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Véus (7)

30.12.15
Terminarei aqui a transcrição do 1º capítulo do livro do Abade Le Franc. Duvido que tenha paciência e tempo para os restantes, pelo menos para já, e por isso este divertimento terá que ficar adiado.

Creio que a questão da desmistificação da origem da Maçonaria, reduzindo-a a um espasmo de um aproveitamento circunstancial de velhas mistificações antigas, feita no 1º capítulo, era o aspecto mais importante. Não estou convencido das razões do Abade Le Franc, que negligencia demasiadas coisas, para se concentrar apenas no movimento de Fausto Socino. Por outro lado, convém notar que se o seu discurso é muito crítico contra os mações, também se notaram sempre palavras muito elogiosas para com a franco-maçonaria em geral.

O único valor destas organizações, que se tornam em "monstros sociais", é a sua cola agregadora de obediências e vontades. Nos mitos antigos, consoante o aspecto que estes monstros tomavam, assim eram pintados como verdadeiros animais. Uma Hidra teria várias cabeças, e ainda que se cortasse uma, outra aparecia, sendo de muito difícil eliminação. Usa-se também o Polvo para ilustrar o modo de actuação da Máfia siciliana, com os seus vários braços.

O que não é assumido, ou entendido, é que estes monstros sociais existem de facto, e são formados pela nossa vontade em pertencer aos seus corpos, retirando daí vantagens individuais. Cada emprego serve ao funcionamento de uma parte do corpo, e em troca recebemos dinheiro que se tornou num sangue que flui como alimento de todas células, numa sociedade capitalista.

Ou seja, o que não foi entendido, ou não é assumido, pelos evolucionistas, é que a evolução não parou no indivíduo, tal como antes não tinha parado na célula. Um ser multicelular não perdeu individualidade, mas cada célula perdeu-a nesse projecto. Quando no caso humano, as ideias abstractas ganharam espaço de expressão, que antes não tinham, constituiram-se agrupamentos humanos que nada tinham a ver com a partilha do mesmo material genético.
A evolução reprodutiva era afinal apenas um aspecto da evolução. Seria "natural", mas consistia em agrupar espécies num projecto competitivo, onde a eternidade seria dada ao material genético sobrevivente. 
Quando se formaram sociedades humanas, de funcionamento cada vez mais complexo, onde havia cabeça mandante no poder, órgãos sociais que efectuavam funções específicas, a evolução tendeu para competição entre monstros, que pouco mais eram do que agrupamentos de indivíduos movidos por uma vontade comum, por ideias comuns, que quanto mais não fosse, reflectiam a ideia de ligação familiar enquanto povo. Essa seria sempre uma ideia forte, resultante da evolução natural, na semelhança que uma abelha se sacrifica pela colmeia, com quem partilha material genético.
Só que a grande, enorme diferença, face a abelhinhas ou formiguinhas, é que as associações humanas não se resumiram à ideia de preservar ADN. Outras ideias entraram em jogo... ideias abstractas nunca antes manifestadas noutros seres vivos conhecidos.

Quando seres humanos formam uma organização social com propósitos de justiça, equidade, partilha, verdade, etc... toda uma série de conceitos abstractos, não estão a procurar preservar nenhum material genético. No entanto, podem estar a levar a um processo de anulação da célula, com vista à formação de um monstro multicelular, se esse processo visar um mecanismo onde os indivíduos se anulariam tendo em vista a preservação da organização superior que os unia.
Tal como uma certa combinação de palavras no ADN pode dar uma genética com maior sucesso que outra, também uma certa combinação de palavras pode levar à constituição de uma associação humana com maior sucesso que outra. Basta ver que as religiões preservaram as "palavras dos profetas", quase como seu código genético identificador. Em alguma delas esperaram um messias capaz de ser a plena cabeça para aquele corpo que transportavam, ligado pela fé. E o que era a fé? A fé era a ideia de que a plena realização desse organismo seria a eternidade dos seus constituintes. A fé seria o componente agregador para além de qualquer razão, ou seja, por razão de nenhuma espécie.

Da mesma forma, a cola com mais sucesso, para unir indivíduos num corpo, é a fidelidade. A fidelidade não precisa de nenhum racional, o indivíduo apenas manifesta a sua adesão a um corpo, porque sim, porque fez uma escolha em certa altura, e dela não pode abdicar. Se a fidelidade fosse suficiente, teria havido imenso sucesso para a experimentação das ideias mais cretinas, absurdas, perversas. Isso seria o paraíso para novos organismos sociais, que colariam a si indivíduos, como colam adeptos a clubes de futebol, e à conta da fidelidade poderiam beneficiar do engenho humano para palco de maiores chacinas.
Porque convém perceber que, para um corpo social, os indivíduos são meras células, dispensáveis, face ao ideal que subscrevem. Tal como nós, quando lutamos, podemos não nos importar de ser feridos, perder sangue, carne, sem pensar nas milhares de células nossas perdidas, também um general em campo de batalha usa os seus soldados como células, sabendo que um corte das tropas é apenas uma perda de sangue, de células dispensáveis, e substituíveis. 
Assim, temos estado a dar palco para a corporização de lutas de ideias, colando por fidelidade a organismos que vivem numa dimensão superior à nossa.
E que organismos são esses? - São universos onde essas ideias seriam "vencedoras", anulando quem pensasse de forma diferente. Esses universos oferecem ao indivíduo a ilusão do protagonismo intemporal, oferecendo-lhe a lembrança eterna do seu nome... ou seja, de uma meia dúzia de caracteres. Esses universos vivem na cabeça de cada um de nós, e não são mais do que modelos errados, condenados a um fim precoce. Tal como qualquer artista na arte da sedução, oferecem a ideia contrária, arranjando adaptações de estórias da História, para mostrar alguma prevalência lógica, a quem conseguem convencer. Mas, no fundo, o indivíduo é apenas aliciado pelo desejo de protagonismo no organismo social. O indivíduo detesta ser apenas "mais um" e quer ser o "um", mas esquece que ao servir um grupo está a hipotecar a sua individualidade a um universo que não é de nenhum dos que julgam ser seus inventores e controladores.
As ideias dos profetas, dos filósofos, etc... independentemente do seu valor, chegaram-nos apenas por palavras, e só uma completa cegueira racional permitiria pensar que uma pessoa se identifica a um conjunto de caracteres. O que é certo é que a pessoa não está presente, só as palavras ficaram, e essas são de facto eternas... mas só determinariam o universo se anulássemos as pessoas que as questionam. E isso, já se sabe no que teria dado - levaria a um fim prematuro, porque o Universo (com U grande) não admite versões com censuras eternas, que levariam a uma contradição existencial.
Aliás, é especialmente caricato, e revelador, ver pessoas que, aceitando a morte como fim definitivo, continuam a ter acções em vida como se estivessem movidas por uma crença oposta. Mesmo dispensadas de qualquer presença para o seu legado futuro, após a sua morte, continuam a trabalhar em prole das suas ideias, porque é nelas que projectam o significado da sua efémera existência.

Já me alonguei, e não terei dito tudo o que haveria para dizer, porque o assunto parece mais difícil de transmitir, do que eu pensava. 
A motivação foi apenas o sustentar a posição do Abade Le Franc sobre a prevalência do aspecto individual, ainda que os monstros organizacionais gostem de incutir nas suas células a ideia de que o indivíduo é uma mera formiga no aparelho social, e que esse corpo comum é que interessa. 
Não é. A maior luta que teremos será em não sermos escravos de disputas de ideias, disfarçados de senhores da sua posse, mas sim em domesticá-las para benefício comum. Não é uma afirmação anárquica, porque toda a forma de anarquia é um mero convite à prevalência do caos, e da ausência de racionalidade. É sim uma afirmação racional, mas que não dá mais valor à racionalidade do que ser a nossa capacidade de entendimento temporária, dadas as circunstâncias.

________________________________________________
O Véu Levantado ou o Maçonismo Desmascarado

CAPÍTULO I 
Origem da Franc-Maçonaria

(continuação dos textos anteriores: 6 5 4 3 2 1 )

Em 1784 ninguém ousava ainda declarar-se abertamente contra a Realeza, nem contra a Divindade. Contentaram-se então de se envolver em um véu misterioso; e de se cobrir com a capa dos sábios antigos, e de afectar quererem renovar os benefícios de que tinham enchido o género humano. Se dermos ouvidos e atenção a nossos filósofos mações, iríamos ver entre eles Tot, Mercúrio, Hermes, Platão, Pitágoras, e tudo o melhor que tinha produzido a Antiguidade: eles se julgavam capazes de fazerem reviver a doutrina de Zoroastro, a beneficência do imperador Tito, a sabedoria de Platão, os mistérios dos Magos, e a ciência da Natureza tal como a possuíam os Filósofos da Grécia. É de notar que nos projectos dos filósofos mações nunca se trata de ensinar aos homens, que sejam mais religiosos para com a Divindade, mais piedosos para com os pais, mais respeitosos para com os príncipes, mais ligados à sua pátria, mais zelosos pelas virtudes morais, civis, e Cristãs. É fácil julgar por seus princípios, que eles nunca chegarão a fazer os homens melhores do que são. 
Depois do discurso de Mr. Salinet, o irmão Walterstorff tomou a palavra, e voltou a atenção de seu auditório, cujo governo ele caracterizou. 
« Há, diz ele, um objecto, que ao principio me tinha seduzido por sua utilidade, a saber, a policia interior de uma Loja, ou, se assim me posso exprimir, a melhor forma de governo em nossas pequenas Repúblicas, que todas juntamente formam o imenso império da Maçonaria. »
Esta confissão explica a razão porque nossos filósofos mações fazem tantos esforços para estabelecerem em toda a parte seu regime republicano, a fim de que todas as províncias formem partes do grande todo, cujas dimensões eles tem traçado. 

Pedro Deniz, Abade-Prior de Talizieux, Mestre Mação, falou depois do patriotismo dos Pedreiros-Livres, de seus ilustres protectores, o Rei de Prússia, o de Suécia, e muitos Príncipes estrangeiros, ou nacionais [franceses]; dos estabelecimentos, que têm feito em diversos lugares, para consolarem os órfãos, e os velhos; mas todos eles têm feito mais do que fez por si só Vicente de Paulo, que povoou a Europa de religiosas da caridade, as quais administram em todos os lugares os socorros, que seu zelo e caridade as põe ao alcance de distribuírem a todas as classes de infelizes? 
A beneficência maçónica igualou jamais a industriosa actividade destas heróicas religiosas, que sabem multiplicar-se, para se fazerem úteis a todos? A beneficência entre elas é tanto uma precisão como um dever; e é superior a todos os elogios. Os trabalhos maçónicos não acrescentam pois nada aos estabelecimentos que a caridade cristã tinha fundado; se os tivessem mantido no estado em que estavam, os pobres não seriam obrigados a espalharem-se ao longo das ruas da Capital, para enternecerem as almas sensíveis sobre a sua sorte, enquanto os Mações delapidam os bens que eram consagrados para aqueles miseráveis. 

João Luiz Miguel Basset, advogado e Mestre Mação, fez depois um discurso mui longo sobre as vantagens da Maçonaria, todo cheio unicamente de lugares comuns. Depois dele o Sr. Beguillet, Secretário Geral, se cingiu a provar, em um discurso composto de três pontos, que a Franc-Maçonaria incluía a Filadelfia, ou o amor dos irmãos; a Filantropia, ou o amor dos homens; e a Filosofia, ou o amor da sabedoria; e que o seu fim geral era reunir todos os homens para formarem huma só família , cujos indivíduos se olhassem entre si como iguais, e filhos da mesma mãe, unidos pelo mesmos laços. Desta ideia é que dimana a divisão igual de todos os bens entre todos os homens, a abolição de todos os títulos, de todas as honras, e de todas as distinções, que a consanguinidade não dá direito de terem partilha. A filantropia nasce naturalmente da fraternidade; mas os filósofos mações acrescentam à sua moral, que não há virtudes na Terra, senão aquelas que são úteis aos humanos, e põe fora da Ordem a virtude dos solitários, que imitam, quanto está da sua parte, a pobreza, a humildade, e a mortificação de Jesus Cristo, e que se exercitam em agradar a Deus por meio de seus actos de fé, de caridade, e de esperança, e pela frequência dos Sacramentos; porque estas virtudes não fazem parte da filantropia; como se os que honram a Deus e o servem, não merecessem por isso conseguir dele os bens da vida presente, e futura. Mas os Pedreiros-Livres filósofos não crêem em Deus, nem em Jesus Cristo, seu Filho, nem na vida eterna , que ele nos tem prometido. Todas as suas esperanças se limitam à vida presente, em cujo circulo bem quereriam eles que nós encerrássemos todos os nossos desejos. Eis-aqui em última análise o compêndio da Franc-maçonaria. Ela começou com Socino, aumentou-se com a falange dos filósofos, e dos deístas, ou ateus, e trabalha em reunir todos os homens na crença de seus falsos princípios. 

