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Horror
O grito. Edvard Munch (1893)
Se há coisa a que os seres humanos nunca foram poupados, foi à presença real ou imaginada do pior dos horrores. Diria mais, a literatura, a arte em geral, encheu-se de tragédias, e de descrições, numa perspectiva de "tanto quanto pior melhor". 

Um quadro simples, como o grito de Munch, conseguiu um efeito icónico, perturbador para a maioria dos espectadores. Podemos ir mais atrás, aos quadros de Hieronymus Bosch, que são também suficientemente desconcertantes e complexos, mas que estão fora da realidade do observador. Normalmente a situação mais perturbadora leva o espectador para uma realidade que não o coloca apenas no campo da ficção.

A principal questão é a de perceber a "convocatória de horror", com que somos confrontados, convidados a assistir, a sofrer, em primeira pessoa ou em pessoa alheia, trazendo para nós sentimentos de que poderíamos bem prescindir.

Ser humano
O ser humano apareceu num contexto extremamente violento, onde a natureza já exercia toda a espécie de experiências nefastas aos animais que tinha criado. Não foi o homem que criou o horror. Nasceu dele e cresceu convivendo diariamente com ele.
Não poderia ser doutra forma, sejamos claros. Se a matéria era aglomerada, praticamente do nada, de um ovo, para se constituir como ser vivo, enquanto aglomerado natural, não faria sentido uma lei natural que inviabilizasse a sua destruição, a sua remissão às partes que formavam o todo.
Em muitos casos isso era e é literalmente assim, a presa entra dentro do sistema digestivo do predador, e sai já reduzida a estrume, matéria pronta a entrar noutro ciclo de vida. A natureza não esteve preocupada em anular a dor da presa, assim como forçava o predador a esse jogo, sob pena da lancinante dor da fome, antevisão do seu próprio desfalecimento.

Energia
A lógica algo sinistra da vida está relacionada com esse imposto pago a cada instante de tempo.
As partículas não podem decidir mover-se de um lado para o outro, sem pagar o imposto energético.
No caso de serem partículas inanimadas, qualquer movimento seu resulta de energia transmitida por outra fonte. As partículas animadas, por moto próprio, são animais (aliás, como o nome indica).
Um grão de areia pode voar levado pelo vento, pode ser arrastado pela água, mas todos esses movimentos não têm origem em si, são resultado da dinâmica de fluidos, na maior parte das vezes definida pela energia do Sol, ou pela conversão da energia da Terra (por exemplo, a energia potencial gravítica). Quando pequenas partículas tentam rumar contra essa corrente, por iniciativa própria, são animais, desde as mais pequenas amebas, até às maiores baleias.
Cada vez que manifestam a sua vida, pagam esse seu movimento em energia.

Como a lei universal é de conservação de energia, se algum animal quer gastar energia, tem que ir tirá-la algures... Ora, praticamente a única fonte gratuita de energia é o Sol, e o aproveitamento directo dessa energia é feito pelas plantas na fotossíntese. Animais movidos por fotossíntese foi coisa que não vingou, provavelmente por insuficiência energética, e assim os primeiros animais foram herbívoros, retirando energia das plantas. Até aqui a coisa não era muito atroz, porque as plantas eram desprovidas de sistema nervoso... o problema começou quando a natureza decidiu avançar para a crueldade seguinte, permitindo que uns animais fossem predadores de outros, especialmente dos herbívoros. A natureza já tinha exercido a sua crueldade com as plantas, através de secas e outros mimos, mas passa a outro nível com os herbívoros, chegando ao nível do sarcasmo quando condena uma tartaruga à morte por impossibilidade de se virar sobre si mesma.

Propósito
Isto tudo poderia ocorrer sem qualquer propósito, e essa é a versão oficializada da ciência maçónica, mas nos bastidores vai correndo outra ciência, sem pecadilhos religiosos, de uma religião que é anti-religiosa. Já aqui falámos do Princípio Antrópico, e essa é praticamente a única resposta a esta questão. Mais concretamente, quando a natureza introduz os seres vivos e os animais vai cumprir os passos necessários para o "conheça-se a si mesmo" universal. Desde a primeira existência de olhos, ou melhor, desde o primeiro instante em que os animais tiveram sentidos, assimilaram dentro de si uma parte exterior. Com os primeiros animais, o universo ganhava pela primeira vez seres que interpretavam uma parte do universo onde estavam. Admitindo que esses animais eram herbívoros, o seu conjunto iria interpretar ou codificar o mundo exterior. Com o cérebro herbívoro, o mundo terrestre poderia ser todo visto e previsto, nas suas leis mais básicas. Os herbívoros, sujeitos às maiores atrocidades, poderiam ir sobrevivendo num mundo quase caótico, restando os que melhor o entendessem. No entanto, sem inimigos acima de si, não teriam que se entender a si mesmos.

Quando a natureza define predadores e presas, não está apenas a ser cruel... ou a arranjar alternativas para o sucesso energético. Nessa altura, as presas têm que prever os predadores, e vice-versa. O cérebro de um herbívoro deixa de estar apenas preocupado com os seus locais de pasto, uma tarefa simples, quando comparada com o prever da acção dos predadores que lhe ameaçam a vida.
Desenvolvendo-se essa capacidade de previsão dos outros, isso tanto ocorre para a presa, no sentido de escapar ao predador, como para este, no sentido de apanhar a presa.
Em breve, o conjunto dos animais tanto conseguem entender minimamente os fenómenos físicos, como conseguem prever-se uns aos outros, entre os pares presa-predador. Mas como estas entidades são diferentes, ou seja, as espécies predadoras não caçam animais da mesma espécie, estes animais não estavam pressionados para se entenderem a si mesmos.

É com os primatas, e especialmente com os humanos, que o sucesso da espécie torna os humanos como potenciais predadores de humanos. Não se tratou apenas do canibalismo, que também ocorreu, os homens passaram à função de predadores de si mesmos, quando levaram as disputas territoriais e sexuais ao nível letal, o que raramente acontecia com os restantes animais.

Ser o mano
Nessa altura, quando o maior inimigo do homem é o próprio homem, a espécie tem que se conhecer a si mesmo. O maior propósito universal estava quase alcançado... não era apenas importante ao universo entender o funcionamento de uma parte, era especialmente importante entender-se a si mesmo. Se a espécie era resultado da natureza, para além de entender a outra natureza, teria que se entender a si mesma. Poderia dispensar isso, se não houvesse uma pressão, e essa pressão foi o horror, na nova forma que os humanos o trouxeram. Nas dilacerações que os humanos foram fazendo uns aos outros, foram sempre juntando novas ideias de horror, como forma de temor, como forma de se impor como potência perante os outros.
Os humanos criaram novos animais, muito mais temíveis, que tudo o existente anteriormente.
Esses novos animais eram as sociedades, que de famílias passaram a tribos, e de tribos a nações.
Se os homens eram mortais, essas sociedades poderiam não o ser, enquanto o legado cultural fosse preservado.
Até aqui funcionaria a lógica dos grupos, dos manos, mas não dos humanos.
Um homem teria que entender outro homem, mais do que isso teria que entender os grupos humanos, as sociedades aí desenvolvidas, etc. Ainda assim, cada homem estava dispensado de se entender a si mesmo. Entendia o outro como inimigo, poderia entendê-lo como mano, como companheiro, mas não surgia nenhuma pressão para se conhecer a si mesmo.

Creio que a pressão para se conhecer a si mesmo só resultou quando se percebeu que o problema não estava nos outros, estava no próprio. Para esse efeito, vejo um chefe tenebroso, que depois de se ver livre de todos os inimigos, começou a inventar novos inimigos, nos mais próximos, ao ponto de tendo o controlo sobre todos, seria forçado a perceber que os novos inimigos resultavam da sua paranóia. Esta reflexão pode nem ter partido de si, pode ter partido de algum conselheiro, que arriscaria ser o próximo na lista.
Esta constatação será motivo pelo qual a inscrição "conhece-te a ti mesmo" aparecia em destaque no Templo de Delfos, mas já resultaria de tempos mais remotos, muito anteriores a Zaratustra. Basicamente seria com esse início da verdadeira consciência do eu que a filosofia teria despontado para começar a abordar o problema fulcral.

O problema fulcral é simples, ainda que esteja enredado numa teia de preconceitos.
Como poderia o universo existir, se não desenvolvesse em si uma consciência autónoma, capaz de o observar e entender? - Conforme já disse aqui múltiplas vezes, não seriam os calhaus, as árvores, os burros ou os ursos, a entenderem a sua existência. Só os homens têm essa capacidade, a capacidade de reflexão e auto-reflexão, de definir mini-universos em si mesmos. O universo precisou de uma inteligência autónoma para se reflectir em si mesmo.
Tudo o que existe, existe por uma razão. A razão de tudo não pode ser exterior ao universo, sob pena de o universo não incluir tudo o que existe, e contrariar a sua própria definição. Também não será nenhuma parte do universo a conter essa razão, sob pena de se identificar com ele. Mas ainda que a razão completa esteja fora de alcance, podemos saber o suficiente para compreender o assunto na sua generalidade, e mais do que isso, não nos interessarmos pelos detalhes, e sabendo porquê.

