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Em baixo, deixo os comentários de José Manuel de Oliveira, relativos ao postal

"O elefante na sala: a NATO no 25 de Abril"

Destaco os seguintes pontos:

(i) O ensaio de Rui Ramos sobre "os generais de Abril", na realidade foca sobre a figura do general Costa Gomes (que foi depois Presidente da República), lembrando a sua citação de que as tropas mobilizadas para a revolução não chegavam a 2% do exército, e assim teriam sido insuficientes, havendo resposta do regime. 
É um passo no sentido de se querer saber quem estava por trás, mas Rui Ramos despista o assunto para canto das sereias, querendo focar nos generais, ou mais concretamente em Costa Gomes, ignorando a presença da NATO em Lisboa, com uma força suficiente para deixar a cidade em escombros. Parece preferir invocar que os EUA estariam entretidos com o caso Watergate, e faz por esquecer a forte presença naval canadiana, que até pelas fotos é impossível de ser ignorada.

(ii) Não estando no comentário de José Manuel, coloco em anexo ao texto duas fotografias que me parecem elucidativas. Num caso a fragata portuguesa Gago Coutinho com as armas ao alto (conforme relatado pelo oficial da Assiniboine), e noutro caso o contratorpedeiro canadiano HMCS Huron, com as armas baixas, e portanto em posição de combate. 
Neste ponto, estou convencido que os 5 navios da marinha canadiana participaram activamente no 25 de Abril, como força de dissuasão, e a prova disso é a presença do HMCS Huron, que era suposto já ter saído do Tejo. Aliás, o oficial da HCMS Assiniboine (o único a deixar acessível o registo escrito da operação) reporta que todos os outros navios já teriam saído, mas ao mesmo tempo fala da presença do comandante da HCMS Yukon.

(iii) Zero cravos! O mais difícil de encontrar nas fotografias do 25 Abril são cravos... 
Nos dias seguintes houve bastantes fotos de cravos, mas não do próprio dia! 
Encontrar um cravo numa fotografia do Largo do Carmo, é tão difícil quanto "Encontrar o Wally", ou mais ainda, já que neste caso é bem possível que não estivesse lá nenhum!
José Manuel dá aqui o relato na 1ª pessoa, estando todo o dia no Largo do Carmo.

(iv) Costuma-se falar em 4 mortos pela PIDE, que terá disparado indiscriminadamente contra a população, esquecendo também que um agente dessa polícia que terá sido abatido ao tentar fugir. Assim, e no final de contas, com contas trocadas, resta notar que nada muda quando à verdade fabricada pelo anterior regime se sobrepôs a falsidade descarada do actual.

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Comentários de José Manuel de Oliveira 
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(i) Ensaio de Rui Ramos - Os generais de Abril
Deixo aqui um ensaio de Rui Ramos, a lerem no Observador: 


https://observador.pt/especiais/os-generais-de-abril/
Sem os generais, a revolução nunca provavelmente teria acontecido, como aliás um desses generais, Costa Gomes, fez questão de notar anos depois: no dia 25 de Abril de 1974, as tropas mobilizadas para a revolução – 150 oficiais e 2000 soldados, a maior parte instruendos das “escolas práticas”, sem qualquer experiência de combate — nunca, em circunstâncias normais, teriam sido suficientes para derrubar um regime que, nesse ano, mantinha mais de 150 000 homens em armas”,
Em 74 apareceu na casa onde vivi um livro com o título Portugal e o Futuro, perguntei o que era aquilo? “era para acabar com a guerra em Africa”, não li, só recordei ser do General Spínola, dele diz Rui Ramos no Observador:
Em Portugal e o Futuro, que em 1974 foi editado, reeditado e traduzido como o livro que explicava o 25 de Abril, Spínola desfiava o rosário habitual dos críticos internos do regime salazarista na década de 1960: o mundo mudara e havia outras expectativas. “O tempo dos dogmas está ultrapassado”. Não se podia fingir que a emancipação nacional não estava na ordem do dia em África, ou ignorar que os portugueses ansiavam por uma prosperidade europeia [a CEE pagava melhor que Salazar…] e não por morrer numa guerra africana, dispendiosa e sem fim. A “crise” era a “mais grave da história de Portugal”. Contra os que, para evitar a desagregação do país, não viam alternativa à ditadura na metrópole e à guerra em África, Spínola sugeria uma via liberalizante e federalista que preservaria a “nação” enquanto ligação entre povos de diferentes continentes, mas em paz e democracia
Pois, mas desde quando os franceses iriam permitir concorrentes com províncias ultramarinas lusófonas a fazerem-lhes concorrência! Spínola quis ser o De Gaulle português e saiu-se mal…

(ii) HMCS Huron
Vasos de guerra não fundeiam frente a posições onde possam ser bombardeados, nesse caso ficam em deslocação velocidade máxima, essa do Contratorpedeiro Huron da NATO bloquear a Gago Coutinho face ao suposto alvo a força de Salgueiro Maia, no Terreiro do Paço em 25 de Abril de 1974, não convence… 
(1)

(2)
(1) Fragata Gago Coutinho (F-473) com armas ao alto. 
(2) HMCS Huron (DD-281) com armas em posição de combate.

(iii) Cravos, nem um...
E mais, não me lembro de ver UM cravo vermelho nos canos das G3, estive lá e no Carmo das 9:00 às 23:00, hora em que os mirones civis foram expulsos pela força da rua da sede da PIDE, antes vi tiros e mortos, cravos vermelhos essa é a mais bacoca desta “revolução”!
Salgueiro Maia no Largo do Carmo. Muita gente... mas zero cravos! Experimente procurar... nesta e noutras fotos.


(iv) A PIDE/DGS abre fogo sobre a população
--- Citações do que pode ser lido em https://journals.openedition.org/lerhistoria/1894
Nas imediações da sede da PIDE/DGS, as ruas estavam cheias de gente que se interrogava sobre o destino da polícia política e exigia a sua ocupação, gritando e, por vezes, atirando pedras ao edifício.
A PIDE/DGS disparou, a partir da sede, por duas vezes, a última das quais pouco depois das 20 horas, o que causou dezenas de feridos e 4 mortos: 
  • Francisco Carvalho Gesteiro, empregado de comércio de 18 anos, 
  • José James Hartley Barneto, de 37 anos, 
  • José Guilherme Carvalho Arruda, estudante de 20 anos, e 
  • Fernando Luís Barreiros dos Reis, um soldado de 24 anos.

O comandante da primeira força militar a chegar ao local após a retirada inicial dos fuzileiros, o regimento de Cavalaria 3 de Estremoz, afirma no seu relatório:
«Cerca das 20h 30, fui alertado pela população de que elementos da DGS tinham aberto fogo (…) Em face desta informação, dirigi-me para a rua António Maria Cardoso e fim de evitar mais derramamento de sangue. Foram enormes as dificuldades para [atingir] o local pois a população com o seu desejo de vingança e completamente fora de si impedia qualquer manobra. (…) A população pedia vingança e que se atacasse o edifício, em cujas janelas se viam alguns elementos da corporação. Verificando que a força era pequena para iniciar o cerco, ordenei a comparência de reforços que estavam junto ao Quartel do Carmo (…). Verificando [ainda] que as forças eram insuficientes, solicitei ao comando do Movimento instruções e reforços para fechar completamente o cerco. Como não foram recebidas ordens para um ataque que continuava a ser exigido pela população, este não foi realizado. Tentei explicar à população a nossa atitude. Após bastantes esforços, fui compreendido e, apesar de não arredarem pé, não interferiram, pedindo unicamente para não os deixarmos fugir. Durante o espaço de tempo que mediou [entre] a chegada das forças de RC3 ao local e a vinda de reforços, constituídos por dois destacamentos da Marinha (…), foram capturados doze elementos da DGS e abatido um que fugira ao dar-se-lhe ordem para se entregar».
Publicado em Almeida, Diniz de, Origem e Evolução do Movimento dos Capitães, Lisboa, Edições Sociais

Tratou-se do servente António Lage, um funcionário da DGS, de 32 anos, morto, pois, nessa situação.
Costa Correia recorda que as forças sob o seu comando, chegadas à sede da PIDE, após os «assassinatos de civis e os feridos causados», eram compostas por um destacamento de fuzileiros especiais e uma companhia de fuzileiros.
«Fizemos o cerco em coordenação com as forças do Regimento de Cavalaria de Estremoz que já lá estava. Tinham pouca gente, por isso combinámos que eles ficariam na parte das traseiras e nós na parte mais dianteira”. O cenário era “de alguma calma durante a noite, mas com populares inquietos com o facto de a PIDE ainda não estar ocupada», lembra Costa Correia.
Perguntando a Costa Correia se não havia agitação pelo facto de terem morrido várias pessoas, este responde: 
«Sim, isso sim. Mas tenho a impressão que muitas pessoas tinham ido para casa ouvir as comunicações e as notícias. Não havia muitos populares na rua naquela noite. De manhã, depois, começou a haver muito mais».
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... e isto é pouco correto pois um comandante chegou ao local da PIDE já noite escura do 25 (diziam que estava a jantar…) e já lá estava nas traseiras da PIDE uma Chaimite, e um pelotão na frente (o tal servente da PIDE já tinha sido abatido antes!), onde tinham na mira das armas uma dúzia de pides nos degraus da porta, este comandante chega ao local a pé e ao meu lado sacou dum revolver à cintura, não usava a Walther… deu um berro 
à minha ordem manda avançar um a um para revistar, ao mínimo movimento suspeito fogo à matar”, 
os pides foram um a um encostados ao muro em frente debaixo de triangulação de atiradores, nesse momento fomos empurrados pelas G3 dos soldados a evacuar os civis… os fuzileiros só chegaram no dia seguinte!