(fim do Capítulo I)

Capítulos seguintes:
II - Das Lojas Maçónicas e seu Regimento (pag. 62)
III - O que a Assembleia Nacional de França deve à Franc-Maçonaria (pág. 74)
IV - A Sociedade dos pedreiros-livres tem mudado os costumes em França (pág. 89)
V - A iniciação na Franc-maçonaria é uma abjuração da Fé Cristã (pág. 100)
VI - A Franc-maçonaria quer restabelecer a religião natural (pág. 116)
VII - Os Pedreiros-Livres querem abolir a hierarquia Eclesiástica na Igreja Católica (pág. 156)
VIII - A Franc-maçonaria quer destruir o Trono, assim como tem destruído o Altar. (pág. 200)

Apêndice - Constituição da Maçonaria em Portugal (pág. 215)
Cap.1 - Do Grande Oriente Lusitano
Cap.2 - Da divisão de poderes do G.O.L.
Cap.3 - Das qualificações necessárias aos Oficiais e membros do GOL.
Cap.4 - Da eleição dos Oficiais e Membros do GOL
Cap.5 - Do tempo que há de dura, de cada legislatura
Cap.6 - Do tempo em que se hão de fazer as eleições para Oficiais e Membros do GOL
Cap.7 - Da sucessão dos Oficiais do GOL, nos seus impedimentos interinos
Cap.8 - Das insíginias dos Oficiais e Membros do GOL
Cap.9 - Das honras devidas aos Oficiais e Membros do GOL
Cap.10 - Dos fundos do GOL, sua aplicação e guarda
Cap.11 - Das deliberações do GOL e suas câmaras
Cap.12 - Das Lojas da Correspondência do GOL
Cap.13 - Da organização dos Capítulos
Cap.14 - Das Grandes Lojas Provinciais


Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 07:25

Véus (7)

30.12.15
Terminarei aqui a transcrição do 1º capítulo do livro do Abade Le Franc. Duvido que tenha paciência e tempo para os restantes, pelo menos para já, e por isso este divertimento terá que ficar adiado.

Creio que a questão da desmistificação da origem da Maçonaria, reduzindo-a a um espasmo de um aproveitamento circunstancial de velhas mistificações antigas, feita no 1º capítulo, era o aspecto mais importante. Não estou convencido das razões do Abade Le Franc, que negligencia demasiadas coisas, para se concentrar apenas no movimento de Fausto Socino. Por outro lado, convém notar que se o seu discurso é muito crítico contra os mações, também se notaram sempre palavras muito elogiosas para com a franco-maçonaria em geral.

O único valor destas organizações, que se tornam em "monstros sociais", é a sua cola agregadora de obediências e vontades. Nos mitos antigos, consoante o aspecto que estes monstros tomavam, assim eram pintados como verdadeiros animais. Uma Hidra teria várias cabeças, e ainda que se cortasse uma, outra aparecia, sendo de muito difícil eliminação. Usa-se também o Polvo para ilustrar o modo de actuação da Máfia siciliana, com os seus vários braços.

O que não é assumido, ou entendido, é que estes monstros sociais existem de facto, e são formados pela nossa vontade em pertencer aos seus corpos, retirando daí vantagens individuais. Cada emprego serve ao funcionamento de uma parte do corpo, e em troca recebemos dinheiro que se tornou num sangue que flui como alimento de todas células, numa sociedade capitalista.

Ou seja, o que não foi entendido, ou não é assumido, pelos evolucionistas, é que a evolução não parou no indivíduo, tal como antes não tinha parado na célula. Um ser multicelular não perdeu individualidade, mas cada célula perdeu-a nesse projecto. Quando no caso humano, as ideias abstractas ganharam espaço de expressão, que antes não tinham, constituiram-se agrupamentos humanos que nada tinham a ver com a partilha do mesmo material genético.
A evolução reprodutiva era afinal apenas um aspecto da evolução. Seria "natural", mas consistia em agrupar espécies num projecto competitivo, onde a eternidade seria dada ao material genético sobrevivente. 
Quando se formaram sociedades humanas, de funcionamento cada vez mais complexo, onde havia cabeça mandante no poder, órgãos sociais que efectuavam funções específicas, a evolução tendeu para competição entre monstros, que pouco mais eram do que agrupamentos de indivíduos movidos por uma vontade comum, por ideias comuns, que quanto mais não fosse, reflectiam a ideia de ligação familiar enquanto povo. Essa seria sempre uma ideia forte, resultante da evolução natural, na semelhança que uma abelha se sacrifica pela colmeia, com quem partilha material genético.
Só que a grande, enorme diferença, face a abelhinhas ou formiguinhas, é que as associações humanas não se resumiram à ideia de preservar ADN. Outras ideias entraram em jogo... ideias abstractas nunca antes manifestadas noutros seres vivos conhecidos.

Quando seres humanos formam uma organização social com propósitos de justiça, equidade, partilha, verdade, etc... toda uma série de conceitos abstractos, não estão a procurar preservar nenhum material genético. No entanto, podem estar a levar a um processo de anulação da célula, com vista à formação de um monstro multicelular, se esse processo visar um mecanismo onde os indivíduos se anulariam tendo em vista a preservação da organização superior que os unia.
Tal como uma certa combinação de palavras no ADN pode dar uma genética com maior sucesso que outra, também uma certa combinação de palavras pode levar à constituição de uma associação humana com maior sucesso que outra. Basta ver que as religiões preservaram as "palavras dos profetas", quase como seu código genético identificador. Em alguma delas esperaram um messias capaz de ser a plena cabeça para aquele corpo que transportavam, ligado pela fé. E o que era a fé? A fé era a ideia de que a plena realização desse organismo seria a eternidade dos seus constituintes. A fé seria o componente agregador para além de qualquer razão, ou seja, por razão de nenhuma espécie.

Da mesma forma, a cola com mais sucesso, para unir indivíduos num corpo, é a fidelidade. A fidelidade não precisa de nenhum racional, o indivíduo apenas manifesta a sua adesão a um corpo, porque sim, porque fez uma escolha em certa altura, e dela não pode abdicar. Se a fidelidade fosse suficiente, teria havido imenso sucesso para a experimentação das ideias mais cretinas, absurdas, perversas. Isso seria o paraíso para novos organismos sociais, que colariam a si indivíduos, como colam adeptos a clubes de futebol, e à conta da fidelidade poderiam beneficiar do engenho humano para palco de maiores chacinas.
Porque convém perceber que, para um corpo social, os indivíduos são meras células, dispensáveis, face ao ideal que subscrevem. Tal como nós, quando lutamos, podemos não nos importar de ser feridos, perder sangue, carne, sem pensar nas milhares de células nossas perdidas, também um general em campo de batalha usa os seus soldados como células, sabendo que um corte das tropas é apenas uma perda de sangue, de células dispensáveis, e substituíveis. 
Assim, temos estado a dar palco para a corporização de lutas de ideias, colando por fidelidade a organismos que vivem numa dimensão superior à nossa.
E que organismos são esses? - São universos onde essas ideias seriam "vencedoras", anulando quem pensasse de forma diferente. Esses universos oferecem ao indivíduo a ilusão do protagonismo intemporal, oferecendo-lhe a lembrança eterna do seu nome... ou seja, de uma meia dúzia de caracteres. Esses universos vivem na cabeça de cada um de nós, e não são mais do que modelos errados, condenados a um fim precoce. Tal como qualquer artista na arte da sedução, oferecem a ideia contrária, arranjando adaptações de estórias da História, para mostrar alguma prevalência lógica, a quem conseguem convencer. Mas, no fundo, o indivíduo é apenas aliciado pelo desejo de protagonismo no organismo social. O indivíduo detesta ser apenas "mais um" e quer ser o "um", mas esquece que ao servir um grupo está a hipotecar a sua individualidade a um universo que não é de nenhum dos que julgam ser seus inventores e controladores.
As ideias dos profetas, dos filósofos, etc... independentemente do seu valor, chegaram-nos apenas por palavras, e só uma completa cegueira racional permitiria pensar que uma pessoa se identifica a um conjunto de caracteres. O que é certo é que a pessoa não está presente, só as palavras ficaram, e essas são de facto eternas... mas só determinariam o universo se anulássemos as pessoas que as questionam. E isso, já se sabe no que teria dado - levaria a um fim prematuro, porque o Universo (com U grande) não admite versões com censuras eternas, que levariam a uma contradição existencial.
Aliás, é especialmente caricato, e revelador, ver pessoas que, aceitando a morte como fim definitivo, continuam a ter acções em vida como se estivessem movidas por uma crença oposta. Mesmo dispensadas de qualquer presença para o seu legado futuro, após a sua morte, continuam a trabalhar em prole das suas ideias, porque é nelas que projectam o significado da sua efémera existência.

Já me alonguei, e não terei dito tudo o que haveria para dizer, porque o assunto parece mais difícil de transmitir, do que eu pensava. 
A motivação foi apenas o sustentar a posição do Abade Le Franc sobre a prevalência do aspecto individual, ainda que os monstros organizacionais gostem de incutir nas suas células a ideia de que o indivíduo é uma mera formiga no aparelho social, e que esse corpo comum é que interessa. 
Não é. A maior luta que teremos será em não sermos escravos de disputas de ideias, disfarçados de senhores da sua posse, mas sim em domesticá-las para benefício comum. Não é uma afirmação anárquica, porque toda a forma de anarquia é um mero convite à prevalência do caos, e da ausência de racionalidade. É sim uma afirmação racional, mas que não dá mais valor à racionalidade do que ser a nossa capacidade de entendimento temporária, dadas as circunstâncias.

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O Véu Levantado ou o Maçonismo Desmascarado

CAPÍTULO I 
Origem da Franc-Maçonaria

(continuação dos textos anteriores: 6 5 4 3 2 1 )

Em 1784 ninguém ousava ainda declarar-se abertamente contra a Realeza, nem contra a Divindade. Contentaram-se então de se envolver em um véu misterioso; e de se cobrir com a capa dos sábios antigos, e de afectar quererem renovar os benefícios de que tinham enchido o género humano. Se dermos ouvidos e atenção a nossos filósofos mações, iríamos ver entre eles Tot, Mercúrio, Hermes, Platão, Pitágoras, e tudo o melhor que tinha produzido a Antiguidade: eles se julgavam capazes de fazerem reviver a doutrina de Zoroastro, a beneficência do imperador Tito, a sabedoria de Platão, os mistérios dos Magos, e a ciência da Natureza tal como a possuíam os Filósofos da Grécia. É de notar que nos projectos dos filósofos mações nunca se trata de ensinar aos homens, que sejam mais religiosos para com a Divindade, mais piedosos para com os pais, mais respeitosos para com os príncipes, mais ligados à sua pátria, mais zelosos pelas virtudes morais, civis, e Cristãs. É fácil julgar por seus princípios, que eles nunca chegarão a fazer os homens melhores do que são. 
Depois do discurso de Mr. Salinet, o irmão Walterstorff tomou a palavra, e voltou a atenção de seu auditório, cujo governo ele caracterizou. 
« Há, diz ele, um objecto, que ao principio me tinha seduzido por sua utilidade, a saber, a policia interior de uma Loja, ou, se assim me posso exprimir, a melhor forma de governo em nossas pequenas Repúblicas, que todas juntamente formam o imenso império da Maçonaria. »
Esta confissão explica a razão porque nossos filósofos mações fazem tantos esforços para estabelecerem em toda a parte seu regime republicano, a fim de que todas as províncias formem partes do grande todo, cujas dimensões eles tem traçado. 

