Volto a pegar
na frase de Lavanha "
hoje são campos onde foi Troya", para acrescentar uns detalhes acerca do assunto troiano, lendo o relato de Pausanias sobre a Grécia (escrito no Séc. II), onde há uma referência a
Télefo, filho de Hércules, que é suficientemente estranha, porque o episódio apesar de ser largamente referenciado, não consta na Ilíada de Homero. Diz Pausanias acerca dos habitantes de Pérgamo:
... and they claim that they are themselves Arcadians, being of those who crossed into Asia with Telephus. Of the wars that they have waged no account has been published to the world, except that they have accomplished three most notable achievements; the subjection of the coast region of Asia, the expulsion of the Gauls therefrom, and the exploit of Telephus against the followers of Agamemnon, at a time when the Greeks, after missing Troy, were plundering the Meian plain thinking it Trojan territory.
Ou seja, quando os gregos procuraram Tróia, simplesmente não sabiam onde ficava!
Pior, assolaram a costa turca, de Pérgamo à Mísia, sem encontrarem Tróia... quando afinal a cidade era vizinha de Pérgamo e da Mísia.
Seria como dizer que alguém andava pela costa à procura de Tróia entre Lisboa e o Algarve, e escapava-lhe a península em frente a Setúbal.
Toda a situação geográfica, que se pretende passar, não faz qualquer sentido, até porque os gregos reúnem uma frota em Aulis, com navios que vêm de ilhas bem mais longínquas do que Tróia - basta reparar nos casos de Creta, do Chipre ou até da Ítaca de Ulisses.
Essa suposta reunião em Aulis ocorre duas vezes, pois na primeira partida, os navios são dispersos levando a expedição à Mísia, onde reina Télefo, que evita a invasão... No entanto, sendo ferido por Aquiles, um oráculo diz a Télefo que a ferida só "será curada pelo que feriu", o que leva Ulisses a concluir que o remédio é a própria lança de Aquiles. Só após esta cura, é que Teléfo indica o caminho para Tróia, e armada grega de 1200 navios parte de novo de Aulis... passados 8 anos! É neste ponto que ocorre o sacrifício de Ifigénia, com a finalidade de obter ventos favoráveis à expedição.
Como se o absurdo de terem estado ao lado de Tróia, não bastasse, voltam à Grécia para partirem de novo, e a expedição consiste numa viagem piscatória de 500 Km, que demoraria no máximo dois ou três dias. Todo o contexto da guerra de Tróia demora 10 anos! Mas como se o absurdo não chegasse, vemos que Tróia liderava uma força que juntava a Mísia, a Frígia, a Lídia, a Caria, a Lícia, etc... ou seja, uma cidade que lhes passara despercebida, mas que reunia praticamente o conjunto das forças da Ásia Menor.
Mesmo que sejamos tentados a desculpar artifícios poéticos, todo o enquadramento seria no mínimo inconsistente para merecer qualquer credibilidade e durabilidade... No entanto, os relatos da Guerra de Tróia, especialmente o de Homero, foram os mais persistentes para as gerações seguintes.
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"Troikos Polemos" = "Guerra de Tróia" |
Falando em gerações seguintes... não escapa isto à geração actual!
Uma geração que se viu confrontada com a "Polémica da Troika", tendo em atenção que, em grego, "
Troikos Polemos" significa mesmo "
Guerra de Tróia".
Portanto, quando se abusou da definição russa de "
troika" para um
grupo de três,
invocando cavalos, não ficam muitas dúvidas que os Cavalos da Troika, eram afinal Cavalos de Tróia.
Até porque quando o presente dado pela UE era um empréstimo financeiro, que os estados tinham que pagar, mas que em nada os cidadãos iriam usufruir... sujeitando-se a maior controlo e maiores restrições sobre a sua qualidade de vida, dificilmente se conseguiria explicitá-lo de forma mais clara, e mais cínica... e só não foi de forma mais sínica, porque a China afastou-se o suficiente das oscilações monetárias, desagravando a polémica financeira europeia, e evitando o colapso dos seus principais clientes.
Bom, mas então o que se teria passado?
- Não me interessa propriamente a pretensa piada actual de mau gosto. Se esta foi uma repetição histórica em forma de farsa, já deixou as suas marcas em tragédias pessoais.
Interessa olhar para as escassas e contraditórias informações que restaram dos tempos antigos.
No final da Guerra de Tróia, se Micenas foi vencedora desse embate a uma escala global, ninguém notou muito. Nem Agamémnon teve tempo de celebrar, fulminado que foi por Clitemnestra.
Aliás, pelo contrário, a civilização de Micenas, dos Hititas, dos Egípcios, foi assolada logo de seguida pela chamada vaga dos "
Povos do Mar", que basicamente levou a um colapso das civilizações mediterrânicas.
Seguiu-se o que se considera ser um colapso civilizacional, que do ponto de vista histórico assinalou o
fim da Idade do Bronze, e o caso grego assinala uma
Idade das Trevas (basicamente entre os Séc. XIII a.C. e VIII a.C.), em certa medida semelhante a uma Idade Medieval na Antiguidade.