Estive em perigo de vida sem o saber - a Chaimite estava nas traseiras provavelmente para evacuar alguém… como no Carmo!

Provável suspeito de pertencer à PIDE é rodeado por espingardas.
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publicado às 03:57

25 de Abril.
Este dia é comemorado em Itália como dia da libertação do "nazi-fascismo", já que nessa data em 1945, Milão e Turim caíram do controlo alemão, e três dias depois Veneza e toda a Itália ficava liberta da presença nazi. Coincide ainda com a comemoração veneziana do dia de São Marcos, de que aqui falámos ainda sobre a festa do botão de rosa
Festa do botão (bocolo) de São Marcos
Tradizione centenaria vuole che il 25 aprile a Venezia, festa di san Marco (che dal dopoguerra casualmente coincide con la festa della Liberazione dell'Italia dal nazifascismo), a fidanzate e mogli venga offerto un bocciolo (in veneto bòcolo) di rosa rossa, in segno d'amore.
 
Cartaz anunciado o 25 de Abril em Itália. Praça de São Marcos com um bocolo humano.

Convém notar que no cartaz vemos a papoila, e não se prende aqui com o Anzac Day, lembrança do desembarque em Gallipoli, em 25 de Abril de 1915... de que aqui também falámos, e que tem como flores associadas a papoila ou o cravo vermelho.

Coincidência notável, de Gallipoli a Veneza, da Itália a Portugal, passando por Londres, ou Viena, o 25 de Abril guardou as suas flores, papoilas ou cravos vermelhos.

Ainda me lembro que a acompanhar o ramo de flores em Maio era questão crucial acompanhar o ramalhete com uma papoila. Se na altura era vista como símbolo de liberdade, creio que só o percebi depois, talvez ao tempo de perceber que de outras papoilas saía ópio, invocando outras libertações de espírito. 

11 de Setembro.
Em 11 de Setembro de 1973, a CIA supervisionou o golpe de estado no Chile, que colocou o general Pinochet no poder, terminando no mesmo dia com o suicídio do presidente eleito, Salvador Allende.
Como é bem sabido, se havia coisa que estava bem presente na cabeça dos portugueses, era o carácter letal, e fora de controlo, a que este tipo de movimentações dava lugar.
 
Salvador Allende tentando escapar ao golpe. Bombardeamento do palácio presidencial. Pose de Augusto Pinochet. 

Também neste caso temos uma data que liga diversas lembranças, mais pelo aspecto sombrio. Desde a fracassada independência catalã, em Barcelona, ao golpe de estado no Chile, até aos atentados de Nova Iorque. A esta data não se associariam flores...

Do 11 de Setembro ao 25 de Abril, em sete meses, o que mudaria seria quase uma inversão.
De um golpe que tirava um governo eleito e colocava uma ditadura militar, para um golpe que retirava uma ditadura e pretendia colocar um governo eleito. 
Na América do Sul, seguir-se-iam movimentações destinadas a cimentar ditaduras militares, através da chamada Operação Condor, enquanto a Europa da NATO veria cair as últimas ditaduras existentes (Portugal, Grécia, Espanha).

Como se conjugavam eventos tão díspares e quase de sinal contrário?
Em 1973 a Inglaterra entrava na CEE, juntamente com a Irlanda e a Dinamarca. A CEE passava de 6 a 9 países. Os 3 próximos países prontos a entrar vão ser justamente os que saem desse regime ditatorial, ou seja, a Grécia, Portugal e Espanha. O novo crescimento da CEE, já UE, dá-se com a entrada da Suécia, Finlândia e Áustria. A UE está assim pronta para acolher os restantes países, acabadinhos de sair do Pacto de Varsóvia. Ou seja, no lado europeu, provavelmente sob orientação inglesa, procurou-se evitar conflitos e fazer transições democráticas pacíficas... tendo colapsado apenas no caso da dissolução jugoslava.
No lado sul-americano, a estratégia foi bem diferente, e a estratégia terá ficado a cargo da linha mais dura da CIA, a linha do 11 de Setembro. Com a queda do muro de Berlim, a necessidade de apoio aos regimes ditatoriais sul-americanos, foi-se desvanecendo, ainda que Cuba continuasse a influenciar os movimentos comunistas.
No final dos anos 90, na transição para o novo milénio, não havia razões para manter a especulação financeira, que tinha servido e sido especialmente eficaz para destruir a economia soviética. Excepto que, uma vez criado o monstro financeiro, ele decidiu justificar a sua existência, nem que para isso fosse preciso criar um perigo efectivo de terrorismo, conhecido como... 11 de Setembro.

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publicado às 04:51

Quando em Fevereiro de 1975, o porta-aviões USS Saratoga estacionou em Lisboa, praticamente em frente ao Palácio de Belém, ninguém teve muitas dúvidas de que havia um significado político e militar na presença da frota americana na capital, mesmo disfarçada no enquadramento da operação Locked Gate ("Portão Fechado") da STANAVFORLANT, ou seja da NATO.

Fevereiro de 1975 - o porta-aviões USS Saratoga estacionado no Tejo, em Lisboa. (Jacarandá - foto)

O ano de 1975, do 11 de Março até ao 25 de Novembro, foi crescendo para o chamado Verão Quente do PREC (processo revolucionário em curso), onde a população sentia que o caminho político poderia tomar o sentido de uma ameaça vermelha, conforme fazia capa a Time em 11/08/1975, onde curiosamente chamava 
Lisbon's Troika
... ao conjunto Otelo Saraiva de Carvalho (MFA), Vasco Gonçalves (primeiro-ministro) e Francisco da Costa Gomes (presidente da república).

Por isso, lembro bem que, apesar da imprensa tentar ignorar a presença do USS Saratoga, o que se falava na altura é que os EUA estariam dispostos a intervir militarmente se a política portuguesa evoluísse para uma proximidade do bloco soviético. Havia quem achasse que uma invasão americana resolveria o problema, e poucos estavam importados com a independência nacional, diga-se. As "mocas de Rio Maior" eram brandidas para explicitar que a província não estava alinhada com as manifestações do PCP, e a presença americana só foi incómoda para as alas da extrema esquerda, maoístas, trotskistas ou leninistas.
Foram desta altura muitos murais que se viam em Lisboa, pedindo a saída da NATO, e por outro lado, a NATO perdendo a confiança no regime português, ponderou mesmo expulsar Portugal.

Vem este assunto a propósito das comemorações dos 45 anos do 25 de Abril.
Mais uma vez, pratica-se uma farsa ritual que cheira a mofo, onde se vão buscar alguns dos chamados "capitães de Abril", e onde basicamente as gerações seguintes agradecem a coragem, ousadia, etc...

Há 3 anos, deixei aqui um bom postal que relatava a participação da NATO:

https://alvor-silves.blogspot.com/2016/04/o-25-de-abril-e-nato.html

Quantas referências existem na internet sobre a presença dos navios da NATO no 25 de Abril?
Tirando os artigos originais no facebook de Carlos S. Silva, e aquele que deixei, não aparece rigorosamente mais nada! 
No entanto, está bem documentado que a frota da NATO chegou a 23 de Abril e saiu a 25 de Abril. 
Como se ignora o elefante na sala?
- Não se fala dele. 
Podemos tentar procurar no Wikileaks, mas como é óbvio, nos documentos diplomáticos só aparecem as trivialidades conhecidas, reportadas pelos informadores locais.

Há um excelente artigo no Tony Seed's Blog, publicado este ano. Fala de Amílcar Cabral, mas como é um grande artigo, fala do enquadramento do 25 de Abril, da participação das forças navais do Canadá no golpe, e depois no apoio às operações de descolonização, expressando mesmo que o apoio canadiano teria visado esses interesses africanos.
É por exemplo interessante, ao revelar todo o enquadramento da Aginter na operação Gladio da NATO, e explica como a fabricação do Partido Socialista foi feita "de um dia para o outro", com a injecção de 10 milhões de dólares do SPD alemão (via Willy Brandt) e de um montante não revelado por parte da CIA.
"In 1974, when the fifty-year-old fascist regime was overthrown in Portugal, a NATO member, communists and left-wing military officers took charge of the government. At that time the Portuguese social democrats, known as the Socialist Party, could hardly have numbered enough for a poker game, and they all lived in Paris (Mário Soares) and had no following in Portugal. Thanks to at least $10 million from the Ebert Stiftung plus funds from the CIA, the social democrats came back to Portugal, built a party overnight, saw it mushroom, and within a few years the Socialist Party became the governing party of Portugal. The left was relegated to the sidelines in disarray.” 
(Philip Agee, “Terrorism and Civil Society: The Instruments of US Policy in Cuba.” August 9, 2003)

Faltaria dizer aqui que deverá ter sido crucial o uso da maçonaria, o GOL, que adoptou o PS, e Mário Soares, como rosto principal de uma nova política. Mário Soares, que tinha tido uma votação insignificante em 1969, pela CEUD, ganha toda a cobertura mediática para rivalizar com a chegada de Álvaro Cunhal, ambos vindos de Paris, com as cegonhas, para o 1º Maio, comemorado então em conjunto.