Pedro Deniz, Abade-Prior de Talizieux, Mestre Mação, falou depois do patriotismo dos Pedreiros-Livres, de seus ilustres protectores, o Rei de Prússia, o de Suécia, e muitos Príncipes estrangeiros, ou nacionais [franceses]; dos estabelecimentos, que têm feito em diversos lugares, para consolarem os órfãos, e os velhos; mas todos eles têm feito mais do que fez por si só Vicente de Paulo, que povoou a Europa de religiosas da caridade, as quais administram em todos os lugares os socorros, que seu zelo e caridade as põe ao alcance de distribuírem a todas as classes de infelizes? 
A beneficência maçónica igualou jamais a industriosa actividade destas heróicas religiosas, que sabem multiplicar-se, para se fazerem úteis a todos? A beneficência entre elas é tanto uma precisão como um dever; e é superior a todos os elogios. Os trabalhos maçónicos não acrescentam pois nada aos estabelecimentos que a caridade cristã tinha fundado; se os tivessem mantido no estado em que estavam, os pobres não seriam obrigados a espalharem-se ao longo das ruas da Capital, para enternecerem as almas sensíveis sobre a sua sorte, enquanto os Mações delapidam os bens que eram consagrados para aqueles miseráveis. 

João Luiz Miguel Basset, advogado e Mestre Mação, fez depois um discurso mui longo sobre as vantagens da Maçonaria, todo cheio unicamente de lugares comuns. Depois dele o Sr. Beguillet, Secretário Geral, se cingiu a provar, em um discurso composto de três pontos, que a Franc-Maçonaria incluía a Filadelfia, ou o amor dos irmãos; a Filantropia, ou o amor dos homens; e a Filosofia, ou o amor da sabedoria; e que o seu fim geral era reunir todos os homens para formarem huma só família , cujos indivíduos se olhassem entre si como iguais, e filhos da mesma mãe, unidos pelo mesmos laços. Desta ideia é que dimana a divisão igual de todos os bens entre todos os homens, a abolição de todos os títulos, de todas as honras, e de todas as distinções, que a consanguinidade não dá direito de terem partilha. A filantropia nasce naturalmente da fraternidade; mas os filósofos mações acrescentam à sua moral, que não há virtudes na Terra, senão aquelas que são úteis aos humanos, e põe fora da Ordem a virtude dos solitários, que imitam, quanto está da sua parte, a pobreza, a humildade, e a mortificação de Jesus Cristo, e que se exercitam em agradar a Deus por meio de seus actos de fé, de caridade, e de esperança, e pela frequência dos Sacramentos; porque estas virtudes não fazem parte da filantropia; como se os que honram a Deus e o servem, não merecessem por isso conseguir dele os bens da vida presente, e futura. Mas os Pedreiros-Livres filósofos não crêem em Deus, nem em Jesus Cristo, seu Filho, nem na vida eterna , que ele nos tem prometido. Todas as suas esperanças se limitam à vida presente, em cujo circulo bem quereriam eles que nós encerrássemos todos os nossos desejos. Eis-aqui em última análise o compêndio da Franc-maçonaria. Ela começou com Socino, aumentou-se com a falange dos filósofos, e dos deístas, ou ateus, e trabalha em reunir todos os homens na crença de seus falsos princípios. 

(fim do Capítulo I)

Capítulos seguintes:
II - Das Lojas Maçónicas e seu Regimento (pag. 62)
III - O que a Assembleia Nacional de França deve à Franc-Maçonaria (pág. 74)
IV - A Sociedade dos pedreiros-livres tem mudado os costumes em França (pág. 89)
V - A iniciação na Franc-maçonaria é uma abjuração da Fé Cristã (pág. 100)
VI - A Franc-maçonaria quer restabelecer a religião natural (pág. 116)
VII - Os Pedreiros-Livres querem abolir a hierarquia Eclesiástica na Igreja Católica (pág. 156)
VIII - A Franc-maçonaria quer destruir o Trono, assim como tem destruído o Altar. (pág. 200)

Apêndice - Constituição da Maçonaria em Portugal (pág. 215)
Cap.1 - Do Grande Oriente Lusitano
Cap.2 - Da divisão de poderes do G.O.L.
Cap.3 - Das qualificações necessárias aos Oficiais e membros do GOL.
Cap.4 - Da eleição dos Oficiais e Membros do GOL
Cap.5 - Do tempo que há de dura, de cada legislatura
Cap.6 - Do tempo em que se hão de fazer as eleições para Oficiais e Membros do GOL
Cap.7 - Da sucessão dos Oficiais do GOL, nos seus impedimentos interinos
Cap.8 - Das insíginias dos Oficiais e Membros do GOL
Cap.9 - Das honras devidas aos Oficiais e Membros do GOL
Cap.10 - Dos fundos do GOL, sua aplicação e guarda
Cap.11 - Das deliberações do GOL e suas câmaras
Cap.12 - Das Lojas da Correspondência do GOL
Cap.13 - Da organização dos Capítulos
Cap.14 - Das Grandes Lojas Provinciais


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publicado às 07:25

Véus (6)

29.12.15
Continuamos a transcrição da obra do Abade Le Franc sobre a Maçonaria. Nesta parte continua a remeter uma origem da maçonaria associada ao movimento de Fausto Socino, um personagem de que nem tinha tido notícia anterior, e que de outra forma, sem esta importância que Le Franc lhe dá, teria uma influência menor no curso histórico.

Fausto Socino (1539-1604)
Esta importância, de acordo com o Abade Le Franc, seria a da capacidade de agregar diversos pequenos movimentos "hereges" numa comunidade com pontos comuns, alicerçando numa crítica ao carácter divino de Jesus Cristo, a sua principal cola. 
Comparando isto com movimentos anteriores, como o dos Cátaros, ou do próprio Arianismo, a heresia era agora muito maior, colocando Cristo ao nível de profeta islâmico, com a única diferença do Socianismo não referir Maomé como profeta. 
O que não é referido pelo Abade Le Franc, mas que me parece ter sido crucial no desfecho deste movimentos anti-Roma, é toda a envolvente de política nacionalista apoiada pelos príncipes europeus, órfãos da partilha do Mundo feita nas Tordesilhas. 
Assim, se os descobrimentos tinham tido os Templários como motor principal para a abertura da Europa medieval, Tordesilhas tinha correspondido a um fecho desse projecto no domínio de dois reinos ibéricos. Se os Cátaros tinham tido apenas um apoio local, como o do Conde de Toulouse, os movimentos luteranos, protestantes, arianos, hereges, judeus ou ateus, teriam um largo registo histórico de perseguição católica, com que se precaver, mas sobretudo o apoio dos reis e príncipes descontentes com a partilha do Mundo feita em Roma. A cada remessa de ouro trazida pelos galeões espanhóis, ou a cada remessa de especiarias trazida pelas naus portuguesas, o papel desses reinos andava resumido ao da compra, ou do roubo, apoiando corsários que actuavam a seu serviço, como foi o caso do famoso Drake.

Portanto, para além de outras razões concorrentes, onde certamente se incluía o luxo da Igreja, criticado por Lutero, ou a simples questão filosófica insolente da Trinitá, criticada por Socino, ou até a simples exploração servil dos camponeses, e secundarização dos burgueses e do comércio, no regime feudal... tudo isso permitiria o crescimento em bastidores de um monstro pronto a erguer-se contra o monstro do poder instalado, simbolizado por Roma. 

Normalmente um monstro, que é uma grande organização social humana, tende a cindir-se se não tiver um inimigo identificado... porque o próprio inimigo passa a ser a fragilidade dessa ligação de conveniência. Ao cristianismo medieval foram os maometanos que fizeram o favor de se erguer para inspirar a consistência da sociedade cristã perante um poderoso inimigo invasor. Depois, aquando da ascensão e transferência do império para os Habsburgos, foi alimentado o poder otomano, que ameaçara o lado Habsburgo espanhol em Lepanto, e o lado Habsburgo austríaco em Viena. Enfraquecendo esse império, os reinos do norte da Europa, puderam vencer a crucial Guerra dos Trinta Anos, e acabar com Roma como centro de poder. Ganharam a sua consistência nessa luta contra o catolocismo, mas não o fizeram desaparecer... mantiveram a sul todos os aspectos do poder que combateram, e dessa forma não precisaram de encontrar em si, até ao Séc. XIX, novas razões de divisões. Mantendo-se este movimento maçónico nos bastidores, não sendo fonte de poder visível, e tendo ainda várias sociedades a transformar com revoluções internas, não atingiu o grau de saturação que normalmente leva às cisões e à precipitação do fim de um poder concentrado.
No Séc. XX, apareceu o primeiro foco de tensão, produto das próprias sociedades transformadas pelos ideais maçónicos. Foi nas repúblicas que surgiram os movimentos nacionalistas, fascistas, que procuraram erguer-se contra o abraço desse monstro, e muitas vezes apoiados inicialmente por vertentes internas. Assim, as guerras mundiais muito tiveram de luta contra um equilíbrio do mundo estabelecido no desenho do Séc. XIX, desequilibrado aos olhos das nações do início do Séc. XX.
Já a segunda parte do Séc. XX, na disputa entre os dois hemisférios de influência - americano e russo, foi muito mais uma guerra supervisionada pela própria super-estrutura que desenvolvera os ideais de ambas as sociedades. Quer o capitalismo, quer o marxismo, podem ser vistos como filhos de tendências internas da maçonaria (ou, na visão conspirativa do início do Séc. XX, da judiaria).

________________________________________________
O Véu Levantado ou o Maçonismo Desmascarado

CAPÍTULO I 
Origem da Franc-Maçonaria

(continuação dos anteriores: 5 4 3 2 1 )

Socino tirou grande vantagem da reunião de todas as seitas dos Anabaptistas, dos Unitários, e dos Trinitários que soube destramente aliciar. Ele se viu senhor de todos os estabelecimentos, que pertenciam a estes sectários; teve permissão de pregar, e de escrever sua doutrina, fez catecismosLivros, e chegaria ao fim de perverter em pouco tempo todos os Católicos da Polónia, se a Dieta de Varsóvia lhe não tivesse posto obstáculo. Com efeito nunca houve doutrina mais oposta ao dogma Católico, que a de Socino
Como os Unitários, ele rejeitava da Religião tudo o que tinha o ar de mistério; segundo ele, Jesus Cristo não era filho de Deus senão por adopção, e pelas prerrogativas que Deus lhe tinha concedido, como são: a de ser nosso Mediador, nosso Sacerdote, nosso Pontífice, ainda ele não foi mais que um puro homem. Segundo Socino e os Unitários, o Espirito Santo não é Deus; e bem longe de admitir três pessoas em Deus, Socino não queria que fosse Deus, senão uma só. 
Ele olhava como extravagâncias, o mistério da Encarnação, a presença real de Jesus Cristo na Eucaristia, a existência do pecado original, a necessidade de uma graça santificante. Os sacramentos, a seu ver, não eram senão umas puras ceremónias, estabelecidas para sustentar a religião do povo. 
A Tradição Apostólica, segundo ele, não era uma regra de fé, não reconhecia a autoridade da Igreja para interpretar as Escripturas Santas. Em uma palavra, a doutrina de Socino está encerrada em duzentos vinte e nove artigos, os quais todos têm por objecto destruir a doutrina de Jesus Cristo

Quando Socino morreu em 1604, a sua seita estava tão bem estabelecida na Polónia que obteve nas dietas, a liberdade de consciência. Mas experimentou revezes na Hungria, em Holanda, e na Inglaterra, onde sua doutrina foi julgada abominável, e se recusou admiti-la. Com tudo as perturbações, que sobrevieram à Inglaterra no tempo de Carlos I, e Cromwel deram ocasião aos Deistas, aos Socinianos; e a todas as sortes de hereges, de pregarem publicamente sua doutrina.
Foi isto um grande recurso para os Socinianos, que tinham perdido seu favor na Polónia, e que tiveram grande felicidade em se poderem associar aos independentes, que formavam então um grande partido em Inglaterra. A semelhança, que os princípios dos Quakers tinham com os dos Socinianos, os uniu de uma maneira particular, sem que os Episcopais, ou os Presbiterianos pudessem impedir aquela união. 
Em 1690, quando Guilherme de Nassau desceu à Inglaterra; os Socinianos se reuniram também aos Não-conformistas para conservarem sua existência debaixo do novo governo; porque é de notar que esta sociedade nunca foi sofrida em Inglaterra , senão por meio de associações; nem pôde nunca conseguir ter um ensino público, nem um culto particular: tão revoltantes têm sido sempre seus princípios! 

