Como hoje em dia, a orientação terrestre se baseia essencialmente no conhecimento da latitude e longitude, acaba por ser fortemente negligenciada a possibilidade de se fazerem mapas, sem usar nem uma coisa, nem outra.
As cartas de marear não apresentavam linhas de longitude, ou sequer de latitude, porque não precisavam... a ideia era simplesmente usar a bússola.
Por exemplo, como se poderiam marcar os Açores num mapa?
Chegados aos Açores, se tomassem um rumo constante na bússola, digamos ENE (Lés-Nordeste), chegariam à Bretanha. Inversamente, se partissem da Bretanha com um rumo constante oposto OSO (Oés-Sudoeste), rumariam em direcção ao Açores.
Isto não seria suficiente para marcar os Açores numa carta. Mas poderiam fazer o mesmo com qualquer outra direcção da bússola. Saindo dos Açores com rumo ESE (Lés-Sudeste), chegariam a um ponto na costa marroquina. Inversamente, partido desse ponto na direcção oposta ONO (Oés-Noroeste), chegariam aos Açores.
Exemplificamos essa marcação num mapa de Reinel, vendo como a intersecção de uma rota OSO vinda da Bretanha, com uma rota ONO vinda de um cabo de Marrocos, definiria apenas uma possibilidade de marcação dos Açores no mapa. Alternativamente, como é óbvio, poderia usar-se a navegação oeste, partindo da costa portuguesa.
A intersecção de um rumo OSO saindo da Bretanha, com um rumo ONO vindo
de um cabo marroquino, levaria a uma marcação da posição dos Açores.
É claro que este método não era muito exacto, porque não teria em conta o desvio da rota (a então chamada "derrota"), que acontecia pelas correntes marítimas. De qualquer forma seria preferível a um cálculo de latitude, que implicava céu limpo, à noite, para medir a altura da Estrela Polar, ou de dia, para calcular a altura do sol ao meio-dia... especialmente dados os erros, também pelas oscilações no navio. A longitude seria ainda muito mais difícil de registar, e basicamente só haveria uma ideia aproximada, pelo tempo da viagem.
A bússola não dependia do estado do tempo, permitindo manter a direcção fixa.
Mais importante, como as correntes eram sempre as mesmas, não interessava muito se a marcação estava certa... o que importava é que mantendo um rumo fixo iam lá chegar - os mapas estavam feitos para serem usados com bússola, em pontos específicos, e seguindo outras rotas é que seria natural perderem-se.
Explicaremos depois como a bússola em conjunto com o cálculo da latitude, dispensava praticamente o cálculo da longitude. Foi praticamente isso que os portugueses passaram a utilizar, especialmente a partir do reinado de D. João II, usando para marcar a latitude, o astrolábio, o quadrante, ou a balestilha.
Repare-se que os poucos portulanos antigos, do Séc. XV e anteriores, nem tão pouco indicam o Trópico de Cancer, mas essa marcação de latitude passou a ser obrigatória em todos os mapas do Séc. XVI (como já se vê no mapa de Cantino, 1502).
Convém agora dizer que há uma característica comum à maioria dos portulanos, e que não é notada à primeira vista... uma marcação de um círculo com 16 focos de referência secundários.
Isso ocorre desde os mapas de Abraham Cresques (
também com Pizzigano), mas vamos evidenciar isso com os mapas de Pedro Reinel:
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Carta "Pedro Reinel me fez" (1485), evidenciando o círculo onde ficam as rosas dos ventos e os 16 focos (a vermelho com rosa-dos-ventos, a azul, sem rosa-dos-ventos) |
No caso do mapa de 1485, há uma rosa-dos-ventos central, de onde saíram 16 direcções cardinais, e a uma distância fixa do compasso, desenha-se um círculo onde vão ficar os 16 focos.
Em 5 desses focos há novas rosas-dos-ventos, nos outros 11 não... a razão para esta escolha, desconheço qual seja.
Noutro mapa de Reinel (1504), passa-se o mesmo:
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Carta "Pedro Reinel a fez" evidenciando a rosa-dos-ventos central, de onde saem 16 direcções para o mesmo número de focos (pontos a vermelho, com rosa-dos-ventos, e pontos a azul, sem rosa-dos-ventos). |
Agora passamos a ter 9 pontos com rosas-dos-ventos, e 7 pontos sem rosas-dos-ventos. Neste mapa já aparece a exigência papal, de apontar o Leste (direcção de Jerusalém) com uma cruz. Tem ainda uma outra novidade - uma escala para latitudes, aliás duas - uma ligeiramente inclinada, o que mostra que pretende mostrar que a latitude vai exigir dois tipos de representação, com uma pequena correcção a Ocidente, em paragens americanas, para a mediação do Tratado de Tordesilhas.
A mesma ocorrência do círculo é notada no seguinte mapa de Reinel de 1535:
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Mapa atribuído a Pedro Reinel (1535) - neste caso há uma rosa-dos-ventos extra (verde, à direita) |
Dos 16 focos, agora há 10 com rosas-dos-ventos, e 6 focos simples (a azul). Este mapa já evidencia como latitudes, o Trópico de Cancer e o Equador.
Podemos colocar uma questão... qual a necessidade que havia de colocar as rosas-dos-ventos, e os outros focos, no mapa?
Por um lado, poderiam ser usados para definir melhor os contornos locais... no sentido em que mudariam os pontos de referência, noutras partes do globo. Mas como estas rosas-dos-ventos são indistintamente colocadas em terra ou no mar, o seu significado carece de melhor explicação.
Para esse efeito, no próximo texto, iremos ver como fica o Globo de João de Lisboa, e o Mapa Cantino (no caso do Mapa Cantino há mesmo dois círculos evidenciados).
Quanto ao título do texto, é uma simples modalidade de entender "mau maria" - uma expressão corrente sem aparente sentido, mas se for ao "mau mar ia"... muitos foram os que se perderam no mau mar, não apenas por tempestades, mas sobretudo por enganos.