Concluindo, o horror foi uma prenda do processo, e tendo existido antes, não tem razão para agora desaparecer por si. Pode deixar de ter utilidade prática, como teve antes, e levar para caminhos que já trilhámos. Interessa saber que a existência teórica do horror não é apagável, mas será opção própria entender onde isso leva - normalmente a lado nenhum..

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publicado às 05:35

Pareceu-me interessante considerar aqui a simples tradução do livro De Re Militari, de Flavius Vegetius, ou Vegécio, contemporâneo do Imperador Graciano (fim do séc. IV). É apenas a tradução do 1º livro, baseada numa outra tradução para o inglês de 1767, constante em Digital Attic, podendo encontrar-se uma versão em latim em The Latin Library para confrontação, o que raramente fiz.

Faço ainda referência às iconografias constantes na tradução alemã da obra (feita em 1529):
Vier Bücher der Ritterschafft de Heinrich Steyner
Não se referindo necessariamente ao texto, ou pelo menos não a partes conhecidas dele, é constatado que também outros tradutores do Renascimento, quando faziam a tradução do texto de Vegécio, colocavam a presença de armas e tecnologias que seriam mais contemporâneas.

São vários os casos, mas talvez destacando dois, escolha o colchão de ar, e fatos submarinos.
 
O colchão de ar é uma invenção de origem pouco conhecida, mas representa uma solução simples que poderia ser efectivamente usada desde a remota antiguidade, e também permitiria um simples dispositivo para flutuar na água.
No que diz respeito ao uso material submarino, encontram-se referências em diversos textos medievais, ainda mais antigos, que remetem até para uma história do interesse de Alexandre Magno na exploração submarina, revelando que muitos dos interesses ou invenções, pensadas modernas, tinham já origem em tempos remotos.

Segue a tradução do texto, fazendo notar logo a parte inicial, em que o Vegécio questiona como tinham sido os romanos capazes de suplantar os restantes povos, nomeadamente, o número de gauleses, a estatura dos alemães e a força física dos hispânicos, etc... concluindo ele ter sido a disciplina do exército. Isto não deixa de ser expectável e curioso.
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Prefácio ao Livro 1

Ao Imperador Valentiniano


É costume dos autores oferecer aos seus príncipes os frutos de seus estudos em belas cartas, a partir de uma convicção de que nenhum trabalho pode ser publicado com propriedade, se não tive os auspícios do imperador, e que o conhecimento de um príncipe deve ser mais geral e mais importante, pois sua influência é sentida com tanta intensidade por todos os seus súbditos. 
Temos muitos exemplos da recepção favorável que Augusto e seus ilustres sucessores conferiram sobre os trabalhos que lhes foram apresentados; e esse encorajamento do Soberano fez as ciências florescerem. A consideração da indulgência superior de Vossa Majestade por tentativas desse tipo me levou a seguir esse exemplo e quase me esqueci da minha própria incapacidade quando comparado com os escritores antigos. 
Uma vantagem, no entanto, deduzo da natureza deste trabalho, pois ele não requer elegância de expressão ou extraordinária parcela de génio, mas apenas grande cuidado e fidelidade em colectar e explicar, para uso público, as instruções e observações de nossos antigos historiadores de assuntos militares, ou aqueles que escreveram expressamente a respeito deles.
Meu objectivo neste tratado é exibir nalguma ordem os costumes e usos peculiares dos antigos na escolha e disciplina dos seus novos recrutas. Também não pretendo oferecer este trabalho a Sua Majestade, partindo da suposição de que não conhece todas as partes de seu conteúdo; mas sim que pode ver que as mesmas disposições e regulamentos salutares que sua própria sabedoria solicita que estabeleça para a felicidade do Império, foram anteriormente observados pelos seus fundadores; e que Vossa Majestade possa encontrar com facilidade nesta descrição o que for mais útil num assunto tão necessário e importante.
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Livro 1: A selecção e o treino de novos recrutas


I - A DISCIPLINA ROMANA - A CAUSA DA SUA GRANDEZA
A vitória na guerra não depende inteiramente de números ou mera coragem; só a habilidade e a disciplina garantirão isso. Descobrimos que os romanos não deveram a conquista do mundo a outra causa senão ao treino militar contínuo, observância exacta da disciplina em seus campos e cultivo atento das outras artes da guerra. 
- Sem isto, que chance teria o número de exércitos romanos contra as multidões dos gauleses?
- Ou com que sucesso seu tamanho pequeno teria se oposto à estatura prodigiosa dos alemães?
- Os hispânicos superaram-nos não apenas em números, mas em força física.
- Sempre fomos inferiores aos africanos em riqueza e desiguais a eles em engano e estratagema.
- E os gregos, indiscutivelmente, eram muito superiores a nós em habilidade em artes e em todos os tipos de conhecimento.

Mas, a todas essas vantagens, os romanos opunham o cuidado incomum na escolha dos seus recrutas e no seu treino militar. Eles entenderam completamente a importância de fortalecê-los pela prática contínua e de treiná-los para todas as manobras que possam acontecer na linha e na acção. 
Nem eram menos rigorosos em punir a ociosidade e a preguiça. 
A coragem de um soldado é aumentada pelo conhecimento de sua profissão, e ele só quer uma oportunidade de executar o que está convencido de que lhe foi ensinado perfeitamente. Um punhado de homens, empenhados na guerra, persegue a vitória certa, enquanto pelo contrário numerosos exércitos de tropas rudes e indisciplinadas são apenas multidões de homens arrastadas para o matadouro.

II - A SELECÇÃO DE RECRUTAS
Para tratar este assunto com algum método, primeiro examinaremos quais províncias ou nações que devem ser preferidas para suprir os exércitos com recrutas. É certo que todo país produz homens corajosos e homens cobardes; mas é igualmente certo que algumas nações são naturalmente mais guerreiras do que outras, e que a coragem, assim como a força do corpo, depende muito da influência dos diferentes climas.

A seguir, examinaremos se a cidade ou o país produz os melhores e mais capazes soldados. 
Imagino que ninguém possa duvidar que os camponeses sejam os mais aptos a portar armas, pois desde a infância foram expostos a todos os tipos de clima e foram submetidos ao trabalho mais árduo.   Eles são capazes de suportar maior calor do sol, não estão familiarizados com o uso de banhos e são estranhos a outros luxos da vida. São simples, satisfeitos com pouco, apegados a todos os tipos de fadiga, e preparados de alguma forma para uma vida militar pelo emprego contínuo em seu trabalho no país, no manuseio da pá, cavando trincheiras e carregando fardos. 

Em casos de necessidade, no entanto, às vezes somos obrigados a recrutar nas cidades. 
E esses homens, assim que se alistavam, deveriam ser ensinados a trabalhar em trincheiras, a marchar em fileiras, a carregar cargas pesadas e a suportar o sol e a poeira. Suas refeições devem ser grosseiras e moderadas; eles devem estar acostumados a dormir algumas vezes ao ar livre e outras vezes em tendas. Depois disso, eles devem ser instruídos no uso das suas armas. E se alguma longa expedição estiver planeada, elas devem acampar o mais longe possível das tentações da cidade. 
Com estas precauções, as suas mentes e corpos estarão adequadamente preparados para o serviço.

Percebo que, nas primeiras eras da República, os romanos sempre erguiam seus exércitos na própria cidade, mas isso foi numa época em que não havia prazeres nem luxos para seduzi-los. O Tibre era então o único banho, e nadando refrescavam-se após exercícios e fadigas no campo. Naqueles dias, o mesmo homem era soldado e camponês, mas um camponês que, quando surgia a ocasião, deixava de lado as suas ferramentas e empunhava a espada. 
A verdade disso é confirmada pelo exemplo de Quintius Cincinnatus, que estava atrás do arado quando lhe foram oferecer o cargo de ditador. A força principal de nossos exércitos, então, deve ser recrutada no campo. Pois é certo que quanto menos estiver um homem familiarizado com os doces da vida, menos razões ele tem para ter medo da morte.


