Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]



Num email enviado no início deste mês de Setembro, David Jorge, fazia menção de um notável mapa existente na Biblioteca do Vaticano.
O manuscrito tem a referência Urb.lat.274, e está disponível para consulta em:

https://digi.vatlib.it/view/MSS_Urb.lat.274 (página 72 e seguintes)




David Jorge salientou alguns tópicos:

(1) A menção a Antília já como parte do continente e não como ilhas.

(2) A presença de Sete Cidades, ou 7 castelos, na parte da América do Norte.


(3) A menção do Regno Patalis (Regio Patalis) numa região que seria australiana, poderia indicar que o nome "Patalis" se poderia referir a animais de grandes patas - ou seja, cangurus. 


Acrescentava que uma representação dos patagões - referindo as suas grandes patas - poderia ter sido erroneamente remetida à localização sul americana, evitando a nomeação australiana. Além disso, David Jorge apresentava uma imagem cartográfica dos patagões, que teria pouco de humana:

Tratando-se de uma região associada aos antípodas, surgiu em conversa uma figura típica sobre isso.
 Monsters of the Antipodes. (From Margarita philosophica, 1517.)

disponível em Sacred Texts, Book of Earth, de Edna Keaton (1928), que diz:
The Osma Beatus map (Plate XXXIV), although one of the latest (1203), is regarded as one which is in many of its important features most like its prototype. It gives, for instance, alone of all the copies, the pictures of the Twelve Apostles in the regions over which they ruled. It also gives a realistic picture of the inhabitants of the Southern continent or Antichthones, still unknown--those monstrous beings known as Skiapodes or Shadow-footed men, who must always lie or sit in such fashion that their great feet were as umbrellas shading them from the otherwise deadly Sun. There were other fabulous races of this austral land; one whose huge lips, instead of feet, protected them from the scorching fire of the Sun; another whose heads had sunk to a plane almost level with their shoulders; and still another whose heads had sunk quite below the shoulders and had become absorbed in the trunk of the body.
Ao argumento adicionava-se a figura direita, em que a representação de um "homem com cabeça canina", poderia ser uma fantasiosa ideia antiga que via esse habitantes australianos com cabeça de canguru (e com grandes patas). Associar homens a essa descrição seria já uma efabulação própria do contexto medieval.

Não fiquei muito convencido, e disse que, para prosseguir na associação deveria haver uma explicação para as outras figuras, e não apenas para aquelas que se ajustavam à suposição.

David Jorge enviou então, logo de seguida, as três figuras africanas seguintes:

 

O desenho que mostrava uma cabeça no tronco estava quase perfeita face à mascara africana tribal. Não estava à espera de uma resposta que se ajustasse tão bem às três imagens desenhadas no efabulamento medieval, e declarei-me convencido com a sua contra-exposição.

Poderá dizer-se que neste caso já não estamos a falar de tribos australianas, são tribos africanas, mas como o texto inglês indica, são habitantes do "Southern continent or Antichthones", e poderemos encarar a representação medieval englobando uma descrição da parte africana.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 17:24

Visto isto

26.09.18
Desde o início não me preocupei muito com o aspecto do blogue, interessava-me bastante mais o que iria conseguir descobrir... por isso, basicamente o aspecto do blogue não mudou.

Decidi agora mudar um pouco o logotipo inicial, para ir ficar


o que não corresponde a nenhuma mudança significativa, nem nenhuma vontade especial de tornar o blogue mais esteticamente apelativo, até porque na minha opinião nem ficou melhor.

Continua a assentar no paralelismo África-América que, propositadamente, ou então por grande coincidência, faz com que o portulano de 1485 de Pedro Reinel representando a África vá bater de forma muito coincidente com a costa americana junto ao Golfo do México. Não apenas na forma, mas igualmente na latitude. Aqui uso a versão que fiz para a Wikipedia, porque aí não era permitido usar imagens do Google Maps... teve a vantagem de ficar melhor.

Esse paralelismo África-América senti-o também no logotipo do Infante D. Henrique, que Frei Luís de Sousa dizia ter "duas pirâmides dos reis do Egipto". 
Porque se o logotipo era entendido como tendo pirâmides, pois poderiam ser justamente as pirâmides egípcias e as pirâmides aztecas/maias. 
Acrescia então ter reparado que "Talant de bien Faire", seria "Atlant de bien Afrie", com um pequeno anagrama que trocava as letras de "talAnt" para "Atlant", e outro que trocava "fAi're" para "Afri'e" (note-se que há 2 "A" maiúsculos e apenas um "a" minúsculo).
O que significava isto?
O antigo nome para o continente perdido no Atlântico era "Atlant", e daí também o nome do Oceano, remetendo para o titã Atlas. No Séc. XV ninguém lhe chamava América, e o nome mais natural era a Atlântida de Platão. É isso que diz Poliziano, é isso que diz Sanson.
Acresce que os dois círculos fazem bem dois hemisférios. 
"América por bem África" dá a pista do engano propositado na descrição de Zurara.
Mas "vontade de fazer bem" ou mesmo "talento de fazer bem" é ainda um moto notável.

Finalmente as letras ALVOR SILVES foram retiradas de "OS LVSIADAS" de Camões, à excepção do "R"e do "E" que ficam propositadamente a destoar, retiradas de "REAL" em letra mais pequena. Isto porque tenho perfeita consciência de que ainda que tenhamos vontade de fazer bem, haverá sempre erros que irão contra a realidade. Neste caso, faltaram 2 às 10 letras de "OS LVSIADAS" para se ajustarem ao nome do blogue que tem 11 letras... paciência.

Ainda pensei em juntar uma imagem de D. João II, que está presente no nome do blogue, pelos locais de falecimento e enterro. Gosto especialmente da imagem que está nas tapeçarias de Pastrana, junto ao pai, D. Afonso V. Está ali ainda com cara de criança, com 16 anos, aquando da tomada de Arzila.
No entanto, o propósito do blog acabou por divergir muito do tema inicial, que se centrava na história dos descobrimentos portugueses. As imagens que ficam dizem respeito às imagens iniciais que levaram à constituição deste mesmo blogue.

De resto, verificando que a Descrição, Metodologia, Links e Referências, estão inalterados desde 2010, está na altura de dar uma volta ao blogue, e corrigir alguns aspectos que estão a precisar de reforma desde há muito tempo.



______________ Descrição  _____________

(de 27 de Junho de 2010 a 27 de Setembro de 2018)
_______________________________________________________________________

Imagem do blog
Comparação entre detalhe da Carta "Pedro Reinel me fez" (1485) e a costa do México.
Ver explicação neste knol.

Porquê Alvor-Silves?
  • Alvor e Silves são duas localidades algarvias, com importância na história de Portugal. 
  • Alvor foi identificada à cidade romana de Portus Annibalis, referindo a sua ligação cartaginesa a Aníbal.
  • Silves será mais conhecida pela importante Tarifa de Silves (reino independente árabe).
  • A sua associação é feita no contexto do relato da morte de D. João II.
  • D. João II depois de procurar tratamento nas Caldas de Monchique, decide morrer no Alvor, e solicita ser enterrado na Sé de Silves, só depois será transladado para o Mosteiro da Batalha.
As investigações que iniciei acidentalmente em Outubro/Novembro de 2009 levaram-me a várias inconsistências e mistérios sobre o período dos descobrimentos. Tal como o Infante D. Henrique, que escolhe Lagos para morrer, a opção de D. João II escolher como lugar de morte Alvor e Silves, não foi acidental... encerra um mistério, propositado, legado pelo maior protagonista da empresa dos descobrimentos.

Tese de Alvor-Silves
Foi o título colocado à primeira compilação de conclusões publicada até 31 de Dezembro de 2009, no knol.
A versão original encontra-se em
http://groups.google.com/group/alvorsilves
e depois de alguns polimentos, menos opinativos, foi colocada uma versão como pdf
http://www.scribd.com/alvorsilves3896
com o essencial sobre a parte cartográfica.
O ponto fundamental será entender as informações documentais no contexto político para a sua divulgação. Ou seja, há informações contraditórias... e ou aceitamos uma versão oficial "bacoca", com muitos medos e erros, ou tentamos compreender que aquilo que foi divulgado estava sujeito a escrutínio da Inquisição. 
Por isso houve documentos perdidos, como se queixaram João de Barros e Damião de Goes, e na prática pouco ou nada nos chegou da época de D. João II. Grande parte das publicações interessantes, ainda sujeitas a controlo inquisitorial, acabaram por aparecer na transição para o reinado de D. Sebastião (e nesse reinado).