O que se terá passado?
Para efeitos de organizar a cabeça com estas e outras informações, uma hipótese que considero é a seguinte.
1º) Após as eleições de 1969 e até 1973 a política de Marcelo Caetano não mudou tanto quanto desejariam os seus aliados da NATO, especialmente no sentido de uma descolonização. A visita mal sucedida a Inglaterra em 1973 terá ditado o fim breve do regime.
2º) A partir de 1973 começariam a ser feitos os preparativos para um MFA. O primeiro sinal que os militares julgam surgir é o da publicação do livro de Spínola em Março de 1974. Mas nem o levantamento do Quartel da Caldas, a 16 de Março, terá precipitado as coisas, pois nem a ovação feita a Caetano no clássico Sporting-Benfica, fariam Marcelo Caetano suspeitar de que haveria repetição do levantamento a 25 de Abril. No entanto, nos bastidores, os preparativos continuavam a acelerar para a chegada da força naval da NATO.
3º) A movimentação das tropas em resposta ao 16 de Março terá servido para entender como seria depois a resposta no 25 de Abril. Quando as forças da NATO chegam para o exercício conjunto a 23 de Abril, toda a logística será tratada, com um envolvimento de um número mínimo de "capitães". A maioria saberia da benção externa, e de uma eventual cobertura caso as coisas corressem mal.
4º) O papel principal da NATO foi de força de dissuasão. O exercício "Dawn Patrol" a ter lugar exactamente no dia 25 de Abril, envolvia meios navais e aéreos. Por isso, esses meios não puderam ser usados pelo regime, pois isso comprometeria as tropas estrangeiras em solo português. Tudo assim se limitaria a uma movimentação clássica do exército, especialmente das tropas estacionadas próximo de Lisboa, que na sua boa maioria tinham sido arregimentadas favoravelmente à revolução.
5º) Temos assim uma situação invulgar de conflito, em que não se envolvem nem meios aéreos, nem meios navais, já que a fragata Gago Coutinho, que iria participar no exercício, acaba por se ver impossibilitada de agir contra as tropas de Salgueiro Maia, pela própria resolução de desafio adoptada pela fragata canadiana Assiniboine.

Consequências
A operação no 25 de Abril foi invulgar, porque ao contrário do habitual, usou-se muito mais cabeça do que força, e serviu como preliminar para as mudanças de regime que logo de seguida se vieram a verificar na Grécia e em Espanha. Toda a mudança de regime que se verificou com a queda do muro de Berlim, ou até com os levantamentos de tropas contra Gorbashev, tiveram o mesmo cuidado de evitar ao máximo qualquer efectivo uso de violência. Só a dissolução da Jugoslávia acabou por cair fora desse cenário razoavelmente pacífico. 
Se esta operação tivesse sido levada pela NATO em qualquer outro país, então Portugal, tal como os restantes países europeus, teria feito uma transição para o regime "democrático", nos anos 1980-90.
No caso espanhol bastou o exemplo português para contaminar essa transição, sem qualquer contexto militar. Ou seja, o plano estava pronto para ser posto em marcha, e foi aplicado de forma exemplar em Portugal... mas sem a benção e presença da NATO, os camaradas Óscar, Bravo, Tango, etc... teriam tido a mesma sorte que os anteriores - seriam simplesmente presos.

NEVER UNPREPARED

Relato do Capitão R. H. Thomas (traduzido para português), anterior capitão da Assiniboine.

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HMCS Assiniboine e o Golpe Português de 1974
ou 
"Onde foi isto abordado nos exames de comando?"

pelo capitão Robert H. Thomas
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Na primavera de 1974, Portugal estava em tumulto político há algum tempo, com divergências centradas no Exército sobre as políticas em territórios ultramarinos portugueses. Em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau a revolução e o terrorismo desafiaram as administrações coloniais portuguesas por mais de uma década. Uma tentativa de golpe em 16 de Março, liderada por oficiais subalternos que se opunham ao governo de extrema direita, fracassou, levando o governo à complacência. Seis semanas depois, um segundo golpe militar foi bem sucedido e tomou o poder.


A fragata HMCS Assiniboine encontrou-se no meio do golpe. Ela fazia parte de uma frota da NATO programada para se reunir em Lisboa e sair ao primeiro raio de luz em 25 de Abril. O momento do golpe tinha sido planeado, em parte, para acompanhar a partida da frota, garantindo que o Tejo estaria livre de navios de guerra estrangeiros. Os caprichos do mar intervieram.

Na manhã do dia 22 de abril, a caminho de Lisboa, a Assiniboine avistou um pequeno navio mercante granadino, o Trade Mariner, que ficara à deriva sem energia por oito dias. Tentativas para consertar o motor não tiveram sucesso, e então a Assiniboine levou-o a reboque e seguiu para Lisboa, a 560 quilômetros de distância. Isso atrasou a chegada de Assiniboine até às 11h de 24 de Abril. 
No entanto, o capitão Jock Allen, comandante do grupo de trabalho canadense, aprovou uma estadia de 48 horas em Lisboa.

Na chegada, a Assiniboine assegurou a retirada dos outros navios de guerra, e teve que se deslocar muito cedo no dia 25 de Abril, para permitir que os outros navegassem para o exercício, como planeado. O piloto encarregado da mudança chegou atrasado, incoerente e reclamando de um engarrafamento na cidade. Uma deslocação por rebocador para o ancoradouro iniciou-se imediatamente antes das 7:00 da manhã. Dois membros da empresa marítima da Assiniboine foram deixados em terra para mover o veículo alugado para a Doca da Marinha, para onde a fragata deveria ir.

Ancorada a fragata, a permissão para acompanhar não foi recebida e ficou claro que algo sério estava a acontecer. O piloto estava conversando com as autoridades em terra, mas não podia ou não explicava o que estava acontecendo. De facto, sem que soubéssemos, o golpe tinha começado às 3:00 da manhã e o Exército havia-se movido rapidamente para tomar o controle da cidade.

Pouco depois das 9:00 da manhã, uma fragata portuguesa, a Almirante Gago Coutinho, aproximou-se da Assiniboine. Ela estava claramente a postos para a acção e circulou à nossa volta. 
A nossa reacção foi tomar um grau mais alto de integridade estanque, mas não fazer nenhuma acção evidente que pudesse ser percebida como ameaçadora ou provocatória pelos portugueses. 
Ao mesmo tempo, estávamos pensando seriamente sobre o que fazer se ela tentasse alguma acção hostil. O que não sabíamos era que o Exército estava igualmente inseguro quanto às intenções da fragata e que os tanques estavam prontos para atirar contra ela se fosse necessária uma acção hostil. No entanto, a meio da manhã, depois que os seus oficiais aparentemente recusaram as ordens do capitão de atirar na cidade, o navio ergueu as armas em direcção ao céu e retirou-se.

Fomos finalmente ordenados a permanecer ancorados às 10:00 horas, devido à agitação política em terra. Para descobrir o que estava acontecendo, o Comandante Robin Corneil, levou um pequeno grupo a terra às 10:25, na tentativa de encontrar o embaixador canadiano e aguardar instruções.

Enquanto isso, os nossos dois marinheiros em terra dirigiram-se ao destino do navio e estacionaram, apenas para ouvir tiros e testemunhar uma considerável comoção. Aqui, membros da PIDE (Polícia Internacional de Defesa do Estado) haviam-se barricado no quartel general do outro lado da rua e atiravam indiscriminadamente contra a multidão. Em última análise, cinco indivíduos foram mortos e muitos mais feridos - o único derramamento de sangue no golpe.

Na sua ida a terra, o Comandante Corneil conversou pela primeira vez com o Comandante Gregor MacIntosh, da HMCS Yukon, que estava prestes a navegar de volta ao Canadá, depois de participar na força naval permanente da NATO no Atlântico (STANAVFORLANT). Entretanto a tripulação estava na praça assistindo ao tiroteio! O comandante Corneil ligou para a embaixada canadiana e foi informado pelo segundo secretário de que não parecia haver nenhum perigo para os canadianos. 
De seguida, entrou em contacto com o embaixador, R. Duhamel, para orientação. Foi incapaz de obter qualquer ordem específica dele, sendo dito repetidamente para "fazer o que os seus superiores lhe dizem para fazer". Depois de tantas repetições, Corneil finalmente disse: "Sr. Embaixador, você é meu oficial superior, até decidir o que quer que eu faça!
Ele foi então aconselhado a regressar à embaixada.

Pouco depois, um adido naval americano, à paisana, aproximou-se do comandante Corneil. Ele era fluente em português e descreveu o que estava acontecendo. A partir daí, Corneil pôde dar à embaixada um relato detalhado dos acontecimentos e da incerteza dos oficiais navais portugueses presentes, que não queriam deixar a Doca até ter a certeza de quem venceria. 
Às 12h18, o Comandante Corneil retornou ao navio, com os dois membros da companhia marítima do Assiniboine, que estavam em terra.