É no fim dessa idade de trevas que Homero formará a Ilíada e Odisseia, juntando acontecimentos com 500 anos de tradições orais, deturpadas pela mitologia. Os novos gregos já não são os homéricos Aqueus, aliás a
Aqueia passaria a ser uma província vizinha à Arcádia, tal como a Ilida (
Elis), onde se passariam a realizar os Jogos Olímpicos. Não deixará de ser curioso ficarem vizinhas províncias com nomes semelhantes a Aqueus (gregos) e a Ilíados (troianos).
Os novos gregos tomaram o nome de Helena, e até hoje autodenominam-se Helenos.
A cultura helénica resultará da mitologia sobrevivente dessa Idade das Trevas.
Como Platão aponta, quando trata do assunto da Atlântida, o sacerdote egípcio Sonchis de Sais diz a Sólon que os gregos apareciam como crianças, sem memória do seu passado, nomeadamente das guerras com a potência atlântica, que subjugava os povos mediterrânicos. Os Egípcios sofreram com a invasão dos Povos do Mar, mas Ramsés III teria vencido duas batalhas, e Ramsés II tinha vencido os Hititas em
Kadesh. O Egipto entrou em declínio, mas não de forma abrupta, como Micenas ou como os Hititas, e nesse sentido alguma memória teria permanecido.
É neste ponto que convém dar atenção à feroz crítica a Homero, feita por
Dião Crisóstomo no Séc. II:
... onde basicamente, seguindo uma linha crítica a Homero, que se evidenciou depois de Platão, Dião vai argumentar o contrário do estabelecido - ou seja, que na Guerra de Tróia, os vencedores não foram os Gregos Micénicos, mas sim os Troianos!
O que se pode ter passado, é que os gregos de Micenas provocaram estragos numa Tróia próxima, mas quando procuraram a Tróia mais distante, mexeram num vespeiro dominado por um poder atlântico. Há aliás referências ao envolvimento de
Mémnon, rei de uma
Etiópia que se situava numa África além dos Pilares de Hércules, e das próprias Amazonas (por
Pentesileia), alinhando pelo lado de Tróia. Acresce que o registo egípcio dá conta que Helena teria ficado refugiada no Egipto e não em Tróia. No regresso de Tróia, não é apenas Ulisses que deambula perdido, quase todos os gregos têm dificuldade em retornar, e são poucos os que conseguem voltar com sucesso.
Nesta hipótese de Dião Crisóstomo, o Cavalo de Tróia seria uma invenção de Homero, e dir-se-ia mais que isso - a própria epopeia tendo como desfecho a vitória grega seria o verdadeiro trote troiano!
Os gregos cresceram celebrando a ideia de uma vitória que foi afinal uma completa derrota...
Afinal, onde tinham ficado essas cidades micénicas? Todas foram completamente arrasadas nos anos seguintes, pelos "Povos do Mar". A cidade de Micenas, reencontrada por Schliemann no Séc. XIX, tinha sofrido um destino muito próximo daquele que fora reportado a Tróia - as muralhas e edifícios foram arrasados, e a cidade foi consumida por incêndio devastador. Assim como Micenas, todas as maiores cidades mediterrânicas, inclusive as hititas, sofreram um cenário de grande devastação... escapando apenas algumas cidades egípcias.
Neste caso, a hipótese que procurei (e encontrei sustentada por Dião Crisóstomo), é a de que a nova civilização grega, que cresceu ouvindo as histórias de Homero, após o Séc. VIII a.C., é uma civilização inventada num poder atlântico, talvez situado em paragens gaulesas, célticas, ibéricas, que cresceu na sombra de um cavalo troiano, que serviu para inverter a memória. Dando Tróia como destruída, não teriam esses troianos a perspectiva de ver os novos gregos rumar de novo a Ocidente com a finalidade de vingar os seus antepassados. O assunto ficava arrumado por uma vitória celebrada, mas inexistente. A forma de condicionar os gregos iria surgir de outra forma - pelo grande poder que os seus Oráculos, nomeadamente o de Delfos, iriam exercer sobre toda a civilização grega.
De uma forma, ou de outra, os novos gregos expandiram-se no Mediterrâneo, fazendo a Magna Grécia, mas não ousaram passar os Pilares de Hércules. A civilização grega, tal como o restante da civilização egípcia, iriam servir como tampão do progresso de outras civilizações - nomeadamente, os Assírios, Medos, Persas, e Babilónios. A ponte com o Ocidente, seria feita primeiro pelos Fenícios, e depois pelos Cartagineses, numa altura em que Roma começava a crescer.
O ponto comum dos novos Gregos, Cartagineses, e Romanos - um novo sistema político que se iria impor durante os séculos seguintes - até Júlio César - o sistema político republicano.
O barrete frígio do troiano Páris, amante de Helena, era o mesmo barrete republicano que foi servido às gerações seguintes, até ao século passado.