Assuntos do blog Alvor-Silves
O blog Alvor-Silves continua a colocar informação documental histórica, mais relacionada com o período dos descobrimentos marítimos, mas também com ligação a outros tempos. A referência a períodos de civilizações mais antigas, no contexto dos mitos de Tubal, Hércules, Ulisses, influenciaram a cultura portuguesa, até à sua quase anulação, primeiro na época pombalina, e depois após Alexandre Herculano.
Por isso, os diversos registos históricos, do Séc. XV até ao Séc. XIX são considerados de maior interesse, alargados a tempos anteriores, colocando-se em segundo plano assuntos de História do Séc. XX, ou XXI. 
É importante conhecer bem a história com mais de um século, e só depois conjecturar sobre o contexto recente ou actual. Assim se poderá compreender o que determinou a selecção dos escritos divulgados, e a quase supressão doutras obras valiosas.

Para assuntos com maior actualidade, foi definido um outro blog: 
odemaia.blogspot.com/


Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 04:02

A nau São Paulo

24.09.18
A nau São Paulo teve um fim que está descrito no 1º volume da História Trágico-Marítima - encalhou junto a Sumatra. Neste caso temos um retrato bastante bom do que se terá passado em 1560-61.

Esta nau fazia parte da armada do capitão Jorge de Sousa, reunida a 25 de Abril de 1560, para a carreira da Índia, e que tinha a seguinte composição:

  • nau Castelo, comandada pelo capitão, dom Jorge de Sousa;
  • nau Rainha, comandada por Jorge de Macedo;
  • nau S. Vicente, comandada por Vasco Lourenço de Barbuda;
  • nau S. Paulo, comandada por Rui de Melo da Câmara;
  • galeão Drago, comandado por Lourenço de Carvalho;
  • galeão Cedro, comandado por Francisco Figueira de Azevedo.

Esta enumeração é feita na sequência de uma troca de comentários com David Jorge e João Ribeiro, tendo ficado algo surpreendido de não encontrar online um simples registo burocrático dos navios e capitães que fizeram a Carreira da Índia. O historiador Luís de Albuquerque fez ainda em 1985 uma edição com os dados constantes na "Relação das Naus e Armadas da Índia", um manuscrito que está na British Library (Códice Add. 20902). Curiosamente numa relação deste livro, as naus que fizeram a viagem da Índia foram São Rafael (Vasco da Gama), São Gabriel (Paulo da Gama), São Miguel (Nicolau Coelho) e outra, de Gonçalo Nunes não estava nomeada, sendo o nome restante a "Bérrio". A troca do nome das naus pelos comandantes, pelo infortúnio da S. Rafael, ou o uso dos 3 arcanjos principais pode ser uma razão desta alteração na relação.
As ilustrações seguintes são retiradas do livro de Lisuarte de Abreu (com agradecimento a David Jorge).
A nau S. Paulo comandada por Rui de Melo da Câmara

Rui de Melo da Câmara tinha regressado da Índia na mesma nau S. Paulo em 1559, e partia de novo para a Índia. O relato constante na  História Trágico-Marítima (páginas 351-479) será de um passageiro, Henrique Dias, criado do Prior do Crato, e é bastante pormenorizado. Não sei se seria "companheiro", no sentido de pertencer a alguma companhia (havia dois padres da Companhia de Jesus), mas todo o seu queixume, ao longo do texto, parece sinal de se revelar um "grande chato".

Ao fim de menos de uma semana avistavam as Canárias. O piloto António Dias seria novo na Carreira da Índia, e acabaram por se perder dos outros navios.
No entanto, o avanço inicial que levaram acabaram por o perder numa procura de ventos e tentativas de evitar os baixos de Santa Ana.
Acabaram por chegar ao Brasil a 27 de Agosto, onde ficaram 44 dias a "invernar", para regressarem ao caminho da Índia, procurando manter a orientação do paralelo 37ºS, onde estavam as ilhas Tristão da Cunha (no texto é dito estarem a 36ºS), e assim evitarem o paralelo 35ºS do Cabo da Boa Esperança. A ideia do piloto seria acertar com a longitude do Ceilão, ou do Cabo Camorim, vogando a Leste nos 37ºS e depois subir na direcção Sul-Norte. Falharam o plano, a derrota foi diferente da rota, e acabaram em Sumatra.
Rota pretendida por António Dias, piloto da nau São Paulo (a negro), 
e a sua derrota (a vermelho), ou seja a rota alterada, que os lançou em Sumatra.

É essa desventura que nos interessa, porque essa ideia de cruzar o Índico, evitando a costa, seria usada depois pelos holandeses, como novidade sua, chamada Rota de Brouwer, onde navegavam directamente para Sumatra, ou acabavam por naufragar imprudentemente na Austrália, como aconteceu com o navio Batavia, encalhado nos Abrolhos australianos.

Manoel Pimentel, cosmógrafo-mor de D. João V, na sua "Arte de navegar" explica como fazer a viagem de África para Timor dessa forma, avisando que as correntes eram complicadas, e se não houvesse cuidado poderiam sucumbir aos baixos Trial (que vitimaram o navio Trial).
Outro ponto de referência nessa navegação eram justamente as ilhas Amsterdam e São Paulo.
Ora, procurando a ilha São Paulo, na página inglesa da wikipedia, refere-se a sua descoberta pela nau São Paulo (e com alguma pesquisa no histórico, entendi que a referência seria um livro de Fina d'Armada, historiadora entretanto falecida em 2014).

 
A ilha de São Paulo (actualmente sob domínio francês) foi descoberta pela nau São Paulo em 15 de Dezembro de 1560.

Com efeito, temos o relato de Henrique Dias que é bastante exaustivo e elucidativo:
Um Domingo, quinze de Dezembro, havendo um mês, que virámos a terra do Cabo de Boa Esperança, no quarto da Alva, em querendo romper a manhã, que saiu aliás formosa e clara, vimos huma ilha três ou quatro léguas de nós por nossa proa; e saindo o Sol com seus dourados e resplandecentes raios, muito para alegrar todo o coração humano, e coisa mortal, a fomos descobrindo; seria ao parecer e juizo de todos de cinco ou seis léguas; foi por certo coisa muito para ver, e dar contentamento aos olhos, ver a Nau em popa com todas as velas, vento fresco, quanto ella podia sofrer, sobre a Ilha, coisa muito para pintar, como alguns fizeram; o dia claro, sereno, e mui quieto, toda a gente a bordo, dando todos muitas graças a Deus com muitas lágrimas; a Missa, e Pregação, que o Padre fez sobre isso, por descobrirmos terra nova, e Ilha nunca vista de outros olhos mortais, senão dos nossos, em mares tão remotos, e nunca navegados de nenhuma gente do mundo, metida tanto na grandeza do mar, e centro dele, que a mais vizinha terra firme, que tinhamos, era o Cabo do Comorim, de que estavamos Nordeste-Sudoeste mil e tantas léguas dele ao mar, tendo já diminuído boa parte do caminho, por que antes vinhamos. 
Foi esta a mais formosa terra, e uma das bem postas Ilhas, que no mar se podem ver, mui alta, e bem assentada da banda do Sueste; vindo fazendo um valle abaixo e sombrio da banda do Nordeste, que parecia cheio de arvoredo, e ter nela parte bom surgidouro; no mais alto dela redonda e chã: por cima da banda do Sueste tinha um pico ou muro redondo muito formoso, e bem posto e talhado, que parecia um castelo feito à mão: está Norte e Sul com a Ilha dos Romeiros, e com a das Sete Irmãs, e Nornordeste e Susudoeste com toda a outra terra firme. Ficámos a barlavento da Ilha, e assim fomos correndo em redor; é toda limpa, sem nenhuma restinga, nem baixo; somente um ilhéu, que tem pegado com terra da banda do Sudeste; ao redor dela achámos muitos Lobos marinhos; e depois que a passámos, muitas camadas de umas ervas muito grandes, como as de Cama de Bretão, e de uma folha muito mais larga, que de uma mão travessa, e assim outras ervas, que traziam em si pegadas umas frutas redondas brancas, do tamanho de ameixas. 
Estava esta Ilha em trinta e sete graus, e três quartos da banda do Sul; em esta altura foi posta, e arrumada em todas as cartas, e quarteirões, que na Nau iam. Sobre o pôr do nome houve muitos debates e diferenças, por quererem os Soldados, que se denominasse deles a Ilha dos Soldados, por um a ver primeiro que todos no quarto da Alva; e o Capitão querer que tivesse seu nome, dizendo ser assim costume às Ilhas novamente debaixo de suas Capitanias descobertas tomarem seus apelidos dos Capitães; o que o Piloto desejoso de glória e louvor não consentiu, nem teve conta com nada, senão depois de arrumada nas cartas em sua altura, lhe pôs seu nome, chamando-lhe a Ilha de António Dias; dizendo-lhe alguns, que bem entendiam, que aos baixos somente se davam, e tinham os nomes dos Pilotos; mas ele determinou brevemente esta questão de maneira, que com o mesmo vento, e governando ao rumo costumado deixámos à ré a Ilha, e a perdemos de vista antes do meio dia. 
A descrição e a localização coincidem o suficiente - Henrique Dias dá 37º45'S, mas a ilha está a 38º43'S, simplesmente também já havia um grau de erro na latitude de Tristão da Cunha, e devemos ter em atenção que estas medições de latitude no mar estavam longe de ser muito exactas.

