Um comentário de João Ribeiro remeteu para um antigo programa de José Hermano Saraiva, no arquivo da RTP, onde se abordava o assunto com "algum detalhe"...
Como este episódio já teve extenso tratamento por muita gente (inclusive uma série TV de Moita Flores), dificilmente trarei aqui algo de novo... para além de acumular com outros apontamentos depreciativos que
aqui trouxe sobre a actuação do Marquês (que à época nem tampouco Conde era).
Porém há uma palavra-chave no processo que se chama "
potro" e que não era nenhum cavalinho de estimação, era um
cavalete de tortura, onde as pessoas eram amarradas e esticadas.
A tortura era supervisionada por um "cirurgião", Domingos Moreira Ramalho, dos "cárceres secretos" do Santo Ofício (... a maçonaria contava aqui com a melhor expertise da Santa Inquisição), que limitava a tortura ao ponto da vítima não poder recuperar do tratamento aplicado.
O método era sempre o mesmo... e os manos que gostam de lembrar o facínora em pedestais, podem ver a sua assinatura no processo, bem como a de José António de Oliveira Machado, que coordenou todo o processo formal - com alguns erros processuais (como se esquecer de notificar a Marquesa de Távora), que corrige posteriormente.
José Hermano Saraiva, muito condescendente com a versão oficializada, não deixa de lhe chamar "
aborto jurídico"... com o exagero de colocar algo de "jurídico" no qualificativo.
Ainda hoje, temos essa herança legada nos nossos tribunais, onde há perfeitos "
abortos jurídicos", como foi a condução do "
Processo Casa Pia", uma vergonha nacional da pior espécie, que muito herdou do valor do testemunho dado a troco compensatório, sem reunir quaisquer provas decentes, e manipulando a opinião pública de forma indecente.
Salvador José Durão, de 19 anos, a principal testemunha recebeu 6000 cruzados pela denúncia (mas não terá passado a fidalgo, como o édito real prometia... enquanto Sebastião sim, passou a Conde de Oeiras), e junto com a sua paixoneta, Marianna Theresa, de 18 anos, filha de pedreiro (pouco livre),
foram o par decisivo no arranjar da estória. Deles faz parte o primeiro apenso, onde se vê como ela evitou ser apresentada ao
potro, quando hesitou.
O
potro foi o principal meio usado pelo Marquês de Pombal, para obter as seguintes confissões pretendidas, no Processo dos Távoras. Dos 20 apensos com os interrogatórios há 17 que invocam o uso, enquanto outros confessam perante a perspectiva do seu uso, mas tirando algumas excepções, que resistiram, a maioria acaba por confessar... o quê? - pouco interessa, porque perante a tortura, a posição da vítima é terminar o suplício.
A situação é tanto mais ridícula que, tudo indica que nunca houve nenhum atentado, simplesmente o rei terá caído, e se terá aleijado desastradamente num braço. Isto fica mais ou menos indiciado pela forma como há necessidade de fazer prova do atentado... com juramentos de médicos, e com dois autos ridículos:
- Auto de corpo de delito feito em uma casaca e veste de Sua Majestade
- Auto de corpo de delito feito em uma sege (carruagem) de Sua Majestade
Portanto, sentiu-se necessidade de fazer prova que havia uma casaca com buracos e a carruagem tinha outro orifício, digno de grande bacamarte.
O que se segue é extraído da obra de Pedro de Azevedo, que fez em 1921 o excelente trabalho de transcrever o processo para impressão:
de que se recomenda leitura.
Aqui faço apenas apontamento das ocorrências da palavra "potro", em quase todos os apensos do processo, e que mostra bem o grau de violência exercido.