica é a dos parvos.
Quando o indivíduo coloca outros interesses acima do seu interesse individual animal, está a ser agente de um processo que ultrapassa os interesses do seu corpo. No entanto, continua a servir a lógica animalesca se tomar como destino apenas os seus filhos, ou alguma descendência comunitária específica. A noção primitiva podemos vê-la na mãe que defende a cria, mas o seu entendimento é limitado, provavelmente limitado pelos genes que lhe programam esse instinto. Esse é ainda o enquadramento fundamental, na ligação ao semelhante, mas deve ser estendido quando a compreensão das semelhanças se alarga à compreensão de todo o universo onde se insere. 

Ora, para a compreensão plena dessa parvoíce altruísta, a que também se chama "amor", os genes não são suficientes... porquê?

O Sísifo das Formigas
As formigas desenvolveram um processo de orientação baseado em feromonas, que lhes é muito útil na definição de caminhos, por onde umas se seguem às outras, mas ocorre um fenómeno interessante que é a possibilidade desse caminho definir um circuito. Como as formigas se basearam exclusivamente na orientação de feromonas, se esse caminho ficar circular, ficam aí presas... É algo ridículo para quem vê de fora, mas a condição de processamento animalesco, baseado numa programação genética, leva àquilo a que se chama um "loop infinito", e ao que é dito, o circuito pode não ser desfeito, ficando sucessivamente a andar em círculos até ao seu esgotamento e morte.

Portanto, nem toda a programação instintiva codificada nos genes ficou à prova de situações absurdas. 
E se a natureza foi madrasta para estas formigas não prevendo este detalhe ao dotá-las de feromonas, ofereceu-nos a possibilidade de ver o fenómeno, e tirar daí algumas ilações... nomeadamente sobre o comportamento de manadas presas a uma repetição tirada da história das suas feromonas.

Qual o principal problema nesta repetição? 
A incapacidade de ver a repetição.
Poderíamos dizer que as formigas não poderiam fazer de forma diferente, dada a informação circular... mas não é assim. Tão confiantes estavam nas suas feromonas que não abdicaram dessa orientação instintiva, apesar de ficarem cada vez mais fracas e sem alimento.

Ora, o que acontece com as formigas, acontecerá sempre com qualquer processo pré-determinado.
Qualquer regra escrita leva às mesmas acções perante as mesmas condições.
Assim, qualquer definição genética sofreria sempre do mesmo problema... do problema das formigas.
Sendo determinadas geneticamente, as acções seriam as mesmas perante situações semelhantes.
Pode argumentar-se que o cérebro se desenvolve distintamente, permitindo reacções diferentes perante situações similares... mas isso já é propriedade de cérebros mais evoluídos, e ainda assim não sairia do mesmo vício circular. Porquê? 
Porque se o cérebro fosse definido por um número finito de genes então esse próprio cérebro seria definido por um número finito de ligações (os neurónios não são infinitos), e a certa altura entrava em repetição, ao esgotarem-se todas as combinações possíveis. E isto é independente do exterior... quando o exterior se repete.

Portanto, para abdicar de andar à volta em repetições, o indivíduo teria que ter capacidade de questionar os seus instintos genéticos, ou animalescos. Teria que ter capacidade de se questionar, de ser parvo ao ponto de recusar o caminho por onde todos seguiam, e que instintivamente deveria seguir.
Ora, essa capacidade de auto-análise não é programável geneticamente.
Porquê? Porque é anti-instintiva, recusando o que é programado geneticamente.
A única coisa que a genética pode fazer é abrir a porta à programação exterior, ou seja, deixar que o caos externo se possa sobrepor à ordem interna inerente. A programação cerebral deixa de depender dos genes, e encontrando outra ordem nesse caos, é a ordem do caos exterior que definirá as noções infinitas.

Isto é apenas um pequeno complemento à evidência, já falada, de que um número finito de genes nunca poderiam programar um ser capaz de conceber o infinito. Num mundo de bezerros dourados pode ocultar-se que a inteligência artificial é impossível, pelo simples facto de ser impossível aritmeticamente a uma máquina finita desenvolver conceitos infinitos, mas isso seria voltar a falar do vortex de formigas. Isso seria falar do ruído do silêncio... 
____________________________________ 5/05/2014

Por que razão parei o texto?
Ora, o texto até estava a fluir, e apesar de extenso, até a questão maternal ligava bem com o "dia da mãe".
Apareciam várias ideias novas, que ainda não tinha aqui falado, e iria aproveitar para pegar noutras para o contexto do "Sísifo das formigas".
A parte que está a cinzento, era o fluxo planeado. A conclusão já a tinha, antes de aparecer outra.
É essa nova conclusão que remete a mais um item no tópico "Arquitecturas".

Poderia não escrever mais nada, mas não sei se fica suficientemente claro o que escrevi.
Ora, eu estava a seguir a argumentação genética, conforme a ciência tanto gosta.
O meu ponto era repetir que essa argumentação genética não podia funcionar no nosso caso, pela capacidade de conceber o infinito, pela capacidade de auto-análise, etc.
Porém, subitamente vi que poderia funcionar na mesma... e isso não estava à espera.

Ia para o argumento negativo porque não via o argumento científico positivo.
Ia para o argumento negativo porque estamos habituados a ver-nos de dentro para fora.
No entanto, bastava aceitar que a visão era feita de fora para dentro... e tudo encaixava!

O que significa isto?
Algo muito complicado e muito simples ao mesmo tempo.
Complicado porque é contra-intuitivo, simples porque é compreensível.
Significa que estamos fora do universo que vemos.
O universo físico é apenas uma plataforma de informação e comunicação.
Ninguém está dentro da internet... liga-se ao universo da internet.
Se se desligar, apenas perde a possibilidade de aí interagir e comunicar...