É fácil de compreender o porque os Pedreiros-Livres não ousaram nunca reconhecer em público sua verdadeira origem, ou professar suas máximas à face das sociedades civis. Se se tivessem mostrado descobertos, como na realidade são, nenhum Estado Católico teria podido sofrê-los em seu seio. Eis-aqui porque eles se envolvem com o véu dos mistérios, e dos símbolos, e só se dão a conhecer a homens que têm ligado a seus sistemas por meio de juramentos ímpios e horríveis, antes de lhes revelarem alguma coisa essencial da sua tenebrosa seita. 

Para os Pedreiros-Livres se darem um ar religioso, têm adoptado símbolos de uma religião figurativa, e deste modo têm procurado impor a gente de pouca reflexão. Trata-se hoje de revelar e descobrir seu grande segredo, e de os fazer conhecer por aquilo que são. Então se verá, se há ou não segredo na Franc-Maçonaria, como muitos pretendem espalhar pela parte negativa; então se verá se não é mais que uma sociedade de pessoas que se reúnem para se divertirem, ou se esta sociedade deve vir a ser universal, e o modelo de todas as que se acham autorizadas pelos governos da Europa. Eu bem sei que os nossos filósofos há muitos tempos se ocupam em dar às sociedades Moçónicas toda a perfeição, de que a Filosofia é capaz. 
Mr. de Condorcet fez hum projecto de código, composto em parte sobre os códigos ordenados em 1779 pela assembleia dos Pedreiros-Livres que seguem o sistema da Maçonaria rectificada. 
Mr. Beguillet, advogado, compôs seis discursos sobre a alta Maçonaria, para iniciar os Mações nos princípios da alta filosofia, da qual se davam lições nos mistérios de Eleusis e d'Isis
O primeiro discurso rola sobre as obras do Grande Arquitecto na criação do Universo; e o segundo sobre a harmonia das esferas, e a grande cadeia dos entes. 
Ele é um compêndio das ideias de Platão sobre a harmonia, e das dos Gnósticos, dos Valentinianos e dos primeiros hereges, que misturavam ideias religiosas com os princípios da filosofia Oriental. O terceiro discurso trata da história maçónica: nos últimos três ele se ocupa dos graus, dos símbolos, dos regulamentos, dos deveres, e dos prazeres dos Pedreiros-Livres. Em fim, o Autor do Ensaio sobre a Franc-maçonaria deu o plano, pelo qual se poderiam organizar todas as Lojas, e o julgava capaz de reunir todas as seitas de Pedreiros-Livres e fazer cessar as divisões das Lojas. 

Em 1784 é que a Franc-maçonaria Francesa tomou uma nova elevação. Até então só se tinha ocupado de emblemas, e cerimónias praticadas nos primeiros graus; ela quis enriquecer-se dos conhecimentos adquiridos e desenvolvidos nos Orientes estrangeiros. Para este efeito recorreu a Mr. Ernesto Frederico de Walters, Camarista d'El Rei de Dinamarca, grande Escocês, a quem pediu que viesse ser fundador de uma nova Loja, que se estabelecia em Paris, com o título de Loja de S. João da reunião dos estrangeiros. Nela devia empregar-se não só nos trabalhos relativos aos três primeiros graus; que são as colunas fundamentais de todo o edifício da fraternidade maçónica, mas também nos que conduzem aos conhecimentos sublimes da Maçonaria filosófica, de que a simbólica não é mais que a casca e o emblema; isto é, da irreligião prática, a que conduz a religião enigmática. 
Depois de ter desviado as vistas de seus iniciados, de toda a ideia de providência, e de divindade, a filosofia maçónica devia convidá-los a abraçarem em suas indagações a universalidade das ciências, que os verdadeiros filósofos olham como o único depósito dos conhecimentos do mundo primitivo, os quais de idade em idade têm sido transmitidos debaixo de emblemas, e de hieroglíficos, de que só os verdadeiros Mações têm a inteligência. Segundo este projecto, não se devia fazer menção alguma do estudo da Religião, porque os nossos filósofos não reconhecem Deus: não se deviam dar lições, senão de história natural de física, de química, de astronomia, e das ciências abstractas, que concordam bem com o sistema de filosofia maçónica
Deviam estabelecer-se cursos regulares de estudos maçónicos, em que cada irmão pudesse receber as instruções relativas ao seu grau, a fim de se dispor por meio destes estudos preparatórios para correr todos os graus da escala da sabedoria. Esta Loja devia corresponder-se com todas as Lojas estrangeiras, e aproveitar-se das luzes dos sábios de todas as nações. Todas as Lojas estrangeiras deveriam ter o direito de ter nela um Deputado, que tivesse a seu cuidado manter a uniformidade, e comunicar à sua Loja as luzes e os conhecimentos, que se tivessem adquirido nas Lojas de reunião. 

Aos 17 de Novembro de 1773, o Duque de Brissac foi deputado pelo Grande Oriente para visitar os trabalhos da Loja da reunião dos estrangeiros, todos os graus foram conferidos segundo as regras estrita observância, pelo venerável irmão de Walterstorff; e sobre a informação do inspector esta Loja recebeu suas Constituições no primeiro de Março de 1784. Este dia foi brilhante pelo grande número de Visitadores mações que assistiam à cerimónia, pelos discursos que nele se pronunciaram, e pelo esplêndido banquete, que terminou a Festa. 
Mr. o Duque de Gesvres, Conservador Mor da Maçonaria chegou àquela Loja, e foi introduzido e anunciado ao som de macetes com que batiam, precedendo sua marcha muitas estrelas, e formando sete irmãos a abóbada de aço, o que se pratica cruzando as pontas das espadas. 

Mr. o Duque de Rochefucault, Grão Mestre dos Oficiais d'honra do Grande Oriente de França, foi introduzido do mesmo modo, debaixo da abóbada d'aço, batendo macetes ao som de instrumentos, e no meio de aplausos. Os Irmãos deputados do Grande Oriente, portadores das Constituições, apresentaram seus poderes ao Irmão Experto, e foram depois introduzidos ao som da música, batendo macetes, e formando nove Irmãos a abóbada d'aço. O Sr. Salivet, advogado no Parlamento, Oficial do Grande Oriente, e Chefe da Deputação, estava acompanhado dos Irmãos Guyenot e Brissac. Em qualidade de Chefe, fez hum discurso sobre a origem da Franc-maçonaria, em que falou da maneira seguinte:
« Cada Século tem seus Sábios. A Índia os tem respeitado debaixo do título de Gimnosofistas, o Egipto debaixo do nome de iniciados, os Povos do Oriente debaixo do de Pedreiros-Livres, que conservam ainda entre nós. Estes Sábios, que escaparam à corrupção universal, dotados de uma alma sensível, entregues à vida contemplativa, faziam profissão de serem amigos dos homens, e inimigos dos vícios unidos à humanidade. Por toda parte se viam reunir para fazerem o bem, socorrerem o pobre, e protegerem o fraco! » 
« Sempre perseguidos pelo fanatismo, que não raciocina, e pela inveja, que envenena aquilo mesmo, que não pode conhecer, eles nunca lhes opuseram senão a constância e o desprezo. Contentes de serem úteis estimando-se assaz para não temerem nada, eles têm continuado a oferecer ao Ser Supremo um incenso digno da sua Grandeza, o tributo de um coração puro, de um espírito esclarecido, e de uma alma reconhecida. Tal é, meus Irmãos, a origem tão antiga, como gloriosa da Maçonaria. » 
Este extracto, em termo de maçonaria, se chama um pedaço d'arquitectura. Basta para dar uma ideia do delírio aos Pedreiros-Livres os quais contra a verdade da história pretendem descender da mais alta antiguidade, e pôr em voga a Religião natural com exclusão total da que Jesus Cristo nos revelou. Os Filósofos não ambicionam hoje outro titulo senão o de Mação: este se identifica com o de Clubista, e de Jacobino, debaixo do qual se encerra o do propagandista, e de inimigos dos Reis, e de Deus. 

(continua)



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publicado às 07:27

Véus (6)

29.12.15
Continuamos a transcrição da obra do Abade Le Franc sobre a Maçonaria. Nesta parte continua a remeter uma origem da maçonaria associada ao movimento de Fausto Socino, um personagem de que nem tinha tido notícia anterior, e que de outra forma, sem esta importância que Le Franc lhe dá, teria uma influência menor no curso histórico.

Fausto Socino (1539-1604)
Esta importância, de acordo com o Abade Le Franc, seria a da capacidade de agregar diversos pequenos movimentos "hereges" numa comunidade com pontos comuns, alicerçando numa crítica ao carácter divino de Jesus Cristo, a sua principal cola. 
Comparando isto com movimentos anteriores, como o dos Cátaros, ou do próprio Arianismo, a heresia era agora muito maior, colocando Cristo ao nível de profeta islâmico, com a única diferença do Socianismo não referir Maomé como profeta. 
O que não é referido pelo Abade Le Franc, mas que me parece ter sido crucial no desfecho deste movimentos anti-Roma, é toda a envolvente de política nacionalista apoiada pelos príncipes europeus, órfãos da partilha do Mundo feita nas Tordesilhas. 
Assim, se os descobrimentos tinham tido os Templários como motor principal para a abertura da Europa medieval, Tordesilhas tinha correspondido a um fecho desse projecto no domínio de dois reinos ibéricos. Se os Cátaros tinham tido apenas um apoio local, como o do Conde de Toulouse, os movimentos luteranos, protestantes, arianos, hereges, judeus ou ateus, teriam um largo registo histórico de perseguição católica, com que se precaver, mas sobretudo o apoio dos reis e príncipes descontentes com a partilha do Mundo feita em Roma. A cada remessa de ouro trazida pelos galeões espanhóis, ou a cada remessa de especiarias trazida pelas naus portuguesas, o papel desses reinos andava resumido ao da compra, ou do roubo, apoiando corsários que actuavam a seu serviço, como foi o caso do famoso Drake.

Portanto, para além de outras razões concorrentes, onde certamente se incluía o luxo da Igreja, criticado por Lutero, ou a simples questão filosófica insolente da Trinitá, criticada por Socino, ou até a simples exploração servil dos camponeses, e secundarização dos burgueses e do comércio, no regime feudal... tudo isso permitiria o crescimento em bastidores de um monstro pronto a erguer-se contra o monstro do poder instalado, simbolizado por Roma. 

Normalmente um monstro, que é uma grande organização social humana, tende a cindir-se se não tiver um inimigo identificado... porque o próprio inimigo passa a ser a fragilidade dessa ligação de conveniência. Ao cristianismo medieval foram os maometanos que fizeram o favor de se erguer para inspirar a consistência da sociedade cristã perante um poderoso inimigo invasor. Depois, aquando da ascensão e transferência do império para os Habsburgos, foi alimentado o poder otomano, que ameaçara o lado Habsburgo espanhol em Lepanto, e o lado Habsburgo austríaco em Viena. Enfraquecendo esse império, os reinos do norte da Europa, puderam vencer a crucial Guerra dos Trinta Anos, e acabar com Roma como centro de poder. Ganharam a sua consistência nessa luta contra o catolocismo, mas não o fizeram desaparecer... mantiveram a sul todos os aspectos do poder que combateram, e dessa forma não precisaram de encontrar em si, até ao Séc. XIX, novas razões de divisões. Mantendo-se este movimento maçónico nos bastidores, não sendo fonte de poder visível, e tendo ainda várias sociedades a transformar com revoluções internas, não atingiu o grau de saturação que normalmente leva às cisões e à precipitação do fim de um poder concentrado.
No Séc. XX, apareceu o primeiro foco de tensão, produto das próprias sociedades transformadas pelos ideais maçónicos. Foi nas repúblicas que surgiram os movimentos nacionalistas, fascistas, que procuraram erguer-se contra o abraço desse monstro, e muitas vezes apoiados inicialmente por vertentes internas. Assim, as guerras mundiais muito tiveram de luta contra um equilíbrio do mundo estabelecido no desenho do Séc. XIX, desequilibrado aos olhos das nações do início do Séc. XX.
Já a segunda parte do Séc. XX, na disputa entre os dois hemisférios de influência - americano e russo, foi muito mais uma guerra supervisionada pela própria super-estrutura que desenvolvera os ideais de ambas as sociedades. Quer o capitalismo, quer o marxismo, podem ser vistos como filhos de tendências internas da maçonaria (ou, na visão conspirativa do início do Séc. XX, da judiaria).