Haveriam mais algumas coisas a dizer sobre este texto, mas talvez o mais notável é a posição de ascenção do piloto face ao capitão, insistindo em nomear a ilha com o seu próprio nome, António Dias. Ou talvez não fosse este o António Dias que deveria figurar como descobridor da ilha, mas interessaria manter o nome. O nome que acabou por permanecer foi o da Nau, provavelmente porque alguns mapas passaram a referir esta ilha, sem saber dos detalhes contados pelo passageiro.

Nota-se ainda que o piloto insistiu no rumo que levaria à descoberta da ilha, provavelmente porque teria outro conhecimento dela. No entanto, estavam errados face à posição da ilha, que está no mesmo meridiano do Cabo Comorim, e por isso deveriam tomar então o rumo Sul-Norte e não o rumo Sudoeste-Nordeste, que veio a levá-los até Sumatra.

Poupando a leitura da má sorte, do naufrágio e dos sobreviventes, está também ilustrado o desfecho da Nau São Paulo no livro de Lisuarte de Abreu - "a nau São Paulo perdeu-se na ilha de Sumatra (Çamatra)", já em 1561.
A nau S. Paulo naufraga junto a Sumatra, "ficando muitos sobreviventes com fados diferentes".

_________
25/09/2018

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 03:43

Ankh
É um dos símbolos mais persistentes nas inscrições egípcias, que é assim representado,
 
O símbolo Ankh numa inscrição egípcia. Templo de Amón-Rá em Karnak.

O mesmo Ankh é conhecido como "cruz ansata", tendo sido considerada cruz cristã para os coptas.

O significado egípcio estava ligado a um ideal de vida eterna, ou ainda à perpetuação das espécies, no ciclo reprodutor a que se pode associar na imagem o papel polinizador das abelhas (ou ainda, eventuais esporos). Thomas Inmann em 1869 já associava o Ankh aos órgãos reprodutores ("the male triad and the female unit"), e a manutenção de uma linhagem pela reprodução, visaria esse ideal de perpetuação da espécie.

Anca
Ver o símbolo Ankh como uma união entre o T terço reprodutor masculino e o Ó do útero feminino, não traz nada de muito estranho, tendo em atenção rituais religiosos mais antigos.
Acontece que a reprodução está ainda ligada à Anca, e normalmente ao alargar das Ancas durante a gravidez. Que a palavra Anca seja próxima de Ankh, e ambas se relacionem assim ao ciclo reprodutor, pode ser uma mera coincidência... ou talvez não.

Âncora
Uma outra coincidência fonética de Ankh é com o prefixo em Âncora. Isso não mereceria nenhuma referência especial, excepto que a forma das âncoras é demasiado parecida com o símbolo Ankh, para poder ser descartada. Digamos que é muitas vezes apresentada como um símbolo Ankh, a que se adiciona um crescente na parte inferior (mais recentemente, na perpendicular).


Este símbolo da âncora tendo implícita uma cruz cristã, foi usado pelos primeiros cristãos, e pode encontrar-se nas catacumbas romanas (figura em cima, à direita), ou em certos sarcófagos (em baixo, num museu de Konya, Turquia).


Curiosamente, e nesta última imagem isto ainda fica mais claro, podemos mesmo identificar semelhanças com o símbolo pré-histórico do Indalo (em Almeria, Espanha). Note-se ainda que há duas cruzes suásticas neste sarcófago (uma do lado esquerdo, e outra do lado direito) - ver notas (ii) e (iii) em baixo.

Há ainda uma cruz de São Clemente, associada justamente ao símbolo da âncora. Clemente foi um dos primeiros papas, do Séc. I, e terá sido morto afogado, preso a uma âncora. Por isso, é habitual considerar o símbolo da âncora como uma variante de cruz cristã, neste caso associada a São Clemente.

Na igreja de St. Clement Danes, na City de Londres, encontramos justamente uma associação à âncora, tratando-se de uma igreja da RAF (Royal Air Force), que também alberga uma loja maçónica desde o Séc. XIX.
Curiosamente, o símbolo da igreja tendo a âncora de São Clemente na parte inferior, tem na parte superior uma águia relativa ao símbolo da RAF. O conjunto é particularmente curioso porque a águia estende as suas asas sobre o conjunto tal como vemos em certas representações das deusas egípcias Nut ou Ísis, onde o símbolo Ankh está presente.


Terço
A forma como o símbolo Ankh é usado nas pinturas ou relevos egípcios traz, nalguns casos uma outra sugestão. Com efeito, se em diversos casos é usado parecendo uma chave, noutros casos é transportado na mão, e ficamos com uma certa ilusão de que a divindade transporta um terço do rosário.
 

O rosário é normalmente apresentado com a cruz, mas como o principal propósito era a contagem do número de orações, há versões sem cruz. A concatenação de rosa com cruz, está associada ao movimento rosacruciano, com ou sem maçonaria, e a todo o simbolismo associado que em muitos casos remetia justamente ao velho Egipto.

Ankh mexicano?
Nalguns sites é possível ver a suposição de que em Toluca (México), num complexo arqueológico azteca de Calixtlahuaca, está um símbolo Ankh.

 ☥ 

Percebe-se um pouco melhor, indo encontrar o objecto no Google Maps e vendo nalgumas fotografias a imagem da cruz ansata. Não me parece ser daquelas situações em que seja totalmente claro que o objectivo daquela construção era desenhar um símbolo Ankh, mas quer queiramos, que não é o que aparece. Com a direcção Nascente-Poente, apontando directamente para uma pirâmide em ruínas, junta-se o velho problema - as pirâmides como construções comuns ao México e ao Egipto.

Convém ainda notar que o símbolo Ankh é demasiado próximo do símbolo de Vénus  para que uma associação à divindade maternal, ou deusa do amor, não seja referida. Como o planeta Vénus foi ainda associado como "estrela da manhã" ou "estrela da tarde", a orientação Nascente-Poente, poderá ter alguma relevância.

Notas:
(i) Caí neste assunto, por via da restituição de uma estatueta egípcia Ushabti, que foi encontrada no México. O artefacto foi encontrado numa propriedade mexicana, e o dono terá entregue a estatueta à embaixada egípcia, que depois confirmou ser uma estatueta autêntica. O responsável egípcio terá dito que deve ter surgido de uma escavação ilegal, pois não estava declarada.
Estatueta Ushabti encontrada no México

Este assunto fez-me lembrar o tema Cabeça Perdida, de que falei em 2012, com a diferença que aqui não houve nenhum problema. Não houve problema, porque sempre que forem encontrados objectos egípcios no México, basta devolver ao Egipto, lugar onde eles deveriam estar, e ninguém fica chateado. Acabam-se logo os Ooparts.

