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Sendo um assunto de cocheiras, e como o meu avô tinha uma, sei bem do ambiente infestado de bostas, moscas e varejeiras, que felizmente o meu pai soube cimentar e converter em garagem.

Este postal resultou inicialmente dos comentários de João Ribeiro em "Coxos de Coches", que levou a um texto que deixo no final (para que se possam fazer as devidas comparações). Esse texto levou a novos comentários aqui, de João Ribeiro e David Jorge, que permitem dar uma nova luz à questão, corrigindo-a de informações prestadas pelo Museu Nacional dos Coches.

Perante a pergunta pertinente de João Ribeiro, cito a resposta relevante do Museu:
Referenciando igualmente as justas notas do tradutor de uma das últimas reedições desta mesma obra do príncipe polaco Felix Lichnowsky, Portugal: Recordações do anno de 1842, desta vez editada em Maio de 2005 pela editora Frenesi, Daniel Augusto da Silva (o tradutor) justifica bem esta questão no trecho da página 282 que lhe envio, em foto anexa.
Reiterando esta ideia, o veiculo hipomóvel mais antigo da coleção do MNCoche é de facto o Coche de Filipe II.
O que diz essa nota (nº15) na página 282 é o seguinte:
15 É visível que nesta descrição que se faz dos coches da casa real houve uma crisma singularmente anacrónica: o Autor aceitou, decerto sem o mínimo reparo, a informação ignorante de algum empregado ínfimo nas cocheiras do paço. A invenção e uso das carruagens não é de muito antiga data na Europa. A primeira viatura desta espécie, que talvez apareceu em Paris, foi o carro que em 1457 ofereceu à rainha de França o embaixador de Ladislau V, rei de Boémia e Hungria - país que parece ter sido o berço daquela descoberta sumptuária. Até à época da invasão espanhola, os nossos monarcas não usavam coches, mas sim espécies de liteiras, que se denominavam andas. D. Filipe II foi o primeiro que os trouxe a Portugal, e desde então ficou o uso deles estabelecida na nossa corte.
Acontece que o assunto está cheio de pequenas armadilhas burocráticas, próprias de quem quer embaralhar a questão, se alguma vez fosse levantada em público.

Entendendo que a informação do Museu era correcta, fiz o postal assumindo que teria havido um tradutor de 2005, e que se chamaria Daniel Augusto da Silva
Porém, conforme observou David Jorge, tratava-se do matemático português do Séc. XIX, cujo irmão foi ministro do governo entre 1857 e 1877. A sua facilidade com a língua alemã, seria devida à necessidade de se manter actualizado com os trabalhos alemães.

Só que há aqui um detalhe... as notas não foram colocadas por si, mas foram sim colocadas noutra edição da obra, já muito posterior, por Castelo Branco Chaves. Assim sendo, a versão anterior do postal seria profundamente injusta para o nome de Daniel Augusto da Silva, que terá sido o tradutor apenas do texto publicado em 1844. 
A obra com notas pessoais de Castelo Branco Chaves foi doada pelo filho em 2005, e daí talvez se justifique o ano da reimpressão pela Editora Frenesi.

Fui encontrar no OLX, à venda, o exemplar com o prefácio e notas deste autor, editado pela Ática em 1946:
Príncipe Felix Lichnowsky. Portugal: Recordações do Ano de 1842
Prefácio e Notas por Castelo Branco Chaves. Edições Ática.

De facto, o único cuidado que haveria a ter, devido à má informação do Museu, seria mudar o nome de Sr. Silva para Sr. Chaves... que decidiu colocar chaves no assunto, enublando o texto com notas suas, sem qualquer justificação objectiva.

Mantêm-se pois as observações feitas, agora actualizadas.

(i) Antes das notas do Sr. Chaves, houve a tradução de Daniel Augusto Silva:


(Traduzido do allemão)
Imprensa Nacional 1844

O propósito de juntar notas parece claro, já que tinham desaparecido os tais coches antigos de D. Afonso Henriques, D. Dinis, e D. Manuel.