III - A IDADE ADEQUADA PARA RECRUTAS
Se seguirmos a prática antiga, o momento adequado para alistar jovens no exército é a sua entrada na era da puberdade. Nesse momento, instruções de todos os tipos são absorvidas mais rapidamente e imprimem mais duradoura na mente. Além disso, os indispensáveis ??exercícios militares de corrida e salto devem ser adquiridos antes que os membros sejam muito rígidos pela idade. Pois é a actividade, aprimorada pela prática contínua, que forma o soldado útil e bom.
Antigamente, dizia Sallustius, os jovens romanos logo que tinham idade para portar armas, eram treinados da maneira mais rigorosa em seus campos para todas as fatigas e exercícios de guerra. Pois é certamente melhor que um soldado, perfeitamente disciplinado, repita através da emulação, que ainda não tenha chegado a uma idade adequada para a acção, do que ter a mortificação de saber que é passado.
Também é necessário um tempo suficiente para sua instrução nos diferentes ramos do serviço. Não é fácil treinar um arqueiro a cavalo ou a pé, ou formar o soldado legionário em todas as partes da arte, ensiná-lo a não deixar o seu posto, a manter fileiras, apontar apropriadamente e lançar os seus mísseis  com força, cavar trincheiras, plantar paliçadas, como administrar o seu escudo, olhar os golpes do inimigo e como desviar um golpe com destreza. Um soldado, perfeito na sua profissão, longe de mostrar qualquer temor em se envolver, estará ansioso por uma oportunidade de se evidenciar.


IV - O SEU TAMANHO
Achámos os antigos muito afeiçoados a conseguir os homens mais altos que podiam para o serviço, uma vez que o padrão para a cavalaria das alas e para a infantaria das primeiras coortes legionárias era fixado em seis pés, ou pelo menos cinco pés e dez polegadas. Estes requisitos poderiam ser facilmente mantidos naqueles tempos em que esses números seguiam a profissão das armas e antes de ser moda para a flor da juventude romana se dedicar aos assuntos civis do estado. 
Mas quando a necessidade exige, a altura de um homem não deve ser considerada tanto quanto sua força; e por isso temos a autoridade de Homero, que nos diz que a deficiência de estatura em Tideu foi amplamente compensada por seu vigor e coragem.


V - SINAIS DE QUALIDADES DESEJÁVEIS
Quem supervisionar os novos recrutas deve ser particularmente cuidadoso ao examinar as características de seus rostos, olhos e aparência de seus membros, para permitir que formem um julgamento verdadeiro e escolham os que têm maior probabilidade de serem bons soldados. 
Pois a experiência nos garante que há nos homens, bem como nos cavalos e nos cães, certos sinais pelos quais suas virtudes podem ser descobertas. O jovem soldado, portanto, deve ter um olho vivo, deve manter a cabeça erecta, o peito largo, os ombros musculosos, os dedos longos, os braços fortes, a cintura pequena, a forma fácil, as pernas e os pés mais nervosos que carnudos. Quando todas essas marcas são encontradas num recruta, um pouco de altura pode ser dispensado, uma vez que é muito mais importante que um soldado seja forte do que alto.




VI - PROFISSÕES ADEQUADAS PARA NOVOS RECRUTAS 
Na escolha dos recrutas, deve-se considerar a sua profissão. Pescadores, confeiteiros, tecelões e, em geral, todos cujas profissões pertencem mais apropriadamente às mulheres não devem, em minha opinião, de maneira alguma ser admitidos no serviço. Pelo contrário, ferreiros, carpinteiros, açougueiros e caçadores são os mais apropriados para serem levados a ele.
A escolha cuidadosa de soldados depende do bem-estar da República, e a própria essência do Império Romano e seu poder estão tão inseparavelmente ligados a este cargo, que é da maior importância não ser confiado indiscriminadamente, mas apenas a pessoas confiáveis na sua fidelidade. 
Os antigos consideravam o cuidado de Sertório nesse ponto uma das suas eminentes qualificações militares. O soldado a quem a defesa do Império é consignada e em cujas mãos está a fortuna da guerra, deve, se possível, ser de famílias respeitáveis ??e de maneiras. Os sentimentos que se podem esperar desses homens formarão bons soldados. Um sentido de honra, impedindo-os de se comportarem mal, os tornará vitoriosos.

Mas que bem se pode esperar de um homem, por natureza cobarde, embora sempre tão disciplinado ou que tenha servido em muitas campanhas? Um exército criado sem a devida consideração pela escolha de seus recrutas nunca foi aperfeiçoado pelo tempo; e agora estamos convencidos pela experiência fatal de que essa é a fonte de todos os nossos infortúnios. 
Tantas derrotas só podem ser imputadas aos efeitos de uma longa paz que nos tornou negligentes e descuidados na escolha dos recrutas, e à inclinação tão prevalecente entre os melhores, que preferem os cargos civis do governo à profissão de armas; e à conduta vergonhosa dos superintendentes que, por interesse ou conivência, aceitam muitos homens que aqueles que são obrigados a fornecer substitutos para o exército escolhem enviar, e admitem tais homens a serviço, que os próprios nem sequer escolheriam como funcionários. Assim, parece que uma confiança de tal importância deve ser comprometida só a homens de mérito e integridade.


VII - A MARCA MILITAR
O recruta, no entanto, não deve receber a marca militar assim que se alistar. 
[a marca era impressa nas mãos dos soldados, com ferro quente ou de forma indelével]
Ele deve primeiro ser julgado a estar apto para o serviço: se ele tem actividade e força suficientes; se tem capacidade para aprender seu dever; e se tem o grau adequado de coragem militar. Muitos, embora com aparência bastante promissora, são depois julgados muito impróprios. Estes devem ser rejeitados e substituídos por homens melhores; pois não são números, mas a bravura, que ganha o dia.
Após o exame, os recrutas devem receber a marca militar e aprender o uso de suas armas por meio de exercícios constantes e diários. Mas esse costume essencial foi abolido pelo relaxamento introduzido por uma longa paz. Não podemos esperar encontrar homens para ensinar o que nunca aprenderam.Portanto, o único método que resta de recuperar os costumes antigos é pelos livros e consultando os antigos historiadores. Mas eles ajudam-nos muito pouco a esse respeito, pois apenas relacionam as façanhas e os eventos das guerras e não prestam atenção aos objectos de nossas pesquisas actuais, coisas que consideravam universalmente conhecidas.


VIII - TREINO INICIAL
A primeira coisa que os soldados devem aprender é o passo militar, que só pode ser adquirido pela prática constante de marchar junto e rápido. Tampouco há algo mais importante na marcha do que manterem as fileiras com a maior exactidão. Pois as tropas que marcham de maneira irregular e desordenada estão sempre em grande risco de serem derrotadas. 
Devem marchar, com o passo militar comum, trinta milhas em cinco horas de Verão, e com o passo completo, que é mais rápido, quarenta e quatro milhas no mesmo número de horas. Se excederem esse ritmo, não marcharão, passam a correr, e nenhuma taxa específica pode ser atribuída.

Mas os jovens recrutas, em particular, devem ser exercitados na corrida, a fim de atacar o inimigo com grande vigor; e ocupar um posto vantajoso de forma expedita impedindo os desígnios sobre o mesmo pelo inimigo; para que, quando enviados ao reconhecimento, avancem com velocidade, retornem com maior celeridade, e mais facilmente encontrem o inimigo numa perseguição.

Saltar é outro exercício muito necessário, para permitir que eles passem por valas ou obstáculos embaraçosos de qualquer tipo, sem problemas ou dificuldades. Há também outra vantagem muito material a ser derivada desses exercícios no momento da acção; pois um soldado que avança com seu dardo, correndo e pulando, deslumbra os olhos de seu adversário, golpeia-o de terror e dá-lhe o golpe fatal antes que ele tenha tempo de se defender. Sallustius, falando da excelência de Pompeu nesses detalhes, diz-nos que contestou a superioridade em saltar dos mais ativos, em correr dos mais rápidos e em exercícios de força dos mais robustos. Tampouco teria sido capaz de se opor a Sertório com sucesso, se não se tivesse preparado a si mesmo e aos seus soldados para a acção, por exercícios contínuos desse tipo.


IX - APRENDER A NADAR
Todo o jovem soldado, sem excepção, deve nos meses de Verão ser ensinado a nadar; pois às vezes é impossível passar rios nas pontes, mas o exército em fuga ou perseguidor é frequentemente obrigado a nadar neles. Um derretimento repentino de neve ou queda de chuva faz os rios transbordar e em tal situação o perigo é tão grande pela ignorância em nadar, quanto pelo inimigo. Os romanos antigos, portanto, aperfeiçoados em todos os ramos da arte militar por uma série contínua de guerras e perigos, escolheram o Campo de Marte como o mais cómodo para os seus exercícios, devido à sua proximidade com o Tibre, para que os jovens pudessem ali se lavar do suor e do pó, e refrescar-se nadando, depois das suas fadigas. A cavalaria também, assim como a infantaria, e até os cavalos e os servos do exército devem estar acostumados a esse exercício, pois todos são igualmente sujeitos aos mesmos acidentes.