Até aqui seria apenas uma teoria normal, própria de um livro de sci-fi.
O problema é o encaixe. E o encaixe é perfeito.

Começa pela linguagem.
Como já disse várias vezes, ter a noção de infinito só poderia ocorrer num ser infinito. Se o nosso interior físico é limitado, o exterior não é. Por isso, a nossa noção de infinito tinha que estar fora do corpo.
O mesmo acontece com a simples noção de número.
Sabemos o que são 7 maçãs ou 7 laranjas, mas em que parte física está o número 7?
O número 7 não está em nenhuma natureza que conheçamos. Transcende toda a natureza, porque sabemos que podemos identificar 7 coisas, e estas coisas são o quê? São só o que conhecemos?
Não! A noção do número 7 aplica-se a coisas desconhecidas também.
Ora, como podemos ter esta certeza sobre o desconhecido?
O número 7 não se aplica a sete coisas... aplica-se a uma infinidade de coisas e à nossa capacidade de agrupá-las, contando sete... Pior, estabelece uma tal identificação que permite misturar na contagem alhos com bugalhos.
Tal noção só pode ter emergido depois de se ter formado. Esse invariante numérico é uma noção que o universo repetiu e repetirá pela eternidade. Só depois do número ter ficado como invariante universal, é que é impensável ser colocado em causa. Só depois é que pudemos pensar nele dessa forma.

Portanto a linguagem trouxe-nos noções infinitas invariantes que resistiram a todos os tempos.
São despoletadas nas crianças pela repetição, e ecoam firmes no infinito da sua mente onde se alicerçaram.

O processo vem de fora para dentro biologicamente... e essa foi a conclusão.
Foi a conclusão quando os genes que determinavam o indivíduo levaram a um cérebro.
Os animais passavam a ter uma possibilidade de ajustar a sua acção com o exterior. A programação ordenada geneticamente passou a aceitar modificações no comportamento através do cérebro. A formação do cérebro era interior pelo lado genético, mas exterior pela sua reprogramação na aprendizagem.
Se os instintos resultavam de ordens finitas programadas, a ordem que emergia do caos exterior permitia um novo conhecimento. O cérebro passou a ser programado como máquina formatada, com alguns programas de sobrevivência, vindos da genética, mas abriu-se também à programação externa. Se não existisse alguma ordem no caos exterior, nenhumas noções teriam sido adquiridas. Porém, o cérebro aberto a esse exterior incorporou essas manifestações externas, e fixou-as pelas noções invariantes.
Portanto, o nosso pensamento abstracto não vem do interior, está cimentado no exterior, e encontrou nos cérebros humanos uma maneira de manifestar as noções que tem... porque a arquitectura do cérebro humano era suficientemente flexível para o aceitar consistentemente.

Ora, esse exterior é comum, e por isso as noções abstractas são comuns, permitindo a linguagem.
Doutra forma, seria até suficientemente estranho que as noções abstractas fossem as mesmas, não havendo ponto comum.
Aquilo que estou a dizer nem sequer vai contra o que é assumido habitualmente... porque é obviamente pelo exterior que o cérebro aprende a linguagem. A grande diferença é que admitido que o exterior conseguiria com umas tantas repetições fazer despertar numa criança as noções da linguagem... que são infinitas, mas que ficariam dominadas "magicamente" por um cérebro finito. Isso é que é impossível matematicamente.
Por isso o nosso pensamento não pode residir nessa limitação, pode é ser condicionado por ela.

Por outro lado, ao colocar o pensamento num exterior que se manifesta e é condicionado por um avatar corpóreo, isso parece implicar que para além dessa condicionante corpórea, o substrato comum é o mesmo.
Digamos, vindos do exterior, os diversos pensamentos são canalizados para o cérebro onde fazem sentido no contexto corpóreo que o definiu. Como é óbvio, ainda que não tenham nenhuma manifestação física, ideias abstractas comuns existem... e com o contexto físico apropriado, podem ser partilhadas, mesmo para além da linguagem. Ou seja, se temos noções comuns, só condicionantes físicas implicam que não possamos ter pensamentos comuns. No entanto, quanto mais não seja a bem da diversidade, haver pensamento distinto é uma benesse contra o isolamento numa única entidade.

Este texto não será tão fundamental quanto os anteriores desta série, mas pela constatação dessa localização comum externa da abstracção do pensamento, apresenta uma visão bem diferente do habitual.

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publicado às 03:59

Há duas posturas principais sobre a causalidade.
- A postura científica, que para além de alguma Ciência engloba as chamadas "Teorias da Conspiração".
- A postura crente, que remete ou a uma ausência de explicação ou a uma explicação única.

Começamos pela postura crente.
Basicamente, o crente é aquele que ou acredita que não se passa nada, ou que acredita numa razão insondável. Há muitos tipos de crenças, e normalmente são fenómenos sociais. Ou seja, é uma atitude que resulta da influência de um grupo. O indivíduo sente-se confortável porque não é o único a pensar daquela forma, e o grupo sobrevive alimentando a crença comum.
Curiosamente esta postura crente desenvolveu opostos semelhantes.
Para além da multiplicidade de divindades, e de crentes que competem pela maior validade da sua, instituiu-se a crença oposta, ou seja, que não havendo divindades, é tudo fruto de um acaso.
Os divulgadores de Ciência têm feito imensos esforços para eleger o Acaso, a Fortuna, como grande divindade acéfala, por oposição às restantes divindades. 
Claro, neste ponto são tão crentes quanto os outros. Dizer que foi o Acaso que levou ao aparecimento do Homem, ou dizer que foi Deus, é só uma questão de substituir um nome. 
Quando Miguel Angelo pintou a criação do Homem, o toque não é de Deus, é do Acaso... e se Miguel Angelo decidiu pintá-lo com barbas brancas, foi por obra do Acaso. Como vemos, o Acaso pode inspirar os homens, uns dizem inspiração de Deus... mas é nova heresia, temos que dizer que a inspiração é do Acaso.
A criação do Homem pelo deus Acaso, na religião ciência-de-casino.