(ii) Nessa edição de 1844 da Imprensa Nacional o tradutor não quis pôr o nome (sabemos agora ser Daniel Augusto Silva), mas não deixou de começar com uma "Advertência do Traductor". Deixo essas três páginas, onde o tradutor da Imprensa Nacional, para além de elogiar a obra e o autor, só acha de maior significado eventuais incorrecções sobre: a estátua de D. José, o teatro S. Carlos, e sobre o desenvolvimento dos estudos científicos na Universidade de Coimbra.


 


Portugal: Recordações do anno de 1842.  A advertência do tradutor em 1844. (clicar p/aumentar)

(iii) Quebrando o propósito de não comentar a obra, aparecem aqui e ali, notas de rodapé informativas nessa edição da Imprensa Nacional em 1844. Curiosamente, e justamente na página 84, onde se falam dos tais coches, aparece uma nota de rodapé (a) sobre o "príncipe do Brasil":

(iv) Portanto, vejamos... o tradutor (D. A. Silva) preocupa-se em instruir o leitor mais inculto, avisando-o de que antes o herdeiro da coroa era príncipe do Brasil, mas deixa passar a questão da descrição dos coches, comendo por boa a "ignorância" de um ínfimo empregado da cocheira... aqui citando literalmente a opinião avulsa do Sr. Chaves, não sei se contaminada ou não pela sua causa monárquica.

(v) Parece pois que o Museu dos Coches tomará por boa a informação de que as notas são do tradutor original, porque a Editora Frenesi em 2005 terá escrito "conforme edição portuguesa de 1845" (deveria ser 1844). Nem sequer reparando que algumas notas referem anos posteriores (por exemplo, a nota nº44, página 275, cita uma obra de 1938).
Quanto ao Sr. Chaves, parece desconhecer, ou descartar como "ignorante", o tradutor da Imprensa Nacional (D. A. Silva). Seria o tradutor da Imprensa Nacional, o tal cocheiro ignorante que acompanhou o príncipe Lichnowsky?

(vi) Porque se não era, alinhou com ele na mesma ignorância, e além disso fez passar por ignorantes todos os seus colegas, amigos, conhecidos e leitores da Imprensa Nacional em 1844, e anos seguintes, que não tiveram acesso às preciosas informações que tinha o Sr. Chaves em 1946. A saber... nada. Nada, porque o argumento do Sr. Chaves é o mesmo do que não dizer coisa nenhuma. Acresce que sendo o tradutor Daniel Augusto da Silva, foi irmão de um ministro do governo, e portanto não lhe deveriam faltar amigos bem informados sobre o assunto em causa.

(vii) Como prova adicional da ignorância passada, só esclarecida pela luz que nos traz o Sr. Chaves, cito o trecho do cronista-mor António Brandão:
O Arcebispo D. Rodrigo não afirma tal coisa, antes dá por razão de El Rey D. Afonso Henriques andar de coche, não poder subir a cavalo, pelo mau tratamento da perna.

Tal e qual um cocheiro ignorante, também o nosso cronista-mor alinhava na ideia absurda de que D. Afonso Henriques andava de coche, não sabendo certamente, como só saberão eruditos como o Sr. Chaves, que os coches foram inventados lá pela Hungria no Séc. XV, e que quando António Brandão nasceu "nem sequer haveriam coches em Portugal".
Pior, remetendo António Brandão a afirmação a um "autor antigo" (o Arcebispo D. Rodrigo), terá transcrito mal o termo "coche", pois segundo o Sr. Chaves, o termo usado antes seriam "andas".

(viii) A este propósito junto ainda a informação trazida por João Ribeiro, que cita a "Crónica de 1419", que também corrobora a existência de coche ou carro de D. Afonso Henriques:
"Entom se tornou el-rey de Portugal a seu reyno e foy bem sam da perna e nunqua despois quis cavalgar em besta por não aver azo nem rezom de tornar à menagem que avia feyta, mes andou sempre em caro, como soyom andar os reys amtiguamente, e algumas vezes em andas e em colos d.omens."
(ix) Ainda João Ribeiro, fez o favor de indicar o programa de J. Hermano Saraiva (A Alma e a Gente III, nº31):



Este coche mais antigo que José Hermano Saraiva apresenta, e que passa por ser de Filipe III de Espanha, diz ele poder ter sido de D. Sebastião (afirmando haver documentação de dois coches seus, um dos quais perdido em Alcácer Quibir).
Acrescenta haver perto de 80 coches guardados em Vila Viçosa.