Houve outras complicações canadianas em terra. Um destacamento da Força Aérea canadiana, num Argus de Greenwood, estava no aeroporto internacional da Portela, que havia sido apreendido às 3:30 da manhã por uma unidade da escola de oficiais. Algum pessoal trouxe cônjuges a Lisboa e estavam com eles em hóteis no centro da cidade. Não havia maneira de contactá-los ou garantir sua segurança, mas a rapidez e a falta de violência no golpe impediram que qualquer mal ocorresse.

No meio da tarde, ficou claro que não havia mais nada que pudéssemos fazer. Portanto, levantámos âncora pouco antes das 3:00 da tarde, e navegámos lentamente pelo Tejo, observando a actividade das multidões em terra, especialmente a sua rápida dispersão quando um tanque subitamente apareceu num cruzamento.

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publicado às 06:12

Os dois últimos postais foram sobre os manos e sobre humanos.

Se há coisa a que os seres humanos não são poupados, é à perspectiva de um pior horror.

Relembro aqui o postal Casanova e as velhas causas, que também tratava dos dois assuntos, e em particular da penosa execução que sofreu Damiens, acusado de tentativa de regicídio em 1757. Também em Portugal, o nosso bom maçónico Marquês decidiu exercer a sua crueldade pública nos Távoras, logo de seguida, em 1758.
O que podemos ver é que o aumento do conhecimento científico não serve para maior empatia, serve também para infligir maior sofrimento. Se Brunilda pode ter sido poupada ao uso de ácidos, Damiens não foi porque a ciência os vulgarizara.

Alguém soube de algo que tivesse inibido a crueldade latente?
- Não me parece. Se o exemplo cristão procurou ensinar a resposta não violenta contra a violência, isso não inibiu a Igreja de ser crédula na crueldade, trazendo mais inferno sob pretexto de nos querer livrar dele.

Creio que a Divina Comédia, de Dante, ficou famosa porque abriu novos níveis de inferno.
Uma tentativa de explicitar maiores horrores, nesse caso eternos, para que aos párocos cristãos não faltasse imaginação tenebrosa para converter fiéis pelo medo. 

Na arte, de Bosch a Munch, com quinhentos anos de diferença, vemos uma mesma tentativa de impressionar, de tornar desconfortável, a posição do espectador.

 
O grito. Edvard Munch (1893). A visão de Tondalys por Hieronimus Bosch ou seguidor (c. 1485)

Da literatura ao cinema, sempre que houve oportunidade, foi dada toda a liberdade ao horror, ao terror, à sua presença no nosso imaginário, até das formas mais sinistras que foram pensadas. Nem sequer as crianças eram a isso poupadas, com contos infantis onde as mais desprevenidas tanto podiam ser o repasto de lobos como de bruxas.

Poderá dizer-se que fomos poupados a alguns registos ainda mais tenebrosos, mas esse é sempre o epílogo do horror - afirma-se poder ser pior que o pior conhecido. No fundo, uma trivialidade também aplicável à ignorância dos intelectuais. 
Ou, como no filme "Contacto", não se fala dos horrores que conhecemos, fala-se dos horrores que desconhecemos, isto acerca da cápsula de cianeto (supostamente dada aos astronautas):
«There are a thousand reasons we can think of for the occupant of the machine to have this with them [cyanide pill] - but mostly it's for the reasons we can't think of.»
As religiões cobram na Terra a entrada para o Paraíso celeste.
Como factor persuasivo, ameaçam com infernos mais tenebrosos que os terrenos.
A perspectiva infernal serviu como seguro de obediência e bom comportamento terreno.
Repare-se como a morte foi excluída, enquanto saída intermédia, proibindo o suicídio.

Nada seria mais socialmente perigoso do que alguém sem medo de morrer. 
Assim a religião não serviu apenas para combater o medo da morte, serviu para combater a falta de medo perante a morte, com a promessa de castigo eterno.

Enfado, em fado
Aquilo que é negligenciado, por falta de reflexão, é que o pior fado é o enfado.
A pior situação não é uma de que podemos sair, vivos ou mortos, é a aquela de que não podemos sair.
O pior Inferno é condenar alguém a ser Deus.
O Deus idealizado ficaria no permanente enfado de conhecer o seu fado.

O problema destas questões teológicas ou filosóficas, é que as falhas e contradições evidentes são varridas para baixo do tapete. Uma retórica grande e nula vai servindo para evitar a simples lógica.
"Alguém que conhece tudo..." é uma noção inexistente, porque inevitavelmente essa entidade desconheceria o desconhecimento. "Alguém que pode tudo..." seria outra, porque nesse caso nunca provaria ser capaz de se tornar eternamente impotente. 
A religião cristã poderá ter pensado resolver estes problemas óbvios, com uma dualidade homem-deus em Cristo, e a sua junção num mistério da trindade. Enquanto homem teria exeprimentado o desconhecimento e a impotência. Mas ninguém experimenta ser impotente sabendo a priori que não o é. Quanto a identificar dois a um, confundir a diferença na igualdade, é o mesmo que recusar o raciocínio. Chutar tudo isso para mistério é apenas a retórica na sua plena nulidade.

Há com efeito um eterno perigo, que é o perigo do enfadamento.
Quando o espírito começa a desprezar o detalhe, ao ponto de não se interessar por nada, então começará a aparecer uma sede do desconhecido. Porque se tudo passar a ser entendido como previsível e óbvio, então a falta de imprevisibilidade começará a aparecer como uma seca no espírito. 
Até neste ponto, a língua portuguesa ao usar a expressão "... isso é uma seca!" revela um aviso de sede, que normalmente é remetido ao emissor, ou que também pode ser falta de abertura do receptor para a novidade ou para a complexidade.

O enfado ocorre, por exemplo, quando mesmo que um emissor mude muito a emissão, considera o que recepciona como sendo praticamente o mesmo. É a situação típica em que há sucessivas reclamações contra uma prepotência, sem qualquer efeito. Por muita razão que o reclamante tenha, o sistema ignora-o sucessivamente. Nalguns casos, o reclamante exaspera ao ponto de recorrer a medidas mais drásticas, que podem incluir terror.
Por exemplo, os judeus zionistas reclamavam pelo estado de Israel, e não o conseguindo de outra forma, recorreram a atentados terroristas. Depois, de forma similar, os palestianos reclamaram contra Israel, e considerando que não estavam a ser ouvidos, recorreram a atentados terroristas...

Quando o indivíduo se dedica e concentra num objectivo, tende a tomar toda a recepção interpretada nesse propósito.
Se não consegue ser ouvido por via pacífica, tende a usar cada vez acções mais drásticas.
Numa sociedade que quer ignorar ou descartar discordâncias, esse será um caminho frequente.


Necessidade de horror?
Será pergunta no passado, porque a continuação parece opcional.
A pergunta pode ser colocada no sentido oposto... ou seja, poderia não ocorrer?

elencámos situações em que a natureza exerce o seu horror de forma cruel, quando serve uns animais como repasto a outros, ou como os faz perecer de fome, sede, etc. Sabendo o que sabemos, a esta possibilidade bastava ser possível, para nada haver que a impedisse de acontecer.

O espírito humano ao adquirir a possibilidade de fabricar coisas positivas, nada tinha que o impedisse de aproveitar essa fabricação, essa mesma genialidade, para o lado negativo, para o lado sombrio.

Podemos requerer uma empatia humana sempre presente, mas a natureza desafia toda a empatia, quando a ausência dela é uma possibilidade igualmente viável.
Aliás, houve casos em que uma maneira de combater o horror foi ficar completamente insensível a ele, foi aprender a viver com ele. Simplesmente essa falta de empatia para com o próximo, acaba por não ter sucesso social, porque é uma recusa de entendimento social.

A irmandade da humanidade, apesar de ser falsificada, com objectivos apaziguadores e inibidores para uns, e proveitosos para outros, teve a virtude de se tornar uma noção consensual no politicamente correcto.
Simplesmente essa irmandade será sempre desafiada, enquanto for aquilo que é... um projecto utópico localizado sem qualquer substrato ou vontade de implementação global.

Enquanto o uso de terror ou horror continuar a funcionarn uma lógica de causa-efeito, não há qualquer razão para desaparecer. Se nem tão pouco poderia desaparecer como fenómeno pontual, ilógico, e imprevisível, muito menos irá desaparecer enquanto fenómeno produtivo que pode provocar uma reacção quando outra não tem viabilidade de acontecer.

Ou seja, a necessidade de horror será tanto maior quanto a sociedade, dominada por alguns "irmãos" se for tornando cada vez mais cega e surda às mensagens enviadas pelos outros.

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publicado às 13:18

Já aqui mencionei a história de Brunilda, mas o registo é tão singular que merece nova dedicatória.