(ii) A segunda nota diz respeito às cruzes suásticas.
Também são encontradas suásticas em Portugal, conforme se pode ver num trabalho publicado recentemente:
 


Num dos casos (Alto do Castro) a inscrição tem a suástica e depois as inscrições "ANICETO CAMPOS 1941", o que poderia levar qualquer observador descuidado a entender que se tratava de uma inscrição recente. No entanto, conforme os autores salientam, e bem, também se poderia tratar de algum simpatizante do "estado novo", que vendo a antiga suástica posta na rocha, decidiu associar o seu nome em 1941, altura em que o regime nazi estava ainda em ascenção mundial. No outro caso (Monte de Novais), as marcas têm claramente um registo antigo, que os autores atribuem à Idade do Ferro. Há mais ocorrências em gravuras rupestres (Portela da Laxe, Serra de Sicó, Castro de Pirreitas).

(iii) A outra situação diz respeito a um símbolo próximo da suástica que aparece frequentemente no País Basco. Trata-se do "lauburu", que é apresentado de forma mais arredondada. É encarado como um talismã de boa sorte, mas por outro lado é suposto representar ainda a unidade do País Basco.
Isto apenas para relembrar que este tipo de símbolos, como a suástica, estiveram espalhados por todo o globo, e são ainda usados em templos budistas (p.ex. na Índia ou China), sem qualquer conotação com o significado mais recente que lhes foi impresso pelo regime nazi. Na prática, como o símbolo era milenar, foi desconsiderada a sua ligação nazi, e como se o símbolo não fosse conspurcado por essa imagem negativa, continua a ser usado sem problemas, nos dias de hoje.

23.09.2018

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 05:15

Há uns anos falei aqui das Pedras de Ica
https://alvor-silves.blogspot.com/2012/11/pedras-de-ica.html
mas não falei das Estatuetas de Acámbaro. 
Talvez porque o assunto fosse semelhante, talvez porque não soubesse delas à época, acabei por me ir esquecendo de relatar mais este caso de "objectos estranhos".

Uma imagem típica dessas 33 mil estatuetas é a figura de um homem cavalgando um estiracossauro

A história que podemos ler em diversos sítios (inclusive na Wikipedia) dá o assunto como possível falsificação, e a história parece ficar encerrada.

Já abordei aqui o exemplo do Marquês de Sautuola, que primeiro descobriu os touros de Altamira, mas que foi desacreditado, urrando-se então que seriam falsificações, etc... 
Só quando as descobertas passaram a ser também francesas, e não apenas espanholas, o gado amansou, o erro foi reconhecido e desculpas póstumas foram entregues à filha do marquês.

Poderia pensar-se que a comunidade aprende com os erros. Ora, é claro que não!
São inúmeros os casos de descobertas que são classificadas como falsificações, e noutros casos arranjam-se outras desculpas mirabolantes, todas para descartar o inconveniente, e satisfazer o conveniente de regressar à tese oficial. 
Eliminadas todas as provas no sentido contrário, é depois muito fácil arrogar que todas as provas apontam na direcção pretendida, e assim se vai fazendo "ciência"... 

O que tem de estranho o argumento de convivência de humanos com dinossauros?
- O dogma científico de que os dinossauros foram extintos há muitos milhões de anos.
Há alguma prova inquestionável disso? 
- Zero.
O que acontece é que a maioria das ossadas encontradas foram datadas de há muitos milhões de anos, e é claro não foram descobertas pinturas nas cavernas com desenhos de dinossauros. Definido um dogma, caso haja alguma datação diferente, é porque está errada. E, caso fosse encontrada alguma pintura rupestre com um dinossauro, seria descoberta, ou seja, tornada pública?
Pois, é neste estado de (des)confiança que vivemos.

Pelo facto de não terem vindo a público datações de ossadas de dinossauros mais recentes, isso não significa que não possam existir. Não me pareceria nada escandaloso admitir que restassem alguns dinossauros até ao aparecimento humano, e já houve espécies que foram dadas como extintas, até que foram encontradas vivas - um caso bem conhecido é o do celacanto (peixe).

O mosaico romano sobre o Nilo, encontrado em Palestrina, Itália, apresenta um bicho identificado como "Crocodilopardalis", o nome é uma mistura entre Crocodilo e Leopardo (pardalis), e deve ser entendido na medida em que os romanos chamavam "Camelopardalis" à Girafa. Ou seja, a girafa era vista com particularidades similares ao camelo e ao leopardo (as marcas na pele). 
O animal tem sido visto como um possível dinossauro, e o nome sugere que tivesse uma cabeça com dentição do tipo crocodilo - tal como os dinossauros tinham, e um corpo com algumas manchas na pele. Depois, é ir a uma lista de dinossauros africanos, e escolher o mais parecido...

Portanto, parece ser precipitado assumir que não haveria dinossauros há uns milhares de anos atrás.
No entanto, fico perfeitamente confortável com a hipótese de que os dinossauros se extinguiram há muito, e não seria um desenho a mudar a narrativa.

A questão é outra.
A questão é assumir que não estiveram disponíveis fósseis de dinossauros aos olhos dos nossos antepassados. Que sentido faz pensar que os fósseis só se tornaram visíveis desde o Séc. XVII ou XVIII, e antes eram inacessíveis ou desprezados? 
Não aparecem estes fósseis aos olhos de quem quer ver, quando há deslocamentos de terras?
Não houve tantas escavações e explorações mineiras ao longo da Antiguidade?

Portanto, mesmo sem estar em causa a presença de dinossauros num tempo mais recente, parece-me ridículo assumir que não houvesse uma idealização da sua forma com base nas ossadas.
Afinal não foi também isso que nós fizémos?

Sendo assim, antes de queimar a credibilidade de pessoas, seria bom assumir que também podemos estar perante efectivos achados.
Neste caso houve datações por termoluminescência que apontaram para 2500 a.C., mas foram datações refutadas dizendo que a técnica estava ainda pouco testada, ou argumentando que tinham aparência de "não estar desgastadas pelo tempo" (é claro que fracturas limpas, poderiam aparecer pelo simples facto de se terem partido durante a escavação).
Diz-se ainda que Waldemar Jusrud, que as foi recolhendo em 1944, pagava 1 peso por figura aos camponeses mexicanos, por cada figura encontrada (reuniu 32 mil, terá pago 32 mil pesos?). Teria sido isso a despoletar o fabrico massivo de figuras pelos camponeses (com imaginação e engenho, porque incluiam ainda figuras que lembravam sumérios, etc.)! A inspiração campesina em 1944 teria sido o cinema de Acámbaro. No entanto, Jusrud disse que fez isso, só depois de ele próprio ter encontrado uma razoável quantidade de figuras acidentalmente.

O ponto mais crítico para a tese de falsificação à la carte, é que os camponeses apresentaram figuras de saurópodes com serrilhados nas costas, como neste caso (há muitos outras similares):

Isto era considerado uma apresentação errada de um saurópode, que normalmente era representado sem nenhum serrilhado... Porém, em 1992, passados quase 50 anos sobre a descoberta das figuras, concluiu-se que de facto os saurópodes podiam ter serrilhados nas costas, conforme o artigo de Stephen Czerkas, "Discovery of dermal spines reveals a new look for sauropod dinosaurs", publicado na revista Geology. Aí era apresentada uma figura ilustrativa:

Stephen Czerkas (1992) ilustração do saurópode com serrilhado nas costas ("dermal spines")

Portanto, temos uma outra "coincidência".
Não só os camponeses mexicanos de Acámbaro tinham a imaginação cheia de dinossauros, sumérios, etc... como se lembraram de pôr erroneamente um serrilhado em dinossauros saurópodes. Tiveram tanta sorte neste seu erro que passados 50 anos se verificou que tinham mesmo!

É claro que nada disto afectou minimamente a opinião consensualmente estabelecida...