(x) Esta história não ficaria completa sem o lado romano (ver Romae Vitam).
Haveria diversos tipos de carruagens na época romana, sendo alguns destinados ao transporte dos mais abastados, que eram chamados "carpentum" (ou carrucas).
Um carpentum - coche no império romano. Reconstrução no Museu de Colónia.

Porque razão se terá perdido a tradição romana de transporte? Pois, isso é uma questão mais complicada, que já foi aqui tratada, e resume-se numa expressão - "a reinvenção da roda". 
Curiosamente esta expressão parece ser recente, com menos de 50 anos, mas é muito ajustada ao reaparecimento dos coches no Séc. XVI.

(xi) Há um detalhe importante que José Hermano Saraiva refere, relativamente ao coche mais antigo... é que a sua suspensão não parece ser a dos supostos coches húngaros.
O habitáculo estava suspenso por fortes correias de cabedal, o que justificaria melhor o uso do termo "suspensão". 

Conclusão: 
Devo uma visita ao Museu dos Coches (incluindo Vila Viçosa). 
Poderemos pensar que os coches anteriores ao Séc. XVII se encontram escondidos, nalguma colecção privada, nalguma cave do Vinho do Porto, numa cave em Vila Viçosa, fora do país, etc...

Mas também não descarto uma outra possibilidade... que seria a de que o coche mais antigo do museu fosse mais antigo, ou mesmo o coche de D. Afonso Henriques. A descrição do Príncipe Lichnowsky não me parece suficiente para afastar essa hipótese, ainda que os vidros não pareçam conjugar a descrição. Se as coisas fossem fáceis, perceber-se-ia pelos brazões a que data reportam (mas esses brazões podem ter sido pintados por cima). Se se quisesse fazer algum estudo mais profundo, haveria forma de datar a madeira, etc, e faltará muita vontade de o fazer.

Terá havido a necessidade de fazer acreditar que não haviam coches antes do Séc. XVI, mesmo que haja descrições de António Brandão e da Crónica de 1419. Essa necessidade só parece ter acontecido no Séc. XX, já que antes disso, em 1844, não houve problemas em publicar a tradução sem nenhum reparo. Portanto, essa censura terá sido decidida já no Séc. XX, ou poucos anos antes.

23 de Março de 2019


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(versão anterior)
- 21 de Março de 2019 -

Na sequência de comentários sobre o tema "Coxos de Coches", teve o João Ribeiro a paciência (que já não tenho), e o cuidado educado, de inquirir o Museu Nacional dos Coches sobre a existência dos coches de D. Afonso Henriques, D. Dinis, e D. Manuel, conforme descritos na obra do príncipe polaco Felix Lichnowsky.

Houve uma rápida resposta do museu, por via técnica, remetendo o assunto para a nota de tradução da obra de Lichnowsky, feita em 2005, por um certo D. A. Silva, que despacha o assunto da seguinte forma (p. 282, Ed. Frenesi):
15É visível que nesta descrição que se faz dos coches da casa real houve uma crisma singularmente anacrónica: o Autor aceitou, decerto sem o mínimo reparo, a informação ignorante de algum empregado ínfimo nas cocheiras do paço. A invenção e uso das carruagens não é de muito antiga data na Europa. A primeira viatura desta espécie, que talvez apareceu em Paris, foi o carro que em 1457 ofereceu à rainha de França o embaixador de Ladislau V, rei de Boémia e Hungria - país que parece ter sido o berço daquela descoberta sumptuária.
Até à época da invasão espanhola, os nossos monarcas não usavam coches, mas sim espécies de liteiras, que se denominavam
andas. D. Filipe II foi o primeiro que os trouxe a Portugal, e desde então ficou o uso deles estabelecida na nossa corte.
Este despacho é admirável.
Repare-se no uso cuidado das palavras: - "a crisma" e "algum empregado ínfimo".
Traduz-se na novilíngua como: "o sacramento de confirmação" e "algum colaborador ínfimo".