X - O EXERCÍCIO DO POSTE
Somos informados pelos escritos dos antigos que, entre seus outros exercícios, eles possuíam o do poste. Eles davam aos seus recrutas escudos redondos feitos de salgueiros, duas vezes mais pesados que os usados em serviço real, e espadas de madeira dobrando o peso das comuns. Eles exercitavam-nos no poste de manhã e à tarde.
Esta é uma invenção de grande utilidade, não apenas para soldados, mas também para gladiadores.Nenhum homem destas profissões jamais se distinguiu no circo ou no campo de batalha, que não fosse perfeito neste tipo de exercício. Todo o soldado fixava um poste firmemente no chão, com cerca de um metro e meio de altura. Contra isso, como contra um inimigo real, o recruta era exercitado com as armas descritas, como se fossem um escudo e uma espada comuns, às vezes apontando para a cabeça ou o rosto, às vezes para os lados, outras tentando atacar as coxas ou pernas. Ele é instruído de que maneira avançar e retirar e, em suma, como aproveitar todas as vantagens de seu adversário; mas foi sobretudo alertado para não se abrir ao antagonista enquanto dirige o golpe contra ele.


XI - NÃO CORTAR, ESTOCAR COM A ESPADA
Eles também foram ensinados a não cortar, mas sim estocar com as suas espadas. Pois os romanos não apenas zombavam daqueles que lutavam com a lâmina daquela arma, mas sempre os consideravam uma conquista fácil. Um golpe pela lâmina, embora feito com força, raramente mata, pois as partes vitais do corpo são defendidas pelos ossos e pela armadura. Pelo contrário, uma estocada, embora penetre apenas duas polegadas, é geralmente fatal. Além disso, na atitude de golpear é impossível evitar expor o braço e o lado direito; mas, por outro lado, o corpo é coberto enquanto a estocada é dada, e o adversário recebe a ponta antes de ver a espada. Esse era o método de luta usado principalmente pelos romanos, e a razão deles para exercitar os recrutas com armas de muito peso a princípio era que, quando eles usavam as reais, mais leves, a diferença permitia-lhes agir com maior segurança e maior vivacidade no momento da acção.


XII -O TREINO CHAMADO ARMATURA
Os novos recrutas também devem ser ensinados pelos mestres de armas no sistema de treino chamado armatura, pois ainda é parcialmente mantido entre nós. A experiência, mesmo neste momento, convence-nos de que os soldados, perfeitos nela, são os que mais rendem serviço em confrontos. E fornecem provas da importância e dos efeitos da disciplina na diferença que vemos entre aqueles devidamente treinados e as outras tropas. 
Os antigos romanos estavam tão conscientes de sua utilidade que recompensaram os mestres de armas com uma dupla quantidade de provisão. Os soldados que estavam atrasados ??no treino eram punidos obtendo a sua provisão em cevada. Nem recebiam a provisão, como de costume, em trigo, até que, na presença do prefeito, tribunos ou outros oficiais principais da legião, mostrassem provas suficientes do seu conhecimento em todas as partes do estudo.

Nenhum estado pode ser feliz ou seguro, se for negligente na disciplina de suas tropas. Pois não é a profusão de riquezas ou excesso de luxo que pode influenciar nossos inimigos a nos cortejar ou nos respeitar. Isso só pode ser efectuado pelo terror das nossas armas. 
É uma observação de Catão que a má conduta nos assuntos comuns da vida pode ser recuperada, mas isso ocorre de outra maneira na guerra, onde os erros são fatais e sem remédio, sendo seguidos por punição imediata. Pois as consequências de enfrentar um inimigo, sem habilidade ou coragem, é que parte do exército é deixada no campo de batalha, e os que aí permanecem recebem uma impressão tão grande da derrota que depois não ousam olhar o inimigo de frente.


XIII - O USO DE DARDOS
Além do mencionado exercício dos recrutas no poste, eles eram municiados com dardos de maior peso que o comum, que eram ensinados a lançar sobre o mesmo poste. E os mestres de armas tiveram muito cuidado em instruí-los a lançá-los com um objectivo e uma força adequada. Essa prática fortalece o braço e faz do soldado um bom atirador.


XIV - O USO DO ARCO
Um terço ou quarto dos soldados mais jovens e mais aptos também devem ser exercitados no poste com arcos e flechas, feitos apenas para esse fim. Os mestres deste ramo devem ser escolhidos com cuidado e devem-se esforçar diligentemente para ensinar os homens a segurar o arco numa posição adequada, dobrá-lo com força, e manter a mão esquerda firme, puxar a direita com habilidade, direccionar tanto a atenção quanto os olhos para o objecto e mirar o objectivo com igual certeza, a pé ou a cavalo. Mas isso não deve ser adquirido sem grande aplicação, nem retido sem exercício nem prática diárias.

A utilidade de bons arqueiros em acção é evidentemente demonstrada por Catão no seu tratado sobre a disciplina militar. À instituição de um corpo de tropas desse tipo, Cláudio deve a sua vitória sobre um inimigo [os britânicos] que, até aquele momento, era constantemente superior a ele. 
Cipião Africano, antes de sua batalha contra os numantinos, que haviam feito um exército romano ignominiosamente passar pelo seu jugo, achou que ele não teria probabilidade de sucesso senão misturando vários arqueiros seleccionados de cada centúria.


XV - A FUNDA
Os recrutas devem aprender a arte de atirar pedras tanto com a mão quanto com a funda. 
Diz-se que os habitantes das Ilhas Baleares foram os inventores das fundas e as administraram com surpreendente destreza, devido à maneira de criar seus filhos. As crianças não eram autorizadas a comer pela mãe até que a atacassem com a funda. Os soldados, apesar da sua armadura defensiva, costumam ficar mais irritados com as pedras redondas da funda do que com todas as flechas do inimigo. 
Pedras matam sem destruir o corpo, e a contusão é mortal sem perda de sangue. É universalmente conhecido que os antigos empregavam atiradores em todos os seus compromissos. Há uma razão maior para instruir todas as tropas, sem excepção, neste exercício, pois a funda não pode ser considerada como carga, e muitas vezes é de grande utilidade, especialmente quando são obrigados a se envolver em lugares pedregosos, a defender uma montanha ou proeminência ou a repelir um inimigo no ataque de um castelo ou cidade.


XVI - O DARDO CARREGADO
O exercício dos dardos carregados, chamados martiobarbuli, não deve ser omitido. 
Antigamente, tínhamos duas legiões no Illyricum, consistindo em seis mil homens cada, as quais, por sua extraordinária destreza e habilidade no uso dessas armas, eram discernidas pela mesma denominação. Essas sustentaram por muito tempo o peso de todas as guerras e se distinguiram de maneira tão notável que os imperadores Diocleciano e Maximiano na sua ascensão as honraram com os títulos de Joviana e Herculiana e as preferiam antes de todas as outras legiões. Todo o soldado carrega cinco dessas lanças junto ao seu escudo. E assim os soldados legionários parecem suprir o lugar dos arqueiros, pois ferem homens e cavalos do inimigo antes que cheguem ao alcance dos comuns dardos.


XVII - SER ENSINADO A MONTAR
Os antigos obrigavam estritamente os soldados veteranos e os recrutas a uma prática constante de montar. De facto chegou ao nosso tempo, embora pouca consideração seja dada a ela actualmente. Eles tinham cavalos de madeira para esse fim, colocados no Inverno sob cobertura e no Verão no campo. Os jovens soldados foram ensinados a montar primeiro sem armas, depois completamente armados. E foi pela atenção deles a esse exercício que eles estavam acostumados a montar e desmontar de ambos os lados indiferentemente, com suas espadas ou lanças desembainhadas nas mãos. Pela prática assídua no lazer da paz, a sua cavalaria foi levada a tal perfeição de disciplina que montavam nos cavalos num instante, mesmo no meio de confusão, alarmes repentinos e inesperados.

XVIII - CARREGAR PESOS

Acostumar soldados a carregar cargas também é uma parte essencial da disciplina. Os recrutas, em particular, devem ser obrigados frequentemente a carregar um peso não inferior a trinta quilos (excluindo seus braços) e a marchar com ele nas fileiras. Isso ocorre porque, em expedições difíceis, eles vêem-se frequentemente na necessidade de carregar as suas provisões e armas. Tampouco eles acharão isso problemático quando adquiridos pelo costume, o que facilita tudo. Nos tempos antigos as nossas tropas eram prova disso, como Virgílio observou nas seguintes linhas:
Os soldados romanos, criados na guerra e perigo,curvam-se com armas pesadas e cargas penosas,mas sofrem alegres nas suas marchas dolorosas,
ao acampar prontamente diante do inimigo.