O grande arquitecto universal foi então o Acaso, não foi Deus. Muda-se a palavra e fica tudo certo.
Se a Igreja substituir a palavra Deus pela palavra Acaso, passamos a ter ateus católicos.
Quem criou o mundo e o homem? O Acaso. Os milagres, as curas, são obra de quem? Do Acaso.
Um crente é agraciado por Deus, um "ateu" é agraciado por Acaso.
Será que fizeram alguma lobotomia aos ateus do Acaso? A caso pensam no que dizem?

Passamos à postura científica.
Qual é ela?
É simplesmente a postura que procura estabelecer nexos, relações, entre as coisas.
Já dei este exemplo, mas vou repetir. A cada vez que largamos um objecto ele cai. Muito bem.
Esta observação repetida, levou àquilo a que se chamou a "Lei dos Graves".
Porém, como é óbvio, a vida para quem estabelece nexos não é fácil. É muito mais simples dizer que as coisas caíam por Acaso, ou por vontade de Deus.
Chegava o "teórico da conspiração" dos graves, e dizia aos outros que havia uma lei natural que fazia as coisas caírem quando as largava. Um qualquer engraçadinho falava em surdina à audiência que isso não acontecia com os pássaros - quando se largavam, voavam, não caíam. Pronto, e lá voltaria a velha fé de que as coisas caíam por acaso, ou por vontade divina.
As teorias científicas estabelecem o nexo de causa-efeito, nem sempre são infalíveis, evoluem, mas importa procurar esses nexos. As teorias da conspiração procuram um nexo semelhante: efeito-causa, mas com o problema de várias causas produzirem efeitos semelhantes.

Porque razão falo disto no contexto histórico?
Porque cada vez se procura mais atribuir ao Acaso as coincidências. Como se a História fosse uma sucessão de imprevistos, e ninguém andasse a pensar em nada, nem controlasse nada.
Porque, por outro lado, há também quem diga que não foi o Acaso, foram ET's, ou deuses. Mais uma vez, é só uma questão de mudar nomes.

No contexto histórico, quem procurar uma causa comum, um nexo entre as coisas, tem passado por "teórico da conspiração". Porquê? Porque a História tem um problema com o método científico.
Aceita a Ciência, desde que não coloque em causa "certas coisas".
Se há prova maior do temor da História pelo método científico está na designação pejorativa associada às Teorias de Conspiração. Não são refutadas, simplesmente se procura ridicularizá-las em surdina.
Conspirações, como é óbvio, e a História não o pode negar, sempre as houve.
A questão é apenas de saber a extensão da sua ocorrência.
A questão é saber se podemos encandeá-las numa "grande conspiração", numa "conspiração média", ou em "pequenas conspirações" ocasionais e muitos Acasos.
Se fossem apenas pequenas conspirações ocasionais, que não se prolongassem no tempo até aos dias de hoje, ninguém tinha problema com os "teóricos da conspiração". Ou verificava-se o absurdo ou não.
Os únicos que têm interesse em que não sejam investigadas conspirações são os conspiradores.
Portanto, o problema é decidir entre médias e grandes.
Quando falo em "conspiração média" é uma que ocorre durante séculos... ao passo que as grandes correspondem a arrastos milenares.
Havendo comunidades, grupos, com histórias e protagonismos milenares é difícil pensar que a sua acção foi sempre casual, apenas com pequenas conspirações. Isso seria uma ofensa à sua inteligência... porém também parece exagerado pensar que tudo foi pensado. Nunca nada se manifestou de forma tão inteligente, e essa capacidade extrema remeteria então para entidades divinas, ou extraterrestres.

O que acaba por ser visto é que há uma disparidade de desenvolvimento, em que uma boa organização mecânica pode iludir inteligência. Algumas estruturas sociais e processos naturais exibem complexidade que aparentam ser inteligência, mas não o são. A aranha pode tecer uma formidável teia, pode até aparentar que tudo é pensado ao pormenor, desde o material ao desenho. No entanto, as aranhas apenas sabem fazer teias. Não sabem fazer mais nada. É certo, apanham muitos mosquitos e melgas, mas não apanham um pássaro. Há teias que podem mesmo apanhar pássaros? Sim, mas para cada teia mais resistente, há sempre um pássaro maior (e vice-versa).

Portanto, não se devem ignorar os nexos que se evidenciam, nem se deve pensar que tudo tem um nexo ao alcance da inteligência. Há uma parte caótica necessária, que não é Acaso, mas que é impossível de prever por nós. Está acima de qualquer inteligência. Porquê? Porque quem pensa, pensa em algo, mas nunca saberá por que razão pensou nisso. Porque isso envolveria uma potência encadeada de pensamentos de pensamentos. Não aconselhando isto a ninguém, com boa concentração, é possível pensar que estamos a pensar que estamos a pensar no que estamos a pensar... onde isso leva? A uma perigosa insanidade. Mesmo que a sequência infinita fosse possível (há sempre algozes, que almejam transcendências...), há sempre potências de infinito superiores.

Qual o método a seguir?
Remeter sistematicamente para uma causa, ou ausência de causas, é o mesmo - abstinência mental.
Pretender que após milhares de anos sem largar o chão, temos independentemente Roziére e Montgolfier, com dois balões prontos, com técnicas diferentes, prontos para descolar no mesmo dia, não é aceitar o Acaso, é ser muito devoto dele.

Não há fuligem de archotes nas câmaras das pirâmides. 
Muito bem, parece ser evidência de outra iluminação, como enunciado por Bluteau.
Agora dizer que veio de tecnologia ET, dizer que os egípcios usavam pirilampos, espelhos reflectores, ou não responder, é quase o mesmo.