Em poucas palavras, Brunilda foi uma princesa visigoda, nascida em Toledo, circa 543 d.C.
Casou-se com o rei da Austrásia, Sigeberto, e envolveu-se numa brutal luta de poder com a mulher do rei da Neustria, de nome Fridegonda. Viveu setenta anos, e tentou assegurar a sucessão do filho, netos, e bisneto, acabando finalmente às mãos do filho de Fridegonda, Clotário II, em 613 d.C. 
O ódio remanescente era tal que Clotário II decidiu pela sua execução brutal, primeiro entregando-a às exigências das suas tropas durante 3 dias, e depois sendo esquartejada ou arrastada por cavalos.

A execução de Brunilda (iluminura do Séc. XV)

Falo deste tema, porque ao ver as moedas ibéricas, deparei com uma do rei visigodo Gundemar.
Moeda de ouro de Gundemar, rei visigodo (610-612)

A cidade de Gondomar, com grande tradição no ouro, tem o seu nome herdado deste antigo rei, que assassinou o predecessor (Viterico), e foi hostil a Brunilda.

Esta moeda, e as seguintes, servem também para notar como, de um momento para o outro, as perfeitas caras de desenhos romanos, passaram a dar lugar a coroas com bonecos de crianças.

Mas o nome de Brunilda foi de tal maneira forte, que se foi quase esquecido oficialmente, foi-se impondo pela mitologia, em histórias alternativas, que bebiam em parte do original. Na saga dos Nibelungos passou a nome mítico de rainha da Islândia, foi valquíria na mitologia nórdica, tendo ficado imortalizada com Siegfried na obra prima de Wagner - o Anel dos Nibelungos.
Götterdämmerung - última parte do Anel dos Nibelungos, de Richard Wagner.
Interpretação de Gwyneth Jones como Brunilda, em 1979 (direcção de P. Boulez).

Desde o "Senhor dos Anéis" até à mais recente série popular "Guerra dos Tronos", todos acabam por ir beber ao mítico ambiente primevo medieval, um ambiente algo sinistro em que a original Brunilda foi uma das protagonistas principais.

A ideia de uma rainha, forte e bela como uma valquíria, trouxe a protagonista até para a banda desenhada da Marvel, e chegou a filme, enquanto rainha islandesa (Kristanna Loken interpretou o papel de Brunilda no filme alemão "Dark Kingdom: The Dragon King", inspirado no Anel dos Nibelungos).

A primeva sociedade medieval, completamente abalada pela queda do Império Romano ocidental, pouco mais tinha que um século quando a história de Brunilda a marcou profundamente.
Chegou-nos ainda a história concorrente do Rei Artur, de Guinevere e Lancelot, mas aqui as coisas chegam a um nível bem mais complicado.

O ambiente é a França merovíngia, em que Childerico se torna o seu primeiro rei, já que o seu pai Meroveu tem uma existência semi-lendária. É através de Childerico e do seu filho Clóvis que se funda a dinastia merovíngia.
Anel e selo de Childerico I (CHILDIRICI REGIS), o primeiro rei merovíngio.
Não é de excluir que a herança deste Anel pudesse ser relevante na história.

A França é unida por Clóvis I, mas dividida pelos filhos na sua sucessão.
Um deles, Clotário I, acaba por reunir o território às expensas de guerras contra os irmãos, mas de novo, na sua sucessão, a França é dividida entre os filhos, e a guerra renasce.
Moeda de prata de Clotário I (CHLOTHAHIRIVI).

De um lado teremos Chilperico, rei da Neustria (Soissons), do outro Sigeberto, rei da Austrásia (Metz), e a meio o irmão Gontrão, rei da Burgundia (Borgonha, Orléans), para além de outro irmão, rei de Paris, que morre cedo.
 

Esq: Moeda de ouro de Chilperico (CHILPRCVS RES). Dir: Moeda de ouro de Gontrão, rei da Borgonha (Burgúndia).

Desde o início Chilperico tenta sem sucesso invadir os reinos dos irmãos.
Ao contrário da tradição de poligamia merovíngia, Sigeberto decide casar com Brunilda, princesa visigoda, e rapidamente reconhecida como rainha de grande inteligência... ou ardil.
Chilperico, com alguma inveja, decide imitar o irmão, e casa com Galsuinta, irmã de Brunilda, prometendo deixar a poligamia, que mantera com Audovera e Fridegonda (entre outras).

Casamento de Brunilda com Sigeberto (crónica do Séc. XV), e moeda de Sigeberto.

No entanto, por instigação de Fridegonda, Galsuinta é assassinada em 569, o que naturalmente causa uma ira permanente na irmã Brunilda e, assim, em Sigeberto. Seguem-se 40 anos de guerra civil entre a Neustria e a Austrásia, resultado do ódio entre Fridegonda e Brunilda.

Se Chilperico contou no início com o apoio do irmão Gontrão, depois e até à sua morte, Gontrão será aliado de Brunilda (e será mesmo elevado ao estatuto de São Gontrão pela Igreja).
Nas diversas batalhas contra Chilperico, os reis Sigeberto ou Gontrão saem vencedores, deixando a Neustria numa posição cada vez mais fragilizada.
Numa tentativa de invasão da Austrásia em 573, o filho mais velho de Chilperico e Audovera (Teodoberto) é morto em batalha, deixando a situação mais complicada.

Em 575 Chilperico está derrotado e Sigeberto consegue a subsmissão dos vassalos da Neustria, mas logo após ser consagrado rei da Neustria, é assassinado por homens a mando de Fridegonda.

Nesta novela digna de série de sucesso, a situação acaba por se inverter, já que o filho de Sigeberto tem apenas 5 anos de idade.
Chilperico consegue assim retomar o seu reino, e a posição de fraqueza passa para a Austrásia.

1ª Regência - filho
Brunilda, agora viúva, é regente na menoridade do filho Childeberto, mas vê-se confrontada pelos nobres da Austrásia.
Como Fridegonda se movia no sentido de eliminar os filhos de Chilperico com Audovera, Brunilda acaba por casar estrategicamente com o sobrinho Meroveu, que seria herdeiro da Neustria. Sendo uma união entre tia e sobrinho, apesar de não ser consanguínea, é ainda provocatória.
Gera-se uma guerra entre o pai Chilperico e esse filho, Meroveu, que é derrotado e fugindo em 578 suicida-se, assistido pelo seu servo.

Brunilda volta-se então para o apoio do cunhado Gontrão, que não tem herdeiros, acabando por conseguir que este declare Childeberto como seu sucessor na Burgundia.

Moeda de Childeberto II, filho de Brunilda.

Em 583, Childeberto faz 13 anos e é consagrado rei, terminando a regência de Brunilda.
Em 584, talvez a mando de Brunilda, Chilperico é assassinado, sendo sucedido por Clotário II, seu filho com Fridegonda,
Em 592 ao morrer Gontrão, Childeberto acaba por juntar os reinos da Austrásia e Burgundia.

2ª Regência - netos
Childeberto, morre novo, com 25 anos (em 595), e tendo dois filhos, um deles (Teodoberto II) herda a Austrásia, enquanto o outro (Teodorico II) herda a Burgundia.
Moeda de Teodoberto II (THEODOBERT), neto de Brunilda.

Ambos são pequenos, e Brunilda acumula a regência dos reinos dos netos (Austrásia e Burgundia).
Em 597 morre a rival Fridegonda, que Brunilda associava à morte do marido e do filho, e que esteve ainda associada a uma infindável série de assassinatos internos na Neustria, inclusivé de bispos, e até da tentiva de matar a própria filha.
Durante algum tempo refugiou-se com o filho em Notre-Dame e conseguiu a protecção do cunhado, Gontrão. Num típico volte-face, pouco tempo depois, tentará assassiná-lo...
O ódio de Fridegonda contra Brunilda seria herdado com zelo pelo seu filho Clotário II.
Túmulo de Fridegonda em Saint-Denis

Crónica e repetida situação, a rivalidade entre irmãos.
Após a maioridade, Teodoberto expulsa a avó da Austrásia, e assim também os seus dois netos entram em guerra, agora com Brunilda refugiada junto de Teodorico, na Burgundia.

Brunilda liga-se então a um novo amante, Protadius, que ela consegue elevar à posição mordomo do palácio borgonhês (um equivalente a primeiro-ministro), preparando uma armadilha mortal ao anterior. Protadius leva Teodorico a invadir a Austrásia, mas acaba morto em 606 numa conspiração dos nobres que queriam a paz entre os irmãos, liderada pelo duque da Suábia. Por sua vez, Brunilda manda-lhe cortar os pés e o duque acabará morto.

O conflito entre os netos de Brunilda não cessa, e Teodoberto II, após perder a guerra contra o irmão, acaba por ser assassinado em 612 com o seu filho, a mando do irmão ou da avó. Mas também Teodorico II acaba por morrer, e em 613 é o seu filho, Sigeberto, bisneto de Brunilda que herda o trono da Burgundia e da Austrásia.

3ª Regência - bisneto
Já com setenta anos, Brunilda vê-se de novo como regente, pela menoridade de Sigeberto II.
Mas desta vez os mordomos dos palácios da Burgundia e da Austrásia não querem ter de novo Brunilda a influenciar o bisneto, e aliam-se a Clotário II, o filho de Fridegonda, rei da Neustria.
Clotário II, Rei da Neustria, e em 613 de toda a França.

