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Paisagem no Estreito de Magalhães (Google Maps)

A hipótese que faz mais sentido, daquilo que conheço, relativamente à circumnavegação do globo, é a seguinte...

Entre 1482-88, o rei D. João II enviou diversas armadas para contornar o continente americano, que como é óbvio, era conhecido de quem fizesse navegações sistemáticas no Atlântico. 
O Infante D. Henrique sabia do assunto, mas ignorou-o, porque era tudo menos "navegador". A sua política era militar, tal como a da Ordem de Cristo, ou seja, a da herança templária, visando contornar a África e invadir a península arábica, chegando a Jerusalém. Essa política veio a ser concretizada por Afonso de Albuquerque que chegou a conquistar o Mar Vermelho até ao Suez. 
Ao contrário, o Infante D. Pedro, esse sim um viajante e explorador, seria a de navegar a América, ao ponto de tentar encontrar uma passagem no continente americano para chegar à Ásia.
Essas explorações continuaram no reinado de D. Afonso V, patrocinando a empresa privada de Fernão Gomes, mas deverá ter sido apenas no reinado do seu filho, D. João II, que foi descoberta a passagem. 

Como marco importante na tentativa de cruzar o continente americano, o ponto mais importante pelo Infante D. Henrique terá sido a descoberta do Rio Sagres - agora chamado Rio Chagres, no Panamá.
Aliás, à mesma latitude do rio Chagres 9º30' N encontramos o Cabo Sagres... em Conacri, Guiné.
Foi aí que terminou declarada a exploração do Infante D. Henrique. Foi também o Rio Chagres que acabou por servir para fazer o Canal do Panamá, porque com efeito esse era o ponto mais prático de passagem. Assim, a descoberta do Oceano Pacífico terá ocorrido uns 50 anos antes de Balboa.

Para efeitos de encontrar uma passagem a norte ou a sul, D. João II enviou sucessivamente armadas para latitudes árticas e antárticas, e nesse processo terá descoberto praticamente todo o globo. Não deu conhecimento disso, porque lhe interessava uma passagem mais rápida do que aquela que obteria circum-navegando a África. Ora, isso veio a revelar-se impraticável.

Nas expedições em que Diogo Cão andou supostamente "no rio Congo", o objectivo seria o de encontrar o Estreito de Magalhães. É provável que na primeira viagem de 1482 tenha apenas conseguido contornar o continente americano pelo Cabo Horn, e que só na segunda viagem de 1484-86 tenha encontrado a passagem pelo estreito. O Estreito de Magalhães terá sido descoberto pelo piloto João Afonso do Estreito, ou pelo menos assim o sugere o seu apelido... 
No entanto, a expedição seria comandada por Diogo Cão, e teve Martin Behaim como "companhia", que nessa altura terá feito o mapa da região. 
Depois, com base nos mapas de Behaim, João Afonso do Estreito terá proposto em 1487 navegar a Ocidente, em conjunto com o flamengo Fernando Dulmo, mas a expedição não terá tido retorno. Seria só em 1488 que Bartolomeu Dias, passando pelo cabo Horn, dito das "tormentas", teria feito a circumnavegação, regressando pelo cabo da Boa Esperança vindo por paragens australianas.

Essa teria sido a boa esperança que o rei viu - um caminho ocidental, contornando a América do Sul, ao invés de contornar a África, evitando entrar em conflito com os muçulmanos no Oceano Índico.
Entre 1488 e 1492, creio que D. João II se convenceu que haveria a passagem noroeste, que pouparia imenso tempo, evitando ir ao hemisfério sul. Para esse efeito contava com a experiência dos Corte Real na exploração da América do Norte, e também dos Gama. 
No entanto, a dificuldade dos gelos árticos em latitudes além do círculo polar não permitiriam uma passagem exequível para a carga. Os riscos seriam demasiados, mesmo que tal passagem fosse encontrada - e se tal foi conseguido, foi provavelmente depois, já no reinado de D. Manuel ou mesmo de D. João III.

A razão para isto ser mais certo do que mera especulação é a descrição que Pigafetta faz, quando Magalhães redescobre esse estreito:
E se non era el capitano generale non trovavamo questo stretto, perchè tutti pensavamo e dicevamo come era serrato tutto intorno: ma il capitano generale, che sapeva de dover fare la sua navigazione per uno stretto molto ascoso, come vide ne la tesoreria del re di Portugal in una carta fatta per quello eccellentissimo uomo Martin di Boemia, mandò due navi, Santo Antonio e la Concezione, che così le chiamavano, a vedere che era nel capo della baia. Relazione del primo viaggio intorno al mondo por Antonio Pigafetta.
[E se não fosse o capitão não teríamos encontrado este estreito, porque todos pensávamos e dizíamos o quanto era apertado: mas o capitão, sabia que tinha que navegar por uma passagem muito estreita, como vira no tesouraria do rei de Portugal num mapa feito pelo excelente homem Martim da Boémia, e enviou dois navios, Santo Antonio e Conceição, assim se chamavam, para ver o que estava ao cabo da baía.]
Pigafetta junta um mapa, que podemos comparar com o mapa que João de Lisboa tem:



A diferença entre o mapa de Pigafetta e o mapa de João de Lisboa, é a diferença entre um amador e um profissional. A diferença de tempo entre os dois mapas é pequena, sendo mais provável que o mapa de João de Lisboa seja mesmo anterior à viagem de Fernão de Magalhães. 
A referência ao nome "magalhães", como foi sugerido pelo David Jorge, pode referir-se à presença de pinguins que hoje são conhecidos por esse nome. Numa inclusão posterior, a tinta vermelha pode ler-se "estreito de fernão de magalhãis", mas a tinta preta e em destaque vemos apenas "estreito dos magalhãis", no plural.
De resto, para além das designações concordantes entre os dois mapas, o mapa de João de Lisboa tem muito mais informação e nomes em português que indiciam a sua nomeação anterior.
Em particular, note-se na ilha fictícia chamada "dos castelhanos", designação similar à existente ao largo de Madagáscar (ver postal anterior).