Acresce a isto a designação de "veículo hipomóvel" usada pelo museu, para florear o "coche", e usar de forma ligeira o prefixo "hipo" que tanto dá para "cavalo" como para "baixo nível".


Não vale a pena, mas já agora deixo uma coisa rara, a que se chamam factos, algo que a intelectualidade vigente abomina, fugindo deles como o diabo da cruz.


(i) Antes da Editora Frenesi e do senhor Silva, em 2005, houve uma tradução da obra:



Portugal: Recordações do anno de 1842. 
(Traduzido do allemão)
Imprensa Nacional 1844

Aliás a edição a que tive acesso, foi esta de 1844, que está online (clicar no link).
Portanto, nem quero saber qual foi o propósito de uma nova tradução do que já existia.

(ii) Nessa edição da "ínfima" Imprensa Nacional o tradutor não quis pôr o nome, mas não deixou de começar com uma "Advertência do Traductor". Deixo essas três páginas, onde o tradutor da Imprensa Nacional, para além de elogiar a obra e o autor, só acha de maior significado eventuais incorrecções sobre: a estátua de D. José, o teatro S. Carlos, e sobre o desenvolvimento dos estudos científicos na Universidade de Coimbra.



 

Portugal: Recordações do anno de 1842.  A advertência do tradutor em 1844. (clicar p/aumentar)


(iii) Quebrando o propósito de não comentar a obra, aparecem aqui e ali, notas de rodapé informativas nessa edição da Imprensa Nacional em 1844. Curiosamente, e justamente na página 84, onde se falam dos tais coches, aparece uma nota de rodapé (a) sobre o "príncipe do Brasil":


(iv) Portanto, vejamos... o tradutor preocupa-se em instruir o leitor mais inculto, avisando-o de que antes o herdeiro da coroa era chamado príncipe do Brasil, mas deixa passar a questão da descrição dos coches, comendo por boa a "ignorância" de um ínfimo empregado da cocheira... aqui citando literalmente a opinião avulsa do Sr. Silva.


(v) Parece pois que o Museu dos Coches toma por boa a opinião do tradutor da Editora Frenesi em 2005, e parece desconhecer, ou descartar como "ignorante", o tradutor da Imprensa Nacional em 1844. Seria o tradutor da Imprensa Nacional, conhecedor de alemão, o tal cocheiro ignorante que acompanhou o príncipe Lichnowsky?


(vi) Porque se não era, alinhou com ele na mesma ignorância, e além disso fez passar por ignorantes todos os seus colegas, amigos, conhecidos e leitores da Imprensa Nacional em 1844, e anos seguintes, que não tiveram acesso às preciosas informações que tinha o Sr. Silva em 2005. A saber... nada. Nada, porque o argumento do Sr. Silva é o mesmo do que não dizer coisa nenhuma, é o corropio dos chamados "factos assentes", ou seja, os dogmas duma nova igreja, que estabelece como fé a ignorância dos fiéis.


(vii) Para não me alongar mais, deixo como prova adicional da ignorância passada, só esclarecida pela luz que nos traz o Sr. Silva, o trecho do cronista-mor António Brandão, que dizia o seguinte:

O Arcebispo D. Rodrigo não afirma tal coisa, antes dá por razão de El Rey D. Afonso Henriques andar de coche, não poder subir a cavalo, pelo mau tratamento da perna.
Tal e qual um cocheiro ignorante, também o nosso cronista-mor alinhava na ideia absurda de que D. Afonso Henriques andava de coche, não sabendo certamente, como só saberão eruditos como o Sr. Silva, que os coches foram inventados lá pela Hungria no Séc. XV, e que quando António Brandão nasceu nem sequer haveriam coches em Portugal.
Pior, remetendo António Brandão a um "autor antigo", o Arcebispo D. Rodrigo, a tal afirmação, terá transcrito mal o termo "coche", pois segundo o Sr. Silva, o termo usado antes seriam "andas".