Devemos identificar inconsistências, semelhanças, sem nos preocuparmos demasiado com a teoria... e especialmente não embarcar em teorias que recorram a seres nunca vistos, imaginários ou não.
Mais importante do que inventar ou suportar teorias é evidenciar os factos que as motivaram.
Mais eficaz do que usar novas descobertas não aceites ou confirmadas, é procurar contradições nas que já são aceites. 
Em última análise, não interessa haver teorias alternativas, interessa é que a versão oficial se deixe de palhaçadas informativas e educacionais, em que nem as crianças já acreditam.

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publicado às 06:22

Há duas posturas principais sobre a causalidade.
- A postura científica, que para além de alguma Ciência engloba as chamadas "Teorias da Conspiração".
- A postura crente, que remete ou a uma ausência de explicação ou a uma explicação única.

Começamos pela postura crente.
Basicamente, o crente é aquele que ou acredita que não se passa nada, ou que acredita numa razão insondável. Há muitos tipos de crenças, e normalmente são fenómenos sociais. Ou seja, é uma atitude que resulta da influência de um grupo. O indivíduo sente-se confortável porque não é o único a pensar daquela forma, e o grupo sobrevive alimentando a crença comum.
Curiosamente esta postura crente desenvolveu opostos semelhantes.
Para além da multiplicidade de divindades, e de crentes que competem pela maior validade da sua, instituiu-se a crença oposta, ou seja, que não havendo divindades, é tudo fruto de um acaso.
Os divulgadores de Ciência têm feito imensos esforços para eleger o Acaso, a Fortuna, como grande divindade acéfala, por oposição às restantes divindades. 
Claro, neste ponto são tão crentes quanto os outros. Dizer que foi o Acaso que levou ao aparecimento do Homem, ou dizer que foi Deus, é só uma questão de substituir um nome. 
Quando Miguel Angelo pintou a criação do Homem, o toque não é de Deus, é do Acaso... e se Miguel Angelo decidiu pintá-lo com barbas brancas, foi por obra do Acaso. Como vemos, o Acaso pode inspirar os homens, uns dizem inspiração de Deus... mas é nova heresia, temos que dizer que a inspiração é do Acaso.
A criação do Homem pelo deus Acaso, na religião ciência-de-casino.

O grande arquitecto universal foi então o Acaso, não foi Deus. Muda-se a palavra e fica tudo certo.
Se a Igreja substituir a palavra Deus pela palavra Acaso, passamos a ter ateus católicos.
Quem criou o mundo e o homem? O Acaso. Os milagres, as curas, são obra de quem? Do Acaso.
Um crente é agraciado por Deus, um "ateu" é agraciado por Acaso.
Será que fizeram alguma lobotomia aos ateus do Acaso? A caso pensam no que dizem?

Passamos à postura científica.
Qual é ela?
É simplesmente a postura que procura estabelecer nexos, relações, entre as coisas.
Já dei este exemplo, mas vou repetir. A cada vez que largamos um objecto ele cai. Muito bem.
Esta observação repetida, levou àquilo a que se chamou a "Lei dos Graves".
Porém, como é óbvio, a vida para quem estabelece nexos não é fácil. É muito mais simples dizer que as coisas caíam por Acaso, ou por vontade de Deus.
Chegava o "teórico da conspiração" dos graves, e dizia aos outros que havia uma lei natural que fazia as coisas caírem quando as largava. Um qualquer engraçadinho falava em surdina à audiência que isso não acontecia com os pássaros - quando se largavam, voavam, não caíam. Pronto, e lá voltaria a velha fé de que as coisas caíam por acaso, ou por vontade divina.
As teorias científicas estabelecem o nexo de causa-efeito, nem sempre são infalíveis, evoluem, mas importa procurar esses nexos. As teorias da conspiração procuram um nexo semelhante: efeito-causa, mas com o problema de várias causas produzirem efeitos semelhantes.

Porque razão falo disto no contexto histórico?
Porque cada vez se procura mais atribuir ao Acaso as coincidências. Como se a História fosse uma sucessão de imprevistos, e ninguém andasse a pensar em nada, nem controlasse nada.
Porque, por outro lado, há também quem diga que não foi o Acaso, foram ET's, ou deuses. Mais uma vez, é só uma questão de mudar nomes.

No contexto histórico, quem procurar uma causa comum, um nexo entre as coisas, tem passado por "teórico da conspiração". Porquê? Porque a História tem um problema com o método científico.
Aceita a Ciência, desde que não coloque em causa "certas coisas".
Se há prova maior do temor da História pelo método científico está na designação pejorativa associada às Teorias de Conspiração. Não são refutadas, simplesmente se procura ridicularizá-las em surdina.
Conspirações, como é óbvio, e a História não o pode negar, sempre as houve.
A questão é apenas de saber a extensão da sua ocorrência.
A questão é saber se podemos encandeá-las numa "grande conspiração", numa "conspiração média", ou em "pequenas conspirações" ocasionais e muitos Acasos.
Se fossem apenas pequenas conspirações ocasionais, que não se prolongassem no tempo até aos dias de hoje, ninguém tinha problema com os "teóricos da conspiração". Ou verificava-se o absurdo ou não.
Os únicos que têm interesse em que não sejam investigadas conspirações são os conspiradores.
Portanto, o problema é decidir entre médias e grandes.
Quando falo em "conspiração média" é uma que ocorre durante séculos... ao passo que as grandes correspondem a arrastos milenares.
Havendo comunidades, grupos, com histórias e protagonismos milenares é difícil pensar que a sua acção foi sempre casual, apenas com pequenas conspirações. Isso seria uma ofensa à sua inteligência... porém também parece exagerado pensar que tudo foi pensado. Nunca nada se manifestou de forma tão inteligente, e essa capacidade extrema remeteria então para entidades divinas, ou extraterrestres.