XIX - AS ARMAS DOS ANTIGOS
A maneira de armar as tropas considera-se em seguida. Mas o método dos antigos não é mais seguido. Assim, depois do exemplo dos godos, dos alanos e dos hunos, fizemos algumas melhorias nas armas da cavalaria, mas é evidente que a infantaria está totalmente indefesa. Desde a fundação da cidade até o reinado do Imperador Graciano, os peões usavam couraças e capacetes. Mas a negligência e a preguiça, tendo gradualmente introduzido um relaxamento total da disciplina, fizeram os soldados achar que a sua armadura era muito pesada, porque raramente a vestiam. Primeiro pediram licença ao Imperador para deixar de lado a couraça e depois o capacete. Em consequência disso, as nossas tropas nos conflitos com os godos eram frequentemente carregadas com chuvas de flechas. Também não foi descoberta necessidade de obrigar a infantaria a retomar o uso das couraças e capacetes, apesar das repetidas derrotas, que provocaram a destruição de tantas grandes cidades.

Tropas, indefesas e expostas a todas as armas do inimigo, estão mais dispostas a fugir do que a lutar.
O que se pode esperar de um arqueiro apeado sem couraça ou capacete, que não pode segurar ao mesmo tempo o arco e o escudo; ou das insígnias de corpos despidos que não podem ao mesmo tempo carregar escudo e cores? O soldado de infantaria acha intolerável o peso de uma couraça ou até de um capacete. Isto é assim porque ele raramente é exercitado e raramente os coloca.


Mas o caso seria bem diferente se fossem ainda mais pesados ??do que são, se pela prática constante eles estivessem acostumados a usá-los. Mas parece que esses mesmos homens, que não podem suportar o peso da armadura antiga, não pensam em se expor sem defesa a ferimentos e morte, ou, o que é pior, à vergonha de serem feitos prisioneiros ou de trair seu país em fuga; e, assim, para evitar uma parcela insignificante de exercícios e fadiga, sofrem ignominiosamente para serem cortados em pedaços. 
Com que propriedade os antigos podiam chamar muralha à infantaria, pois em certa medida se assemelhava à armadura completa dos soldados legionários, que tinham escudos, capacetes, couraças e caneleiras de ferro na perna direita; e dos arqueiros que tinham manoplas no braço esquerdo. Estas eram as armas defensivas dos soldados legionários. Aqueles que lutaram na primeira linha das suas respectivas legiões foram chamados princeps, na segunda hastati e na terceira triarii.

Os triarii, de acordo com seu método de disciplina, repousavam sobre um joelho, sob a protecção dos seus escudos, para que nessa posição pudessem ficar menos expostos aos dardos do inimigo do que se  estivessem em pé; e também para que, quando ocorria a necessidade de emergir, estivessem frescos, em pleno vigor e carregados de impetuosidade. Houve muitos casos em que obtiveram completas vitórias após a derrota total de princeps e hastati.

Os antigos também tinham um corpo de infantaria leve, com fundas e ferentarii (tropas leves), que geralmente eram postos nas alas e começavam o conflito. Os homens mais activos e mais disciplinados eram seleccionados para esse serviço; e como o seu número não era grande, eles retiravam-se facilmente caso fossem repelidos, indo pelos intervalos da legião sem assim causar distúrbio no alinhamento.

As capas de couro panonianas usadas pelos nossos soldados foram anteriormente introduzidas com um design diferente. Os antigos obrigavam os homens a usá-las quase sempre para que, estando constantemente acostumados a cobrir a cabeça, pudessem ser menos sensíveis ao peso do capacete.

Quanto às armas mísseis da infantaria, eram dardos encabeçados por um ferro pontiagudo triangular de onze polegadas, ou um pé de comprimento, e eram chamados pilos. Quando fixados no escudo, era impossível retirá-los e, quando lançados com força e habilidade, penetravam na couraça sem dificuldade. Actualmente, raramente são usados ??por nós, mas são a principal arma dos bárbaros na infantaria pesada. São chamados bebrae, e todo o homem leva dois ou três para a batalha.

Deve-se observar que, quando os soldados se degladiam com o dardo, o pé esquerdo deve avançar, pois, por essa atitude, a força usada para lançá-lo aumenta consideravelmente. Pelo contrário, quando estão perto o suficiente para usar os seus pilos e espadas, o pé direito deve avançar, de modo a que o corpo possa apresentar menos mira ao inimigo, e a que o braço direito mais próximo esteja em posição mais vantajosa de golpear. Portanto, parece que é tão necessário fornecer aos soldados armas defensivas de todo tipo, quanto instruí-los no uso de armas ofensivas. Pois é certo que um homem lutará com mais coragem e confiança quando se encontrar adequadamente armado para a defesa.

XX - ACAMPAMENTOS ENTRINCHEIRADOS
Os recrutas devem ser instruídos quanto à maneira de entrincheirar acampamentos, não havendo parte da disciplina tão necessária e útil como esta. Pois num acampamento bem escolhido e entrincheirado, as tropas, dia e noite, ficam seguras das suas obras, mesmo tendo o inimigo à vista. 
Parece assemelhar-se a uma cidade fortificada, que eles podem construir para sua segurança onde quer que desejem. Mas essa arte valiosa agora está completamente perdida, pois faz muito tempo que nenhum de nossos acampamentos é fortificado com trincheiras ou paliçadas. Por causa dessa negligência, as nossas forças foram frequentemente surpreendidas dia e noite pela cavalaria do inimigo, sofrendo perdas muito graves. 
A importância desse costume aparece não apenas no perigo ao qual as tropas, que acampam sem tais precauções, são claramente expostas, mas também pela situação angustiante de um exército que, depois de receber um ataque no campo, encontra-se sem retirada, e consequentemente à mercê do inimigo. Um campo, especialmente na vizinhança do inimigo, deve ser escolhido com muito cuidado. A sua posição deve ser forte por natureza, e deve haver muita madeira, forragem e água. Para que o exército continue nele por um tempo considerável, deve-se prestar atenção à salubridade do local. O campo não deve estar condicionado por qualquer terreno mais alto, de onde possa ser insultado ou irritado pelo inimigo, nem o local deve estar sujeito a inundações que exporiam o exército a grandes perigos. As dimensões dos campos devem ser determinadas pelo número de tropas e quantidade de bagagem, para que um grande exército tenha espaço suficiente e um pequeno exército não seja obrigado a se estender além da sua dimensão própria. A forma do campo deve ser determinada pelo local do terreno, em conformidade com o qual deve ser quadrada, triangular ou oval. A Porta Pretória deve estar enfrentando o leste ou o inimigo. Num acampamento temporário, deve confrontar a rota pela qual o exército vai marchar. Dentro deste portão, as tendas das primeiras centúrias ou coortes são montadas, e os dragões [a insígnia das coortes] e outras bandeiras são plantadas.

A Porta Decúmana fica em frente à Porta Pretória, na parte de trás do campo, e através dela os soldados são conduzidos para o local designado para punição ou execução.

Existem dois métodos de entrincheirar um acampamento. Quando o perigo não é iminente, cava-se uma pequena vala em todo o circuito, com apenas três pés de largura e sete de profundidade. Com a erva retirada, faz-se uma espécie de muro ou peitoral com um metro de altura no lado interno da vala. Mas onde há motivos para apreender as tentativas do inimigo, o acampamento deve ser cercado por uma vala comum de três metros de largura e dois metros de profundidade perpendicular à superfície do solo. Um parapeito é então levantado no lado próximo ao acampamento, da altura de um metro e oitenta, com barreiras e fascinas adequadamente cobertas e protegidas pela terra retirada da vala. A partir dessas dimensões, a altura interior do entalhe será de 13 pés e 12 na largura da vala. No topo do conjunto são plantadas fortes paliçadas que os soldados carregam constantemente com eles para esse fim. Um número suficiente de pás, picaretas, cestas de vime e ferramentas de todos os tipos deve ser fornecido para esses trabalhos.
Não há dificuldade em montar as fortificações de um acampamento quando nenhum inimigo está à vista. Mas se o inimigo estiver próximo, toda a cavalaria e metade da infantaria deverão ser reunidas em ordem de batalha para cobrir o resto das tropas que trabalham nas trincheiras e estar prontas para receber o inimigo, se se oferecerem para atacar. As centúrias são empregadas por turnos no trabalho e são regularmente chamadas a descansar por um pregoeiro até que o todo esteja completo. É então inspeccionado e medido pelos centuriões, que punem aqueles que foram indolentes ou negligentes. Este é um ponto muito importante na disciplina de jovens soldados que, quando adequadamente treinados, poderão, em caso de emergência, ter o seu acampamento fortalecido de forma hábil e expedita.