É facil perceber que não poderia modificar, porque as pessoas estão terrivelmente presas às suas ideias pré-estabelecidas, e não são pequenas coisas que as fazem mudar de opinião. Mesmo que encontrassem um dinossauro vivo, seria mais fácil julgarem que viria de um "Jurassic Park" do que pensarem que se tratava de algum resistente sobrevivente, de tal forma esta ideia do desaparecimento antigo ficou incutida.

Acresce a este apontamento uma outra imagem que já aqui tinha usado, referente a inscrições rupestres feitas pelos índios dos Grandes Lagos na América do Norte:

Também neste caso, aquilo que poderá parecer ser um saurópode com um serrilhado nas costas, perseguido por índios numa canoa, não passará de mais uma "coincidência". A representação seria errada antes de 1992, mas depois disso é coincidência estar certa.

São Jorge
A figura de São Jorge está intimamente ligada à morte do dragão, conforme foi inúmeras vezes representado, por exemplo neste caso, pelo pintor renascentista Paolo Ucello:
Paolo Ucello - São Jorge e o dragão (1458-60)

Este era um dos medos instaurados na população medieval - a eventual presença de um dragão - que ameaçasse a sua sobrevivência, e que seria eliminado por um cavaleiro destemido como S. Jorge.

Ora a existência de dragões pode ligar-se a transportar a palavra dinossauro para o mesmo contexto.
Mais concretamente, se pensarmos em asas, podemos facilmente acreditar que não seria fácil encontrar uma ossada de um pterodáctilo...
... sem pensar que tal bicharoco poderia causar graves problemas de sobrevivência, para o reino.

Portanto, é imediato fazer a ligação entre referências a dragões com referências a dinossauros.
Se eles estavam ou não vivos, isso é um assunto secundário. O medo existiria se não houvesse a convicção de que tais bichos estavam extintos há milhares de anos, e poderiam ainda aparecer.

A bandeira de S. Jorge, a cruz vermelha sobre fundo branco, foi muito usada pelos portugueses e  pelos ingleses. Confunde-se um pouco com a bandeira templária, mas o ponto principal, caso ainda houvesse vestígios significativos deste tipo de bicharocos... seria o seu extermínio.
Portanto, se quisermos supor que na América do Norte ainda havia vestígios de dragões/dinossauros no Séc. XV, um bom moto de extinção definitiva seria usar a bandeira de S. Jorge. Talvez não apenas para extinção, mas também para ocultação da sua presença recente, quando novos colonos viessem a ser convidados a instalarem-se naquelas paragens.
Isso é uma hipótese alternativa a uma eventual necessidade de ocultação de territórios que não tinham ainda sido "desinfectados". Em causa estariam algumas paisagens americanas e australianas.

O Atlas Miller tem diversos bichos, que identificamos como existentes, mas também tem outros que colocamos na imaginação como sendo "dragões", vendo-se aqui um caso:
Excerto do Atlas Miller (ver imagem aqui)

Se estes animais, tantas vezes representados e considerados como fruto da fantasia decorativa, existiam ou não, pois isso é mera hipótese de especulação ligeira. No entanto, pode não ser tão ligeiro considerar que os exploradores da época estavam de alguma forma pensando neles quando relatavam as suas observações, passadas para o desenho dos cartógrafos.

Não me parece que tenha sido esta uma causa de ocultação, sendo muito mais credível que os novos territórios só foram "descobertos" quando havia já garantias suficientes de que as novas colónias continuaram a obedecer aos reinos europeus, por indirecta via da maçonaria.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 04:23

Uma pergunta que um leitor colocou por email é muito simples e resume-se a isto:
- E agora, o que fazer?
A minha resposta é igualmente simples - não é preciso fazer nada!

O tiro deve ser sempre apontado à cabeça - mas isto deve ser entendido...
- À cabeça de quem detém o poder, no sentido de mudar o seu pensamento.
- À cabeça de todos os que se abstêm de pensar, e são executantes de ordens que não entendem, ou não querem entender.
A única coisa que interessa é mudar o pensamento, no sentido em que é uma auto-tortura prosseguir uma enfernizada guerra surda interna, cujo propósito é ridículo.
O maior perigo que surgiu contra o homem foram os grupos de homens - clubes, associações, sociedades, nações. O indivíduo sempre ficou fragilizado e amedrontado perante o poder de ser espezinhado por esse monstro da evolução, que são grupos de homens organizados. Como diriam os anarquistas, o maior objectivo de uma sociedade seria destruir de raiz qualquer agrupamento. A principal organização social seria no sentido de evitar qualquer organização que desse a um o poder de muitos, excepto para evitar isso.
As multidões são giríssimas em folia, mas são pavorosas em agressividade.
Mas isto não é só uma consciência que deve ter quem controla, é uma consciência que deve ter quem não quer ser controlado. 
Se quem estiver a controlar não quiser mudar, pois ou há uma mudança de mentalidade de quem está a ser controlado, ou continua tudo na mesma, pelo tempo que for preciso... com consequências más, para uns e para outros.

Giuseppe di Tomasi Lampedusa
"Il Gattopardo"
A ideia de que uma pessoa, ou um grupo de pessoas, pode protagonizar uma mudança social, tem sido conduzida de forma perversa, e colocada ao serviço do espectáculo.
As pseudo-revoluções, ou grandes mudanças, foram feitas seguindo a velha máxima de Lampedusa - "tudo deve mudar para que tudo fique como está".

Ora, o que é que não muda?
O que não parece ter mudado é a sensação de que existe um poder oculto que condiciona de forma determinante o poder visível.

É claro que os protagonistas visíveis de um "certo poder" mudam, vão sendo substituídos por eleições, ou mesmo mudanças de regime, afectando de forma abrupta pequenos poderes locais. Esses poderes locais são vistos localmente pelas populações como fontes independentes do poder, mas não o são.

A nobreza, ou elites sociais, são mais imunes às alterações de regime, porque numa lógica familiar mantêm a sua rede de contactos, que continua a funcionar, mesmo quando tudo colapsa. 
Normalmente jogam de ambos os lados de uma disputa, e têm as peças já colocadas no caso da insurgência surtir algum efeito. Depois, é apenas uma questão de esperar uns anos, que o fulgor revolucionário se dissipe, e podem voltar a constituir-se como poder, da mesma ou de outra forma.

A receita
Parte desta receita foi ditada por D. Francisco de Almeida, 1º vice-rei da Índia:
Que tenhamos fortalezas ao longo da costa mas apenas para proteger as feitorias porque a verdadeira segurança delas estará na amizade dos rajás indígenas por nós colocados nos seus tronos, por nossas armadas defendidos.
Esta era uma receita de colonialismo não presencial, que foi de forma eficaz estendida a todas as nações (fossem ou não colónias).
Como? - Através do poder militar, económico e financeiro.
Os marajás eram postos e depostos, tal como mudam os governos, mas a política dos novos seria a mesma dos antigos. Uma feitoria, como Goa ou Macau, era suficiente para manter o comércio sob os bons auspícios portugueses. Um banco nacional com instruções do FMI é igualmente suficiente para assegurar uma política financeira ditada por Wall Street ou pela City de Londres... os governos podem mudar, mas sujeitam-se às mesmas directrizes para ficarem no trono. 

As Companhias
A ideia de os navios partirem com companhia, começou cedo, até porque provavelmente sem uma companhia fiscalizadora, os navios arriscariam caminhos cobertos, que não deveriam ser descobertos. Assim avisava a VOC, a Companhia Holandesa das Índias Orientais. 
Os navios poderiam até ter partido como iniciativa privada (como fez D. Afonso V a Fernão Gomes), mas não foi essa filosofia que prevaleceu. Apareceram "companhias das índias" estatais monopolistas em todas as nações dedicadas ao comércio marítimo. Se na Holanda começaram por haver 12 companhias, todas foram rapidamente aglomeradas na VOC, que se fundou no moderno espírito de participação de capital... tal como a Holanda foi a primeira nação a ver a especulação bolsista judaica a funcionar, num esquema piramidal de bolbos de túlipa.