O que acaba por ser visto é que há uma disparidade de desenvolvimento, em que uma boa organização mecânica pode iludir inteligência. Algumas estruturas sociais e processos naturais exibem complexidade que aparentam ser inteligência, mas não o são. A aranha pode tecer uma formidável teia, pode até aparentar que tudo é pensado ao pormenor, desde o material ao desenho. No entanto, as aranhas apenas sabem fazer teias. Não sabem fazer mais nada. É certo, apanham muitos mosquitos e melgas, mas não apanham um pássaro. Há teias que podem mesmo apanhar pássaros? Sim, mas para cada teia mais resistente, há sempre um pássaro maior (e vice-versa).

Portanto, não se devem ignorar os nexos que se evidenciam, nem se deve pensar que tudo tem um nexo ao alcance da inteligência. Há uma parte caótica necessária, que não é Acaso, mas que é impossível de prever por nós. Está acima de qualquer inteligência. Porquê? Porque quem pensa, pensa em algo, mas nunca saberá por que razão pensou nisso. Porque isso envolveria uma potência encadeada de pensamentos de pensamentos. Não aconselhando isto a ninguém, com boa concentração, é possível pensar que estamos a pensar que estamos a pensar no que estamos a pensar... onde isso leva? A uma perigosa insanidade. Mesmo que a sequência infinita fosse possível (há sempre algozes, que almejam transcendências...), há sempre potências de infinito superiores.

Qual o método a seguir?
Remeter sistematicamente para uma causa, ou ausência de causas, é o mesmo - abstinência mental.
Pretender que após milhares de anos sem largar o chão, temos independentemente Roziére e Montgolfier, com dois balões prontos, com técnicas diferentes, prontos para descolar no mesmo dia, não é aceitar o Acaso, é ser muito devoto dele.

Não há fuligem de archotes nas câmaras das pirâmides. 
Muito bem, parece ser evidência de outra iluminação, como enunciado por Bluteau.
Agora dizer que veio de tecnologia ET, dizer que os egípcios usavam pirilampos, espelhos reflectores, ou não responder, é quase o mesmo.

Devemos identificar inconsistências, semelhanças, sem nos preocuparmos demasiado com a teoria... e especialmente não embarcar em teorias que recorram a seres nunca vistos, imaginários ou não.
Mais importante do que inventar ou suportar teorias é evidenciar os factos que as motivaram.
Mais eficaz do que usar novas descobertas não aceites ou confirmadas, é procurar contradições nas que já são aceites. 
Em última análise, não interessa haver teorias alternativas, interessa é que a versão oficial se deixe de palhaçadas informativas e educacionais, em que nem as crianças já acreditam.

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publicado às 06:22

Este apontamento resulta de várias coisas.
Primeiro, porque fui ver a razão pela qual a corte portuguesa de D. João VI teria tido que vender o diamante "Espelho de Portugal", uma valiosa pedra referida pelo José Manuel e Maria da Fonte, em comentários anteriores. 
Por esse lado, chega-se imediatamente à Guerra das Laranjas, e à perda de Olivença para os espanhóis. 
Porém, não sou daqueles que se satisfaça com um nome desses, quando a estorieta remete para um ramo de laranjeira numa carta que Godoy envia para a rainha espanhola.

Ora, quando se começa a ler outras coisas, começam a aparecer outros personagens, outras estórias, outras ligações... e rapidamente fico com uma dezena de tópicos em aberto. 
Um desses tópicos foi o dos Marotos...
Começa com um relato no jornal Ecco, que compara Maroto a Dumouriez.
Trata-se do espanhol Rafael Maroto
Ser comparado ao "traidor" Ch. Dumouriez não era nada de elogioso, já que apesar de se apresentar como defensor da França Monárquica, exerceu funções importantes na França Revolucionária, mas em segredo colocava-se ao serviço da Inglaterra, onde se acabou por exilar.
Tal como o maneta general Loison ficou entre nós com a expressão associada de "ir para o Maneta", fui ver até que ponto ia a marotice de Maroto.

Maroto aparece discretamente na invasão de Godoy, da Guerra das Laranjas, mas o seu relevo será no movimento carlista, um movimento semelhante ao miguelismo em Portugal. As guerras entre liberais e absolutistas ocorreram praticamente ao mesmo tempo em Portugal e Espanha, porque, como se sabe, estas coisas aos pares compram-se mais barato. 
Vejamos as diferenças... 
- Em Portugal, a guerra civil seria entre o tio absolutista e a sobrinha liberal.
- Em Espanha, a guerra civil seria entre o tio absolutista e a sobrinha liberal.
Pois, não é por aqui que vemos as diferenças. Ah! Os nomes fazem toda a diferença:
- Em Portugal era entre Miguel e Maria filha de Pedro.
- Em Espanha era entre Carlos e Isabel filha de Fernando.
Quantas vezes houve guerras entre tios pretendentes e sobrinhas legítimas? 
Que me lembre, bem conhecidas, foram apenas estas.

Claro que estou a forçar a situação - retirando as semelhanças, as coisas ficam diferentes. Não é sempre assim?
Bom, mas uma das diferenças é que as guerras carlistas se prolongaram - houve 3 guerras. 
A segunda guerra carlista começa em 1846, com novos confrontos entre absolutistas e liberais.
Ora, em 1846, em Portugal, dava-se a revolta da Maria da Fonte, que levou a novos confrontos entre absolutistas e liberais. 
Aos pares é mais barato... mas não há duas sem três. 
E houve uma terceira guerra carlista, em 1872, mas como não há regra sem excepção, a tentativa de revolta de Saldanha tinha ocorrido em 1870.