EVOLUÇÕES
Nenhuma parte do treino é mais essencial em acção do que os soldados manterem suas fileiras com a maior exactidão, sem abrir ou fechar muito. Tropas demasiado lotadas nunca podem lutar como deveriam, e apenas se envergonham. Se a ordem é muito aberta e frouxa, os homens dão ao inimigo a oportunidade de penetrar. Sempre que isso acontece e são atacados na retaguarda, desordem e confusão universais são inevitáveis. Os recrutas devem, portanto, estar constantemente em campo, elaborados pelo rolo e formados inicialmente em uma única fila. Eles devem aprender a se vestir em linha reta e a manter uma distância igual e justa entre homem e homem. Eles devem ser ordenados a dobrar as fileiras, o que devem executar muito rapidamente, e a cobrir instantaneamente os seus líderes da fileira. Em seguida, eles devem dobrar novamente e formar um fundo em quatro. Então o triângulo ou, como é comummente chamado, a cunha, é uma disposição considerada muito útil em acção. Os recrutas devem ser ensinados a formar o círculo ou orbe; pois as tropas bem disciplinadas, depois de serem quebradas pelo inimigo, lançando-se nesta posição impedem a derrota total do exército. Essas evoluções, geralmente praticadas no campo do exercício, serão facilmente executadas no serviço real.

MARCHAS MENSAIS
Era um costume constante entre os antigos romanos, confirmado pelas Ordenanças de Augusto e Adriano, exercitar a cavalaria e a infantaria três vezes em um mês por marchas de um certo comprimento. Os peões foram obrigados a marchar completamente armados a uma distância de dez milhas do campo e retornar, na ordem mais exacta e com um passo militar que mudaram e aceleraram em algumas partes da marcha. Da mesma forma, a sua cavalaria, em tropas adequadamente armadas, realizava as mesmas marchas e era exercida ao mesmo tempo nos movimentos e evoluções peculiares; às vezes, como se estivesse perseguindo o inimigo, às vezes recuando e retornando novamente com maior impetuosidade à carga. Fizeram estas marchas não apenas na planície e até no solo, mas a cavalaria e a infantaria foram ordenadas a lugares difíceis e desiguais e a subir ou descer montanhas, prepará-los para todos os tipos de acidentes e familiarizá-los com as diferentes manobras que as várias situações de um terreno podem exigir.


CONCLUSÃO
Estas máximas e instruções militares, invencível Imperador, como uma prova da minha devoção e zelo ao seu serviço, coleccionei-as cuidadosamente das obras de todos os autores antigos sobre o assunto. Meu objectivo aqui é apontar o método certo de formar exércitos bons e serviçais, o que só pode ser realizado com uma imitação exacta dos antigos em seus cuidados na escolha e disciplina dos seus recrutas. Os homens não estão degenerados em termos de coragem, nem as terras que produziram os lacedamonianos, os atenienses, os marsianos, os samnitas, os peligni e até os próprios romanos, andam exaustas. Os Epirots não adquiriram antigamente uma grande reputação na guerra? Os macedónios e tessalinos, depois de conquistarem os persas, não penetraram na Índia? E é sabido que as disposições bélicas dos Dacianos, Moesianos e Trácios deram origem à fábula de que Marte nasceu entre eles.
Pretender enumerar as diversas formidáveis ??nações da Antiguidade, todas agora sujeitas aos Romanos, seria entediante. Mas a segurança estabelecida pela longa paz alterou as suas disposições, afastou-os das actividades militares e civis e infundiu neles um amor à ociosidade e à facilidade. Portanto, um relaxamento da disciplina militar seguiu-se insensivelmente, depois uma negligência dela, e finalmente afundou-se no esquecimento completo. Agora parecerá surpreendente que essa alteração tenha ocorrido nos últimos tempos, se considerarmos que a paz, que durou cerca de vinte anos ou um pouco mais após a primeira guerra púnica, enervou os romanos, antes disso em todos os lugares vitoriosos, pela ociosidade e negligência da disciplina a tal ponto que, na segunda guerra púnica, eles não foram capazes de manter o campo contra Aníbal. Finalmente, após a derrota de muitos cônsules e a perda de muitos oficiais e exércitos, eles estavam convencidos de que o renascimento da disciplina era o único caminho para a vitória e assim recuperou sua superioridade. A necessidade de disciplina, portanto, não pode deixar de ser inculcada com muita frequência, assim como a estrita atenção necessária na escolha e treino dos novos recrutas. Também é certo que é um gasto muito menor para um Estado treinar os seus próprios súbditos, do que adicionar estrangeiros à sua folha de pagamento.

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publicado às 07:55

Houve antes outros comentários sobre a presença portuguesa no Canadá, de DJorge, nomeadamente:

e para além das referências abordadas noutros postais, começando com o Tratado das Ilhas Novas de Francisco de Souza (1570), fica aqui nova contribuição de IRF, com 4 comentários encadeados, e um subsequente comentário-resposta de José Manuel Oliveira.

Acerca da efectiva descoberta do continente americano por Colombo - é certo que nas duas primeiras viagens apenas visitou as Antilhas, e seria apenas em 1498 que visitou a Venezuela, mais propriamente o continente americano. 

Conforme já aqui referi, se chegar a Timor (ou chegar à Papua - Nova Guiné) não deu crédito de chegar à Austrália, muito menos dariam as Antilhas para o continente americano.

Acontece que para além da chegada à Índia, 1498 é ainda o ano em que Duarte Pacheco Pereira afirma ter estado na América a mando de D. Manuel. Fica assim em dúvida saber se essa viagem foi anterior ou posterior à chegada de Colombo à Venezuela em 1 de Agosto de 1498, mas parece que a viagem de Pacheco Pereira poderá ter ido muito mais além, de 70ºN a 28ºS (ou seja, do Canadá à Argentina), conforme as latitudes por si reportadas.

Este confronto levou à pretensa nomeação da América por via de Vespúcio, que afirmou ter chegado ao continente numa viagem de 1497-98 que não lhe é reconhecida, mas que foi suficiente para Waldseemuller lhe creditar a nomeação.

Para o que interessa, Colombo afirmou fazer a viagem à Venezuela para verificar se D. João II tinha razão e se existia ali mesmo uma parte continental. Claro que o rei português não teria outros navegadores para fazê-lo e morreu à espera que Colombo tomasse a iniciativa. Enfim, isto é tudo tão absurdo que nem percebo como os historiadores podem contar esta história sem corar de vergonha pelo ridículo do disparate.

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Quatro comentários de IRF:

Portanto, isto é referente à presença Portuguesa no Canadá, na zona do "Canadá Atlântico", Terra Nova, Nova Escócia, quiçá Nova Brunswick e no impossívelmente frio Labrador:

Encontrei isto numa das minhas pesquisas nas internetes:
De certo conhece melhor que eu as viagens de Álvares Fagundes, aparentemente datadas do primeiro quartel do século XVI, que tem sido mais ou menos homenageado pelo governo da província Canadiana de Nova Escócia como "mais ou menos o descobridor":

Enfim... conhece também que os Vikings lá estiveram por essas bandas, embora não tão a Sul.
Conhece o "reconhecimento" feito por Giovanni Caboto para os Ingleses em 1497 e as intromissões dos Franceses por Cartier (*) à volta de 1530...

Mas mais importante: Conhece o facto que os Portugueses já tinham descoberto essa zona antes de Colombo chegar às Bahamas em 1492, ter descoberto um bocadinho continental da Venezuela em 1498, que tendo em conta as dimensões das ilhas de Cuba e Hispaníola, certamente não lhe permitia saber com certeza que era "a Terra Firme" do continente Americano, e que finalmente encontrou a América Central em 1502 quando foi ordenado a passar daquilo que pensava ser o Japão para a tão almejada Índia.

Ora aqui ficam os mapas da wikipedia que parecem ser muito bons a explicar o percurso de Colombo, tendo em conta tudo o que até aqui tenho lido, que admito não ter sido assim tanto... aqui vai:
1492

1493 

1498

1502

Pelo que se levanta em mim esta interrogação que gostaria realmente de ver respondida:

Quando é que os Espanhóis descobriram realmente a América?

Outra pergunta que se levanta é... dada a presença Portuguesa na América desde meados do século XV, que nos parece ser clara, terão os Portugueses mesmo reivindicado os seus territórios? Terão povoado com Portugueses esse território? 
Terão deixado sinais e deixado a marcas na sua toponomia local? 
A resposta varia entre o sim e o mais ou menos sim ou parece que sim ou provávelmente sim. 
Mas isso não basta.