Ainda antes destas companhias estatais estarem definidas, já se definia que os navios não passavam sem uma companhia cristã, ou seja sem uma Companhia de Jesus. Os jesuítas nasceram dois anos antes da Inquisição entrar em Portugal, e rapidamente passaram a figurar como missionários, sendo o mais famoso "companheiro" S. Francisco Xavier. 

Só que não houve diferença na mudança, entre a ocultação australiana exigida pela companhia cristã, ou a permanência da mesma ocultação australiana durante o tempo da companhia holandesa. 
Mudando, nada mudava.  

A influência das Companhias das Índias cresceu com a maçonaria, par a par.
Um exemplo foi a criação pela Companhia das Índias Britânica, a EIC, de um estado independente do poder monárquico inglês, como foi o caso dos EUA, em que a bandeira original era semelhante à bandeira da EIC. Dois anos depois foi dado um toque na bandeira (com estrelas como as da UE), porque as ideias vão sendo as mesmas (nos EUA eram 13 e não 12 os estados iniciais):

Bandeira da EIC (Companhia das Índias Britânica)
e a Bandeira (Betsy Ross) dos EUA
(as 13 estrelas representavam os 13 estados iniciais)

A VOC funcionava em participação bolsista. Ora, quando as diferentes Companhias das Índias foram desaparecendo, no Séc. XIX, apareceram nas suas sedes as primeiras Bolsas de Valores.

A capacidade de uma Companhia das Índias fazer desaparecer um regime foi bem testada pela maçonaria na Revolução Francesa. Descontente com o resultado da Guerra dos Sete Anos e depois com o cozinhado de Cook e Sandwich (na glutonice de apanhar todo o Oceano Pacífico), o rei francês Louis XV decidiu extinguir a Companhia das Índias Francesa. A partir daí começaram problemas escassez comercial, e de fome, que se foram agravando durante 20 anos até culminar na Revolução Francesa.

A Revolução Francesa pouco terá tido de "francesa", o modelo de governo republicano já tinha sido ensaiado na Inglaterra de Cromwell no século anterior. No entanto, a maçonaria já tinha aprimorado o modelo, e estava disposta a nova tentativa. Mesmo com o insucesso da revolução, as ideias liberais acabaram por se impor nos estados durante o Séc. XIX.

Os Tratados 
Génova e Veneza costumavam traficar influências na nomeação papal, que normalmente caía num papa italiano. Quando o Tratado de Tordesilhas foi declarado pelo papa espanhol Borja (Bórgia), todas as restantes nações europeias foram desconsideradas na partilha do mundo entre Portugal e Espanha. Isso causou um impacto maior do que é reconhecido, e ainda hoje é sentido.

Quando se começou a tornar evidente que as navegações oceânicas iriam ser uma galinha de ovos de ouro, aparece também Lutero com as suas teses em 1517. Pouco depois Henrique VIII define a igreja anglicana, em 1534, e o poder papal começa a deixar de ser o aparente regulador da paz europeia. 

Mesmo em 1509, quando se dá a Batalha de Diu, os portugueses não defrontavam apenas os mamelucos do Cairo, e o sultanato indiano de Guzarate, havia o grande apoio dos venezianos, que forneceram os navios de guerra e armamento. Quando Carlos V coordenou a conquista de Túnis em 1535 recebeu balas de canhão que já falavam francês. 
Ou seja, as tradicionais alianças europeias "pela cristandade" sujeitavam-se à real politik.

As coisas iriam ser "diferentes", e a guerra que definiu essa mudança foi a Guerra dos Trinta Anos, e a "Paz de Vestfália". O novo equilíbrio de poder iria ser feito de tratados bilaterais, ou como a maçonaria se regozijaria depois - terminavam até as costas voltadas a entendimentos com as nações árabes. Numa longa aliança, a França praticamente absteve-se de qualquer intervenção contra o Império Otomano (exceptuando algum tempo, na regência de Napoleão).

Portanto os tratados bilaterais pareciam ser uma panaceia, mas devido aos insucessos diplomáticos que levaram às Guerras Mundiais do Séc. XX, voltou a criar-se uma espécie de papado, na Sociedade das Nações, depois ONU, perdendo apenas a conotação religiosa.

A ideia de criar um governo global controlador pode ser interessante no sentido em que seria a organização que impediria as organizações. No entanto, como é óbvio, o que se pretende sempre é estender a eficácia de uma máquina controladora a uma organização maior. 
Isso não levará a nada, porque quando as organizações não têm inimigos externos, arranjam-nos internamente. 


Em suma, na aparência não vai mudar rigorosamente nada. 
No entanto, como estas coisas não dependem de ninguém em particular, uma vez começada a desconfiança ela irá propagar-se como um incêndio. Não vale a pena isolar quem sabe, porque não é isso que impedirá outros de saber. Não há um foco de incêndio, é toda a terra que aquece, e nesse caso, não há contenção possível.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 05:56

O disco de Sabu

13.09.18
Como existia apenas em alemão e russo (na wikipedia), acabei de colocar uma página em português sobre um achado egípcio, encontrado em 1938 num túmulo da 1ª Dinastia, cerca de 3000-2800 a.C., que é designado "disco de Sabu":
Disco de Sabu - objecto com 5000 anos encontrado no Egipto.

Parece que o disco é de metal, mas é suposto ser de xisto (também chamado ardósia).
Estava partido e foi reconstruído, na forma que é apresentado, no Museu Egípcio do Cairo.

A mim parece-me muito difícil esculpir uma forma destas em xisto, e vi geólogos que duvidam que seja xisto, mas também vi outros dizerem que isto revelaria que o artífice possuía uma técnica superior, dificilmente igualável hoje em dia.
Sendo de xisto, eu associo muito xisto à paisagem europeia, portuguesa em particular, mas não me lembro de ver muitos objectos de xisto na arte egípcia, nem sei onde eles o iriam buscar... a esse propósito - acerca das pedras usadas pelos egípcios, há aqui uma boa página informativa.

Depois há o propósito deste objecto. Qual seria?
O problema começa logo com ser "uma roda", que é suposto ter aparecido apenas no Egipto durante a XVIII Dinastia, ou seja, por volta de 1500 a.C., ou seja, quase 1500 anos depois deste objecto. Assim, e sendo facilmente quebrável, é considerado que o objecto teria apenas funções decorativas

Mas, é considerado que este objecto se poderia ter inspirado num objecto de metal, como original. Isso parece ser uma suposição que faz bastante sentido.
Com efeito, admitindo que o original seria um disco de metal, fazendo 3 cortes junto à circunferência, e puxando essas 3 pontas para cima, obtinha-se um aspecto similar. Tal como fazendo um furo no metal em brasa, se conseguiria elevar a parte central.

No entanto, a função seria ainda assim enigmática.
Não sei se faria sentido experimentar usar o desenho como volta-fenos numa alfaia agrícola (as dimensões, com diâmetro de 60 cm, parecem poder ajustar-se para uma altura de cereal até meio metro). É claro que há outras possibilidades, mais especulativas, que já associaram o nome "turbina" ao objecto. 
Associar um aspecto decorativo, seria normalmente um despachar fácil e descomprometido, faltando outra melhor explicação. Aqui poderá ter algum relevo suplementar se virmos o artefacto como uma variante de disco Bi, objectos muito encontrados na China, e cujas origens podem remontar também a 5000 anos atrás.