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O Véu Levantado ou o Maçonismo Desmascarado

CAPÍTULO I 
Origem da Franc-Maçonaria

(continuação dos anteriores: 5 4 3 2 1 )

Socino tirou grande vantagem da reunião de todas as seitas dos Anabaptistas, dos Unitários, e dos Trinitários que soube destramente aliciar. Ele se viu senhor de todos os estabelecimentos, que pertenciam a estes sectários; teve permissão de pregar, e de escrever sua doutrina, fez catecismosLivros, e chegaria ao fim de perverter em pouco tempo todos os Católicos da Polónia, se a Dieta de Varsóvia lhe não tivesse posto obstáculo. Com efeito nunca houve doutrina mais oposta ao dogma Católico, que a de Socino
Como os Unitários, ele rejeitava da Religião tudo o que tinha o ar de mistério; segundo ele, Jesus Cristo não era filho de Deus senão por adopção, e pelas prerrogativas que Deus lhe tinha concedido, como são: a de ser nosso Mediador, nosso Sacerdote, nosso Pontífice, ainda ele não foi mais que um puro homem. Segundo Socino e os Unitários, o Espirito Santo não é Deus; e bem longe de admitir três pessoas em Deus, Socino não queria que fosse Deus, senão uma só. 
Ele olhava como extravagâncias, o mistério da Encarnação, a presença real de Jesus Cristo na Eucaristia, a existência do pecado original, a necessidade de uma graça santificante. Os sacramentos, a seu ver, não eram senão umas puras ceremónias, estabelecidas para sustentar a religião do povo. 
A Tradição Apostólica, segundo ele, não era uma regra de fé, não reconhecia a autoridade da Igreja para interpretar as Escripturas Santas. Em uma palavra, a doutrina de Socino está encerrada em duzentos vinte e nove artigos, os quais todos têm por objecto destruir a doutrina de Jesus Cristo

Quando Socino morreu em 1604, a sua seita estava tão bem estabelecida na Polónia que obteve nas dietas, a liberdade de consciência. Mas experimentou revezes na Hungria, em Holanda, e na Inglaterra, onde sua doutrina foi julgada abominável, e se recusou admiti-la. Com tudo as perturbações, que sobrevieram à Inglaterra no tempo de Carlos I, e Cromwel deram ocasião aos Deistas, aos Socinianos; e a todas as sortes de hereges, de pregarem publicamente sua doutrina.
Foi isto um grande recurso para os Socinianos, que tinham perdido seu favor na Polónia, e que tiveram grande felicidade em se poderem associar aos independentes, que formavam então um grande partido em Inglaterra. A semelhança, que os princípios dos Quakers tinham com os dos Socinianos, os uniu de uma maneira particular, sem que os Episcopais, ou os Presbiterianos pudessem impedir aquela união. 
Em 1690, quando Guilherme de Nassau desceu à Inglaterra; os Socinianos se reuniram também aos Não-conformistas para conservarem sua existência debaixo do novo governo; porque é de notar que esta sociedade nunca foi sofrida em Inglaterra , senão por meio de associações; nem pôde nunca conseguir ter um ensino público, nem um culto particular: tão revoltantes têm sido sempre seus princípios! 

É fácil de compreender o porque os Pedreiros-Livres não ousaram nunca reconhecer em público sua verdadeira origem, ou professar suas máximas à face das sociedades civis. Se se tivessem mostrado descobertos, como na realidade são, nenhum Estado Católico teria podido sofrê-los em seu seio. Eis-aqui porque eles se envolvem com o véu dos mistérios, e dos símbolos, e só se dão a conhecer a homens que têm ligado a seus sistemas por meio de juramentos ímpios e horríveis, antes de lhes revelarem alguma coisa essencial da sua tenebrosa seita. 

Para os Pedreiros-Livres se darem um ar religioso, têm adoptado símbolos de uma religião figurativa, e deste modo têm procurado impor a gente de pouca reflexão. Trata-se hoje de revelar e descobrir seu grande segredo, e de os fazer conhecer por aquilo que são. Então se verá, se há ou não segredo na Franc-Maçonaria, como muitos pretendem espalhar pela parte negativa; então se verá se não é mais que uma sociedade de pessoas que se reúnem para se divertirem, ou se esta sociedade deve vir a ser universal, e o modelo de todas as que se acham autorizadas pelos governos da Europa. Eu bem sei que os nossos filósofos há muitos tempos se ocupam em dar às sociedades Moçónicas toda a perfeição, de que a Filosofia é capaz. 
Mr. de Condorcet fez hum projecto de código, composto em parte sobre os códigos ordenados em 1779 pela assembleia dos Pedreiros-Livres que seguem o sistema da Maçonaria rectificada. 
Mr. Beguillet, advogado, compôs seis discursos sobre a alta Maçonaria, para iniciar os Mações nos princípios da alta filosofia, da qual se davam lições nos mistérios de Eleusis e d'Isis
O primeiro discurso rola sobre as obras do Grande Arquitecto na criação do Universo; e o segundo sobre a harmonia das esferas, e a grande cadeia dos entes. 
Ele é um compêndio das ideias de Platão sobre a harmonia, e das dos Gnósticos, dos Valentinianos e dos primeiros hereges, que misturavam ideias religiosas com os princípios da filosofia Oriental. O terceiro discurso trata da história maçónica: nos últimos três ele se ocupa dos graus, dos símbolos, dos regulamentos, dos deveres, e dos prazeres dos Pedreiros-Livres. Em fim, o Autor do Ensaio sobre a Franc-maçonaria deu o plano, pelo qual se poderiam organizar todas as Lojas, e o julgava capaz de reunir todas as seitas de Pedreiros-Livres e fazer cessar as divisões das Lojas. 

Em 1784 é que a Franc-maçonaria Francesa tomou uma nova elevação. Até então só se tinha ocupado de emblemas, e cerimónias praticadas nos primeiros graus; ela quis enriquecer-se dos conhecimentos adquiridos e desenvolvidos nos Orientes estrangeiros. Para este efeito recorreu a Mr. Ernesto Frederico de Walters, Camarista d'El Rei de Dinamarca, grande Escocês, a quem pediu que viesse ser fundador de uma nova Loja, que se estabelecia em Paris, com o título de Loja de S. João da reunião dos estrangeiros. Nela devia empregar-se não só nos trabalhos relativos aos três primeiros graus; que são as colunas fundamentais de todo o edifício da fraternidade maçónica, mas também nos que conduzem aos conhecimentos sublimes da Maçonaria filosófica, de que a simbólica não é mais que a casca e o emblema; isto é, da irreligião prática, a que conduz a religião enigmática. 
Depois de ter desviado as vistas de seus iniciados, de toda a ideia de providência, e de divindade, a filosofia maçónica devia convidá-los a abraçarem em suas indagações a universalidade das ciências, que os verdadeiros filósofos olham como o único depósito dos conhecimentos do mundo primitivo, os quais de idade em idade têm sido transmitidos debaixo de emblemas, e de hieroglíficos, de que só os verdadeiros Mações têm a inteligência. Segundo este projecto, não se devia fazer menção alguma do estudo da Religião, porque os nossos filósofos não reconhecem Deus: não se deviam dar lições, senão de história natural de física, de química, de astronomia, e das ciências abstractas, que concordam bem com o sistema de filosofia maçónica
Deviam estabelecer-se cursos regulares de estudos maçónicos, em que cada irmão pudesse receber as instruções relativas ao seu grau, a fim de se dispor por meio destes estudos preparatórios para correr todos os graus da escala da sabedoria. Esta Loja devia corresponder-se com todas as Lojas estrangeiras, e aproveitar-se das luzes dos sábios de todas as nações. Todas as Lojas estrangeiras deveriam ter o direito de ter nela um Deputado, que tivesse a seu cuidado manter a uniformidade, e comunicar à sua Loja as luzes e os conhecimentos, que se tivessem adquirido nas Lojas de reunião. 

Aos 17 de Novembro de 1773, o Duque de Brissac foi deputado pelo Grande Oriente para visitar os trabalhos da Loja da reunião dos estrangeiros, todos os graus foram conferidos segundo as regras estrita observância, pelo venerável irmão de Walterstorff; e sobre a informação do inspector esta Loja recebeu suas Constituições no primeiro de Março de 1784. Este dia foi brilhante pelo grande número de Visitadores mações que assistiam à cerimónia, pelos discursos que nele se pronunciaram, e pelo esplêndido banquete, que terminou a Festa. 
Mr. o Duque de Gesvres, Conservador Mor da Maçonaria chegou àquela Loja, e foi introduzido e anunciado ao som de macetes com que batiam, precedendo sua marcha muitas estrelas, e formando sete irmãos a abóbada de aço, o que se pratica cruzando as pontas das espadas. 

Mr. o Duque de Rochefucault, Grão Mestre dos Oficiais d'honra do Grande Oriente de França, foi introduzido do mesmo modo, debaixo da abóbada d'aço, batendo macetes ao som de instrumentos, e no meio de aplausos. Os Irmãos deputados do Grande Oriente, portadores das Constituições, apresentaram seus poderes ao Irmão Experto, e foram depois introduzidos ao som da música, batendo macetes, e formando nove Irmãos a abóbada d'aço. O Sr. Salivet, advogado no Parlamento, Oficial do Grande Oriente, e Chefe da Deputação, estava acompanhado dos Irmãos Guyenot e Brissac. Em qualidade de Chefe, fez hum discurso sobre a origem da Franc-maçonaria, em que falou da maneira seguinte:
« Cada Século tem seus Sábios. A Índia os tem respeitado debaixo do título de Gimnosofistas, o Egipto debaixo do nome de iniciados, os Povos do Oriente debaixo do de Pedreiros-Livres, que conservam ainda entre nós. Estes Sábios, que escaparam à corrupção universal, dotados de uma alma sensível, entregues à vida contemplativa, faziam profissão de serem amigos dos homens, e inimigos dos vícios unidos à humanidade. Por toda parte se viam reunir para fazerem o bem, socorrerem o pobre, e protegerem o fraco! » 
« Sempre perseguidos pelo fanatismo, que não raciocina, e pela inveja, que envenena aquilo mesmo, que não pode conhecer, eles nunca lhes opuseram senão a constância e o desprezo. Contentes de serem úteis estimando-se assaz para não temerem nada, eles têm continuado a oferecer ao Ser Supremo um incenso digno da sua Grandeza, o tributo de um coração puro, de um espírito esclarecido, e de uma alma reconhecida. Tal é, meus Irmãos, a origem tão antiga, como gloriosa da Maçonaria. » 
Este extracto, em termo de maçonaria, se chama um pedaço d'arquitectura. Basta para dar uma ideia do delírio aos Pedreiros-Livres os quais contra a verdade da história pretendem descender da mais alta antiguidade, e pôr em voga a Religião natural com exclusão total da que Jesus Cristo nos revelou. Os Filósofos não ambicionam hoje outro titulo senão o de Mação: este se identifica com o de Clubista, e de Jacobino, debaixo do qual se encerra o do propagandista, e de inimigos dos Reis, e de Deus. 

(continua)



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publicado às 07:27

A questão da descoberta da Austrália é importante, menos pela evidência óbvia de que o território foi logo descoberto pelos portugueses, talvez até antes de aportarem a Timor, nem pelo caso de terem propositadamente descurado o espaço que levaria a disputas de marcação de anti-meridiano com Espanha, mas muito mais por todo o esforço que foi conduzido nos 250 anos seguintes para manter a ilha Australiana fora do conhecimento mundial.

Num artigo de ontem (26 de Dezembro), os espanhóis voltam ao assunto:

Australia y la gran historia «robada» del Pacífico español
por José Maria Lancho  

e o foco vai para uma figura importante do Império Britânico - Alexander Dalrymple, que é aí acusado de ter sido o principal responsável pela divulgação de documentos de navegação espanhóis, "roubados" por si de Manila, durante o período de 1762-64, quando a cidade foi ocupada pelos ingleses durante a Guerra dos Sete Anos (da qual fez parte a Guerra Fantástica em território nacional).

