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A pinha na pinha

25.06.17
Uma outra tradição do S. João são os martelinhos, agora de plástico, com o sucesso da novidade introduzida nos anos 70, e que substituiu o uso mais antigo dos alhos-porros:
A enorme multidão que se junta no S. João, na cidade do Porto
e alhos-porros contra molhos de erva cidreira, à venda com manjericos.

A wikipedia remete o culto a tempos pagãos, associando-a a uma festa de fertilidade, onde o alho-porro tomaria o papel masculino e a erva cidreira o papel feminino, invocando mesmo uma antiga canção recolhida por J. Leite Vasconcelos (Revista Lusitana, Vol. 32-34, 1934), que dizia:
Até os moiros da Moirama festejam o S. João, 
com pandeiras e violas, com canas verdes na mão
... podendo informar que a tradição se teria mantido forte, mesmo durante a ocupação árabe.

Ora, procurando um significado para os "alhos-porros", vamos muito rapidamente discorrer sobre Baco, ou Dionísio, daí passar às vacas, às pinhas, ao santo Tirso, a Osíris, ao caduceu de Hermes, às representações dos Annunaki, com a sua árvore da vida, e à Cabala, passando pela glândula pineal.
A sequência, que assim parece resultar de alguém que não bate bem da pinha, já estava parcialmente feita, e o resto são outras junções naturais, que me agradam encontrar. Se são conexões mais ou menos forçadas, fica ao leitor de julgar, por si próprio.

i) Do alho-porro a Baco com o tirso
Começamos com uma representação do deus grego Dionísio, equivalente ao romano Baco:
O deus Dionísio exibindo o seu Thyrsus (imagem daqui)

Ora, esta imagem de Dionísio dá uma ligeira ideia de que o deus se preparava para ir também ao S. João do Porto, munido do seu alho-porro... mas não se trata bem de um alho-porro. 
O bastão era encimado por uma pinha, envolvido em hera e ramos de videira, tem um nome que não é alheio ao Porto - já que o nome desse bastão é Tirso, e perto do Porto encontra-se Santo Tirso (e mesmo que o nome da localidade seja remetido a um deus galaico, Turiaco, há quem tenha feito a natural associação).

Como Baco era um deus associado à sexualidade libertina, mesmo que as suas seguidoras sejam agora designadas de bacantes, parece fazer mais sentido popular que fossem chamadas pelo simples feminino de Baco, ou seja, Bacas... o que, fora da região do Porto, se lê "Vacas", que afinal é o nome ainda usado para mulheres menos contidas sexualmente.

Que o símbolo Tirso parece sugerir um elemento fálico, é opinião praticamente unânime, e que as bacantes usassem os tirsos como arma nos bacanais (festas em honra de Baco), parece bater certo com o bater da pinha na pinha dos moços, passando as pinhas no S. João a mais simpáticos alhos-porros evitando causar males à pinha. O comum uso da palavra pinha para cabeça encima bem com o assento desta na espinha.

Finalmente, outro elemento digno de nota é que nos rituais de Baco a representação do lado feminino se fazia em conjunto, com um cântaro... por um lado conveniente recipiente para o vinho do deus Baco, e por outro, uma representação associável ao útero feminino.
Um cântaro com duas esfinges e uma possível "árvore da vida" - (Museu do Louvre)

ii) A pinha de Osíris aos Annunaki
No caso dos bacanais, a pinha podia ainda ser envolta em mel, simulando a ejecção seminal, mas passando esses detalhes desnecessários, encontramos em Osíris, o deus egípcio, um bastão também encimado por uma pinha
 
... este bastão egípcio, ao ser enrolado por duas serpentes, não deixa de lembrar o caduceu dos deus greco-romano Hermes/Mercúrio, que se tornou um símbolo do comércio, e onde o uso da pinha foi substituído por um par de asas.

Por outro lado, nas representações de Annunaki (ou Anedotos), vemos o uso sistemático de uma pinha, mas aí sem encimar um bastão. O mesmo uso de uma pinha simples pode ser visto no Vaticano, em vestígios de tempos romanos, mesmo que o Papa não deixe de usar habitualmente um ceptro encimado parcialmente por uma pinha, de onde sai um Cristo crucificado:
 
A gigantesca Pinha de Bronze no Vaticano, e o ceptro papal com uma pequena pinha (img).

Em algumas representações dos Annunaki, para além do uso da pinha numa mão e de uma bolsa na outra, estes ladeiam uma estrutura que é encarada como representante de uma "árvore da vida":
Dois Annunaki ladeiam uma "árvore da vida" (imagem)

Repare-se na semelhança desta figura com a representada no cântaro (em cima), onde em vez dos Annunaki, apareciam duas Esfinges. A questão é que se a pinha pretendia representar o elemento masculino, então parece que a bolsa, tal como o cântaro, poderia ser usada para uma representação do lado feminino. 
O formato desta suposta "árvore da vida", com diversas ligações intrincadas, já foi associado a outro símbolo cabalístico, por exemplo usado pelo judeu espanhol Gikatilla, no seu Portaelucis (e cujo título também pode servir de anagrama para Portucaelis), ainda que aí o número de nodos tenha ficado fixo a 10 (e depois a 11).

Porém o que é mais interessante, é que tirando as ligações, o que vemos na imagem em cima, no centro, é uma possível representação de um Tirso.

Tanto mais que há outras imagens de Anedotos (ou Annunaki) que parecem mostrar isso mesmo:
Nesta imagem, em que os Anedotos aparecem disfarçados de peixe, e não com uma máscara de águia, ao centro, no lugar da "árvore da vida" vemos o que nos parece ser um Tirso.
Também pode ocorrer que neste caso se pretendesse figurar o tirso masculino, e na imagem anterior se pretendesse representar uma versão mais complicada do cântaro feminino.

iii) A pinha e a glândula pineal
Finalmente, outra relação que é apontada segue no caminho místico da "pinha" poder pretender significar um conhecimento profundo da "glândula pineal", nomeadamente com uma relação com dimensões superiores... ou como René Descartes chegou a pretender, estar ali uma ligação entre o corpo e a alma. Ou ainda, mais esotericamente, ver uma relação entre o olho de Osíris e a posição dessa glândula, enquanto "terceiro olho".
Neste caso é mais fácil seguir a versão científica. 
A glândula pineal liberta hormonas que regulam o sono, num período de cerca de um dia (circadiano), permitindo manter o ciclo do sono, independentemente da luz do dia. Inicialmente poderá ter funcionado como um olho primitivo dos vertebrados, mas a evolução dos vertebrados fez perder esse olho, mantendo em praticamente todos a glândula pineal, para uma regulação interna do sono.
Portanto, se a glândula pineal parece permitir o acesso a uma nova dimensão, ela ocorre através do nosso encontro diário com o mundo dos sonhos, e não é nenhum exclusivo humano, já que essa glândula existe praticamente em todos os outros vertebrados.
Neste caso a única relação visível com a pinha é o seu formato minúsculo lembrar uma pinha... e daí o nome que lhe foi dado.



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