Esta ligação ibérica não era inocente porque havia mesmo a Quádrupla Aliança, com o direito da Inglaterra e França intervirem em Espanha e Portugal. A ligação era forçada pelo exterior... porém o detalhe de ter coincidido entre tios e sobrinhas já é algo menos fácil de entender. O facto da França, completamente derrotada com Napoleão, ser depois uma útil aliada dos ingleses, sem dívidas de guerra (ao contrário dos estados ibéricos, vencedores), também é algo muito engraçado.
Também não deixa de ser engraçado que, após Waterloo, os estados ibéricos tinham sido forçados a independências das suas colónias americanas. Umas mais naturais que as outras... e como Waterloo foi relembrado em 1974, acabavam-se de seguida as colónias portuguesas em África.
Acabaram-se todas as colónias europeias na América? Quase todas... o Canadá era inglês, com tolerância à francesa Québéc. As restantes colónias, africanas e asiáticas, acabariam só depois da 2ª Guerra, e realmente Portugal em 1974 teimava ainda em não perceber isso. 
Todas? Bom, nem por isso, não é? Franceses e ingleses entenderam-se em Waterloo. Os argentinos perceberam isso nas Malvinas. Havia ainda um amor explosivo nos atóis polinésios. Amor à distância, de difícil separação. E depois do amor?

Voltamos aos Marotos.
Bascos e Catalães apareceram no conflito espanhol, do lado carlista, e Maroto jogou um papel ambíguo, dizendo-se carlista, mas sendo mais hábil a executar os seus rivais generais carlistas do que os inimigos generais liberais. Essa era a razão da tal comparação com Demeuriez, era visto como um traidor infiltrado.
Mereceria isso apenas o epíteto de "maroto"?
Pois, não me convenceu...
Procurei um pouco mais, e encontrei uma referência mais antiga, do Séc. XVI, a uns versos de Maroto, que aparentemente eram algo marotos, satirizando impropriamente passagens bíblicas. 
Quem era este Maroto? 
Era apenas Maroto na transcrição ibérica, o seu nome era Clément Marot, e ainda que seja hoje bem menos conhecido que Rabelais, os seus versos eram muito populares, dado esse carácter profano e humorado.

                    (...) não se ouvia tratar de outro, senão das novelas e contos de "Rabeles", escritos em derisão da honestidade das freiras, e da vida dos religiosos, e em desprezo da Igreja, das suas cerimónias, e das mais coisas sagradas; nem se cantava pelos campos senão os versos de Maroto, plenos também de impiedade, e desvergonha: e assim não foi muito difícil abrir as portas da heresia. Porque estes autores foram imitados por outros (...)


Passamos finalmente à Guerra das Laranjas.
Se Rafael Maroto militava nas tropas espanholas que entraram em Olivença, o personagem principal dessa história parece ser Manuel Godoy.
O ministro espanhol Manuel Godoy, vencedor da Guerra das Laranjas, 
olha a amassada bandeira portuguesa.

Parece ser... porque o nome "Guerra das Laranjas", associado à missiva de Godoy para a "amada rainha", mãe de Carlota Joaquina, parece nem ter sido muito comum no Séc. XIX.

O Ramo dos "Laranjas" tem outro significado.
Qual?... Quando temos uma caricatura de Gillray, as coisas ficam mais simples:

O cupido holandês, repousado nas fatigas de plantação dos ramos, é Willem V, da Casa Oranje-Nassau.
A plantação de muitas laranjinhas similares, vemos passar também por diversos ventres campesinos. 
Bom, mas o principal problema de Willem V foi a França de Napoleão e em 1795 acabou por fugir para Inglaterra. 
A execução de Luís XVI levou a uma declaração de guerra das monarquias europeias contra a França.
Portugal, apesar de não ter exército apto, desde a política do Marquês de Pombal, juntou-se à declaração de guerra, e com a Espanha participou na tentativa de invasão do Rossilhão, a Catalunha francesa.
Só que os tempos eram outros, e os amigos precisavam de pensar em si e em dinheiro.
Como a campanha do Rossilhão não resultou, os espanhóis de Manuel de Godoy, ministro de Fernando VII,  ficam aliados dos franceses, num tratado assinado em Aranjuez em 1801.
O sucesso militar de Napoleão veio na medida das confusões, querendo arrumar os imóveis da Europa noutra disposição. Havia distribuição de reinos, não só pelos familiares, e em particular na Itália que tinha invadido inventou o Reino da Etrúria... para lembrar os Etruscos.
Isso não diria respeito a Portugal, mas pelo Tratado de Fontainbleau, fez nova arrumação e decidiu passar o Rei da Etrúria, um Carlos Bourbon, para Entre-Douro-e-Minho, depois denominada (ao estilo da águia romana afrancesada) Lusitânia Setentrional. 
Bom, estes eram os planos que Napoleão tinha acordado com Godoy, que ficaria com o Principado dos Algarves:
 De acordo com o plano napoleónico a Lusitânia Setentrional - do Porto ao Minho, 
ficaria com as cores do Rei da Etrúria (curiosamente, o azul e branco listado do FCP).

O falhanço das invasões napoleónicas em Portugal, não concretizou nada disto, ideias que parecem ridículas, mas a dezena de anos de hegemonia francesa na Europa durou o suficiente para ser levada muito a sério. Quando a família real migrou para o Brasil em 1808, o Marquês de Abrantes ainda foi prestar vassalagem a Napoleão, tendo ficado retido com o filho em França até final do conflito. O Marquês de Abrantes passou a ser Junot, o general invasor.

A Guerra das Laranjas passa-se antes, em 1801.
Willem V está exilado na Inglaterra e procura recuperar a Holanda dominada já pelos franceses.
Há uma tentativa de reconquista do território em 1799, uma invasão Anglo-Russa comandada pelo Duque de York, no quadro da Segunda Coligação, onde a Espanha aparecia agora aliada da França.  
Com a mudança espanhola, Portugal ficava encurralado, e recusando a captura dos navios ingleses, ficava pronto a uma invasão conjunta de Espanha e França, comandada pelo próprio Manuel Godoy. 
Essa exigência naval era resultado da ameaça inglesa, após a investida na Holanda. A esquadra espanhola tinha sido destruída antes, em 1797, numa das várias Batalhas no Cabo de S. Vicente, depois a esquadra francesa será derrotada em 1805, em Trafalgar.
Por isso o problema não resultou das laranjas de Godoy, mas mais de Orange, de Willem V de Orange.