Coincidentemente, também em 1519 é dada autorização a Cortéz para desembarcar no México, e assim arrasar o império Azteca.
Passam 25 anos do Tratado de Tordesilhas, e a época de transição das descobertas de Portugal para a posse definitiva de Espanha, seria trabalhada entre D. Manuel e Carlos V.

Não foi à toa que uma grande parte da tripulação que Magalhães levou consigo era portuguesa.
Os portugueses simplesmente não queriam que acontecesse de novo o episódio de Colombo. Não queriam que a descoberta da passagem sul ficasse associada aos espanhóis, quando tanto sacrifício teria sido feito para conseguir aquela proeza. É nesse contexto que múltiplos portugueses se associam à expedição de Magalhães, incluindo João de Lisboa, que poderá ser João de Carvalho. 

A viagem teria assim uma particularidade de rebelião quase permanente, já que os castelhanos não entendiam e aceitavam mal o comando português. Uma parte da expedição regressa a Espanha sem sequer passar o Estreito. A restante prossegue, e após a morte de Magalhães será mesmo João de Carvalho a tentar tomar o controlo da expedição, mas os espanhóis já não o autorizam, e ficará Elcano a terminar a volta, já na parte conhecida da Ásia, onde a presença portuguesa estava estabelecida.

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publicado às 05:34

Cabo Canaveral, 16 de Julho de 1969 - há 50 anos saiu a Apollo 11.
Sevilha, 10 de Agosto de 1519 - há 500 anos saiu a expedição de Magalhães.

Vamos falar primeiro da Apollo 11.
Os 4 jovens que restam dos 12 que foram à Lua estão agora com mais de 80 anos.
Um projecto audacioso, onde partindo do nada, ou dos foguetes nazis, em menos de 10 anos, os americanos teriam conseguido desembarcar homens na Lua, ao contrário dos soviéticos, que nunca o fizeram. Essa paródia durou de 1969 até 1973, e desde aí acabou.
Como este planeta é um lugar estranho, os americanos agora se quiserem ir ao espaço têm que ser lançados do Cosmódromo de Baikonur, no Cazaquistão, o cosmódromo soviético.

Questionar a ida à Lua seria ridículo nos anos 70, mesmo nos anos 80 ou 90 ainda poderia pensar-se nalguma contenção de custos. Porém, como é óbvio o dinheiro que falta para repetir viagens à Lua, segundo o argumento comum, não falta para enviar múltiplos engenhos, especialmente a Marte.
Assim, a prova que falta da ida à Lua é... repeti-la!

Em 2015, dois astronautas foram entrevistados em directo na Euronews, e o comandante Terry Virts saíu-se com esta:
The plan that NASA has is to build a rocket called SLS, which is a heavy lift rocket. It’s something that is much bigger than what we have today, and it will be able to launch the Orion capsule with humans on board as well as landers or other components to destinations beyond Earth orbit. Right now we only can fly in Earth orbit, that’s the farthest that we can go, and this new system that we’re building is gonna allow us to go beyond and hopefully take humans into the Solar System to explore. So the Moon, Mars, asteroids... there’s a lot of destinations that we could go to and we’re building these building-block components in order to allow us to do that eventually.
Quando algum pessoal ouviu isto, ou seja, dizer que actualmente o máximo que poderíamos fazer era estar na órbita da Terra, e que depois o plano era ir à Lua, a Marte, aos asteróides... achou, como é óbvio, que o homem tinha-se descaído, revelando que ainda não tinhamos saído da órbita terrestre, e assim que nunca teríamos ido à Lua.
É verdade que Terry não diz isso exactamente, mas qualquer um o pode entender assim.
Com outra vontade, poderia-se estar a referir à órbita da Terra à volta do Sol, e não acerca da órbita à volta da Terra... enfim, múltiplas justificações. Acharam por bem que o homem viesse esclarecer, e ele optou por dizer que se referia ao período actual 2015-18 e não aos anos 1960...
Ou seja, mais valia estar calado, porque argumentar que actualmente haverá menos tecnologia disponível é mais que ridículo!

Há sempre muitas perguntas que ficaram por fazer, e é preciso quem as faça!
Por exemplo, que tal encontrar um vídeo ou imagens do nascer ou pôr do Sol na Lua?
Foram lá tantas vezes, fizeram tudo o que havia a fazer, certamente que há.
Deveria haver, mas não há, ou não se encontra! Ou, melhor apresenta-se uma encenação feita pelo "Planetário do Curdistão" que até tem o astronauta com a sombra contrária... e a simulação é tão mázinha que mete dó.
Aliás fotos do Sol, tiradas da Lua (ou mesmo do espaço exterior) é coisa que não consta, e já falámos sobre as pretensas fotografias tiradas à Terra, na dissertação sobre NASA e NASmyth.

Radiação electromagnética - o visível é apenas uma estreita faixa 
após o infravermelho e antes do ultravioleta.
Para explicar o problema que ocorre, e pelo qual não é possível passar simplesmente uma cintura de partículas que rodeia a Terra, a chamada Cintura de Van Allen, basta compreender que a luz é apenas uma parte da radiação emitida pelo Sol.

Como é claro, o Sol não emite apenas radiação visível... e se abaixo do visível a radiação solar não é incomodativa, acima do violeta, começa a dar problemas de saúde.
Chega o Verão e começamos a ouvir os cuidados a ter com os raios ultravioletas, porque esses ainda são filtrados pela atmosfera, mas soube-se da permissividade na camada de Ozono.

OK. Muito bem. Mas acima dos ultravioleta, temos Raios X e Gama. O que impede que esses raios solares nos esturriquem, como se estivessemos sempre a fazer radiografias?
O que impede que esses raios cheguem à Terra é essa camada de partículas carregadas magneticamente, denominada Cintura de Van Allen, que foi descoberta aquando das primeiras viagens espaciais, em 1958. Miraculosamente essa camada magnética protectora impede até que a atmosfera seja destruída pelos "ventos solares".