De qualquer forma, a forma única deste artefacto parece ser caso até aqui singular, comparando com outros objectos encontrados na Antiguidade, e mesmo em tempos romanos não me lembro de ter visto nenhum objecto com este tipo de geometria.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 05:04

Relativamente ao incêndio do Museu Nacional no Rio de Janeiro, o José Manuel Oliveira deixou um comentário que ilustra a sua experiência pessoal, e que é bastante elucidativo:
Nasci na Travessa do Guarda Joias e estava lá aquando do "incêndio no Palácio de Ajuda, que fez desaparecer a galeria de pintura fundada por Dom Luís I, e que continha quinhentas telas pintadas por nomes famosos da pintura portuguesa e muitos móveis do século XIX". Alguns óleos foram encontrados mais tarde à venda no estrangeiro…
https://arquivos.rtp.pt/conteudos/incendio-no-palacio-de-ajuda/
Eu, em 80/81, quando comandante da guarda à CHESMATI de Campolide, antiga Farmácia Militar (cal madeira e pedra…telhado podre!), com um anexo novo do Centro de Audiovisuais-Cinemateca, nas minhas 24 h de serviço calhou-me na rifa um incêndio que destruiu o edifício onde funcionava o departamento cinema do CAV. Fiquei sempre a duvidar se o fogo não visaria o arquivo proscrito da guerra do ultramar, mutilações, chacinas aos brancos pelos turras, ou pior? Pois ninguém tinha acesso a esse arquivo da Cinemateca do Exército onde trabalhei, nada ardeu do arquivo, anexo em betão com gavetas de ferro. Sá Carneiro e Amaral tinham morrido há poucos meses. Nesse dia do atentado de Camarate recolhi ao BC5 às 21h - com ordens para sairmos para as ruas, fazer face a uma guerra civil anunciada… que não aconteceu.
Passados dois anos do incêndio da CHESMATI, já desmobilizado, fui convocado à P.J. do Estado Maior, notei um desinteresse total da investigação em apurar causas. Foi arquivado. Nem sei bem o que diz o relatório, só conheço o que participei - estranho fogo propagava-se através do interior das paredes das águas furtadas com a instalação elétrica desligada. Suspeitei de um adido (retornado) alojado nas águas furtadas dessa Farmácia Militar, pois pedia indeminização por roupas de marca, queimadas, quando antes vestia miseravelmente. O que é comum a estes fogos é que não se apuram as causas, nem os responsáveis, e toda a gente beneficia do prejuízo, excepto o povinho que se está nas tintas... “deixa arder que o meu pai é bombeiro”.
Destacamos então alguns incêndios que foram deixando imagens da devastação de uma boa parte do património nacional (felizmente são coisas do passado, e não há imagens recentes):

De resto, cito o que escrevi em resposta a um comentário da Amélia Saavedra:
Li agora que arderam 7 museus no Brasil nos últimos 10 anos:
https://www.sabado.pt/mundo/america/detalhe/sete-museus-arderam-nos-ultimos-dez-anos-no-brasil

... um deles é exactamente a Cinemateca Brasileira, que já ardeu 4 vezes desde 1959, tendo-se perdido mais de 1000 rolos de filmes no último incêndio em 2016.
Neste último incêndio creio que havia cópias digitais de tudo... mas mesmo assim havia quem não tivesse certeza (parece que estamos há 30 anos atrás).
Curiosamente os incêndios em museus são demasiado frequentes.
O Canadá em 1998 reportava uma média de 30 incêndios por ano (só destruição parcial):
https://www.canada.ca/en/conservation-institute/services/conservation-preservation-publications/canadian-conservation-institute-notes/museum-fires-losses.html
... e dizia-se que nos EUA e UK eram o dobro!

A percentagem de fogo posto era de 2 em cada 3 incêndios, suspeitando-se que se tratavam de incêndios para encobrir roubos (vá lá que há quem perceba a ideia)!
Como não vejo mesmo o interesse de convidar os amigos para verem o novo quadro receptado após um roubo de museu (aliás quem serão os amigos que não se escandalizam por o quadro não estar num museu?), só entendo estes roubos por completa parolice, ou então por vontade de ocultação.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 23:25

Num comentário recente João Ribeiro fez notar que D. Afonso Henriques, teria passado a andar de coche, dado que tinha ficado coxo. Acrescentou que a passagem se poderia ler na Monarquia Lusitana (3ª parte) de António Brandão. Transcrevemos por isso o trecho relevante:
(...) E que neste passo afirmam alguns autores modernos que El Rey de Portugal prometeu de ir às Cortes de Leão, tanto que se pudesse pôr a cavalo e melhorasse da perna quebrada. E que depois, estando já são, usara sempre o coche, por não estar obrigado a cumprir a promessa. É mera fábula contra o que deixaram escrito os autores antigos. O Arcebispo D. Rodrigo não afirma tal coisa, antes dá por razão de El Rey D. Afonso Henriques andar de coche, não poder subir a cavalo, pelo mau tratamento da perna. O mesmo diz com expressas palavras D. Lucas, Bispo de Tuy, autor também antigo e grave, e se afirma na Crónica geral d'el Rey Dom Afonso.(...)
Aqui o cronista António Brandão está claramente mais interessado em mostrar a autoridade moral de D. Afonso Henriques, que não ia disfarçar estar coxo para não cumprir uma promessa. Convém relembrar que, por esta altura, cortar cabeças a mouros não representava qualquer mácula na moral cristã.

Ora, como na Idade Média o uso de coches era coisa rara (... seria só justificável por o rei estar coxo!) esta citação também significa que haveria um coche de D. Afonso Henriques.
Poderia ser um coche insignificante, depois abandonado ou perdido... mas não é o caso.
Além disso, o uso de coches pela realeza só voltou a estar na moda a partir do Séc. XVI, e é a partir daí que começa a grande colecção existente no Museu dos Coches. 
Mas poderia começar bem antes...

Tendo consultado a tradução da obra do príncipe polaco Felix Lichnowsky, Portugal: Recordações do anno de 1842 (pág. 84) fiquei pois bastante surpreendido com esta leitura:
(...) No Calvario a pouca distancia do palacio real de Belem, em um edificio construido de proposito por D. João V, acha-se uma collecção de coches antigos, talvez a mais admiravel que existe no mundo. É muito notavel o coche de galla do rei D. Afonso Henriques, (governou de 1128 até 1185), que tem sete bellos vidros Venezianos, cada um de oito a nove palmos em quadrado, assentos de estofo tecido com fio de ouro, pinturas, dourados, e ornatos de bronze dourado; particularmente os objectos de bronze dourado igualam os mais bellos trabalhos de or-moulu dos Francezes, ou talvez os excedem. Junto acha-se um desengraçado coche feito no Brazil, e coberto de ouro por toda a parte. Outro coche igualmente rico do grande rei D. Manoel, é todavia coberto de aprimorados relevos. Encontra-se tambem alli o coche de galla do rei D. Diniz, (que reinou de 1279 até 1325); a caixa tem flores e escudos de armas, pintados com a maior perfeição sobre um fundo de ouro; interiormente é forrada com brocado de ouro. (...)
Portanto em 1842 o príncipe Lichnowsky teve o privilégio de visitar o (antigo) edifício do Museu dos Coches, mas ao contrário de todos os visitantes populares, ele teve a oportunidade de ver:
  • o Coche de Gala do rei D. Afonso Henriques, 
  • o Coche de Gala do rei D. Dinis, 
  • um Coche todo coberto de ouro (provavelmente de D. João V), 
  • um Coche igualmente rico do rei D. Manuel. 
Como o príncipe polaco dizia, era talvez "a mais admirável colecção de coches existente no mundo", e continua a ser, mesmo estando noutro espaço e tendo sido rapinados 4 coches de valor incalculável (repare-se que ele nem sequer menciona os restantes... que serão aqueles a que temos acesso hoje).

O coche "todo coberto de ouro" não será o Coche dos Oceanos, de D. João V, até porque este não é nada "desengraçado":


Se compararmos fotos antigas e mais recentes do museu, não notamos grande diferença, excepto talvez na disposição das peças:


... pelo que a subtracção (da vista pública) terá ocorrido entre 1842 e 1905 (altura da abertura do museu ao público).

Ora, entre 1842 e 1905, não consta ter havido nenhuma Invasão Francesa, nenhum Terramoto, nenhum Tsunami, nenhum Incêndio, ou mesmo nenhum Roubo que tivesse retirado aquelas peças da família real. 
Bom, eram peças da família real, e esta é uma hipótese, de fraco entendimento, que pode ter tido a família real, em ter ocultado as peças preciosas do património português, entendendo-as como propriedade privada. Fraco entendimento, porque mesmo que quisessem ter os coches para passear na quinta de Vila Viçosa, nada impedia que permitissem que fosse sabido do seu paradeiro. Caso tenham ficado com os exemplares, confundiram realeza com o Estado, mesmo quando o Estado passou a ser republicano. E essa confusão seria tanto mais lamentável, porque a principal função real era ser o factor de união, de identificação, e não um mero agente privado que se aproveitaria da nação, para consumo e exploração própria. Outro entendimento, ainda poderia ser moda no Séc. XIX, mas seria profundamente provinciano mantê-lo no Séc. XX. No entanto, não estranharíamos.