Bom, o resto é história, a que não tenho muito a acrescentar... Até que a Inglaterra decida intervir, Portugal dada a sua fragilidade militar herdada do Marquês de Pombal, vê-se forçado a aceitar a perda de Olivença, a perda de parte da Guiana, e de muito dinheiro e joias - inclusivé o tal "Espelho de Portugal", para assinar uma paz com os espanhóis. 
Há certamente muitíssimos mais detalhes, que me escapam, nem me interessam, num período complexo. 
Porém convinha aqui esclarecer este detalhe, mais porque se reporta a um período que antecede as invasões napoleónicas, e que é normalmente ignorado. O "espelho de Portugal", tivesse o que tivesse, foi apenas uma jóia perdida, entre tantos outros despojos, nomeadamente milhares e milhares de vidas que caminharam para um espelho do valor potência militar, valor efémero, mas pretendido eterno... sempre um espelho de morte.

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publicado às 06:42

Este apontamento resulta de várias coisas.
Primeiro, porque fui ver a razão pela qual a corte portuguesa de D. João VI teria tido que vender o diamante "Espelho de Portugal", uma valiosa pedra referida pelo José Manuel e Maria da Fonte, em comentários anteriores. 
Por esse lado, chega-se imediatamente à Guerra das Laranjas, e à perda de Olivença para os espanhóis. 
Porém, não sou daqueles que se satisfaça com um nome desses, quando a estorieta remete para um ramo de laranjeira numa carta que Godoy envia para a rainha espanhola.

Ora, quando se começa a ler outras coisas, começam a aparecer outros personagens, outras estórias, outras ligações... e rapidamente fico com uma dezena de tópicos em aberto. 
Um desses tópicos foi o dos Marotos...
Começa com um relato no jornal Ecco, que compara Maroto a Dumouriez.
Trata-se do espanhol Rafael Maroto
Ser comparado ao "traidor" Ch. Dumouriez não era nada de elogioso, já que apesar de se apresentar como defensor da França Monárquica, exerceu funções importantes na França Revolucionária, mas em segredo colocava-se ao serviço da Inglaterra, onde se acabou por exilar.
Tal como o maneta general Loison ficou entre nós com a expressão associada de "ir para o Maneta", fui ver até que ponto ia a marotice de Maroto.

Maroto aparece discretamente na invasão de Godoy, da Guerra das Laranjas, mas o seu relevo será no movimento carlista, um movimento semelhante ao miguelismo em Portugal. As guerras entre liberais e absolutistas ocorreram praticamente ao mesmo tempo em Portugal e Espanha, porque, como se sabe, estas coisas aos pares compram-se mais barato. 
Vejamos as diferenças... 
- Em Portugal, a guerra civil seria entre o tio absolutista e a sobrinha liberal.
- Em Espanha, a guerra civil seria entre o tio absolutista e a sobrinha liberal.
Pois, não é por aqui que vemos as diferenças. Ah! Os nomes fazem toda a diferença:
- Em Portugal era entre Miguel e Maria filha de Pedro.
- Em Espanha era entre Carlos e Isabel filha de Fernando.
Quantas vezes houve guerras entre tios pretendentes e sobrinhas legítimas? 
Que me lembre, bem conhecidas, foram apenas estas.

Claro que estou a forçar a situação - retirando as semelhanças, as coisas ficam diferentes. Não é sempre assim?
Bom, mas uma das diferenças é que as guerras carlistas se prolongaram - houve 3 guerras. 
A segunda guerra carlista começa em 1846, com novos confrontos entre absolutistas e liberais.
Ora, em 1846, em Portugal, dava-se a revolta da Maria da Fonte, que levou a novos confrontos entre absolutistas e liberais. 
Aos pares é mais barato... mas não há duas sem três. 
E houve uma terceira guerra carlista, em 1872, mas como não há regra sem excepção, a tentativa de revolta de Saldanha tinha ocorrido em 1870.

Esta ligação ibérica não era inocente porque havia mesmo a Quádrupla Aliança, com o direito da Inglaterra e França intervirem em Espanha e Portugal. A ligação era forçada pelo exterior... porém o detalhe de ter coincidido entre tios e sobrinhas já é algo menos fácil de entender. O facto da França, completamente derrotada com Napoleão, ser depois uma útil aliada dos ingleses, sem dívidas de guerra (ao contrário dos estados ibéricos, vencedores), também é algo muito engraçado.
Também não deixa de ser engraçado que, após Waterloo, os estados ibéricos tinham sido forçados a independências das suas colónias americanas. Umas mais naturais que as outras... e como Waterloo foi relembrado em 1974, acabavam-se de seguida as colónias portuguesas em África.
Acabaram-se todas as colónias europeias na América? Quase todas... o Canadá era inglês, com tolerância à francesa Québéc. As restantes colónias, africanas e asiáticas, acabariam só depois da 2ª Guerra, e realmente Portugal em 1974 teimava ainda em não perceber isso. 
Todas? Bom, nem por isso, não é? Franceses e ingleses entenderam-se em Waterloo. Os argentinos perceberam isso nas Malvinas. Havia ainda um amor explosivo nos atóis polinésios. Amor à distância, de difícil separação. E depois do amor?