A questão é que passando essa cintura, não apenas essa zona é perigosa (diz-se que a missão Apollo fazia os foguetões passar pelo buraco da agulha, para evitar a questão), como em todo o espaço, além dessa cintura que rodeia a Terra, estar-se-à sujeito a Raios X e Raios Gama, vindos do Sol, ou ainda ao vento solar.
Se achamos que a radiação solar pode ser muito quente, na parte visível, quando ainda tem que passar pela atmosfera, é uma questão de pensar o que acontece relativamente ao aquecimento, se juntarmos aí os Raios X e Gama. Pois, e não é assim à toa que se proclamam 200ºC na superfície lunar, que incomodaram pouco os astronautas... porque sim (já agora poderiam ter levado uma amostra de água para a ver evaporar...)

Imagem Raio-X da Lua em 1990.
Acontece que os Raios X vindos do Sol não são em pequena quantidade (e.g. The Sun as an X-ray Source), e além disso deveriam ser reflectidos pela Lua, nalguma quantidade. Ou seja, poderíamos ter imagens Raio-X da Lua, mas o máximo que está disponibilizado é esta foto de 1990 - ou seja, aparentemente ninguém se lembrou de fazer telescópios para Raios-X.
Será? É que curiosamente é conseguido sem dificuldade observar Raios-X de estrelas que nem sequer são visíveis...
Mesmo para outro tipo de radiação, as imagens da Lua em frequência não visível são menos que escassas, veja-se por exemplo aqui (Caltech).

Não é ridículo, é pior que isso. É total falta de vergonha misturada com incompetência.

Bom, para bem da continuação da ficção existe um filme de comemoração "Apollo 11", e esperemos que seja digno da realização de Kubrick.
É claro que também existem os adeptos da "Flat Earth", uma brincadeira provavelmente patrocinada por associados da NASA, mas a esses aconselha-se a fazer uma viagem de avião... ou de barco, como terá feito Magalhães - mas essa história fica para depois.

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publicado às 19:47

O Cisma de Avinhão é remetido ao regresso do papado a Roma em 1378, mas o problema começou antes, com a saída do papado de Roma, em 1305-09.

A personagem no centro da acção seria o rei francês Filipe IV, dito "o Belo".
Filipe IV de França manda prender e queimar templários (13 de Outubro de 1307).

Filipe IV, estando cheio de dívidas, decidiu cobrar taxas ao clero. 
O papa Bonifácio VIII opôs-se, invocou que o poder papal estava acima do real, e excomungou o rei francês. Este não esteve com pruridos, enviou um exército contra o papa, Bonifácio foi preso e espancado, acabando por falecer em 1303.
Os cardeais tentaram eleger um novo papa mais simpático para Filipe, mas mesmo tendo-lhe levantado a excomunhão, o papa Bento XI acabou por morrer oito meses depois, em 1304, envenenado, provavelmente sob champignons françaises.
A solução sob pressão foi eleger o papa Clemente V, francês e um parente de Filipe IV, que assim serviria directamente ao rei francês... e mais que isso, instalou-se em solo francês!
Começa assim o papado de Avinhão em 1305, com a vinda da cúria em 1309, e até que o papa regressasse a Roma em 1377. 

O cisma oficial, de 1378 a 1417, ocorre pela insistência francesa em eleger papas em Avinhão que passaram a ser chamados "antipapas". Para complicar o assunto (ou talvez para o resolver) em Pisa apareceram ainda outros "antipapas". 
Curiosamente, o cisma termina em 1415, no ano da conquista de Ceuta, com a abdicação do papa de Roma, Gregório XII e do antipapa de Pisa, João XXIII, e também com a excomunhão do papa de Avinhão, Bento XIII, que não abdica. O novo papa Martinho V, que só toma o lugar em 1417, acabará por ser reconhecido mesmo por Avinhão, mas só em 1429. 
Este abdicar em 1415 visou resolver o problema de Avinhão, quanto ao seguinte, em 2013, é mistério.

Interessa que houve uma certa divisão por reinos na aliança aos papas de Avinhão ou Roma:
  • Avinhão: França, Castela e Aragão, Borgonha e Savóia, Nápoles, Gales e Escócia.
  • Roma: Inglaterra, Portugal, Sacro-Império Alemão, Flandres, Escandinávia, Hungria, Polónia.

Por isso, na aliança de 1373, e depois no Tratado de Windsor (1386), entre Inglaterra e Portugal, há aqui um outro aspecto de ligação. Ao contrário de uma baixa Idade Média, com os reinos muito focados em si mesmos, com a entrada dos Normandos, e dos reinos escandinavos (Dinamarca, Noruega e Suécia) no mundo católico, o que levou praticamente ao início das Cruzadas, o panorama europeu alterou-se significativamente quando entramos na alta Idade Média. 

As Cruzadas abrem de novo a Europa a contactos entre as diversas nações, há um espírito de união contra a ameaça muçulmana, e para isso será crucial o papel das ordens monásticas, especialmente os templários e hospitalários. Antes deste período, seria impensável ter uma armada de cruzados de diversas nacionalidades a participar na conquista de Lisboa, por exemplo.
Até por uma razão simples... os cavaleiros, escudeiros, homens de armas eram propriedade exclusiva de uma casa real, de um ducado ou condado, e só se mexeriam para combater sob o seu senhor. Isso iria ser alterado com os exércitos convocados para as Cruzadas, e para as ordens militares.

Templários
O rei francês Filipe IV e o seu papa Clemente V, ficaram mais conhecidos pela perseguição e extinção da Ordem dos Templários em 1307-12, levando à morte na fogueira de muitos templários e em particular do mestre da ordem, Jacques de Molay, em 18 de Março de 1314.