Ao ler o "Descoberta do Brasil" - e de certeza sabe a que me refiro apesar de não me lembrar do nome do autor agora - parece-me claro que o Rei D. João II, o Príncipe Perfeito, em 1480 e tal ofereceu em mercê ou feudo ou o que o valha, parte do que hoje é o Canadá a D. Fernão Ulmo, "governador" da Ilha Terceira (ou Madeira?). Seria interessante encontrar o documento em questão. Mais "emocionante" foi ler que tal documento afirmava que o Rei de Portugal estava disposto a ir para a guerra com Fernão Ulmo caso pusessem em questão a autoridade deste, e portanto da coroa Portuguesa.

Também nesse livro encontrei vários escritos, desde Colombo a Las Casas, que afirmavam já ter estado os Portugueses na América. Bem como indícios de que Colombo vai para a América - ou as Bahamas de hoje - seguindo exactamente relatos e rotas Portuguesas...

O mais chocante é contar, parece-me, nos registos históricos, por intermédio de Colombo e Las Casas, a brutal e clara asserção de que quando chegaram a Cuba, os nativos afirmaram-lhes que já tinham tido contacto com outros "Homens brancos e barbudos como nós"... e não há muitos anos!

Acresce também aquilo que é sabido por todos nós, que apesar das viagenzinhas de Caboto pelos Ingleses e Cartier (*) pelos Franceses nunca a Terra Nova ou o Nordeste da América do Norte - a parte mais próxima à Europa Ocidental - foi colonizada ou realmente reivindicada por outras potências.

Porquê?
Porque parece que havia o reconhecimento, senão claro pelo menos táctico, que essa zona correspondia ao Reino de Portugal, tal como a Gronelândia ou a a Islândia correspondiam aos Reinos da Noruega/Dinamarca.

Eram terras que já tinham dono. Um dono Cristão. E por Cristão quero dizer Católico. Pelo que seria interessante dar uma olhadela ao quê que o Vaticano teria a dizer... (Tordesilhas e mais especialmente aquele tratado que o precede que diz que os Portugueses têm direito ás terras não Cristãs que descobrirem e conquistarem são claros...)

Nunca os Franceses ou Ingleses ou quaisquer potências reivindicaram a sério aquelas terras até 1580, quando, dois anos após a morte de D. Sebastião, a coroa Portuguesa passa para a Coroa dos Habsburgo Espanhóis. E é como se Portugal deixasse de existir e a América do Norte Portuguesa se torna "fair game" para todas as potências Ocidentais, geralmente em guerra com o Império "Castelhano-Germânico" de Carlos V.

Será que os Portugueses povoarem aquela área nos séculos XV e XVI?

Voltemos a João Fagundes e ao Tratado das Ilhas Novas e Descobrimento Delas e Outras Cousas, escrito (aparentemente) pelo Capitão Donatário da Ilha da Madeira (posso estar enganado) Francisco de Souza por volta de 1570 (?).
Que diz algo como: Alguns nobres se juntaram em Viana do Castelo, tendo informação da Terra Nova dos Bacalhaus, que estavam determinados a povoá-la e que receberam licença do Rei para tal...
Quantas vezes isso aconteceu?
Não continua o tal escrito com algo como: Achando aquela terra muito fria, foram descendo até que se instalaram noutra e ainda hoje lá estão porque foram encontrados à pouco pois já se tinha perdido o contacto com eles, e estão no Cabo Bretão?

Não havia umas famílias nobres do Minho que tinham no seu registo que alguns partiram para a América do Norte em finais do séc. XV / inícios do XVI?

Que podemos nós saber do povoamento Português nessa zona, se é que realmente foi povoado? E toponomia? E sinais? Portugal Cove, etc...

E agora vou ser ainda mais bruto, que o tempo escasseia cada vez mais:

Aparentemente João Álvares Fagundes foi o descobridor da Nova Escócia.
Álvares Fagundes parece ter descoberto a "Baía de Fundy", entre outras zonas daquela parte do mundo. A wikipedia diz que as ainda hoje Francesas ilhas de Saint Pierre et Miquelon à beira da Terra Nova foram descobertas por Fagundes e chamadas de "Ilhas das Onze Mil Virgens".

Álvares Fagundes, parece ter chegado inclusive ao fim da Baía de Fundy*, entre a Nova Escócia e Nova Brunswick, províncias do Canadá actual.

Atentemos para o nome da área mais ou menos pantanosas e mais ou menos pontuada por uma extrema variabilidade das marés.
Chamam-se hoje "Tantramar Marshes", ou Pântanos de Tantramar. Que nome esquisito para a língua Inglesa... Fui ver a explicação:
      A Wikipedia diz que o nome derive do francês do tempo da colonização Francesa da Acádia: "Tintamarre", falam de cenas inglesas como "din" e "racket" e depois explicam que "Tintamarre" é em referência às barulhentas aves, provavelmente gansos e patos, que habitam a zona.

Pois como é que o Inglês toma "Tantramar" desde "Tintamarre"?
Como é que o Marrrrrrre francês passa par um simples mar Inglês? 
Como é que o Tinta passa para Tantra, como aparece o r???

Já, se imaginarmos por ventura que aquela zona era de povoação Portuguesa e se chamava "Entre Mar" poderia facilmente passar para o Inglês "Antremar".
Repare-se na perfeita terminação da palavra em Inglês e em Português nas pronúncias das duas línguas:
"Entre Mar" vs "Tantramar" e o aberrante Francês "Tintamarre" que não só tem uma terminação bastante diferente como lhe falta o som tr.
O T no início derivaria da expressão The Entre Mar. Que deveria ficar algo como Dantramar mas que por algum motivo passou a T.
Entre Mar (o Inglês diria) "Antramar" e acrescentaria o som d/t do "the" Dantramar/Tantramar.

Que mais motivos tempos para acreditar na origem Portuguesa do nome do povoado?

É que a zona em questão, os Pântanos (Marshes) de Tantramar, ou de Entre Mar ou de Entre-O-Mar que seria dito em Inglês como qualquer coisa como "The" Antr-a-Mar...

É que essa zona fica mesmo no fim da Baía de Fundy, entre a Nova Escócia e Nova Brunsiwick, e do lado Norte tem um ístmo de terra que faz a ligação da Nova Escócia ao Continente Americano.
Istmo esse que chega a ter apenas 25 Kms de largura.

A Zona de Entre Mar está mesmo Entre o Mar!!! 
A Sul da cidade de Moncton em Nova Burnswick, no Canadá!

E digo-lhe mais! Apresento-lhe Samuel de Champlain, fundador da cidade do Quebec, que andou por essas terram a partir de 1600, tendo feito "29 viagens até ao Canadá", de acordo com a Wikipedia, ao serviço do Rei de França, sendo considerado "o Pai Fundador" da Nova França - e do actual Quebeque.
É de ter em atenção que ele aparentemente era um Francês nascido à volta de La Rochelle, portanto, na costa Atlântica. No Sul (relativo) da costa Atlântica Francesa...
E parece ter começado no mar da seguinte forma:

    1º Começou no mar com a família à volta de 1598 a transportar tropas Espanholas da Holanda para Cádiz, no Reino de Filipe II de Espanha e I de Portugal. Portanto, quando Portugal estava sob domínio Espanhol, ele fazia o transporte das nossas tropas ao longo do Atlântico...

    2º Infiltra-se lá com um Espanhol do mar por volta de 1598 e vai para o México e as Antilhas...

    3º Depois de compilar informações sob os afazeres dos Espanhóis pelas Américas, oferece-as em livro ao Rei de França e ganha sob o Monarca grande ascendente. A compilação oferecida por Samuel de Champlain ao Rei de França tinha o seguinte título:

Breve Discurso das Coisas Mui Notáveis que Samuel Champlain de Brouage Reconheceu nas Índias Ocidentais Nas Viagens Que Fez de 1599 a 1601 E Como Assim É (Tradução minha, mui livre).

E boom! Com isto faz-se dono e senhor do que viria a ser Nova França, Fundador do Quebeque, com todo o apoio do Rei.
É também de notar que a wikipedia diz que isto foi escrito à volta de 1600 mas só foi "publicado" - isto é, só foi tornado público - em 1870.

Acontece que, voltado ao Pântano de Entre-Mar, que à guarda da entrada nessa região pantanosa, na fronteira onde a terra se extende, a Baía de Fundy acaba e o Pântano de "Entre Mar" começa... temos a Baía de Advocate. Que é guardada pela cidade ou vila de Advocate Harbour.

Dizem os locais que quando em 1607 chegou Samuel de Champlain àquela zona, repito, 1607, apontou nos seus escritos o seguinte comentário:

"Encontrei por ali uma cruz muito velha, toda coberta de musgo, e quase toda já apodrecida".

Samuel de Champlain é oficialmente o primeiro Europeu e o primeiro Cristão a estar naquela zona.
Há quem diga que Álvaro Fagundes deixou lá um cruzeiro que nunca foi encontrado e que provavelmente seria este.

Será que o Marsh de Tantramar ou Tintamarre era afinal o Pântano de Entre o Mar e que Fagundes deixou lá um cruzeiro e uma povoação?