O que fazer?

Nada. Na minha opinião, não vale a pena fazer coisa nenhuma.
Desisti da liga das bananas, deixo-a para os macacos.
Uns seguem a via do engano e os seus frutos fáceis... outros não.

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publicado às 03:10

Urbano Monte é o nome de um cartógrafo italiano que deixou um atlas razoavelmente completo e intrigante. O assunto foi trazido há duas semanas, em emails de David Jorge, de que procuro fazer aqui um pequeno resumo.

Curiosamente, o assunto acaba por cair também em D. Sebastião, já que o cartógrafo italiano inclui dois mapas com a sua cara, em forma de continuação:


O que se pode ler abaixo da imagem de D. Sebastião é quase o mesmo, de uma página para a outra, mas há ligeiras diferenças entre os dois.

Podemos ler desta forma:
Il Re di Portogallo
seguita ancor nell'oceano Immenso
la fama di costui drizando il volo
et mentre a lui per honoranza il censo
pagaro i Dei del marinesco stolo
D'armati legni un longo bosco e denso
per lui molt'ani corse il salso suolo
che sia in cielo grato a Giesu Cristo
Dove vivendo procuro l'aquisto
... estrofes que se poderão ler mais ou menos assim:
O rei de portugal.
Seguida ainda no imenso Oceano, a fama dele encaminha o voo;
e quanto a ele honra o senso pagão dos deuses do marinheiro solitário.
Armadas de grande lenho e denso bosque, por ele tantos correram o solo salgado,
que esteja no céu grato a Jesus Cristo. Onde vivendo adquiriu o adquirido.
Duas imagens do autor
A situação é tanto mais estranha porque o atlas acaba por incluir uma adição com um diferente auto-retrato do autor Urbano Monte. 
- Primeiro com 43 anos, lê-se no original URBANO:TERTIO:DA:MONTE:AN: 43.
- Depois com 45 anos, é cosido o retrato circular, dizendo URBANO MONTE D'ANNI XXXXV

Um retrato 2 anos mais recente de Urbano Monte é colado sobre o anterior

A razão pela qual isto acontece é estranha e dificilmente explicável.
Não é comum esta actualização do auto-retrato com inserção de nova imagem.

Aliás, todo o mapa é suficientemente estranho, para merecer diversos comentários. 
Só agora foi recompilado, pela biblioteca David Rumsey (Stanford University), de forma a satisfazer um contorno polar, conforme pareceria ter sido originalmente pensado.
Aspecto geral do atlas de Urbano Monte, agora compilado assim pela biblioteca David Rumsey, 
e assinalamos a amarelo a posição onde ficaria a figura de D. Sebastião.

A referência mais antiga que encontrei deste atlas é de 1810, num Magasin Encyclopedique (por A.L. Millin), dizendo que Carlo Amoretti (membro do Instituto Nacional e do Conselho de Minas do Reino de Itália, bibliotecário da Ambrosiana de Milão)
a trouvé dans la même bibliothéque un grand Traité de Géographie, manuscrit autographe d'URBANO MONTI, écrit entre 1590 et 1598, où l'on voit dessiné le détroit qui porte à la mer Glaciale
Nota "en passant" - Ferrer Maldonado; João Martins
Convirá aqui salientar que o mesmo texto de Amoretti refere que os espanhóis teriam enviado o capitão Lorenzo (Laurent, Lourenço) Ferrer Maldonado numa viagem pela passagem Noroeste.
É suficientemente estranho que esta descoberta fez sensação à época, e Amoretti mandou publicar o livro do capitão espanhol (que está à venda... por quase 10 mil dólares).
Entretanto, o tempo passou... Amoretti terá morrido, e todo o documento de viagem de Ferrer Maldonado foi desacreditado nos anos seguintes, como sendo falso ou fantasioso.
Interessa que este nome nem sequer consta da wikipedia, e dificilmente aparece mencionado pelos próprios espanhóis.