A ideia do rei francês seria propor a união dos templários e hospitalários, numa única ordem, da qual o próprio rei de França seria o único grão-mestre. 
Para Filipe IV seria especialmente incómodo ter o rei inglês como vassalo na Aquitânia, então chamada Guiana (variação de Aguitana), algo que foi conseguido em troca da Normandia, porque os reis de Inglaterra eram naturalmente duques da Normandia, até que o rei Luís IX, dito São Luís, convenceu a troca com a província mais distante, a Guiana, com capital em Bordéus.
Provavelmente, à frente desse exército seria mais fácil recuperar a Guiana, e finalmente unir o território francês, sem presença inglesa-normanda. 

Conseguiu a extinção dos templários, por bula papal, a que escapou apenas Portugal, onde tomou a forma de Ordem de Cristo. Não conseguiu a extinção dos hospitalários, que se mantiveram até hoje, sob forma de Ordem de São João, ou posteriormente, Ordem de Malta.

Após a expulsão dos Cruzados dos territórios da Palestina, o outro território onde a sua acção seria mais efectiva contra os árabes, seria a Ibéria. Assim, e especialmente os templários, tinham múltiplos castelos na Península Ibérica... e vemos desde logo aqui a diferença entre a abordagem portuguesa, que permitiu a permanência da ordem, e a abordagem castelhana ou aragonesa, que acabaram por seguir a bula de Avinhão e suprimir a ordem, em favor de outras ordens locais, espanholas - como as ordens de Calatrava, de Montesa, de Alcantara, ou de Santiago (esta também com uma variante portuguesa).
Tal como a Ordem de Avis, portuguesa, ou a Ordem Teutónica, tipicamente alemã, estas ordens locais não tinham o mesmo impacto trans-nacional que exibiam as ordens templária e hospitalária, que eram de nomeação papal directa.

A agenda dos templários não teria mudado, e o plano continuaria a ser um combate contra o domínio muçulmano. Em particular, a denominada "tática da cunha", que consistiria em contornar o continente africano e surpreender os árabes pela retaguarda, na península arábica... Algo que esteve praticamente pronto a ser concretizado por Afonso de Albuquerque, aquando da sua substituição como vice-rei.

Também não será de estranhar que em mapas de Pedro Reinel, e outros, apareça não só a bandeira das 5 quinas, mas também a bandeira com a Cruz de Cristo, significando possivelmente uma concessão à Ordem de Cristo.
Mapa "Pedro Reinel a fez" - bandeira com a cruz templária da Ordem de Cristo 
e bandeira nacional com as 5 quinas.

A reconquista de Jerusalém chegou mesmo a tentar ser negociada com a China, enquanto sob dinastia mongol, quase ao mesmo tempo que Marco Polo fazia as suas famosas viagens. O interesse não era apenas europeu, e houve um enviado de Kublai Khan, de nome Rabban Bar Sauma que partiu numa viagem de 1280 a 1294 onde se encontrou com diversos monarcas europeus, em particular com o rei francês Filipe IV, e com o rei inglês, Eduardo I. Ainda constou que o grão-mestre templário, Jacques de Molay, tivesse comandado uma ofensiva mongol que teria invadido Jerusalém, em 1300, mas essa notícia veio a constatar-se ser falsa. A partir dessa altura, e com os relatos de Marco Polo, os europeus consideraram ser igualmente perigoso o risco de uma invasão pelos mongóis, no pretexto de se aliarem contra os árabes.

Maçonaria
Com o fim dos templários, e apesar dos hospitalários manterem um carácter trans-nacional, a ideia de um projecto trans-nacional para a reconquista de Jerusalém foi sendo perdida. Poucos anos após o fim dos templários, o rei inglês Eduardo III decide formar a Ordem da Jarreteira, inicialmente ligada à disputa com França na Guerra dos 100 anos, mas que vai afiliar reis estrangeiros aliados - em particular, e o primeiro rei não inglês, seria D. João I, assim como serão membros os seus sucessores da Dinastia de Avis. Em contrapartida, seria criada a Ordem do Tosão de Ouro, pelo Duque da Borgonha, também de carácter multi-nacional. A política no final da Idade Média começa já a fazer-se de alianças entre os reinos, devido à constatada fraqueza da posição e arbitragem papal.

Esse paradigma de alianças e tratados entre estados passará a ser a única forma diplomática de relacionamento quando termina a Guerra dos Trinta Anos, em 1648, com uma derrota dos Habsburgos e consequente declínio e fragilidade da posição papal.

Um entendimento e uma diplomacia subterrânea, passam a ser necessárias para além da Cúria Romana, agora com um poder de influência muito limitado. É neste contexto que vai aparecer em Londres a Maçonaria, formalmente em 1717, ou seja praticamente 70 anos depois.

A Maçonaria exibe ainda no seu rito escocês, ou de York, nomenclaturas que invocam uma herança templária, e também hospitalária. Portanto, a herança de uma organização trans-nacional que terá sido característica destas ordens monásticas francesas, acabou por migrar para uma organização inglesa, praticamente sob alçada da coroa britânica. Seriam ainda os britânicos que finalmente, em 1917, vão conquistar Jerusalém, realizando o velho sonho templário. A ordem templária, depois maçónica, e que nunca deixou de transparecer uma forte influência judaica (começando na invocação ao Templo de Salomão), acabaria mesmo por definir na declaração de Balfour o projecto sionista.
É verdade que antes, Napoleão ao desembarcar em Jaffa, procurava ser ele o restaurador do domínio europeu sobre Jerusalém, mas nessa altura já todo o poder se desequilibrava para o lado inglês, e não caberia aos franceses esse papel de regular os sinos das lojas. 
A sucessora de Roma não seria Avinhão, mas sim Londres.

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publicado às 05:45

Afinal, o que aconteceu aos sacerdotes faraónicos, quando o Egipto foi engolido pela cultura greco-romana, depois pela cristã e finalmente pela muçulmana?
Ou, o que aconteceu aos sacerdotes do panteão greco-romano quando apareceu a religião cristã?
Ou ainda, o que aconteceu aos druidas celtas com o crescimento da religião cristã?

As religiões sobreviveram enquanto desempenharam o papel social promovido pelos seus sacerdotes. Quando os sacerdotes deixaram de ter relevo social, apadrinhado pelo poder executivo e militar, o número de fiéis foi diminuindo significativamente, até ao ponto da extinção religiosa.