É finalmente a oportunidade de Clotário II reunir os reinos sob seu comando, livrando-se logo da descendência de Brunilda, e culpando-a da morte de dez reis, inclusive dos herdeiros que ele mandou matar. A execução de Brunilda, pela brutalidade, terá sido provável promessa à sua mãe Fridegonda.

Durante 3 dias Brunilda é entregue às sevícias das tropas de Clotário II e depois é executada, ou sendo arrastada por um cavalo, ou sendo separada por vários cavalos. O corpo desmembrado é depois queimado, guardando-se apenas as cinzas.

Terminava assim a história de uma princesa espanhola, a loura visigoda nascida em Toledo no cristianismo ariano, convertida no casamento ao cristianismo papal, e regente competente durante a menoridade do filho, dos netos, e do bisneto.
Como Clotário II saiu vencedor desta guerra civil inciada entre a sua mãe Fridegonda e Brunilda, não terá querido que ficasse nenhum registo digno desse nome que honrasse as proezas e ardis de Brunilda.

Esse terá sido o primeiro passo para que o nome e a história de Brunilda tivessem atingido o estatuto mítico, passando mesmo para um panteão semidivino, na figuração do seu nome enquanto valquíria. Sobreviveu ainda no mito o amor inicial de Sigeberto (escrito depois como Siegfried ou Sigurd). Também o nome de Gontrão (Guntram) acaba por poder ser associado no mito nibelungo a Gunther.
Os nomes dos opositores acabam por ser ignorados ou alterados no registo mitológico.

Existiu uma família nobre Nibelungida, associada a um nobre que foi historiador posterior, de nome Nibelungo, que terá continuado um relato burgundio de 642 chamado Crónica de Fredegário.
Porém, o termo Nibelungo (ou Gibichung) seria associado à casa real da Burgundia.
A lenda da Canção dos Nibelungos remete depois a uma destruição dessa casa pelos Hunos de Átila (Etzel), o que aqui corresponderia a uma fabricação temporal, já que essa presença huna tinha ocorrido no século anterior ao nascimento de Brunilda.

Se procurarmos algum nexo na mitologia desenvolvida, ao mesmo tempo que Brunilda era morta em suplício, estaria Maomé recebendo as primeiras palavras de Alá. Não foi a nobreza burgundia a ser destruída um século depois pela invasão árabe, mas sim a nobreza visigoda, de onde era orginária Brunilda.
Quer a anterior invasão huna, quer a posterior invasão árabe, deixaram profundas marcas na Europa medieval, e enquanto invasões externas, ou bárbaras, poderiam ser confundidas, sendo mais comum no europeu central a lembrança huna do que a lembrança árabe (que foi repelida com sucesso em Poitiers por Carlos Martel).
Também, e de alguma forma retendo apenas um lado da história, a Brunilda do mito será sempre jovem, ficando a ideia de que o enredo da lenda prefere reter a personagem até ao momento em que Sigeberto é morto, esquecendo as suas tribulações posteriores. Numa especulação mais solta poderemos entender que Fafnir, o dragão morto por Siegfried, poderia ser uma eventual invocação da morte do filho de Chilperico.

Este é um caso em que a história factual, muito baseada no registo de Gregório de Tours, ultrapassa em complexidade os contornos de uma ficção mitológica muito simplificada.

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publicado às 04:36

A maçonaria comemorou 300 anos em 2017, já que a 24 de Junho de 1717, dia de S. João Baptista, foi formalmente constituída Grande Loja de Londres. A comemoração decorreu no Royal Albert Hall, com alguma pompa e mais exposição pública do que é habitual:
Comemorações dos 300 anos da Maçonaria de Londres em 2017 (vídeo curto, vídeo longo).

Como previsto, as comemorações foram presididas pelo Duque de Kent, grão-mestre e primo da rainha Isabel II, e acima mostra-se foto do espectáculo associado, e do estilo variedades ligeiras, uma coisa entre o popularucho e o rude, que nos é trazida pelo vídeo longo.
Talvez haja comemorações mais dignas aos 303 ou 333 anos, já que há uma certa obsessão pelo número 3, ou mais em concreto, pela tribus. Dei conta destes 300 anos, quando vi que os coletes amarelos tinham saqueado um templo maçónico em Paris. Sem querer falar muito do assunto, a contribuição portuguesa para a maçonaria inglesa será tão grande e quase equivalente à aniquilação do país com a submissão à guarda do poder real inglês, que despontaria nos Séc. XVII e XVIII.

Barrete de Hefesto
Interessa aqui uma compreensão do enquadramento maçónico no contexto mediterrânico.
Por isso continuamos com uma moeda ibérica, de Málaga (Malaka), e que é algo diferente.
- Invoca o deus Hefesto (ou Vulcano) na face, e tem Hélios (ou Sol) no verso:
CoinArchives: IBERIA, Malaka. 2nd century BC. Æ Unit (25mm, 14.19 g, 11h). Bearded head of Hephaistos left, wearing conical cap; tongs to right; all within laurel wreath / Radiate facing head of Helios. ACIP 790. EF, dark green patina with light earthen dusting.
Olho radiante e pirâmide,
no Great Seal da nota de 1 dólar.
São especialmente curiosos os desenhos do verso, ao acompanhar a divindade solar Hélios, de face radiante, no topo do que parecem ser mais duas pirâmides. Ou seja, vendo uma moeda destas, seria difícil não lembrar o verso de outra moeda, o dólar, com a sua icónica nota...


A referência a Hefesto é clara por ter atrás da sua cabeça uma tenaz, um símbolo próprio, bem como por usar um barrete cónico, o pileus, a que estava associado.



Esse barrete cónico foi usado como símbolo da liberdade dos escravos, desde o tempo dos romanos.
Moeda de Brutus - "idos de Março".
Por exemplo, Brutus manda cunhar uma moeda "Idos de Março" (EID:MAR), após assassinar Júlio César, onde coloca justamente esse barrete cónico entre 2 punhais, procurando enfatizar que o motivo do homicídio era restaurar a república e a liberdade dos cidadãos romanos face a um ditador.
Este barrete "pileus" não tinha o formato frígio, conforme se veio a adoptar depois, especialmente no republicanismo do Séc. XIX.

Curiosamente o uso deste tipo de barretes é até remetido à cultura Bell-Beaker, sem que se perceba muito bem o suporte desta hipótese. Numa versão mais curta e mais reduzida ao coruto da cabeça, temos o barrete de velha tradição judaica - o quipá.

Na moeda ibérica não há nenhum nome associado, e assim não podemos ver qual seria a designação local de Hefesto, ou seja, talvez um nome Hé-festa fosse mais apropriado, já que a tradição helénica deixou o deus metalurgico na pouco simpática lembrança de marido traído, pela festa das escapadelas de Afrodite com Ares. Noutras moedas com invocação ao mesmo deus podem aparecer diferentes nomes, talvez invocando apenas a menção enquanto patrono do rei.

Hefesto, estando ligado à produção metalúrgica, teria ficado ainda associado ao avental de couro do ferreiro, e não tanto ao avental de pano do cozinheiro.
Em ambos os casos tratava-se de assar, num caso o aço, noutro caso um assado.
Seria uma alquimia de altas temperaturas, em que era invocado o Sol, ou Hélios.
De transformar chumbo em ouro, à poção da eterna juventude, haviam objectivos icónicos, que variavam entre a figuração de despiste, e alguma experimentação especulativa.

Três pontos fulcrais terão preocupado os detentores do poder efectivo.

  • O primeiro e mais antigo, de que se perdera a talvez a memória, seria a transição para o arco e a flecha, e cavalaria associada. Esse momento marcou um problema de equilíbrio de poder entre o indivíduo isolado e a sociedade. Uma pequena horde de cavaleiros seria capaz de destruir num ápice qualquer aldeia não fortificada.
  • O segundo momento terá sido o uso dos metais, inicialmente do cobre, e logo de seguida do bronze, numa alquimia entre o cobre e o estanho. Este terá sido um momento prolongado, de definição de algumas das antigas civilizações conhecidas. Um período de estabilidade onde a troco da protecção da estrutura social com exército próprio, algumas civilizações floresceram.
  • O terceiro momento foi o colapso da Idade do Bronze, e o advento das civilizações que baseavam o seu poder no ferro temperado, no aço. Os Assírios, com Sargão, terão sido dos primeiros a usar o ferro, mas talvez o momento crucial de transição tivesse sido definido pela Guerra de Tróia. Essa transição entre a Idade do Bronze e a Idade do Ferro, terá sido particularmente brutal e cruel.
Os poderes que perduraram foram aqueles que resistiram e definiram a transição, da Pedra ao Cobre, entre o Bronze e o Ferro. 

Sendo, mais ou menos claro que, aqueles que combatiam não eram os mesmos que produziam o material de guerra, a sociedade só era minimamente funcional quando os mestres profissionais, como os ferreiros ou os pedreiros, eram cooperantes com o poder existente, permitindo que o poder fosse efectivo.