Curiosamente é ainda feita referência a uma carta náutica de João Martins ("Juan Martines", Portugais) que teria sido seguida por Ferrer Maldonado na "parte complicada".
De João Martins é dito haver um portulano na Academia Imperial de Turim. Ora, desse João Martins, em Portugal, não se parece saber quase nada... mas constam 18 atlas, e 140 cartas, atribuídos a si.

Urbano Monte -vs- Sebastião
Acerca do atlas de Urbano Monte, Djorge vai citar a Maria da Fonte que já tinha antes mencionado este mapa (no facebook), na perspectiva de que o que veríamos seria o retrato do próprio D. Sebastião e não haveria nenhum Urbano Monte!

Esta perspectiva poderá parecer ousada e bizarra, para os leitores mais convencionais.
No entanto, segue a linha de que o próprio D. João II poderia não ter morrido em Alvor.
Há comandantes e comandados.
As idílicas paisagens paradisíacas de que as navegações traziam notícia, estavam ao alcance real?
Houve conhecimento de algum rei que se fez ao mar, e seguiu os seus pilotos, em viagens que já eram corriqueiras, e que raramente traziam grandes desastres?
Haveria maior risco em enfiar-se numa batalha no meio de mouros em África, ou em enfiar-se numa nau, visitando o Brasil, que só foi conhecido "realmente" na fuga napoleónica de D. João VI?

À partida, não vejo nenhum obstáculo lógico a que um rei decidisse findar os seus dias fora de uma corte europeia decadente e burocratizada, e partisse numa outra aventura além-mar, para ver com os seus olhos, terras, ilhas e mares, que não passariam de desenhos em mapas, doutra forma. E, se nisso tivesse projecto de desenvolver nova sociedade, para além da sociedade europeia, juntando a si os seus mais próximos... pois que outra forma subtil de se fazer desaparecer que numa batalha, no meio do nevoeiro das intrigas?

Comentários/questões
Djorge, a propósito do mapa deixa ainda as observações:

  • 1º) Julgo ser a primeira vez que vejo um autor assinar um mapa com dois auto-retratos seus.
  • 2º) Os dois auto-retratos "aparentemente" separam-se em 2 anos, no entanto não aparentam ser a mesma pessoa nos 2.
  • 3º) Se a data do atlas/mapamundi for a que aparece na discrição pelo arquivista da biblioteca, 1587, e tendo em conta que o wikipedia dá como data de nascimento 1544, significa que nem o primeiro o primeiro nem o segundo selo corresponderiam à correta idade do autor.
  • 4º) Sendo que D. Sebastião é dado como tendo nascido em 1554, a soma das duas idades das figuras daria uma datação para o mapa de 1599, ou 1596 dependendo da figura do selo.
  • 5º) Não vi ligação nenhuma no soneto, embora não me soe estranho, podendo ser algum excerto dos Lusiadas, não sei se era isso a que se referia "Maria da Fonte".
  • 6º) O texto por baixo da figura do rei de Portugal, parece-me referir a lenda do regresso de D. Sebastião, o que é estranho é que em 1586, 1596 ou em 1599 já seria Filipe I a reinar em Portugal e Algarves.
  • 7º) Estranho é que neste atlas o Rei de Espanha e das "Indias" não é o Rei de Portugal.


Ora, a este propósito mostramos a ilustração reservada ao Rei de Espanha, "Philipo:Max"

Do lado esquerdo segurando no globo e de joelhos, está o rei do Peru e diz-se:

  • qui parla Atabalipa Re del Peru designato como nela tavola seguente
  • Quando sugetto a me, quel novo mondo, et al Demonio ancor, era infelice, hora que é tuo, fia molto giocondo

... ou seja, o chefe inca diz com sarcasmo a Filipe II, que a América sujeita a ele, e ao demónio, era uma terra infeliz, mas que sujeita a Filipe II passava a ser muito agradável/feliz.
Por outro lado, no mar há uma sereia que acrescenta:

  • Eccoti o Re magnanimo, e soprano, che come merti, il marinesca stofo Del mar l'Imperio con questa a te dano.