No artigo, que muito remete para a descoberta por Pedro Fernandes Queirós, pode ler-se
El cardenal Francis Moran denunció en 1905 el uso manipulado de la historia para justificar la discriminación de los católicos en el imperio Británico y argumentaba que fue el católico Quirós el primer europeo que descubre Australia y era injusta esa postergación.
... a referência destacada ao "uso manipulado da história" é do próprio artigo, assim como no final se lamenta da desconsideração sobre as navegações espanholas, por contraponto a portuguesas ou holandesas:
He aquí un resumen de las bases que demuestran la persistencia del prejuicio, y de que este es parte de un discurso oficial que oculta uno de los viajes más planificados y secretos de la historia. Podríamos sumar las acusaciones de alteraciones de yacimientos arqueológicos, la sustitución –por defecto– de exploraciones españolas por portuguesas u holandesas. Una guerra cultural que debe superarse.
A "guerra cultural" que deverá superar-se, é mais uma esperança vaga a que este artigo só traz uma visão parcial, a juntar às milhares de referências que se perderam sem grande eco nos tempos. No entanto, não deixou de ter algum impacto (serviu para os espanhóis mudarem imediatamente páginas da Wikipedia, p.ex. sobre Dalrymple).

Quando trazemos aqui o livro sobre a maçonaria, é porque esse é uma das face do "estado" que foi instituído a nível global, imperial, onde cada térmita maçónica se vê como obreira de um grande edifício de controlo mundial. Não é difícil perceber que Dalrymple foi uma dessas térmitas, lendo um dos seus textos de 1790:
The Spanish Pretensions Fairly Discussed, by A Dalrymple (1790)

onde cita claramente a passagem em latim Redeunt Saturnia Regna, que se encontra na quarta écloga de Virgílio, também invocada para o lema Novus Ordo Seclorum. 
Aliás, outra frase latina "Mens inimica Tyrannis", tinha sido usada pelos revolucionários americanos de Boston, e portanto denotava que Dalrymple estava mais ao serviço da Companhia das Índias inglesa (um braço comercial da maçonaria), do que ao serviço do rei britânico. Ainda que use essa expressão mais como antevisão do movimento independista que esperava ver nascer em todo o Novo Mundo, e que de facto levou à independência das posses espanholas na América no espaço de trinta anos.
Dalrymple é bastante claro no pensamento que invoca, e que serve para ilustrar o pensamento iluminista (ou illuminati) que se operou no Séc. XVIII. 
Redeunt Saturnia Regna; When Universal Commerce shall vigorate the hand of Industry, by supplying the mutual Wants, and maintaining the Common-Rights of ALL MANKIND; instead of the Lives and Property of the People being sported away; at the caprice of a Fool! or a Tyrant!
Dificilmente podemos discordar desta, ou doutras frases que Dalrymple usa no seu texto, em que ataca as pretensões do Rei Espanhol... que eram grandes:
- todas as regiões "Magalhânicas" e o Noroeste da América.

Todo o texto merece leitura, mas destacamos a filosofia que já refere um "direito dos nativos":
How far the Right of Discovery, without occupancy, can be constructed to extend over uninhabited Countries, I shall not at present enquire; but Common Sense must evince that Europeans, visiting Countries already inhabited, can acquire no right in such Countries but from the good will of the Friendly Inhabitants, or by Conquest of Those who are Agressoes in Acts of Injury; (...) the European is not sufficiently explaining his peaceable intentions, and the Native is not readily apprehending those intentions.
Claro que esta conversa era muito bonita, mas na prática a ideia era atacar espanhóis como agressores dos nativos, enquanto que os ingleses estariam cheios de boas intenções... mesmo que os nativos assim não o entendessem.  
Procurando atacar pretensões espanholas mesmo ao Sul da América, na Terra do Fogo, invoca uma reprodução de um mapa de Ptolomeu de 1508, dizendo: 
(...) and the Map of the discovered parts of the New World, in the Rome Edition of Ptolemy 1508, expressly says, The Portuguese had then traced the Coast to 50º South without reaching Its Southern Extremity; and this Book, coming into the World with License of Pope Julius II, under date 28th July 1506, must be admitted, by His Catholic Majesty, as infallible Authority (...)
Os tempos eram outros, e hoje ninguém está disposto a secundar Dalrymple, mas o que é dito, com chancela de publicação papal, é que os portugueses tinham chegado pelo menos às portas do Estreito de Magalhães (a 52º Sul), pelo menos uns 15 anos antes da viagem de Fernão de Magalhães. A intenção de Dalrymple é marcar a passagem do Cabo Horn por Drake em 1578, para eventual posse inglesa da Terra do Fogo... mas de caminho, deu mais um "Abre Los Ojos" para esta documentação papal.
Depois, é bastante engraçado a recusar a descoberta das partes americanas acima da Califórnia, dizendo que não era correctas as representações acima de 40º Norte, e que os relatos de Juan de Fuca em 1592, ou de Bartolomeu de Fonta em 1640, não tinham sido reconhecidos pelos próprios espanhóis... (um pouco consequência do estilo de haver idiotas nacionais a recusar proezas próprias, como a autoria portuguesa do Adeste Fideles). Deveriam ser pois consideradas como descobertas desdenhadas e abandonadas por Espanha.

Como nota final, todo o argumento de Dalrymple passa pela lógica de Hugo Grotius, da Lei das Nações, que faz prevalecer os acordos entre Nações, sem benção papal... porque, conforme invoca, só "nesses tempos de Ignorância" estariam os cristãos forçados a manter guerra perpétua com os maometanos... já que seria impossível haver aí "benção papal". No entanto, como sabemos, o problema era outro - o Tratado de Tordesilhas tinha benção papal, mas excluía todas os restantes Nações Europeias da partilha das descobertas.

Neste texto de Dalrymple não é falada de nenhuma pretensão espanhola sobre a Austrália (a menos que se incluísse nas "Terras Magalhânicas"), nem ele a procura rebater. No entanto, a esse propósito, voltamos a referir a obra

The First Discovery of Australia and New Guinea
Being The Narrative of Portuguese and Spanish Discoveries in the Australasian Regions, between the
Years 1492-1606, with Descriptions of their Old Charts.
George Collingridge (1895)

sendo certo que não lhe dedicámos a atenção e tempo devido, deixamos aqui um mapa incluso, atribuído a Desliens (1560), que é bastante claro sobre a posição da Austrália, aliás Java Grande, e sobre a sua posse, com três bandeiras de quinas. Acresce a isso, a própria representação da Terra Nova (Canadá) ser feita com 4 bandeiras nacionais.
Mapa de Desliens (1560), onde a Austrália, chamada Java Grande, tem bandeiras portuguesas.
Acrescem 4 bandeiras na zona do Canadá, e uma possível representação da ponta da Antárctida ao sul.
Portanto, para além de simples reconhecimento da Austrália, devem ter existido cidades fortaleza, habitadas durante algum tempo pelos portugueses, e que depois foram completamente arrasadas, para encobrir definitivamente o seu rasto na História. Isso não se fez sem colaboração e acordo nacional, ao longo dos tempos... agora se serviu como moeda de troca em tratados de paz, ou se foi prática devota de fiéis mações, interessados em manter este lado obscuro, pois isso resta como incógnita.


Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 06:54

A questão da descoberta da Austrália é importante, menos pela evidência óbvia de que o território foi logo descoberto pelos portugueses, talvez até antes de aportarem a Timor, nem pelo caso de terem propositadamente descurado o espaço que levaria a disputas de marcação de anti-meridiano com Espanha, mas muito mais por todo o esforço que foi conduzido nos 250 anos seguintes para manter a ilha Australiana fora do conhecimento mundial.

Num artigo de ontem (26 de Dezembro), os espanhóis voltam ao assunto:

Australia y la gran historia «robada» del Pacífico español
por José Maria Lancho  

e o foco vai para uma figura importante do Império Britânico - Alexander Dalrymple, que é aí acusado de ter sido o principal responsável pela divulgação de documentos de navegação espanhóis, "roubados" por si de Manila, durante o período de 1762-64, quando a cidade foi ocupada pelos ingleses durante a Guerra dos Sete Anos (da qual fez parte a Guerra Fantástica em território nacional).

No artigo, que muito remete para a descoberta por Pedro Fernandes Queirós, pode ler-se
El cardenal Francis Moran denunció en 1905 el uso manipulado de la historia para justificar la discriminación de los católicos en el imperio Británico y argumentaba que fue el católico Quirós el primer europeo que descubre Australia y era injusta esa postergación.
... a referência destacada ao "uso manipulado da história" é do próprio artigo, assim como no final se lamenta da desconsideração sobre as navegações espanholas, por contraponto a portuguesas ou holandesas:
He aquí un resumen de las bases que demuestran la persistencia del prejuicio, y de que este es parte de un discurso oficial que oculta uno de los viajes más planificados y secretos de la historia. Podríamos sumar las acusaciones de alteraciones de yacimientos arqueológicos, la sustitución –por defecto– de exploraciones españolas por portuguesas u holandesas. Una guerra cultural que debe superarse.
A "guerra cultural" que deverá superar-se, é mais uma esperança vaga a que este artigo só traz uma visão parcial, a juntar às milhares de referências que se perderam sem grande eco nos tempos. No entanto, não deixou de ter algum impacto (serviu para os espanhóis mudarem imediatamente páginas da Wikipedia, p.ex. sobre Dalrymple).

Quando trazemos aqui o livro sobre a maçonaria, é porque esse é uma das face do "estado" que foi instituído a nível global, imperial, onde cada térmita maçónica se vê como obreira de um grande edifício de controlo mundial. Não é difícil perceber que Dalrymple foi uma dessas térmitas, lendo um dos seus textos de 1790:
The Spanish Pretensions Fairly Discussed, by A Dalrymple (1790)

onde cita claramente a passagem em latim Redeunt Saturnia Regna, que se encontra na quarta écloga de Virgílio, também invocada para o lema Novus Ordo Seclorum. 
Aliás, outra frase latina "Mens inimica Tyrannis", tinha sido usada pelos revolucionários americanos de Boston, e portanto denotava que Dalrymple estava mais ao serviço da Companhia das Índias inglesa (um braço comercial da maçonaria), do que ao serviço do rei britânico. Ainda que use essa expressão mais como antevisão do movimento independista que esperava ver nascer em todo o Novo Mundo, e que de facto levou à independência das posses espanholas na América no espaço de trinta anos.
Dalrymple é bastante claro no pensamento que invoca, e que serve para ilustrar o pensamento iluminista (ou illuminati) que se operou no Séc. XVIII. 
Redeunt Saturnia Regna; When Universal Commerce shall vigorate the hand of Industry, by supplying the mutual Wants, and maintaining the Common-Rights of ALL MANKIND; instead of the Lives and Property of the People being sported away; at the caprice of a Fool! or a Tyrant!
Dificilmente podemos discordar desta, ou doutras frases que Dalrymple usa no seu texto, em que ataca as pretensões do Rei Espanhol... que eram grandes:
- todas as regiões "Magalhânicas" e o Noroeste da América.

Todo o texto merece leitura, mas destacamos a filosofia que já refere um "direito dos nativos":
How far the Right of Discovery, without occupancy, can be constructed to extend over uninhabited Countries, I shall not at present enquire; but Common Sense must evince that Europeans, visiting Countries already inhabited, can acquire no right in such Countries but from the good will of the Friendly Inhabitants, or by Conquest of Those who are Agressoes in Acts of Injury; (...) the European is not sufficiently explaining his peaceable intentions, and the Native is not readily apprehending those intentions.
Claro que esta conversa era muito bonita, mas na prática a ideia era atacar espanhóis como agressores dos nativos, enquanto que os ingleses estariam cheios de boas intenções... mesmo que os nativos assim não o entendessem.  
Procurando atacar pretensões espanholas mesmo ao Sul da América, na Terra do Fogo, invoca uma reprodução de um mapa de Ptolomeu de 1508, dizendo: 
(...) and the Map of the discovered parts of the New World, in the Rome Edition of Ptolemy 1508, expressly says, The Portuguese had then traced the Coast to 50º South without reaching Its Southern Extremity; and this Book, coming into the World with License of Pope Julius II, under date 28th July 1506, must be admitted, by His Catholic Majesty, as infallible Authority (...)
Os tempos eram outros, e hoje ninguém está disposto a secundar Dalrymple, mas o que é dito, com chancela de publicação papal, é que os portugueses tinham chegado pelo menos às portas do Estreito de Magalhães (a 52º Sul), pelo menos uns 15 anos antes da viagem de Fernão de Magalhães. A intenção de Dalrymple é marcar a passagem do Cabo Horn por Drake em 1578, para eventual posse inglesa da Terra do Fogo... mas de caminho, deu mais um "Abre Los Ojos" para esta documentação papal.
Depois, é bastante engraçado a recusar a descoberta das partes americanas acima da Califórnia, dizendo que não era correctas as representações acima de 40º Norte, e que os relatos de Juan de Fuca em 1592, ou de Bartolomeu de Fonta em 1640, não tinham sido reconhecidos pelos próprios espanhóis... (um pouco consequência do estilo de haver idiotas nacionais a recusar proezas próprias, como a autoria portuguesa do Adeste Fideles). Deveriam ser pois consideradas como descobertas desdenhadas e abandonadas por Espanha.