Nenhuma eleição muda o poder existente.
Os eleitos limitam-se a sentar-se nos lugares, nas cadeiras, a eles destinadas, e a fazer como poucas variações os papéis para si previstos. Numa eleição, o povo não dá uma nova estrutura de poder, simplesmente mete novas caras na hierarquia de poder pré-existente. A maior variação que existe é na coexistência de duas máquinas operacionais concorrentes - uma ligada a um partido e uma outra ligada a outro. Mesmo em revoluções, é raro ver uma completa substituição do anterior poder, até porque o novo poder é sempre ignoto em múltiplas matérias. Um caso típico é a manutenção da máquina judicial anterior, quase sem alteração significativa face à nova.
Por isso, as repúblicas passaram a definir um poder próprio inerente e imutável, submerso numa ideia de mudança de cara, que raramente trazia qualquer mudança de política.

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publicado às 05:24

Uma particularidade dos escritos ibéricos é que estão longe de reunir algum consenso sobre o que poderiam dizer, ou até de qual seria o correspondente fonético.

A base dos estudos começa no que está estabelecido como sendo símbolos gregos e fenícios, sendo normalmente assumido que as letras gregas são uma variação das fenícias. Além disso, como já aqui abordámos, as letras gregas iniciais eram 16 ou 18, a que foram adicionadas outras, algo redundantes, após a Guerra de Tróia, segundo é referido por Aristóteles e outros autores antigos.

As letras gregas originais seriam inicialmente

α β γ δ ε ζ ι κ λ μ ν ο π ρ ς τ υ φ    e em maiúsculas   A B Γ Δ Ε Ζ Ι Κ Λ Μ Ν Ο Π Ρ Σ Τ Υ Φ 

e só depois da Guerra de Tróia teriam aparecido as letras  Η (η), Θ (θ), Ξ (ξ), Χ (χ), Ψ (ψ), Ω (ω).
Se isso aconteceu, será de ponderar, de novo, quem teriam sido os vencedores e os vencidos... porque não é propriamente hábito de vencedores mudar o seu alfabeto após uma vitória. Aliás toda a identificação dos gregos aos aqueus, e toda a ridícula geografia de proximidade do conflito, sugere apenas que a história está muito mal contada.

É suposto ainda que as letras gregas derivem do alfabeto fenício, o primeiro alfabeto, o primeiro uso da correspondência fonética na escrita.

Alfabeto fenício e correspondências.

Podemos encontrar as semelhanças, atendendo a que os fenícios escreviam da direita para a esquerda, ou seja, é natural a variação por simetria (ou rotação) de alguns símbolos.

É também daqui que é suposto terem aparecido as diversas escritas ibéricas entre os séculos VII a.C. e II a.C. Podemos ver as diferentes variantes, consoante a região ibérica correspondente (nalguns casos os símbolos correspondem a sílabas e não a letras individuais, o que acontece para G, K, B, D, T, que aparecem em coluna, ligados às vogais, para formar GA, GE, GI, etc., KA, KE, etc....):

 
Esquerda: Alfabeto Greco-ibérico. Direita: Alfabeto no nordeste ibérico.

 
Alfabeto Celtibérico: à esquerda, ocidental; e à direita, oriental.

Alfabeto do sudoeste ibérico (à esquerda), e do sudeste ibérico (à direita).

Apenas coloco esta informação porque para analisar as moedas ibéricas é preciso perceber como estes símbolos são habitualmente traduzidos... e até que ponto é que isso faz sentido.

Uso aqui informação sobre moedas ibéricas leiloadas nos últimos meses (Coin Archives):

BOLSKAN (XΓMAN, XCMAN)
Bolskan (X Γ M A N)

É uma moeda em prata, datada de 150-100 a.C., com um homem de barba, provavelmente o cavaleiro com a lança que aparece no verso.
Junto à cara vemos as letras XN o que talvez fosse indicador de número.
Na coroa, no verso, o nome "Bolskan" é suposto ser a tradução (ver alfabeto celtibero ocidental):

XBOΛLMSAKANN

No entanto, mais convictamente leria o escrito como ximan, para não dizer xaman...
Há bastantes moedas com esta inscrição, conforme se pode ver nos leilões.
Nalgumas aparece ainda um golfinho (na cara) em vez de XN, e por vezes uma estrela (no verso).
Existe ainda uma outra versão, em que aparece apenas X na cara e o homem não tem barba; no verso, o cavalo aparece sem cavaleiro. Podemos estar a falar de dois reis, pai e filho, ambos Bolskan, em que um deles seria Bo e o outro Bon. Ou simplesmente seria o mesmo em diferentes idades.

AREKORATA, SEKOBIRIKES, BILBILIS
Uma certa prova de que o nome servia para designar o rei, ou a pessoa representada, é que a mesma moeda aparece com outros nomes e outras caras. Não irei de novo divagar sobre a "tradução" do nome, porque o mais importante será manter um consenso evitando confusões desnecessárias.

Moeda do Séc. III a.C. com a inscrição AREKORATA, aparecendo O atrás da cara. 

Moeda do Séc. II a.C. com a inscrição SEKOBIRIKES, aparecendo U ou uma lua crescente, e M abaixo da cara.
Moeda do Séc. III a.C. com a inscrição BILBILIS, aparecendo M atrás da cara.

Curiosamente em todos os rostos é possível ver um perfil grego clássico, em que o nariz escorre directamente da testa, sem inclinação, e que podemos ainda ver nalguns espanhóis (como em Javier Bardem), mas que é agora mais raro (especialmente na Grécia...)

BELIKIO, EKAULAKOS, TITIAKOS, KONTERBIA
Este tema, do cavaleiro com a lança (no verso), aparece ainda noutras moedas
 
Belikio (esq.), Ekaulakos (dir.)
Titiakos (esq.), Konterbia Karbika (dir.)


TURIASU, SEKAISA, IKALKUSKEN, ILTIRTA, BARSKUNES, KELSE
Na mesma, ou em pequenas variantes (sem lança, com ou sem espada), temos moedas associadas a outros nomes:

 
Turiasu (esq.), Sekaisa (dir.)

Ikalkusken (esq.), Iltirta (dir.)

 
Barskunes (esq.), Kelse (dir.).


No total juntam-se aqui 16 moedas com referências a outros tantos reis ou personagens, e isto sem ser minimamente exaustivo (há muitas outras moedas).
Para além de Melqart, o Hércules fenício, deveremos estar na presença de reis que emitiram moeda, e portanto não se devem tratar de personagens fictícios, falando sim de líderes reconhecidos, que emprestavam credibilidade às moedas que mandavam cunhar.
Estando em diversas colecções, a sua origem é ibérica, principalmente em território espanhol (talvez exclusivamente no caso das apresentadas aqui), e é reportada uma datação que varia entre 300 a.C. e 100 a.C., mas desconhecendo o processo de datação, podemos considerar que podem até ter origem muito, mas muito mais antiga.

Sucessão de reis celtiberos?
Até que ponto é que se pode dizer ou excluir que estes personagens correspondam a uma linhagem de reis celtiberos, ou que de alguma forma dominaram uma parte considerável do território ibérico.
Apesar destas provas numismáticas da sua existência, talvez por falta de registos complementares concordantes, ou apenas por mera inércia ou política, a historiografia tem descartado estes nomes, e a Hispânia pré-romana continua a aparecer como uma massa bruta, parecendo quase surpreendente que montanheses como Argantonio, Viriato, e outros similares, de cujo nome apenas vemos nestas moedas, tivessem capacidade sequer de mandar cunhar moeda.
Podemos estar aqui com referências a alguns reis constantes na Monarquia Lusitana?
No caso de Hércules (ou Melqart), é claro que sim... e se a diferença entre o nome cunhado e o nome constante na Monarquia Lusitana for assim tão grande, então poderíamos considerar isso, ou outra coisa qualquer. No entanto, não vejo base para isso, e não vamos seguir esse caminho fácil.

Interessa notar que, ao contrário do que acontecia com os cavalos em moedas fenícias, onde era normalmente exibido um único em posição estática, aqui os cavalos estão sempre em movimento, em galope, o que é visto noutras moedas gregas, especialmente nas sicilianas. Ou seja, parece claro que a cultura ibérica estava em muito maior proximidade com a cultura grega, do que com a fenícia ou cartaginesa.

Num próximo postal continuaremos com as moedas ibéricas.


Nota [28.07.2019]:
Há uma associação comum de Bolskan a Osca, ou Huesca (a cidade espanhola).

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publicado às 15:02

O verbo contar decompõe-se nas sílabas "con tar", ou seja "com + estar".
Contava-se com quem? Com quem estava.
Contava-se com o quê? Com o que estava, com o que existia.

Acresce que uma forma primitiva de moeda eram justamente "contas", pequenos discos ou cilindros furados enfiados num fio. Serviram para negócios com os indígenas no período colonial, por exemplo, para tráfico de escravos. O seu aspecto estético era um factor principal para determinar o seu valor de troca, um valor quase nulo para os comerciantes europeus.

"Trade beads"

A moeda com contas, será mais antiga.
A palavra moeda pode resultar da forma  (a roda com um buraco central), no mesmo tipo de variante em que rocha dá rochedo (ou bruxo dá bruxedo). 

A tradição minhota de exibição de ouro.
Que a exibição de riqueza passou pela exibição de colares, chegando ao ponto do exagero popular, pois isso encontra-se em Portugal na tradição ornamental que passava pela exibição de grandes colares de ouro nas mulheres minhotas.