Uma importante excepção foi a religião hebraica, que se formou como carácter identitário do povo judaico. Outra importante excepção foi a religião budista, que se propagou sem a ajuda de uma conquista bélica, como aconteceu com a religião muçulmana. Os budistas foram pioneiros numa difusão missionária da religião, com um paralelo que teria lugar com os missionários cristãos, ainda que essa cristianização fosse acompanhada também de um domínio militar.

Ascetas egípcios e beneditinos
O carácter ascético, que iria definir as ordens monásticas cristãs, teria um paralelo numa tradição antiga hindu, depois transportada para o budismo, e também para os primeiros monges egípcios (S. Paulo de Tebas, S. Antão do Deserto) que influenciaram São Bento a definir as regras de vida reclusa dos monges nos mosteiros, no Séc. VI. Este tipo de ordem monástica não foi exclusiva dos beneditinos, tendo sido praticamente seguida por todas as ordens posteriores, tendo as ordens militares outras variantes.
S. Paulo de Tebas, S. Antão do Deserto - primeiros eremitas cristãos (Séc. III, Egipto)
(Excerto de quadro de Velasquez.)

Os sacerdotes egípcios terão feito uma rápida conversão ao cristianismo, talvez porque na dinastia ptolomaica, a religião egípcia se começara já a focar em Hermes Trimegisto, visto como uma derivação de Tot, o que muito terá influenciado os primeiros movimentos cristãos gnósticos. O mistério da Trindade seria importante nessa filosofia religiosa, como depois se tornou crucial na religião cristã.

As correntes de pensamento neoplatónicas, ou gnósticas, deram esse aspecto teológico eremita, de reflexão pessoal, que pode encontrar raízes mais antigas em Zaratustra - cujas reflexões sobre a entidade suprema - Ahura Mazda, também se teriam processado numa caverna afastada. Esta influência eremita de Zaratustra estará também depois presente num hinduísmo politeísta e num posterior budismo ou taoísmo, mais introspectivos.

Monoteísmo e politeísmo
O aspecto monoteísta versus politeísta, começou a causar problemas no Séc. XIV a.C. com o faraó Akhenaton, e um conflito latente entre o aspecto mais popular - de múltiplas divindades - e o aspecto mais intelectual - de uma única divindade, foi coexistindo, sempre com vantagem para o politeísmo até à chegada do cristianismo, onde a velha filosofia monoteísta se impôs em todo o mundo romano.

Houve assim um conflito prolongado no tempo, onde o aspecto religioso mais popular tendia para a adoração de múltiplas divindades ocasionais, e o aspecto teológico, mais filosófico, proclamava a criação por uma única divindade suprema. No sentido dessa tradição monoteísta, a religião hebraica, talvez resultado de uma facção resistente dos tempos de Akhenaton, lembrando Moisés, foi aceite como "velho testamento", mesmo na sua versão pouco filosófica, e muito politeísta, na concepção de divindades inferiores (os anjos).

Assim, apesar da Igreja medieval se centrar num neoplatonismo, que entendia Platão e Aristóteles como grandes doutores da igreja, e preconizar um idealismo monoteísta, as diversas tendências populares a que a Igreja foi cedendo, fizeram aparecer um politeísmo de múltiplas pequenas divindades, de anjos a arcanjos, de beatos a santos, etc. Enquanto instrumento de poder, a Igreja não deixou de seguir na tendência comum da população, e aceitou ou tolerou os cultos populares.

Um exemplo interessante é o da tradição chinesa, onde existe uma espécie de capitalismo religioso, onde os templos crescem consoante a lei da oferta e da procura... ou seja, se as preces a certa divindade resultarem, então as oferendas aumentam e o templo cresce. Se, pelo contrário, as preces não forem atendidas, o templo entra em decadência, e as pessoas deixam de aí procurar a sua sorte, acabando por desaparecer. Isto acontece de forma similar também com muitos santos católicos e locais de peregrinação, que foram crescendo ou decrescendo, consoante a popularidade.

O politeísmo foi ainda necessário para acomodar os cultos europeus pagãos, de origem celta, que permaneciam enraízados nas populações. A figura de uma deusa mãe passou a ter um substituto no papel materno de Maria, e cultos mais específicos dedicados à fertilidade tiveram a sua dedicação a entidades cujo nome deixa poucas dúvidas - como é o caso de Nª Srª do Ó, onde o Ó se refere simplesmente à forma do ventre em "O" (por muito que se pretenda argumentar outra coisa).

Grande Cisma - Filioque
A separação entre a Igreja Romana Ocidental e Oriental era quase inevitável, e será até estranho que só tenha ocorrido em 1054. O pretexto da ausência da palavra "filioque" foi aparentemente a menor causa arranjada para uma divisão tão marcada.
Há alguns detalhes que não devem ser desconsiderados.

Carlos Magno é coroado imperador.
Em 800 d.C. Carlos Magno é coroado pelo papa Leão III como imperador do Sacro-Império Romano, e abre-se um conflito com o Império Oriental de Constantinopla - o legítimo herdeiro, porque não teria perdido a sucessão de imperadores. Este novo Império Ocidental surgia do nada, aparentemente por iniciativa papal, mas já estaria em preparação.

Exactamente na mesma altura, e muito provavelmente em resposta à anexação da Saxónia por Carlos Magno em 772-804, os Vikings começam os seus raides invadindo os territórios costeiros ocidentais.

Portanto, não foram apenas os bizantinos a incomodar-se com esta ascenção de Carlos Magno ao título imperial. Também os povos escandinavos - até aí remetidos basicamente a um certo isolamento - passam a aparecer de forma incómoda na história europeia, e não é claro que os dois acontecimentos não tivessem uma outra ligação mais directa.

