Uma das improbabilidades mais descaradas é ver na toponímia holandesa dos descobrimentos nomes associados a santos. Não é que tal fosse impossível, simplesmente era altamente improvável, ou as probabilidades andariam ao nível de árabes baptizarem uma ilha com o nome de "Santa Maria". Com os ingleses passar-se-ia algo semelhante, mas em menor escala.
A questão é agora saber de quem os holandeses copiaram... mas não parece difícil perceber.
Em cima, ao centro, lê-se facilmente "TERRA DOS PAPOS".
Não é holandês, flamengo, ou francês.
Ainda que "TERRA" seja também latim, a contracção da preposição "DOS" só ocorre mesmo em português. Quanto aos "papos" podemos entendê-lo no significado de "papou-os" dado o historial antropofágico das tribos dessa ilha. Trata-se da ilha Papua - Nova Guiné.
Curiosamente o meridiano vertical, que separa "Terra dos Papos" de "Nova Guinea" é praticamente o mesmo que separa hoje a parte da Papua indonésia, da parte independente da Nova Guiné.
Para quem ainda não percebeu... esse meridiano era o do Tratado de Saragoça, o correspondente ao meridiano de Tordesilhas, mas como anti-meridiano - uma dor de cabeça que só foi resolvida no tempo de D. João III. A razão pela qual os holandeses o colocam ali, pode ser apenas coincidência, é claro.
Mas não há apenas essa designação. Acima da "Terra dos Papos" vemos C. de Goede Hoope, o que em holandês quer dizer "Cabo da Boa Esperança". O que faz ali outro "cabo da boa esperança"?
Logo ao lado lemos "Vilems Schoutens Eyl - Olim I. de aguada". Esta "ilha de aguada" parece também vir do mapa português, tal como logo de seguida "I. Arimoa" e "I. Moa".
É ainda curioso aparecer a palavra francesa "Rivier" e depois como abreviatura aparece "Riv" mas escrito como "Riu", ou seja quase como "Rio". Pode ler-se isso na parte da Carpentaria, que eu diria que se fosse coisa portuguesa e não remetida a um
Carpentier, pareceria "
carpintaria".
Mais abaixo, nesse mesmo mapa podemos ainda ver:
... e, em baixo, do lado direito, vemos então as ilhas "I. St. François" e "I. St. Pierre". Os nomes estão já em francês, mas estas ilhas de São Francisco e São Pedro, seriam designações dos santos padroeiros do capitão e do seu comandante! Ora, normalmente estas histórias arrumam-se de outra forma, por vezes com o nome do navio, mas é mais difícil quando não é o caso, e esta malta eram holandeses protestantes, sem qualquer vontade social de exibir santos padroeiros. Ou seja, no contexto da sociedade holandesa, muito influenciada pelo judaísmo comercial, e protestantismo rígido, estes nomes de santos seriam uma "heresia toponímica"... a menos que já tivessem sido assim designadas, e nesse caso foi apenas honestidade puritana, ou vontade de afirmação de presença num sítio pelo uso da sua designação antiga.
Pode ainda ver-se a designação de Houtman
Abrolhos de que falámos antes, que tal como "
Pedra Blanca" no sul da Tasmânia. Estas são duas designações que reconhecidamente derivam do português, no caso dos
Abrolhos enquanto "
abre olhos" similar às
ilhas Abrolhos no Brasil, e no caso da Pedra Branca por eventual semelhança com a
ilha de Pedra Branca em Singapura. Ver no mapa seguinte, em baixo:
Ainda que se quisesse estabelecer uma qualquer semelhança com Singapura, faz pouco sentido não usar a tradução para holandês do termo, quando tantos outros eram traduzidos.
Quereria isto significar que os holandeses teriam descoberto que havia uma semelhança entre os mapas portugueses de Singapura, que pretendiam representar ali a Tasmânia? Não parece provável, e vai ficando a curiosidade bem expressa neste mapa, de que os holandeses nunca procuraram completar a informação da viagem de 1643 de Abel Tasman e foram deixando o tempo rolar 125 anos até que Cook, com o simples intuito de observar o "trânsito de Vénus", achou acidentalmente o restante território australiano que falta a este mapa holandês.
Uma preciosidade do género "novela histórica".
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NOTA (10.01.2019):
Em comentário (de David Jorge) está a observação do uso do termo malaio Nusantara que se ligaria à designação Nuca Antara para Austrália por Godinho de Erédia (ver post anterior). O termo resultaria das palavras malaias ou javanesas: nusa (ilha) e antara (entre), e aplicava-se a territórios tributários do império Majapahit, centrado na ilha de Java. Aproveito para adicionar as referências no mapa (1ª imagem) à Batochina e às designações Terra Alta, Cera ou Mola, que teriam sido tiradas também de mapas portugueses.