Convém ponderar que a escolha do ouro como metal de eleição e como carácter distintivo de riqueza, não terá sido propriamente uma escolha masculina. Terá sido resultado de uma preferência feminina, a que os homens procuraram dar agrado. A sua raridade foi fazendo o resto do processo de separação entre o ouro e as suas imitações.

Em Esparta, é relatado que Licurgo, o seu mítico legislador, teria proibido o uso do ouro pelos seus habitantes.
A única moeda aceite era o ferro. Ora, como não havia nenhuma carência de ferro, os mais abastados teriam dificuldade em exibir a sua riqueza, já que a quantidade para tal seria equivalente a ter uma casa cheia de ferro velho. Assim pensou Licurgo numa forma de evitar a ostentação.

Com este postal quero iniciar uma sequência dedicada à história através das moedas, da numismática, disciplina que parece muito vezes negligenciada, mas que é uma das formas mais eficazes de seguir o registo antigo. 

Moedas antigas ibéricas
Começo com uma moeda que aparece em Cadiz, a antiga Gades, com inscrição fenícia, e apresenta o seu herói na versão Hércules, que era designado como Melqart.

A representação de um homem usando como capuz a cabeça de um leão remete logo para o mito de Hércules, que tinha ainda uma versão fenícia e cartaginesa, com o nome Melqart (que parece ser traduzido como o "maior da cidade" - de "mel", bom, e "cart", cidade).

A tradição das almadrabas de atuns em Cadiz pode justificar a presença do peixe na moeda, talvez querendo referir uma equivalência entre a moeda e um atum. Esta moeda está identificada como sendo do Séc. III a.C., enquanto o culto de Melqart, rei lendário da cidade de Tiro, encontra-se em registos que vão até ao Séc. IX a.C. Ou seja, pode bem enquadrar-se num período temporal mítico a que a Monarchia Lusitana fazia referência.
Mesmo que consideremos tudo como mito, não parece oferecer grandes dúvidas que terá havido um grande líder na antiguidade que deixou marcas na bacia mediterrânica, em fenícios e gregos, romanos e cartagineses, e que usava como capuz uma cabeça de leão.
Moeda fenícia em Gades, com as supostas inscrições "HE GADIR" e "BALN".

Noutras moedas, encontramos 2 atuns. Será natural presumir que isso reportasse ao dobro do valor, ou seja, talvez aquela moeda permitisse comprar dois atuns... encontram-se ainda moedas com Melqart e outros animais, como o golfinho ou o elefante. 

Quando vi pela primeira vez estas moedas, e talvez porque a associação a Hércules fosse imediata, o atum pareceu-me uma maça. Seria aliás natural que Hércules tivesse a força necessária para usar um atum como uma maça... mas a representação dos dois peixes, ou outros animais, levou-me a descartar essa possibilidade. 
No entanto, a Hércules associa-se a maça e a maçã
Ora, é ainda curioso que o nome grego para maçã fosse melon (μῆλον), já que isso nos remete justamente para "mel", a primeira sílaba do nome Melqart. Pode ser mera coincidência, ou uma forma grega de lembrar que a origem do personagem remetia a esse prefixo fenício.

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publicado às 07:06

Em 1904 a Hakluyt Society edita em 2 volumes as viagens de Pedro Fernandes de Queirós:

The voyages of Pedro Fernandez Quiros
Volume 1 , Volume 2
translated by Sir Clements Markham, president of the Hakluyt Society.

O único ponto curioso desta tradução é a sua dedicatória a Robert Falcon Scott.
Scott foi quem liderou a expedição inglesa ao Pólo Sul entre 1901 e 1904, e acabou por morrer em 29 de Março de 1912, meses depois de constatar que Amundsen tinha chegado ao Pólo Sul antes de si, na frustrada tentativa de regresso, onde o grupo de ingleses pereceu gelado.
É uma aventura trágica em que a fama de Scott suplantou pela morte a fama vitoriosa de Amundsen.
A expedição de Scott perante a bandeira norueguesa no Pólo Sul em Janeiro de 1912.

Terra Nova, o navio que levou a expedição de Scott.
Curiosamente, a expedição de Scott era chamada Terra Nova Expedition, porque o navio que os transportou chamava-se Terra Nova

Era um baleeiro que operava justamente nas águas do Labrador, e que depois foi requisitado e comprado para o serviço inglês nas expedições austrais. 

A dedicatória de Markham a Scott escreveu-se assim:

I dedicate this translation of the voyages of Pedro Fernandez de Quiros to you, because the efforts and aspirations of the first navigator who ever conceived the idea of discovering the Antarctic continent cannot fail to have an interest for you who have actually made such great discoveries in the Far South; as tribut also of admiration for your great qualities as a leader, and of affectionate regard for yourself.

Esta dedicatória foi escrita em 1904, alguns anos antes de Scott partir para a decisiva e trágica expedição ao Pólo Sul, onde perdeu a vida. Nesta altura, pelo valor das primeiras expedições, já Scott tinha aquirido uma fama ímpar em Inglaterra, e talvez essa fama gloriosa o tenha empurrado mais facilmente para o desastre de não a querer perder.

O curioso deste apontamento é remeter a Queirós a primeira ideia de descoberta do continente Antárctico, algo que nem sequer passa pela cabeça dos historiadores nacionais, nos dias que correm. No máximo, nalguns casos, questiona-se se Queirós teria encontrado a Austrália, mas não se vai ao ponto de o ligar à Antárctida, o que é compreensível, se atendermos a que os seus registos não apresentam latitudes que cheguem sequer aos 30ºS.

O mapa incluso no Volume 2 resume o relato das viagens "oficiais":
Reconstrução das viagens de Mendaña, Queirós e Torres (conforme mapa de 1904).

Há primeiro uma viagem em que Queirós é o piloto de Mendaña, e depois a viagem em que Queirós segue com Torres (Luís Vaz de Torres). 
Ao contrário da sua intenção de seguir para sul, Queirós regressa pelo Pacífico norte, e Torres vai passar entre a Austrália e a Nova Guiné, no agora chamado "Estreito de Torres".

Depois, seguem-se todos os problemas e miséria que Queirós irá experimentar no seu regresso a Espanha, e na forte censura que foi feita à sua aventura em paragens austrais.
A terra Austrialia do Espírito Santo, a cidade de Nova Jerusalém, etc... tudo isso acabou só por fazer sentido no nome Austrália que substituiu Nova Holanda, ou numa tentativa de remeter uma pátria judaica para a Tasmânia.

Só depois, com Bartolomeu de Gusmão, ou melhor com Alexandre de Gusmão (ver "Gás na Passarola"), vemos a mesma ideia de exploração do continente antárctico... mas agora, mais audaz, com uma "simples" viagem de balão!

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publicado às 05:55

De entre os ventos que ajudavam a navagação, mas que ao mesmo tempo podiam ser assombrosos, ganharam fama os ventos que sopravam de oeste para leste, a 40º ou 50º de latitude sul.

Quarenta Rugientes, ou Rugidores Quarenta, é uma tradução do inglês Roaring Forties
Esta expressão inclui os ventos que começam a 40ºS, mas pode incluir latitudes mais próximas do pólo sul, mas nesse caso fala-se ainda de "furiosos cinquenta" ou "gritantes sessenta" (furious fifties, screaming sixties)

Os principais ventos na Terra, com foco na variação das monções em Janeiro e Julho, 
e nos constantes roaring forties.     (após mapa em J. Malhão Pereira, Ac. Ciências, 2017)


No século XIX, após o desencobrimento da Austrália, a rota usada pela nau S. Paulo (e que depois foi chamada rota de Brouwer) foi-se tornando popular, especialmente usada pelos navios clippers, que faziam o transporte do chá, ou de lã australiana, pela rota oriental, até começarem a perder utilidade com a abertura do Canal do Suez.

Cutty Sark, o último navio clipper, no seu ano de construção: 1869.

Entre esses navios clippers, um deles tornou-se razoavelmente famoso - o Cutty Sark, que passou até por ser propriedade portuguesa. Vendido em 1895 à firma Ferreira, manteve-se em operação até que em 1922 era o último navio clipper do mundo. Ainda se chamou Maria do Amparo, e enquanto último sobrevivente dos clippers, regressou a Inglaterra, acabando por regressar ao nome original, e dar assim inspiração à famosa marca de whisky.

Um dos casos típicos de tormenta, era a passagem do Cabo Horn, ilustrada aqui nestas impressionantes fotos, com mais de um século.
 
Esq: Foto de Idriess, no cabo Horn. Dir: O navio Garthsnaid numa tempestade nos mares do sul (c.1920).

Mas a questão que se pode levantar é muito simples.
Estes ventos definiam autênticas autoestradas marítimas.
Por isso, a mais provável primeira viagem de circumnavegação do globo, é muito mais natural que tenha ocorrido, pela rota da nau São Paulo, cruzando a Austrália, e depois caindo no Cabo Horn, pelo lado oposto. 
Esta terá sido uma rota frequente ao tempo de D. João II, só muito depois se terá pensado na que Magalhães seguiu...

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publicado às 07:46


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