Portanto, se Urbano Monte envelheceu muito naqueles 2 anos, percebe-se que a sua ironia poderá ter tido consequências... e também parece natural que o atlas estivesse escondido durante mais de 200 anos.

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publicado às 20:08

No final de 1577, início de 1578, apareceu um grande cometa nos céus, e podemos ler os maus augúrios que tal avistamento causou, nas "Memórias do Reinado de D. Sebastião" de Diogo Barbosa de Machado (1751):




Com efeito, pouco depois, em 1578, morrem D. João de Áustria, meio-irmão de Filipe II e D. Sebastião, seu sobrinho. As duas mais jovens promessas da cristandade na luta contra os turcos, parecem assim ser levadas pelo cometa. Assim o cometa parece ter levado o cometimento bélico medieval dos D. Quixotes substituindo-o pelo pragmatismo do poder oportunista, que teriam os novos Panças.

Mas no meio da história ficcionada que se fabricou, na mitologia sebastianista do desejado e do encoberto, fica ainda uma possível encarnação messiânica de D. Sebastião, que ao interpretar uma promessa divina judaica, recebeu um ódio visceral - que os judeus de Marrocos nutrem ainda por D. Sebastião.


Em comentário por email chegou-me indicação de um vídeo (de 2016) sobre a problemática sebastianista, aqui protagonizado por Manuel Gandra.
CLEPUL-FLUL (2016) - Manuel Gandra: documentos 
sebastianistas nos arquivos do Ducado de Medina-Sidónia

Conforme podemos ver, Gandra afirma da existência de documentação relevante, de que terá publicado fac-similes, em Espanha, obtidos por via da falecida duquesa de Medina-Sidónia.

Em breve... do que se pode entender, a tese de Gandra será que D. Sebastião teria ficado prisioneiro em Marrocos, mas não pretendeu regressar a Portugal...
Mais, Manuel Gandra avança para uma derrota propositada em Alcácer-Quibir, no sentido de poder dar cumprimento a uma versão profética de Pseudo-Metódio, que visaria depois um reaparecimento em força. Diz ainda que D. Sebastião seria um preso solitário, vivendo abastadamente com uma corte em Marrocos... e esqueçamos a contradição de termos. Teria um plano de regressar (talvez na manhã de nevoeiro), reunindo grande exército para finalmente derrotar o Islão, dando início a um Quinto Império, conforme a profecia. Nesse sentido teria desembarcado em Inglaterra, e depois acabaria por ir parar e morrer em Limoges, sem concretizar o regresso. Acrescenta, en passant, que haveria correspondência de D. Sebastião a Marco Túlio Catizone, seu sósia, a que se acrescenta o executado "prisioneiro de Veneza".

Quanto aos documentos que Gandra menciona colocamos aqui três, que nos foram gentilmente cedidos da cópia do livro de Gandra, e deles fazemos uma breve transcrição:

---------------------------------- (1) --------------------------------


El Rey

Duque primo, el corregidor de Cadiz me ha embiado la Carta que seza con esta que es de un Captivo que esta en Alarache, la qual me ha parecido que seos embies pª que la veais  y procureis entender è informarvos particularmente de la sustancia que el rey puede tener y avisarme de lo que seos ofreciexe acerca de ello, procurando que sea todo com el recato y secreto que el negocio requiere y saveis que combiene de Madrid. à 11 de Henero de 1587 años...






------------------------------- (2) -----------------------------------

El Rey




Duque primo: He visto un carta de xiiii del presente y la de Diego Marin. de xxx del passado y dos del Xariffe para el y el Alcayde de Alcaçar en Arabico que (haviendo se traduzido aqui) contienen lo que vereis por la copia dellas, que con esta se os embia. Y cierto se a sus palabras de haviera de dar credito, por las que en ellas escrive paresce querer de veras, que con los captivos de Fez se haga la entrega de Alarache pues no se hizo con los que Marin tenia, y embio en los tres navios que alli se hallavan, mas yo lo dubdo agora tanto como antes si ya por ventura la necessidad no le fuerça a hazer virtude maiormente si ha sabido el apparato de galeras y gente que Alarache quedava haziendo en Constantinopla por orden del Turco a xx de Abril para la empreza del Reyno de Fez...