A pressão viking foi de tal maneira complicada que o rei francês Charles III só conseguiu terminar com os raides, cedendo o território da Normandia ao líder viking Rollo, ou Rolf, que seria assim o seu primeiro duque.
Seria da Normandia que se estabeleceria a sucessão dinástica de Inglaterra, após a invasão de Guilherme I (William) em 1066. Nesse mesmo ano, e pouco antes de ser destituído e morto por Guilherme, o rei inglês Harold tinha evitado a invasão do rei norueguês Harald, na batalha de Stamford Bridge. Neste altura, em 1066, já o rei noruguês ou o duque da Normandia, eram ambos cristãos.

A entrada dos normandos na história da Europa já tinha começado na incursão e conquista de territórios no sul de Itália, que antes estavam sob domínio bizantino. As guerras entre bizantinos e normandos foram por assim contemporâneas do Cisma e antecederam a 1ª Cruzada.

Um pedido de ajuda do Imperador bizantino levou à convocatória da 1ª Cruzada 1096-99, pelo papa francês Urbano II. Para esse efeito foi determinante o papel dos normandos, que engrossaram esse grande exército - que ao contrário do que esperava o imperador bizantino Alexis I, não foi apenas uma simbólica força de ajuda.

Roma e Constantinopla viviam bem com uma Jerusalém sob domínio árabe, até que apareceu esta nova vaga de soldados normandos, que levariam mais a sério a questão de ter o local sagrado de Jerusalém acessível à peregrinação cristã. É assim neste contexto que surgem logo de seguida as ordens monásticas militares, destinadas a combater a presença muçulmana em território cristão.

Subitamente a Europa reunia forças militares trans-nacionais, de grande dimensão, fundadas sob ordens monásticas, como os Templários, Hospitalários ou Teutónicos, capazes de desequilibrar o equilíbrio medieval.


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publicado às 05:34

A Ordem dos Templários foi uma organização transnacional, com poder militar próprio.
- Que outra organização transnacional militar existiu antes? - Os Hospitalários.  
Ambas estas ordens militares foram criadas após o sucesso da 1ª Cruzada. Os Hospitalários em 1113, e os Templários em 1119.
Repare-se que antes disso, e ao longo da história conhecida, o poder militar estava associado a um rei ou a um seu vassalo nobre. 

- Qual foi a primeira organização hierárquica transnacional? - A Igreja Cristã.
O Império Romano, tal como impérios anteriores, juntavam diversos povos, reinos, podia manter alguma autonomia dos mesmos, mas todo o poder era centralizado sob uma única nação romana. Ou seja, não eram autorizadas disputas, guerras, dentro do império. Nos impérios anteriores a situação era semelhante, com o poder era centralizado na pessoa do imperador, e normalmente com as religiões de serviço sob a sua obediência. 
Raramente vamos encontrar uma religião transnacional, e no entanto vemos religiões muito semelhantes, como acontece entre o panteão de divindades romanas que era praticamente idêntico ao panteão de divindades gregas, e ainda com semelhanças com religiões de outros povos (etruscos, fenícios, etc.). 

Com a dissolução do Império Romano Ocidental, formam-se diversas nações, reinos autónomos, que podiam entrar em grandes guerras entre si, mas onde o Papa exercia uma uma função arbitral, mais ou menos passiva, já que estava destituído de força militar. 
Com o advento das Cruzadas e a formação das Ordens Militares, a situação vai-se alterar de forma considerável, porque estas organizações militares gozam de uma considerável autonomia, apesar de terem os seus mestres nomeados pelo Papa.

Interessa aqui notar o carácter único dos templários, já que ter um castelo templário em Tomar, seria nos dias de hoje equivalente a manter cidades sob completo controlo da ONU nos territórios onde houvesse conflito... como por exemplo no Iraque, Afeganistão, Líbia ou Síria. O mais próximo que temos disso são as bases americanas em diversos territórios. Mas se os reis portugueses toleravam a presença templária, muito mais dificilmente iriam tolerar bases estrangeiras em território nacional.

A Igreja Católica e as Ordens Militares foram o primeiro passo na definição de um poder presente internacional, para além do poder régio, mesmo que os comandantes locais fossem normalmente naturais do país, a sua obediência ia para além do poder secular e servia ainda um poder temporal.

Foi esta falha que apareceu após a Guerra dos Trinta Anos, no Séc. XVII. A separação do poder papal levou a estados independentes sem a mediação papal, sem nenhuma organização comum de bastidores, e basicamente tornou necessária a ideia de ser inventada rapidamente. Surgiu assim a maçonaria... que foi justamente beber influências às ordens militares - dos Templários e dos Hospitalários (de São João Baptista, e de Malta).



Os Cismas
A Igreja Cristã teve alguns momentos decisivos, que se propagaram como ondas sísmicas. 

(i) Um primeiro momento foi a crise do Arianismo, propagada por Arius de Alexandria, que colocava em causa a Trindade, pois afirmava a pessoa do Filho procedente do Pai. O Concílio de Niceia arrumou com a questão excomungando os arianos.

Já tinha aflorado este assunto a propósito de São Nicolau, cuja lenda consta ter esbofeteado Arius, mas que na prática nem sequer é certo que tenha estado presente em Niceia (Turquia).
Figuração bizantina em que S. Nicolau teria dado uma bofetada a Arius.

O arianismo não deixou de ter influência nos reinos ibéricos, pois essa era a linha da religião cristã visigoda, e diversas contendas com Roma foram aparecendo, com maior ou menor intensidade. 

(ii) Um segundo momento foi o grande Cisma Oriente-Ocidente, por causa da cláusula Filioque, onde a Igreja Ortodoxa quebrou definitivamente com o Papado em Roma, mais uma vez por uma razão da  Trindade. Neste caso, a Igreja Ortodoxa sustem (até hoje) que o Espírito Santo não procede do Filho, mas apenas do Pai. O que divide Oriente e Ocidente é a presença da palavra Filioque na frase:

Et in Spiritum Sanctum, Dominum et vivificantem: qui ex Patre (Filioque) procedit

Ou seja, "e no Espírito Santo, Senhor, e dador da vida, que procede do Pai (e do Filho)".

