Godinho de Erédia escreve em 1618 a
em 3 Tratados, ordenada por Emanuel Godinho de Eredia.
onde se acaba por entender o que se passou, ou pelo menos, uma boa parte da história.
Mapa-múndiDesenha vários mapas, onde se destaca um mapa-múndi, bastante bom, atendendo à qualidade que depois se seguiria, em termos de mapas holandeses ou franceses.
Neste mapa vêem-se os rios, inclusive os rios canadianos do Oceano Árctico, ou seja, o rio Yukon e afluentes, bem como os rios Ob e possivelmente o Lena na Rússia. Aliás todos os grandes rios estão bem representados, faltando talvez o maior contorno do Mississipi.
Antárctida
A novidade deste mapa não é apenas apontar Luca Antara, como península de um continente australiano maior (que designa por Índia Meridional), mas também definir a parte australiana oriental (à esquerda no mapa) como descoberta pelos castelhanos em 1609, e especialmente definir uma parte sul, contígua a uma península que saía da Antártida, como tendo sido descoberta pelos portugueses em 1606. A este propósito veja-se, por exemplo:
onde se argumenta que este mapa atesta a presença portuguesa nas terras antárcticas em 1606, falando ainda do similar
mapa de Lavanha:
"Região dos papagaios, assim chamada pelos portugueses, devido ao incrível tamanho que nela têm as ditas aves". Papagaios na Antártica? Que loucura é essa? O historiador Luís Thomas, da Universidade Nova de Lisboa, não tem dúvidas: as tais aves de "incrível tamanho" não são outra coisa senão pingüins. Se a inscrição de Lavanha ainda dá margem a alguma controvérsia, o mesmo não pode ser dito de uma outra, que aparece num mapa elaborado por Manuel Godinho de Erédia.
Dada a má localização do contorno, no que diz respeito à latitude (demasiado próximo de África), continuo a preferir
a descrição de Ramusio de 1560, onde afirma que os portugueses sabiam desse continente, mas estavam proibidos pelo rei de navegar abaixo do Cabo da Boa Esperança em direcção ao Polo Sul.
Empresa da Índia Meridional
Erédia, quando escreve em 1618, está perfeitamente ciente que perdeu a oportunidade de ficar para a História como descobridor da "Índia Meridional", mas não se conforma pela forma como isso aconteceu.
E pera esta empreza, no mesmo tempo foi despachado e provido Manuel Godinho de Erédia, em o habito de Christo, e o titulo de Adelantado da India Meridional, pera passar ao sul com estas promessas, para efectuar os descobrimentos meridionaes e tomar posse daquellas terras pera e coroa de Portugal no ditto anno de 1601. E não teve effecto, porque estando em Malaca, prestes para fazer a viagem da India Meridional, sobrevierão as guerras daquella fortaleza com os Malayos e Olandezes que impidirão os descobrimentos, por ser necessária gente pera defensão de Malaca, sendo governador daquella fortaleza Andre Furtado de Mendonça.
Inclui o seu retrato neste livro, assinalando no globo "Luca Antara", bem como o brasão da sua empresa - a Empresa da Índia Meridional:
O moto da empresa, abaixo de uma pomba que traz o ramo de oliveira:
columba venit portans ramum
ou seja, "a pomba regressou trazendo um ramo". Erédia usa o episódio em que Noé para averiguar da existência de terra, após o dilúvio, manda uma pomba, até que ela regressa trazendo um ramo de oliveira. Como já referimos, não deixa de ser interessante o nome de Colombo se ter ajustado ao seu papel de pombo, levando a notícia, ou o ramo, à arca espanhola.
O que interessa aqui é que Erédia sabia da existência de terras a sul, houve a encomenda de exploração, dada pelos vice-reis
Francisco Vasco da Gama (1597-1600), e
Aires de Saldanha (1600-1605), que lhe deram a ordem de descoberta, para a qual definiu a empresa com este brasão singular, porque Erédia acabou por não ir em exploração, apenas recebeu "ramos de pombas", ou seja, informação de outros que foram.
Boicote da Ordem dos Pregadores (Dominicanos)
Erédia explica assim por que razão não partiu em exploração, devido ao ataque holandês a Malaca, mas inclui razões internas, numa certidão assinada por Pedro de Carvalhães, capitão da fortaleza do Ende, que diz (Livro II - Cap.8 - Da Certidão de Luca Veach).
Diz ele (Carvalhães):
(....) E com esta informação mandei com brevidade negocear e apetrechar 2 embarcações de remo e providas do necessario com pilotos e marinheiros Endes, e outros officiaes, para efectuar esta viagem de Luca Veach. E estando as embarcações a ponto para levar ancora e dar ao vellas, então os padres da ordem dos Pregadores como vigairos daquella Christandade e administradores do sul, me requererão com muyta instancia, impedisse em todo caso aquella viagem, porque os Christãos, como ignorantes daquella navegação, sem conhecimento de alturas, sem duvida tinham por certo sua perdição e mortes naquella Oceano. E por respecto deste requerimento solemne de religiosos, desfis o designo, e não teve efecto aquella rica viagem de Luca Veach, ou ilha de ouro. E por o descobridor Manuel Godinho de Eredia pedir esta enformação pera bem de sua viagem e empreza, e pollo que cumpre ao serviço del Rey, juro por los sanctos evangelhos passar tudo na verdade, e ser meu o sinal abaixo. Em Malaca aos 4 de Octub. do anno 1601. Pedro de Carvalhães.
A
Ordem dos Pregadores é a Ordem de São Domingos, ou Ordem Dominicana, e foi esta ordem que coordenou a Inquisição, sendo portanto natural que o Capitão Carvalhães não quisesse vir a ter problemas com a inquisição, caso não acedesse ao pedido da ordem.
Portanto, Holandeses e Dominicanos foram responsáveis naquela altura pela inacção de Erédia, um Jesuíta, que não se vai conformar com esta situação - talvez devido à sua origem mista na fidalguia portuguesa e nobreza
Macassar - mas que ainda assim parece ter sido impotente para a alterar, uma vez que os holandeses ao mesmo tempo que atacavam Malaca, declararam a descoberta australiana logo em 1606.