Como nota final, todo o argumento de Dalrymple passa pela lógica de Hugo Grotius, da Lei das Nações, que faz prevalecer os acordos entre Nações, sem benção papal... porque, conforme invoca, só "nesses tempos de Ignorância" estariam os cristãos forçados a manter guerra perpétua com os maometanos... já que seria impossível haver aí "benção papal". No entanto, como sabemos, o problema era outro - o Tratado de Tordesilhas tinha benção papal, mas excluía todas os restantes Nações Europeias da partilha das descobertas.

Neste texto de Dalrymple não é falada de nenhuma pretensão espanhola sobre a Austrália (a menos que se incluísse nas "Terras Magalhânicas"), nem ele a procura rebater. No entanto, a esse propósito, voltamos a referir a obra

The First Discovery of Australia and New Guinea
Being The Narrative of Portuguese and Spanish Discoveries in the Australasian Regions, between the
Years 1492-1606, with Descriptions of their Old Charts.
George Collingridge (1895)

sendo certo que não lhe dedicámos a atenção e tempo devido, deixamos aqui um mapa incluso, atribuído a Desliens (1560), que é bastante claro sobre a posição da Austrália, aliás Java Grande, e sobre a sua posse, com três bandeiras de quinas. Acresce a isso, a própria representação da Terra Nova (Canadá) ser feita com 4 bandeiras nacionais.
Mapa de Desliens (1560), onde a Austrália, chamada Java Grande, tem bandeiras portuguesas.
Acrescem 4 bandeiras na zona do Canadá, e uma possível representação da ponta da Antárctida ao sul.
Portanto, para além de simples reconhecimento da Austrália, devem ter existido cidades fortaleza, habitadas durante algum tempo pelos portugueses, e que depois foram completamente arrasadas, para encobrir definitivamente o seu rasto na História. Isso não se fez sem colaboração e acordo nacional, ao longo dos tempos... agora se serviu como moeda de troca em tratados de paz, ou se foi prática devota de fiéis mações, interessados em manter este lado obscuro, pois isso resta como incógnita.


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publicado às 06:54

Tolomeu a eito

23.12.15
Ao transcrever uma parte do manuscrito de João de Barros, sobre as "Antiguidades de Antre Douro e Minho", não pude deixar de sorrir quando ele, por uma ou mais vezes, escreveu:

Tolomeu em vez de Ptolomeu.

Se escreveu Tolomeu é porque provavelmente não pronunciava o "p", como nós o fazemos com tantas outras palavras. No entanto, e até tê-lo visto escrito por Barros, não tinha reparado no significado de "tolo meu" em Ptolomeu. Certamente que Barros não o fez com o propósito jocoso, mas aquele erro perdido num manuscrito não publicado, valeu um sorriso, a quinhentos anos de distância.
O que mais me surpreende em Barros, e noutros escritores antigos, era a sua coloquialidade e o seu à vontade com o erro. Tão depressa escreviam um nome de uma forma, como de outra. Interessava muito mais o som do que a escrita. Talvez soubessem que era mais natural manter-se a correcção na língua falada, do que na língua escrita. Esses manuscritos antigos têm habitualmente várias incorrecções, que não pareciam causar o mínimo embaraço aos autores. Curiosamente, somos hoje muito mais ortodoxos e intolerantes com pequenos erros de escrita, do que fomos no passado. 

O som pt é raro na nossa língua, sendo normalmente remetido a origem grega... ou até egípcia.
A vontade de suprimir consoantes, como ocorreu nas últimas revisões ortográficas, tratou de acabar com algumas das últimas ocorrências do som "pt".
Não desapareceu em "optar", porque ninguém diz "otar"; não desapareceu em "apto", porque se confundiria com "ato"... já de si confundido com "acto"; também não desapareceu em "rapto", sob pena de ficar "rato"; nem em "captar", sob pena de ficar "catar"; nem em "inapto" que se confundiria com "inato", etc.

Curioso é o caso de "concepção" que, por via do aborto ortográfico, passou a escrever-se "conceção", confundindo-se desnecessariamente com "concessão", já que a primeira vem de conceber e a outra de conceder. Este caso é curioso, porque "concepção" já tinha sofrido antes um tratamento para se ver livre do "p", escrevendo-se "conceição".
A designação "Nossa Senhora da Conceição" era antes "Nossa Senhora da Concepção", invocando a concepção "sem pecado" de Jesus Cristo. Portanto, se a ideia era verem-se livres da consoante muda, poderiam ter usado o que já existia... assim, ficamos com três grafias diferentes para a mesma palavra: concepção, conceção, e conceição. 
Seria pelo menos assim coerente com a palavra "conceito", que antes se escreveu "concepto" (como em inglês, "concept").

Mas não é apenas neste conceito que vemos que temos uma velha mania de substituir o "i", onde outros usaram consoantes. Comparando com a língua inglesa, mais respeitadora da assinatura latina, vemos como foi tudo a "eito":

- conceito - concept
- respeito - respect
- defeito - defect
- eleito - elect
- seita - sect
- aceita - accept
- efeito - effect
- perfeito - perfect
- colheita - collect
- suspeito - suspect
- rejeito - reject
- sujeito - subject
- direito - direct
- peitoral - pectoral
- leitura - lecture

... e a lista continuaria, mostrando como a forma tradicional das nossas consoantes mudas não foi uma simples omissão, tendo-se optado pelo uso sistemático de um "i" alternativo, em formas assim escritas há mais de 500 anos atrás.  
Se foi a eito, nem sempre ficou feito num oito
Repare-se que mantivemos o octógono, não lhe chamando oitógono. Porém, para octava dissémos oitava, e agora em vez de Octávio, escreveremos Otávio em vez de Oitávio. Também não optámos por seguir a tradição antiga, escrevendo direitor em vez de diretor, ou escrevendo reito em vez de reto (mas dizemos escorreito...).
Portanto, o que mais entristece é esta completa falta de consistência, de coerência, sendo certo que, com mudanças em cima de mudanças, as coisas podem tender a voltar ao original. Não se pense que é culpa moderna, pois já antes ninguém escrevia seite em vez de sete. Nem se pense que isto favorece a origem latina do português, porque as coisas não são assim tão simples. O que se nota é que a população foi cumprindo obedientemente directivas, ou direitivas, vindas do topo.

Regressando ao Tolomeu... para finalizar. O caso do Egipto poderia levar-nos a um Ejeito forçado, mas indo ao grego, vemos que se deveria ler Αίγυπτος, ou seja Aíguptos, já que a transliteração latina modificou os "u" upsilon em "y" ipsilon, passando o som "u" a valer como "i" (os franceses conseguem fazer uma mistura entre "u" e "i" que seria adequada). 
Ora, ocorre que o som "Guptos" é também remetido ao Império Gupta, que floresceu na Índia entre os séculos IV e VI, ou seja, na mesma altura em que a religião católica se iria impor como religião oficial e única do Império Romano. Aliás, a parte católica do Egipto ficou conhecida como "Copta", o que é de forma muito natural a mesma variante do nome, com a habitual alteração do "g" em "c".

O Império Gupta é considerado um período particularmente brilhante na Índia, do ponto de vista científico e literário, sendo neste reino que se considera ter aparecido a numeração (árabe) posicional, depois trazida pelos árabes para a Europa. Curiosamente, também os Guptas apreciaram templos em forma piramidal, ainda que este seja escavado na rocha de Ellora, e não composto de múltiplas pedras-tijolo empilhadas.
Ellora - Kadesh - um templo Gupta
Isto principalmente para fazer uma observação...
Se temos uma ideia do que aconteceu aos judeus com o crescimento do cristianismo e islamismo, no Médio Oriente, é muito mais nebuloso todo o registo do que se terá passado no Egipto. 
Até ao tempo de Cleópatra, sabemos que o legado antigo era preservado pela dinastia Ptolomaica (ou melhor, Tolominha), mas a partir daí, e especialmente com o crescimento do cristianismo, só passamos a ouvir falar dos Coptas cristãos. 
Quando Constantino declarou o cristianismo oficialmente, já tinha desaparecido, ou desapareceu por completo a velha religião egípcia no meio desse processo. Porque quando no Séc. VII o Egipto é invadido pelos árabes, parece que não se registou nenhum êxodo para as paragens ocidentais.
Tal como os registos de Axum e Lalibela, talvez Ellora e outros pontos na Índia, fossem resultado duma diáspora egípcia, levada para outras paragens, e manifestando-se de forma diferente.

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publicado às 06:26

Tolomeu a eito

23.12.15
Ao transcrever uma parte do manuscrito de João de Barros, sobre as "Antiguidades de Antre Douro e Minho", não pude deixar de sorrir quando ele, por uma ou mais vezes, escreveu:

Tolomeu em vez de Ptolomeu.

Se escreveu Tolomeu é porque provavelmente não pronunciava o "p", como nós o fazemos com tantas outras palavras. No entanto, e até tê-lo visto escrito por Barros, não tinha reparado no significado de "tolo meu" em Ptolomeu. Certamente que Barros não o fez com o propósito jocoso, mas aquele erro perdido num manuscrito não publicado, valeu um sorriso, a quinhentos anos de distância.
O que mais me surpreende em Barros, e noutros escritores antigos, era a sua coloquialidade e o seu à vontade com o erro. Tão depressa escreviam um nome de uma forma, como de outra. Interessava muito mais o som do que a escrita. Talvez soubessem que era mais natural manter-se a correcção na língua falada, do que na língua escrita. Esses manuscritos antigos têm habitualmente várias incorrecções, que não pareciam causar o mínimo embaraço aos autores. Curiosamente, somos hoje muito mais ortodoxos e intolerantes com pequenos erros de escrita, do que fomos no passado. 

O som pt é raro na nossa língua, sendo normalmente remetido a origem grega... ou até egípcia.
A vontade de suprimir consoantes, como ocorreu nas últimas revisões ortográficas, tratou de acabar com algumas das últimas ocorrências do som "pt".
Não desapareceu em "optar", porque ninguém diz "otar"; não desapareceu em "apto", porque se confundiria com "ato"... já de si confundido com "acto"; também não desapareceu em "rapto", sob pena de ficar "rato"; nem em "captar", sob pena de ficar "catar"; nem em "inapto" que se confundiria com "inato", etc.

Curioso é o caso de "concepção" que, por via do aborto ortográfico, passou a escrever-se "conceção", confundindo-se desnecessariamente com "concessão", já que a primeira vem de conceber e a outra de conceder. Este caso é curioso, porque "concepção" já tinha sofrido antes um tratamento para se ver livre do "p", escrevendo-se "conceição".
A designação "Nossa Senhora da Conceição" era antes "Nossa Senhora da Concepção", invocando a concepção "sem pecado" de Jesus Cristo. Portanto, se a ideia era verem-se livres da consoante muda, poderiam ter usado o que já existia... assim, ficamos com três grafias diferentes para a mesma palavra: concepção, conceção, e conceição. 
Seria pelo menos assim coerente com a palavra "conceito", que antes se escreveu "concepto" (como em inglês, "concept").