Estejam os coches num subterrâneo de Vila Viçosa, guardados em cascos de carvalho numa cave do Porto, ou vendidos a uma colecção privada, revelar o paradeiro seria honrar a participação real na memória antepassada... Caso contrário será dissociar a identificação da família real à história de Portugal, ou seja, será ver os calhambeques como propriedade de um qualquer conde, barão, ou sapateiro, e aí os bens não têm mesmo nenhum valor significativo. Ou seja, enquanto herança da família do Barbadão podem guardá-los à vontade, porque nesse caso também pouco valem. Pouco valem os coches roubados, e muito menos vale quem os roubou à memória do Estado.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 05:19


Museu Nacional, Rio de Janeiro, quando o visitei.
Incêndio de 2 de Setembro de 2018 - Museu Nacional, Rio de Janeiro

Fui várias vezes ao Rio de Janeiro, e tive ocasião de visitar o Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista. As imagens registadas ontem, de uma beleza dantesca, deixam a sensação de que podemos sempre esperar pela repetição dos erros do passado. Ficamos com aquela sensação de déjà vu, e se os responsáveis brasileiros tentarem garantir de que "não poderá voltar acontecer", faz-nos lembrar as promessas após 17 de Junho de 2017, aquando do incêndio de Pedrógão Grande, e depois assistir a um desfecho similar passados poucos meses, em 15 de Outubro .

Nem é preciso ir muito longe nesse passado. Este ano comemoraram-se 40 anos do grande incêndio que destruiu a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, onde se perdeu grande parte do espólio científico existente dos séculos anteriores.
Até do ponto de vista português, este incêndio do Rio de Janeiro, associado já à destruição de 20 milhões de itens, será mais lesivo documentalmente para a nossa história comum.

18 de Março de 1978 - Incêndio da Faculdade de Ciências - Rua da Escola Politécnica, Lisboa.

Nem interessa muito se os documentos eram ou não exemplares únicos, o que passa acontecer, tal como aconteceu após a destruição do Neues Museum de Berlim, na 2ª Guerra Mundial, ou ainda antes, no Terramoto de 1755, é que passa a haver uma desculpa para que a história seja engolida numa golfada de fogo. Ou seja, passa a ser voz corrente que a documentação X foi consumida no incêndio Y, e isso faz com que se deixe de procurar e apareça um conveniente beco sem saída.

No caso do incêndio da Faculdade de Ciências, a introdução de construções provisórias de madeira no pátio central foi um rastilho à espera da chama, e nem mesmo a pronta acção do presidente Ramalho Eanes, que terá assumido a direcção in loco de combate ao incêndio, valeu de muito.
Também não valeu de nada ao Comandante Zebra, líder do CODECO (Comandos Operacionais de Defesa da Civilização Ocidental), um pretenso grupo bombista de extrema-direita, ter reivindicado a autoria do incêndio - as causas continuam, e continuarão "por apurar" - no sentido de apurar o gosto. 
Nesse aspecto, também Farinha Simões andou a tentar reclamar a autoria do atendado de Camarate, que vitimou Sá Carneiro, mas sem qualquer sucesso.

Há mistérios que, mesmo não sendo, interessa que sejam.

Ora, para o visitante do Museu Nacional do Rio de Janeiro, não se viam propriamente nenhumas condições periclitantes que antevissem que um incêndio parcial tivesse grande possibilidade de se transformar num incêndio global, capaz de destruir praticamente todo o museu em poucas horas.
A construção era sólida, não era de madeira, os espaços eram largos e folgados, e não havia propriamente ali nenhum rastilho visível. Aliás, podemos ver, na imagem seguinte, que os tectos estavam cuidados, e exibiam os vestígios da coroa portuguesa de D. João VI.

Tal como aconteceu nos zoos, em muitos museus nacionais passaram a ver-se exemplares com proveniência diversa, do mundo inteiro, reflectindo um património comum. Ou seja, neste museu do Rio de Janeiro encontrávamos vasos gregos, romanos, ou painéis com hieróglifos egípcios.


Muito louvável do ponto de vista educativo, mas também oficialmente muito conveniente.
Tal como encontrámos uma coluna romana na cidade brasileira de Natal, que não foi mais que um presente de Mussolini, também as ânforas descobertas na Baía de Guanabara poderiam ter ido parar ao Museu Nacional do Rio de Janeiro, oferecidas por um qualquer país mediterrânico.
Ter-se-iam perdido no incêndio, pois... mas também se perderam, muito antes disso!

Já mais difícil de contextualizar parecem-me ser diversos vestígios da zona amazónica, de Santarém e Marajó, como por exemplo esta "urna funerária" da ilha de Marajó (antes chamada "grande ilha de Joannes"):
Escapam-me aqui os detalhes sobre a sofisticação das civilizações pré-columbianas brasileiras, nomeadamente da Cultura Marajoara, interessa que estes terão sido alguns dos exemplares únicos que podem ser dados como destruídos pelo incêndio. 
É claro que seria demasiado "trote" se dessem também como desaparecido o Meteorito do Bendegó, meteoritos que sobrevivem a temperaturas escaldantes na entrada na atmosfera. Vejamos se irão também dar como consumida pelo incêndio uma das ânforas de bronze (dita de Pompéia), que a imperatriz Teresa Cristina levou de Itália, como prenda de enxoval.
Ânfora de bronze, que resistirá a um 
incêndio, mas não a distracções...

Tendo falado há umas semanas no Manuscrito do Rio de Janeiro, a propósito dos Painéis de S. Vicente, é claro que o substancialmente perdido será toda a documentação "guardada" na biblioteca, e que deveria conter exemplares e manuscritos únicos. Espera-se, é claro, que o espólio tenha sido pelo menos devidamente filmado e fotografado, e (surpresa...) que essas gravações não se tenham também perdido no incêndio (... é típico que quando as coisas são tão secretas, mas tão secretas, então nem saem do sítio onde estão).

Ficam-me umas dezenas de fotografias que tirei, do exposto ao público, e das quais aqui apenas tinha usado uma foto, de uma suposta cabeça reduzida, também chamada tsantsa. Não é que não houvesse mais a ser dito, mas aquilo que escrevi agora, e que poderia ter sido escrito há vários anos, não considerei que fosse mais significativo do que especulativo.

Resta dizer que me lembro do enquadramento quando fiz essa visita ao museu. Portugal estava mergulhado na "crise socrática", estando em acção a Troika. Pelo lado do Brasil, antevia-se a realização do Mundial 2014, e os Jogos Olímpicos, Rio 2016. Dois eventos de projecção mundial que mostravam o Brasil como um dos promissores BRIC, em grande crescimento económico, para além do sucesso nas políticas sociais. Com a especulação imobiliária a crescer de forma assustadora, lembro-me de lhes ter dado como sugestão de leitura "A Century of War", de W. Engdahl, que basicamente explica uma das "receitas de sucesso" dos "mercados financeiros".
Como habitual, quase todos anteviam a crise que iria suceder no Brasil, mas também eram impotentes para o poder parar... e creio que isso incluía os políticos do Planalto, em Brasília.
Fosse como fosse, todos fizeram o que era previsto que fizessem, e a menos de detalhes, correu em conformidade, ou seja, um choro depois do sorriso inicial.
A destruição do Museu Nacional é apenas mais uma lágrima no drama de insegurança que afecta a sociedade brasileira, em particular, a carioca, vitimando milhares de pessoas, e sem solução à vista.

04.09.2018

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 07:55


Alojamento principal

alvor-silves.blogspot.com

calendário

Setembro 2018

D S T Q Q S S
1
2345678
9101112131415
16171819202122
23242526272829
30



Arquivo

  1. 2020
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2019
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2018
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2017
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2016
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2015
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2014
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2013
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2012
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2011
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2010
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D