(iii) Um terceiro momento complicado foi a Cruzada Albigense, que vitimou milhares de cátaros, no Sul de França. Neste caso, os cátaros iam bem mais longe, vendo uma dualidade de deuses. Satanás no deus do Antigo Testamento, e Cristo na pessoa do Novo Testamento. Aqui a cisão foi remediada com a força bruta... ficando a lenda de que na dúvida os 20 mil cidadãos de Béziers foram mortos, argumentando que Deus depois decidiria quais eram culpados ou inocentes da heresia.

(iv) O quarto momento ocorre no reinado de Filipe o Belo, rei francês que irá extinguir os templários.
Como o papa Clemente V é francês, decide ficar em Avignon (Avinhão), tal como os seus sucessores, todos franceses... até que um deles, o papa Gregório XI, decide o regresso a Roma.

Avignon - Palácio papal (casa oficial do Papa entre 1309 e 1376)

Quanto a franceses, Avignon serviu de lição a Roma.
Depois de Avignon, não houve mais papas franceses... aliás papas que não fossem italianos já era coisa rara, depois disso e dos Bórgia espanhóis, durante quase quinhentos anos só houve papas italianos, até aparecer o polaco João Paulo II.

(continua)

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publicado às 05:51

Carros de assalto
Em comentário ao postal anterior, lembra o João Ribeiro a utilização dos carros militares:
Do Livro XI da Monarquia Lusitana, Cap XXII
"... e os nossos perderam o animo, se el rei não baixara do CARRO MILITAR em que andava e, acudira animosamente a esta parte, pelejando a pé com tal esforço..."
O que me espanta aqui não é o facto de D. Afonso Henriques que estava inibido de cavalgar, ter combatido através de carro/carroça/coche ou fosse lá o que fosse que tivesse rodas, mas sim o facto de um fulano do séc XVI/XVII ter a noção de "carro militar", como se fosse algo usual. Ou Fr. António Brandão remete as bigas/trigas/quadrigas para o séc XII num erro anacrónico de amador ou tinha o conhecimento de que na época medieval, se utilizavam carros para vários fins inclusive o militar. Por outro lado poderia usar o termo seu contemporâneo de "carro militar" remetendo-o para o século XII. Em qualquer um dos casos ficamos intrigados em como se sabe tão pouco sobre o uso de "carros militares" desde a antiguidade até ao seu tempo.
Para além da importante observação que D. Afonso Henriques usava um carro militar, isto lembra bem uma das técnicas mais conhecidas para assalto a castelos ou fortalezas, e que consistia no uso de torres de assalto, cuja base era justamente deslocada por rodas.

Uma das imagens mais notáveis disto, é um alto-relevo Assírio, situado no palácio de Nimrud (Iraque), onde se vê justamente o uso de um carro de assalto com aríete... e com 6 rodas!
Alto-relevo Assírio de ataque a uma cidade, usando um carro de assalto com aríete (circa 865-860 a.C.).

Este carro de assalto faz lembrar os primeiros tanques, e é até de admirar como esta imagem não é usada, pelos habituais especuladores de antigos astronautas, para invocar a presença de tecnologia antiga. É ainda curioso que o aríete é aqui colocado numa posição flexível inclinada, e não na habitual posição horizontal, como se tornou mais comum posteriormente.

Joguetes toltecas
Normalmente é considerado que as civilizações pré-colombianas não conheciam, ou não usavam a roda. 
Num outro comentário, José Manuel lembra a existência de pequenas figuras (ver link)... que seriam provavelmente brinquedos ou joguetes, onde os animais eram apresentados com rodas, conforme se pode ver na figura seguinte.
Brinquedo Tolteca com rodas (circa 800 d.C.) 

Caravanas sírias
Também na região do crescente fértil são encontrados muitos exemplos de brinquedos deste estilo, do Egipto até à Síria, onde foram são encontrados estes briquedos que lembram as caravanas que muitos séculos depois vieram a usar os colonos americanos que partiam para o Oeste.

Neste caso, esta colecção foi leiloada pela Sotheby's, pelo que se presume que a sua origem e datação (2000 a.C. - 1600 a.C.) tivesse sido minimamente verificada. Bom, e o que deve significar também que haverá objectos semelhantes guardados em museus... e não apenas em colecções particulares, ou pelo menos, assim se espera!

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publicado às 04:46

Voltando a coches, e à citação do Museu dos Coches (em resposta a pergunta de João Ribeiro):
"A invenção e uso das carruagens não é de muito antiga data na Europa. A primeira viatura desta espécie, que talvez apareceu em Paris, foi o carro que em 1457 ofereceu à rainha de França o embaixador de Ladislau V, rei de Boémia e Hungria - país que parece ter sido o berço daquela descoberta sumptuária."
Antes que me vá esquecendo, e apesar de ter referido algumas coisas nos comentários, não poderia deixar de aqui colocar algumas imagens significativas, que indicam precisamente o contrário.

É claro que a questão não é a existência de quadrigas, que estão extensivamente ilustradas em desenhos da Antiguidade, de egípcios a gregos e romanos. A única questão que se levanta, e de forma despropositadamente absurda, é sobre o uso antigo de carros com 4 rodas.

(i) Dinamarca - Trundholm (carro solar)
O primeiro exemplo que apresentamos é o de um objecto de bronze, bem conhecido, encontrado na Dinamarca (em 1902), representando o que é entendido como um "carro solar". A sua datação, estimada pelo museu nacional dinamarquês, é 1400 a.C.
 Carro solar de Trundholm (circa 1400 a.C.)

O curioso neste caso é que neste caso há mesmo 6 rodas, e não apenas 4.
Sendo um objecto simbólico, o cavalo aparece colocado em cima das rodas e não a puxá-las, mas a presença do cavalo indicia justamente o seu apropriado uso para a locomoção do carro.

(ii) Alemanha - Acholshausen (carro alegórico)
Um outro exemplo de representação de um carro alegórico de bronze, foi encontrado num túmulo de pedra na Alemanha, em Acholshausen, num excelente estado de conservação.