--------------------------------- (3) ---------------------------------


El Rey
Adelantado de Castilla parente, .. Capitan general de las galeras de España, teniendo entendido lo mucho que importa al serviço de Dios y mio y por conseguinte al beneficio de nos Reynos y subditos, tenez en Affrica el puerto pueblo y fuerte de Alaracha, embres in havia cinco años e medio poco mas o menos a Pº Venegas de Cordova y en fu companhia à Diego Marin (come platico de la tierra gente y lengua Arabiga) para que continuando la platica, començada com Mulei Moluco, hermano del Rey Xariffe que o y es se pidiesse de mi parte la dicha plaça, offresciendole partidos y conditiones que pareceo que podiram mover a darmela, y despues de haver passado muchos dias y muchos dares e tomares, ..lamente se contento devera e nello comando en recompensa La Villa e fuerça de Mazagan que por estar mas cerca de sus tierras julgo te feria mas a proposito (...) 

------------------------------------------------------------------

Larachas nas cartas
A primeira coisa que podemos ver na interpretação de Gandra das cartas, é que se força uma identificação da praça de Larache com um possível preso em Larache. Nada parece sugerir isso, aliás o que parece é haver uma tentativa de troca da posse das praças de Mazagão e Larache.
Parece haver menção a um cativo português em Larache, mas poderia tão somente ser um sósia, já que era hábito os reis fazerem acompanhar-se de personagens semelhantes, para efeitos de despiste, conforme pudemos ver nas tapeçarias de Pastrana.
Toda a teoria de Gandra parece ser assim um retorcer da leitura das cartas, no sentido de conformar à hipótese de um rei que teria ficado cativo em Marrocos, ao ponto de confundir o nome da vila africana com o próprio nome do preso.

Cometimento do cometa
O único ponto com alguma novidade nesta interpretação seria o de conformar a decisão de D. Sebastião em insistir na batalha - mesmo com "maus augúrios" de cometas, a uma leitura retorcida do apocalipse de Pseudo-Metódio.
A ideia de que D. Sebastião teria forçado a expedição, e especialmente que teria feito propositadamente para que a expedição corresse mal, para assim se ajustar à profética, parece-me rocambolesca e desajustada. Ficar como "encoberto" na sombra de um renascimento do nevoeiro, até obter um exército suficiente para desafiar o turco, parece impensável, mais típico de um egocentrismo deslumbrado destes dias, do que ajustável ao voluntarismo de D. Sebastião.
Ninguém veria o rei aguardando em Marrocos por melhores dias, enquanto Portugal passava para as mãos do seu tio, e se perdia nas lutas de sucessão de D. António, com o apoio inglês.

Um desaparecimento que equivale à morte
Qualquer ideia de que D. Sebastião poderia ter sobrevivido à batalha, ficando como prisioneiro de um destino onde não o reconheciam como rei de Portugal, seria equivalente à sua efectiva morte. Não interessa muito especular a partir daí, porque o rei só era entendido como rei, se tivesse nessa pretensão o apoio inequívoco de quem estava próximo de si. Quando o perdeu, fosse por efectiva morte, desaparecimento, ou armadilha interna, remetível a um golpe de estado, ou complot entre Filipe II e a casa de Bragança... pois tudo isso seria equivalente, e apenas diferente no grau de maquievelismo exercido. Não havia nenhuma prova de realeza absoluta, acima das condicionantes humanas. O valor da realeza era o berço, e longe do berço, D. Sebastião acabaria por ter o destino de um mero sósia real.

Conforme consta ter dito D. Sebastião a propósito do cometa de 1577-78:
"o cometa diz que acometa"
... e com esta laracha acometeu a Larache.

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publicado às 07:59


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