Mas não é apenas neste conceito que vemos que temos uma velha mania de substituir o "i", onde outros usaram consoantes. Comparando com a língua inglesa, mais respeitadora da assinatura latina, vemos como foi tudo a "eito":

- conceito - concept
- respeito - respect
- defeito - defect
- eleito - elect
- seita - sect
- aceita - accept
- efeito - effect
- perfeito - perfect
- colheita - collect
- suspeito - suspect
- rejeito - reject
- sujeito - subject
- direito - direct
- peitoral - pectoral
- leitura - lecture

... e a lista continuaria, mostrando como a forma tradicional das nossas consoantes mudas não foi uma simples omissão, tendo-se optado pelo uso sistemático de um "i" alternativo, em formas assim escritas há mais de 500 anos atrás.  
Se foi a eito, nem sempre ficou feito num oito
Repare-se que mantivemos o octógono, não lhe chamando oitógono. Porém, para octava dissémos oitava, e agora em vez de Octávio, escreveremos Otávio em vez de Oitávio. Também não optámos por seguir a tradição antiga, escrevendo direitor em vez de diretor, ou escrevendo reito em vez de reto (mas dizemos escorreito...).
Portanto, o que mais entristece é esta completa falta de consistência, de coerência, sendo certo que, com mudanças em cima de mudanças, as coisas podem tender a voltar ao original. Não se pense que é culpa moderna, pois já antes ninguém escrevia seite em vez de sete. Nem se pense que isto favorece a origem latina do português, porque as coisas não são assim tão simples. O que se nota é que a população foi cumprindo obedientemente directivas, ou direitivas, vindas do topo.

Regressando ao Tolomeu... para finalizar. O caso do Egipto poderia levar-nos a um Ejeito forçado, mas indo ao grego, vemos que se deveria ler Αίγυπτος, ou seja Aíguptos, já que a transliteração latina modificou os "u" upsilon em "y" ipsilon, passando o som "u" a valer como "i" (os franceses conseguem fazer uma mistura entre "u" e "i" que seria adequada). 
Ora, ocorre que o som "Guptos" é também remetido ao Império Gupta, que floresceu na Índia entre os séculos IV e VI, ou seja, na mesma altura em que a religião católica se iria impor como religião oficial e única do Império Romano. Aliás, a parte católica do Egipto ficou conhecida como "Copta", o que é de forma muito natural a mesma variante do nome, com a habitual alteração do "g" em "c".

O Império Gupta é considerado um período particularmente brilhante na Índia, do ponto de vista científico e literário, sendo neste reino que se considera ter aparecido a numeração (árabe) posicional, depois trazida pelos árabes para a Europa. Curiosamente, também os Guptas apreciaram templos em forma piramidal, ainda que este seja escavado na rocha de Ellora, e não composto de múltiplas pedras-tijolo empilhadas.
Ellora - Kadesh - um templo Gupta
Isto principalmente para fazer uma observação...
Se temos uma ideia do que aconteceu aos judeus com o crescimento do cristianismo e islamismo, no Médio Oriente, é muito mais nebuloso todo o registo do que se terá passado no Egipto. 
Até ao tempo de Cleópatra, sabemos que o legado antigo era preservado pela dinastia Ptolomaica (ou melhor, Tolominha), mas a partir daí, e especialmente com o crescimento do cristianismo, só passamos a ouvir falar dos Coptas cristãos. 
Quando Constantino declarou o cristianismo oficialmente, já tinha desaparecido, ou desapareceu por completo a velha religião egípcia no meio desse processo. Porque quando no Séc. VII o Egipto é invadido pelos árabes, parece que não se registou nenhum êxodo para as paragens ocidentais.
Tal como os registos de Axum e Lalibela, talvez Ellora e outros pontos na Índia, fossem resultado duma diáspora egípcia, levada para outras paragens, e manifestando-se de forma diferente.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 06:26

Os protagonistas da expansão portuguesa no Índico tiveram o arrojo de transformar o Índico num enorme lago dominado pelas naus portuguesas, conquistando ou colocando sob vassalagem diversos portos africanos, árabes, persas, indianos, e uma quantidade dificilmente mensurável de ilhas, que iam de Malaca até à Nova Guiné. 
Tudo isto não foi obra de Afonso de Albuquerque, mas ocorreu, ou consolidou-se, durante o curto período em que foi Vice-Rei da Índia, ou seja entre 1509 e 1515.
Afonso de Albuquerque
Vice-Rei da Índia, Duque de Goa
Panorama das possessões portuguesas em 1515, à data da morte de Albuquerque,
e comparação com as possessões espanholas à mesma data.

Nesta semana, a 16 de Dezembro, passaram 500 anos sobre a sua morte, ou seja, foram outros quinhentos, que mereceram um pequeno espaço em jornais, mas onde se nota de sobremaneira o esforço existente em esquecer os feitos do "César do Oriente".

A chegada a Timor, ocorrida durante este período, será até invocada pelos timorenses, mas sem qualquer presença assinalável da parte de representantes nacionais.
Estas comemorações ocorreram, sem praticamente serem notadas na imprensa jornalística nacional, um bichinho sempre muito bem amestrado, às ordens de quem manda.
Os petizes são obrigados a ler os Lusíadas, mas a esquecer a ausência oficial de memória nacional, no que diz respeito à passagem de meio milénio sobre as glórias e heróis aí mencionados.
Essas proezas já só têm espaço no contexto da poesia, e nunca esta nação se amesquinhou tanto para se identificar a tão pouco, independentemente do lacaio partidário que ocupe o palácio de S. Bento, ou da fraude que vegete em Belém, ou até de qualquer pretenso candidato ao cargo.

Se este país ainda lembra o seu passado, não é certamente nas suas instituições oficiais de governo ou militares, que não são mais do que uma anedota presente, vista a sua grandeza passada. E todos os rostos que ocupam cargos de destaque neste país, sejam eles cargos de governo, de presidência, ou militares, deveriam cobrir-se de vergonha por com isto pactuarem, sem uma frase pronunciarem, sem um movimento terem no sentido de relembrar a história da nação que representam. Se em 1998 foi diferente, se em 1999 ainda havia força para falar em nome de Timor, pois parece que alguns anos de integração europeia nos condenaram depois a uma auto-censura comemorativa. 
Quantos de nós suspeitariam que após a Expo 98, o país se anularia em comemorações de posteriores datas, igualmente importantes?

A hegemonia de Albuquerque não será consensual, nem o foi à época. Não tanto por via do pequeno conflito que teve na substituição de D. Francisco de Almeida, tendo acedido a que este vingasse o filho, Lourenço de Almeida, morto em Chaúl, na Batalha de Diu. 
Afonso de Albuquerque afastou-se, para que na Batalha de Diu, Francisco de Almeida fosse o único comandante vitorioso de uma coligação que envolvia não apenas os mamelucos árabes, mas também turcos e até as repúblicas cristãs de Veneza e Ragusa (Dubrovnik). 
Esse afastamento consentido, contribuiu para que acabasse preso, tendo sido só libertado quando o marechal do reino, forçou D. Francisco de Almeida a libertá-lo.

Se a sua chegada foi atribulada na substituição do vice-rei, também o foi pouco menos a sua própria substituição, algo inesperada, na chegada de Lopo Soares de Albergaria. Ainda em 1515 escrevera ao rei no sentido de tomar Meca, quando já tinha todo o Mar Vermelho sob seu poder, após ter conquistado a cidade do Suez. A sua morte no navio, quando acabava de ser substituído, e regressava a Lisboa, fez com que ainda fosse enterrado em Goa, só mais tarde sendo transladado para a Igreja de Nª Srª da Graça, onde estava sua mulher.

Após Albuquerque, só é digno de registo especial a chegada portuguesa ao Japão, pelo que é com Albuquerque que praticamente começa e acaba a grande extensão do império português no Oriente. 

Após 1511, a conquista de Malaca, permitiu passagem à navegação portuguesa, e o que não foi logo descoberto, foi simplesmente porque foi encoberto em Lisboa. Com a mesma facilidade que as naus chegaram às minúsculas ilhas de especiarias das Molucas, e até à Papua-Nova Guiné, também traçaram pelo menos os grandes contornos orientais. Albuquerque tanto saberia de Timor em 1512-1514, como saberia da Austrália, ainda antes disso. Tanto saberia da China em 1513, como saberia da Coreia e do Japão nos anos seguintes. Aqueles que pensarem doutra forma, limitam-se a papaguear as estórias de carochinha que lhes dão jeito.


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Os protagonistas da expansão portuguesa no Índico tiveram o arrojo de transformar o Índico num enorme lago dominado pelas naus portuguesas, conquistando ou colocando sob vassalagem diversos portos africanos, árabes, persas, indianos, e uma quantidade dificilmente mensurável de ilhas, que iam de Malaca até à Nova Guiné. 
Tudo isto não foi obra de Afonso de Albuquerque, mas ocorreu, ou consolidou-se, durante o curto período em que foi Vice-Rei da Índia, ou seja entre 1509 e 1515.
Afonso de Albuquerque
Vice-Rei da Índia, Duque de Goa
Panorama das possessões portuguesas em 1515, à data da morte de Albuquerque,
e comparação com as possessões espanholas à mesma data.

Nesta semana, a 16 de Dezembro, passaram 500 anos sobre a sua morte, ou seja, foram outros quinhentos, que mereceram um pequeno espaço em jornais, mas onde se nota de sobremaneira o esforço existente em esquecer os feitos do "César do Oriente".

A chegada a Timor, ocorrida durante este período, será até invocada pelos timorenses, mas sem qualquer presença assinalável da parte de representantes nacionais.
Estas comemorações ocorreram, sem praticamente serem notadas na imprensa jornalística nacional, um bichinho sempre muito bem amestrado, às ordens de quem manda.
Os petizes são obrigados a ler os Lusíadas, mas a esquecer a ausência oficial de memória nacional, no que diz respeito à passagem de meio milénio sobre as glórias e heróis aí mencionados.
Essas proezas já só têm espaço no contexto da poesia, e nunca esta nação se amesquinhou tanto para se identificar a tão pouco, independentemente do lacaio partidário que ocupe o palácio de S. Bento, ou da fraude que vegete em Belém, ou até de qualquer pretenso candidato ao cargo.

Se este país ainda lembra o seu passado, não é certamente nas suas instituições oficiais de governo ou militares, que não são mais do que uma anedota presente, vista a sua grandeza passada. E todos os rostos que ocupam cargos de destaque neste país, sejam eles cargos de governo, de presidência, ou militares, deveriam cobrir-se de vergonha por com isto pactuarem, sem uma frase pronunciarem, sem um movimento terem no sentido de relembrar a história da nação que representam. Se em 1998 foi diferente, se em 1999 ainda havia força para falar em nome de Timor, pois parece que alguns anos de integração europeia nos condenaram depois a uma auto-censura comemorativa. 
Quantos de nós suspeitariam que após a Expo 98, o país se anularia em comemorações de posteriores datas, igualmente importantes?

A hegemonia de Albuquerque não será consensual, nem o foi à época. Não tanto por via do pequeno conflito que teve na substituição de D. Francisco de Almeida, tendo acedido a que este vingasse o filho, Lourenço de Almeida, morto em Chaúl, na Batalha de Diu. 
Afonso de Albuquerque afastou-se, para que na Batalha de Diu, Francisco de Almeida fosse o único comandante vitorioso de uma coligação que envolvia não apenas os mamelucos árabes, mas também turcos e até as repúblicas cristãs de Veneza e Ragusa (Dubrovnik). 
Esse afastamento consentido, contribuiu para que acabasse preso, tendo sido só libertado quando o marechal do reino, forçou D. Francisco de Almeida a libertá-lo.

Se a sua chegada foi atribulada na substituição do vice-rei, também o foi pouco menos a sua própria substituição, algo inesperada, na chegada de Lopo Soares de Albergaria. Ainda em 1515 escrevera ao rei no sentido de tomar Meca, quando já tinha todo o Mar Vermelho sob seu poder, após ter conquistado a cidade do Suez. A sua morte no navio, quando acabava de ser substituído, e regressava a Lisboa, fez com que ainda fosse enterrado em Goa, só mais tarde sendo transladado para a Igreja de Nª Srª da Graça, onde estava sua mulher.

Após Albuquerque, só é digno de registo especial a chegada portuguesa ao Japão, pelo que é com Albuquerque que praticamente começa e acaba a grande extensão do império português no Oriente. 

Após 1511, a conquista de Malaca, permitiu passagem à navegação portuguesa, e o que não foi logo descoberto, foi simplesmente porque foi encoberto em Lisboa. Com a mesma facilidade que as naus chegaram às minúsculas ilhas de especiarias das Molucas, e até à Papua-Nova Guiné, também traçaram pelo menos os grandes contornos orientais. Albuquerque tanto saberia de Timor em 1512-1514, como saberia da Austrália, ainda antes disso. Tanto saberia da China em 1513, como saberia da Coreia e do Japão nos anos seguintes. Aqueles que pensarem doutra forma, limitam-se a papaguear as estórias de carochinha que lhes dão jeito.


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