Estes dois exemplos, sendo da Idade do Bronze, não permitem concluir que os carros de quatro rodas fossem usados para fins práticos. Claro que aqui se poderia argumentar que se tratam apenas de objectos ornamentais, porque quando não se quer ver, basta fechar os olhos.

(iii) Suécia - Tossene (petróglifo)
Ainda no norte da Europa, há na Suécia, na municipalidade de Sotenäs (em Tossene), inscrições gravadas na rocha com desenhos rudimentares, mas ilustrativos. Estes desenhos estão datados como pertencentes à Idade do Bronze, e podemos supor anteriores a 500 a.C. Nesses petróglifos é mais comum a representação de barcos, mas encontra-se ainda uma inscrição que explicita bem um veículo de 4 rodas, um carro que seria puxado por animais, provavelmente cavalos.


(iv) Itália - Capo di Ponte (petróglifo)
O último exemplo que trazemos, é já em Itália, na região de Capo di Ponte, em Val Camonica, uma região conhecida por ter o maior conjunto de petróglifos conhecidos. Estas inscrições estão datadas desde o Neolítico até à Idade do Bronze.
Neste caso, no parque de Naquane, vemos uma carroça de 4 rodas puxada por dois animais, provavelmente dois cavalos.

Portanto aqui não restam muitas dúvidas que o uso de carroças vai a um tempo que pode ir da Idade do Bronze ao Neolítico (ou mesmo Mesolítico, circa 4000 a. C.).

Carro ou Quarro, Quadrigas
Ora o que se tornou depois popular na época greco-romana foi o uso de quadrigas.
Ou seja, deixaram-se de usar 4 rodas, passou a usar-se um carro com 2 rodas puxado por 4 cavalos.
O uso de 4 cavalos para puxar um carro parece exagerado, e se repararmos na inscrição egípcia que tem Ramsés II num carro de guerra, vemos que há apenas 2 cavalos que puxam o carro.
Ramsés é puxado por um carro com 2 cavalos na Batalha de Kadesh.

Um acontecimento dramático que marcou o fim da Idade do Bronze foi justamente a Guerra de Tróia e eventos seguintes (como a Batalha de Kadesh).

Na minha opinião, na origem da nossa palavra "carro" = "ca+ro", estão as sílabas "ca" e "ro", e isso pode não ser acidental, já que "ro" se associa bem a roda e "ca" a quatro. Ou seja, quando falávamos em carro isso significaria justamente uma identificação a quatro rodas.
Aliás podemos escrever quatorze ou catorze, e portanto a escrita "qua" muito se destinou a esconder a origem "ca", passando a pronunciar-se o "u", numa provável deturpação da palavra original.

Ora, nesta suposição, foi decidido manter o número 4 como número de cavalos a puxar a quadriga, por referência às quatro rodas, ao mesmo tempo que praticamente não restaram nenhumas representações artísticas de carroças com 4 rodas, vindas do tempo greco-romano. 
Isso não teria sido acidental, foi praticamente uma decisão de regime que se impôs a partir da Idade do Ferro, mesmo que se saiba que os romanos usaram o carpentum (conforme referimos), mas dessas carroças não restou nenhuma inscrição ou pintura.

Carroça no Duque de Berry
No bem conhecido livro de horas do Duque de Berry (c. 1412) vemos alguns carros usados pelos camponeses e de facto parece que em época medieval os carros de duas rodas eram os mais comuns. 
Porém, se repararmos no carro solar, que aparece no topo da imagem, a azul, o que vemos é uma divindade conduzindo uma clássica carroça de 4 rodas, puxada por cavalos alados.
  
Trés riches heures du duc de Berry - mês de Setembro. À direita, zoom onde se vê a "carroça solar".
......

Carroça de rainhas
Ainda mais explicitamente, num manuscrito do Séc. XIV (c. 1325-35) aparece uma carroça, carruagem ou caravana, razoavelmente longa, e onde se passearia a corte real, desfilando perante a população. O manuscrito é inglês, de East Anglia, denominado Lutrell Psalter.
Lutrell Psalter - manuscrito ilustrando uma carroça real. (East Anglia, c. 1325-35)

Há ainda outros exemplos, como na Cosmografia Scotti (que já foi aqui mencionada), onde se pode ver uma Balista montada sobre uma carroça, mas de um modo geral podem ser consideradas raras as ilustrações com carros de 4 rodas, na época medieval.

Reinvenção da Roda
É claro que podemos distinguir entre uma carroça e um coche, em termos do seu aspecto e do sistema de suspensão. Digamos que o carpentum romano seria uma carroça (carruagem ou caravana), enquanto que o coche apresentava uma suspensão da cabine, mais cómoda para os passageiros, especialmente em estradas ou caminhos em más condições.
Depois, a questão da definição particular, é apenas uma menção burocrática.

Interessa, isso sim, que o uso da roda para locomoção terá decaído significativamente com a degradação e completo abandono em que foram deixadas as vias romanas, após as invasões bárbaras, conforme mencionámos há bastante tempo. 
Sem essa infra-estrutura, a locomoção rodoviária, tornou-se mais problemática, e podemos quase falar numa reinvenção da roda, quando no Séc. XV voltamos a ter um uso descomprometido dos meios de locomoção.
Não foi apenas a navegação que sofreu um impulso com o início das explorações marítimas.
Também no solo, e para efeitos de maior progresso industrioso e comercial, passou a ser necessário ter as vias terrestres melhor cuidadas, e prontas para o transporte em carros e carroças.

Por isso, quando o Museu dos Coches insiste na absurda menção da sua inexistência antes do Séc. XV ou XVI, não está apenas a chamar a si o ridículo... está também a lembrar os tempos que fizeram a civilização humana ficar parada no tempo durante milhares de anos. Até que a roda fosse reinventada, usada sem quaisquer embaraços sociais ou religiosos, e não apenas como símbolo de tortura e morte.

01.05.2019

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publicado às 06:36


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