A repetição da completa desprotecção civil perante os múltiplos incêndios que ocorreram, de novo, no passado domingo (com um número actual de 42 vítimas mortais), deixa uma pergunta no
ar de Portugal - qual a confiança de milhões de portugueses, que não moram em centros de grandes cidades?
As imagens que vimos, mesmo em pequenas cidades como Tondela, Gouveia, ou Oliveira do Hospital, são de uma sujeição e impotência, perante grandes incêndios que as cercam e lançam fagulhas incendiárias para as suas casas. Um pequeno pinhal, um jardim, que antes eram locais aprazíveis, passam a ser vistos como rastilho para a propagação de incêndios, e ninguém se sentirá bem nestes dias, com uma moradia que confronta com árvores.
Serve para epíteto simbólico declarar "
luto nacional", para o bem estar do politicamente correcto, que dança com mudanças de ministério, enquanto o magistério de uma "
luta nacional" tende a repousar.
Interessam aqui as palavras, porque independentemente da
pseudo-origem no latim de "
luctus" ou "
luctare", as palavras "luta" e "luto" indiciam mais que uma mudança de género. Escreveu-se
lucta e
lucto, usando uma latinização da língua, mas isso sinaliza apenas que o prefixo "
luc" pode ser relacionado com "
luz" como em tantas outras palavras.
O
luto é assim simbolizado com o negro, da ausência de luz.
A
luta, ao contrário, é a presença de luz.
Independentemente, do significado que outros encontrem para si, as palavras têm para mim um significado ancestral que procuro encontrar nas suas sílabas. Tão simples quanto em "
ardeu" que ligo à simples conjugação de
ar-
deu, pois o fogo não
arde sem
ar que lhe
dê. O verbo não é
ar-dar, mas a má conjugação posterior não fez perder todo o sentido original. Ou, como a
têmpera do
aço, que tem paralelo no
têmpero do que
asso. E o que
assem só vem de um
acen-
der inicial, mas também aí temos indicação do que ficou do nosso
passado - as cinzas do que serviu
p/assado.
É neste contexto que
luto significa
lu-tu, com quem diz "
a luz em ti", e os outros vestem negro, enquanto
luta significa
lu-tá, como quem diz a "
luz está"... colocando a luz como razão da luta, e assim o negro simboliza a morte de alguém que personificava a luz do combate.
Essa luz seria como um
luar da
Lua, e escusando os latinistas de serviço, não seria apenas a luz da noite, do
lume, que
alumiava. E dizemos
a-lu-
miar e não
uivar, pois haveria outros cães e gatos de serviço.
A Lusitania claro, seria pátria dessa luz, e mátria das trevas da sua ausência, não me querendo mais alargar nesta poesia especulativa.
Interessa que luto é o interlúdio da luta que se segue... sendo claro que se
segue quem se
cegue, pois um seguidismo é um ceguidismo, que vê o
sossego numa pronúncia do
sou-cego, procurando afinal uma
bengala alheia, em
boa gala alheia.
Surge este texto para uma observação muito simples.
A evolução dos incêndios em Portugal, desde o tempo de Salazar, pode ser facilmente vista no seguinte gráfico, que vai desde 1943 até 1979, onde fica evidente um aumento súbito a partir de 1974.
Fonte: Grandes incêndios florestais na década de 60... (ver artigo de F. F. Leite, J. B. Gonçalves, L. Lourenço) A interpretação do gráfico, mesmo que relativizada pelos dados disponíveis, não deixa grande margem de dúvida num aspecto - a partir de 1974, e com grandes picos em 1975 e 1978, o número de incêndios em Portugal subiu de forma drástica, chegando a ser 10 vezes superior, mas... pior que isso, tornou-se numa circunstância quase crónica. Não encontrei gráficos juntos, mas podemos ver o aspecto desde 1980 até aos nossos dias, com grandes picos em 2003 e 2005:
Que se saiba, em 1975 não houve mudanças climáticas, não houve abandono do interior, não houve uma plantação súbita de eucaliptos, não terá havido nenhuma das muitas razões que são usadas para oferecer aos seguidores televisivos dos comentários nacionais de serviço.
Houve sim, uma mudança de poder político, e em 1975 não havia apenas incêndios e falta de coordenação para os combater, havia bombas em sedes partidárias, e um clima contido quase de guerra civil em preparação.
Para quem nunca experimentou acender um churrasco, não é assim tão fácil fazer fogo sem ajuda de combustíveis e carvão, mesmo que o dia esteja quente. Tenho muitas dúvidas que 500 coincidências fortuitas, mesmo de agricultores irresponsáveis, consigam pôr o país em chamas... e apenas a norte do Tejo.
Do que me lembro, e olhando brevemente para o segundo gráfico, não será muito difícil estabelecer relações entre os picos de incêndios e o clima político eleitoral... sendo que os anos mais suaves se encontraram depois da governação Sócrates, e não foi certamente por virtude do SIRESP, nem por abrandamento das
alterações climáticas. Se alguma relação fizer sentido, foi justamente no fim da semana passada que se deu a acusação do processo "Marquês" (outro nome do "Nero da Trafaria"), ou o conhecimento do Relatório de Pedrogão. Foi após isso que deflagraram estes incêndios, com mais de 500 focos em todo o país.
Mas essa coincidência não é mais nem menos importante, interessa que o problema incendiário está instalado desde a "revolução dos cravos", e é um problema que já tinha tido expressão antes, no tempo de Salazar, mas que tinha sido contido, e em nada era semelhante ao que se seguiu depois.
Diz-se que o Estado falhou... mas este Estado com 43 anos habituou-se a viver com um estado de coisas em que os incêndios são vistos como "normais", e que na necessidade de culpa, para evitar a desculpa, os culpados são os cidadãos.
Aquando da revolução republicana, a maçonaria também fez uso da carbonária, e de vários actos terroristas, com múltiplas bombas e pequenas revoluções constantes em Lisboa, que ocorreram até ao Estado Novo. Uma vez utilizada a arma, era difícil desactivá-la, e pior que isso... nem parecia interessar pô-la de lado.
Por isso, este é um problema de regime... que poderá nem ter a ver com este regime, e que pode até ser contra este regime pós-74, especialmente quando certos assuntos de bastidores são trazidos para a praça pública. Mas, uma coisa parece clara... enquanto o problema dos incendiários não for visto como um terrorismo global instalado no país, continuaremos a entreter-nos com razões fantasiosas ou científicas, para anualmente metade da área ardida na Europa pertencer a Portugal.
Neste ano as coisas foram longe demais... Junho teria sido suficiente para perceber isso, mas quatro meses depois, vemos que nem sequer se pode contar com contenção e o mínimo de bom senso, por parte de gente que julga poder escapar do seu inferno causando um inferno aos outros. As chamas já chamaram demasiadas vítimas, e agora chamam pelos culpados, com um foco que não sairá das suas cabeças.