Voltamos aos Marotos.
Bascos e Catalães apareceram no conflito espanhol, do lado carlista, e Maroto jogou um papel ambíguo, dizendo-se carlista, mas sendo mais hábil a executar os seus rivais generais carlistas do que os inimigos generais liberais. Essa era a razão da tal comparação com Demeuriez, era visto como um traidor infiltrado.
Mereceria isso apenas o epíteto de "maroto"?
Pois, não me convenceu...
Procurei um pouco mais, e encontrei uma referência mais antiga, do Séc. XVI, a uns versos de Maroto, que aparentemente eram algo marotos, satirizando impropriamente passagens bíblicas. 
Quem era este Maroto? 
Era apenas Maroto na transcrição ibérica, o seu nome era Clément Marot, e ainda que seja hoje bem menos conhecido que Rabelais, os seus versos eram muito populares, dado esse carácter profano e humorado.

                    (...) não se ouvia tratar de outro, senão das novelas e contos de "Rabeles", escritos em derisão da honestidade das freiras, e da vida dos religiosos, e em desprezo da Igreja, das suas cerimónias, e das mais coisas sagradas; nem se cantava pelos campos senão os versos de Maroto, plenos também de impiedade, e desvergonha: e assim não foi muito difícil abrir as portas da heresia. Porque estes autores foram imitados por outros (...)


Passamos finalmente à Guerra das Laranjas.
Se Rafael Maroto militava nas tropas espanholas que entraram em Olivença, o personagem principal dessa história parece ser Manuel Godoy.
O ministro espanhol Manuel Godoy, vencedor da Guerra das Laranjas, 
olha a amassada bandeira portuguesa.

Parece ser... porque o nome "Guerra das Laranjas", associado à missiva de Godoy para a "amada rainha", mãe de Carlota Joaquina, parece nem ter sido muito comum no Séc. XIX.

O Ramo dos "Laranjas" tem outro significado.
Qual?... Quando temos uma caricatura de Gillray, as coisas ficam mais simples:

O cupido holandês, repousado nas fatigas de plantação dos ramos, é Willem V, da Casa Oranje-Nassau.
A plantação de muitas laranjinhas similares, vemos passar também por diversos ventres campesinos. 
Bom, mas o principal problema de Willem V foi a França de Napoleão e em 1795 acabou por fugir para Inglaterra. 
A execução de Luís XVI levou a uma declaração de guerra das monarquias europeias contra a França.
Portugal, apesar de não ter exército apto, desde a política do Marquês de Pombal, juntou-se à declaração de guerra, e com a Espanha participou na tentativa de invasão do Rossilhão, a Catalunha francesa.
Só que os tempos eram outros, e os amigos precisavam de pensar em si e em dinheiro.
Como a campanha do Rossilhão não resultou, os espanhóis de Manuel de Godoy, ministro de Fernando VII,  ficam aliados dos franceses, num tratado assinado em Aranjuez em 1801.
O sucesso militar de Napoleão veio na medida das confusões, querendo arrumar os imóveis da Europa noutra disposição. Havia distribuição de reinos, não só pelos familiares, e em particular na Itália que tinha invadido inventou o Reino da Etrúria... para lembrar os Etruscos.
Isso não diria respeito a Portugal, mas pelo Tratado de Fontainbleau, fez nova arrumação e decidiu passar o Rei da Etrúria, um Carlos Bourbon, para Entre-Douro-e-Minho, depois denominada (ao estilo da águia romana afrancesada) Lusitânia Setentrional. 
Bom, estes eram os planos que Napoleão tinha acordado com Godoy, que ficaria com o Principado dos Algarves:
 
De acordo com o plano napoleónico a Lusitânia Setentrional - do Porto ao Minho, 
ficaria com as cores do Rei da Etrúria (curiosamente, o azul e branco listado do FCP).

O falhanço das invasões napoleónicas em Portugal, não concretizou nada disto, ideias que parecem ridículas, mas a dezena de anos de hegemonia francesa na Europa durou o suficiente para ser levada muito a sério. Quando a família real migrou para o Brasil em 1808, o Marquês de Abrantes ainda foi prestar vassalagem a Napoleão, tendo ficado retido com o filho em França até final do conflito. O Marquês de Abrantes passou a ser Junot, o general invasor.

A Guerra das Laranjas passa-se antes, em 1801.
Willem V está exilado na Inglaterra e procura recuperar a Holanda dominada já pelos franceses.
Há uma tentativa de reconquista do território em 1799, uma invasão Anglo-Russa comandada pelo Duque de York, no quadro da Segunda Coligação, onde a Espanha aparecia agora aliada da França.  
Com a mudança espanhola, Portugal ficava encurralado, e recusando a captura dos navios ingleses, ficava pronto a uma invasão conjunta de Espanha e França, comandada pelo próprio Manuel Godoy. 
Essa exigência naval era resultado da ameaça inglesa, após a investida na Holanda. A esquadra espanhola tinha sido destruída antes, em 1797, numa das várias Batalhas no Cabo de S. Vicente, depois a esquadra francesa será derrotada em 1805, em Trafalgar.
Por isso o problema não resultou das laranjas de Godoy, mas mais de Orange, de Willem V de Orange.

Bom, o resto é história, a que não tenho muito a acrescentar... Até que a Inglaterra decida intervir, Portugal dada a sua fragilidade militar herdada do Marquês de Pombal, vê-se forçado a aceitar a perda de Olivença, a perda de parte da Guiana, e de muito dinheiro e joias - inclusivé o tal "Espelho de Portugal", para assinar uma paz com os espanhóis. 
Há certamente muitíssimos mais detalhes, que me escapam, nem me interessam, num período complexo. 
Porém convinha aqui esclarecer este detalhe, mais porque se reporta a um período que antecede as invasões napoleónicas, e que é normalmente ignorado. O "espelho de Portugal", tivesse o que tivesse, foi apenas uma jóia perdida, entre tantos outros despojos, nomeadamente milhares e milhares de vidas que caminharam para um espelho do valor potência militar, valor efémero, mas pretendido eterno... sempre um espelho de morte.

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