Mui, mui interessante...
https://www.mta.ca/marshland/topic3_europeans/european.htm
https://fr.wikipedia.org/wiki/Tintamarre

P.S. - Sobre João de Álvares Fagundes e seus descendentes diz isto a wikipedia em Português:
"(João Álvares Fagundes) a documentação veio revelar que casou apenas uma vez, com Leonor Dias (Boto), sepultada a 24 de Agosto de 1538 na Misericórdia de Viana do Castelo, e deixou duas filhas, D. Violante, que foi sua herdeira universal e casou com o fidalgo João de Souza de Magalhães, cujo filho sucedeu nos direitos do descobrimento da Terra Nova, que em 1589 vendeu a D. Filipe I por 2.000 cruzados"

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Comentário-resposta de José Manuel Oliveira

Caro IRF, Canada foi uma próspera colónia portuguesa até D. Sebastião querer ser imperador e se ter virado para a porcaria da África, ou melhor, nisto já aqui por mim escrito:

O Continente Americano não esteve encoberto, foi "contido" para evitar o esvaziamento da Europa, e até que a saída marítima da armada do Islão do Mediterrâneo para o Atlântico fosse controlada pela cristandade, não foi permitida sua colonização.

Pode-se perguntar então porque não se colonizou antes do surgimento do Islão, a resposta seria longa e fora do assunto, mas o fator climático tem sido menosprezado pela historiografia, que não incorpora a Paleoclimatologia, Arqueologia e estudos das migrações pelo mapeamento do ADN das populações. O Gulf Stream no Atlântico Norte foi alterado várias vezes o que impediu viagens transatlânticas durante muito tempo, mas facilitou outras no Atlântico Sul.

Mas o que continua encoberto é o que motivou as viagens marítimas e expedições terrestres dos portugueses? Uns dizem que foi para expandir a cristandade, outros que foi por os lucros comerciais das especiarias, outros dizem que foi para encontrarem um Reino perdido, e aí aflora-se o encoberto que é a "Rota Marítima do Megalítico pelos portugueses nos Re descobrimentos".

Os portugueses procuravam, ou melhor os seus comanditários como o Infante D. Henrique e D. João II, que programaram a procura do que restou das civilizações depois da glaciação dá 12.000 anos, que sabiam serem mais avançadas que as deles medievais: "Sete Cidades", pois os portugueses deviam ter registos das suas localizações, porque num curto espaço de tempo foram a todas suas ruínas, e em todos os Continentes! Etiópia, Canárias, duas na Índia, uma no Tibete várias na América do Sul, foram os primeiros a oficialmente a contactar o Império Inca há documentos coevos sobre isto, no Vanuatu do Pacífico (Pedro Fernandes de Queirós) desembarcaram nas Ilhas artificiais Megalíticas do Pacifico! 
Deram o nome de "Ilha de Pescadores" onde estão os Megalíticos submersos da zona do Japão, até o Vasco da Gama com tanto sitio para desembarcar foi faze-lo na única zona da Índia que tem Megalíticos "Neolíticos" iguais as Antas portuguesas! E agora venho a saber dum Viçente Pegado que foi o primeiro europeu a relatar sobre o Império Monomotapa / "Grande Zimbabwe" que parece ser na origem uma civilização avançada megalítica! Não esquecendo o Brasil que por si é o berço da humanidade ou um dos Éden ainda encoberto pela vegetação, donde vão surgir do que dar um ataque cardíaco a muita gente do establishment.

Os portugueses da época dos descobrimentos visitaram todos os locais megalíticos, terão encontrado o que procuravam?

Cpts.

Onde ver mais das minhas “investigações”;
Recordo que o primeiro carteiro real da Nova - França era um português... Pedro da Silva e teve 14 filhos! terá o topónimo Fatima algo a ver com os portugueses? no meu blog
http://portugalliae.blogspot.com/2009/12/fatima-iles-de-la-madeleine-canada.html

Portugal Cove-St. Philip's
é uma das mais antigas povoações do novo mundo. Supõe-se que terá sido fundada quando no século XVI Gaspar Corte-Real Mestre de uma embarcação de pesca, chegou às margens da região, para enterrar dois pescadores que haviam falecido na viagem desde Lisboa. Acredita-se então que desde essa data estes pescadores fundaram uma nova localidade, para servir de abrigo e apoio à pesca e secagem do Bacalhau que depois seria enviado para Portugal” in wiki
https://pt.wikipedia.org/wiki/Portugal_Cove-St._Philip%27s

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publicado às 04:55

Ainda no seguimento do postal anterior sobre Ludovico Varthema e o seu Itinerário, pela página da wikipedia segue-se a um manuscrito da Biblioteca Casanatense, biblioteca italiana que tem um original português com diversas gravações reportando os povos com os trajos típicos desde o Médio Oriente ao Extremo Oriente.
Num comentário mais extenso, que enviou por email, Djorge dá justamente conta deste manuscrito, datado de circa 1540, juntando informação adicional, que transcrevo em baixo.


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Para adoçar, mais ainda, a vontade de ler este belo itinerário, segue o link para o Codex Casanatense MS. 1889 (mais um documento Português a habitar em terras alheias), na Biblioteca Casanatense em Roma.
 http://opac.casanatense.it/Record.htm?idlist=&record=19917226124917354089

METADADOS
Data: A wikipedia justifica assim a data de 1540 
Several of its inscriptions provide information as to the date it was made, namely the allusion to the Siege of Diu of 1538, but the absence of any mention of the Japanese, whom the Portuguese contacted in 1541-43. It is therefore possible it was made circa 1540
Autor: A mesma wikipedia “The creator has not been identified and many hypotheses have proven inconclusive” 
 https://en.wikipedia.org/wiki/Códice_Casanatense

ITINERÁRIO ACOMPANHADO DA DISCRIÇÃO VISUAL NO CODEX 1889
Ao leitor do itinerário, poderia parecer-lhe que Ludovico certamente preencheria os requisitos para ser o autor das pinturas, ou que de alguma forma, estas poderiam ter sido executadas a seu pedido para ajudar o seu relato. No entanto, os factos não são favoráveis a esta tese. As imagens não constam no dito itinerário, não é conhecida a veia artística plástica de Ludovico, e a sua morte em 1517 é anterior à data atribuída às pinturas. Factos que, neste momento, são suficientes para, à partida, afastar o seu nome da autoria deste manuscrito. 

SOBRE AS PINTURAS (AUTOR/PINTOR)
A ideia transmitida em algumas teses recentes aponta para as seguintes origens:
"The artist’s complete reliance on faces in three-quarter profile indicates he was trained in a Sultanate studio further north, at a date earlier in the century than that of the Codex. Either Mandu or Gujarat would seem to be the most obvious candidates for where he received his training.” …” We would suggest that he must have moved to Goa soon after his initial training in order for him to become acclimatised to the different female costumes of the Deccanand the south, so that they become a stereotyped part of his output.
ou outra:
"Our artist has been divorced from the elegant stylisations of the human figure seen inthe Sultanate schools”… “and trained to draw by his Portuguese patrons in a more naturalistic European manner.”…”this artist’s most extensive landscape painting, which with its broad strokes of brushwork, and alert and intelligent peasants, is surely not too far from what was going on in the early Mughal school."
in» http://tiny.cc/b4qwdz
Ambos os casos apontam para uma origem Indo com influência mista Cristã e Persa.
Já Maria Manuela da Mota em 2001 afirmou confiantemente que o autor seria de origem Indo-asiático (Persa?) tendo como base o estilo artístico.

SOBRE O PATRONO (CLIENTE)
Noutro estudo, Rui Manuel Loureiro em 2013 publicou in “Anais de Historia de Além-mar” a seguinte tese INFORMATION NETWORKS IN THE ESTADO DA ÍNDIA, A CASE STUDY: WAS GARCIA DE ORTA THE ORGANIZER OF THE CODEX CASANATENSE 1889? 
Cujo abstrato cito:
Several Portuguese writers working in India during the sixteenth century on specific cultural projects were able to mobilize important information networks across maritime Asia. Outstanding examples, among many others, include Duarte Barbosa, Gaspar Correia, Dom João de Castro and Garcia de Orta. Each one of them worked and wrote under diverse circumstances, using different methods and receiving dissimilar support from the Portuguese authorities. But they were able to muster many of the official textual resources available from the Estado da Índia, while at the same time availing themselves of the collaboration of countless European and Asian informers.

FANTASIAS
Relembrando a teoria maioritariamente aceite sobre a origem do autor/pintor das imagens no Codex 1889, juntando a possibilidade ter sido Garcia da Orta o “Cliente” e misturando com a vontade e desejo renascentista de passar conhecimento a livro, especulo um pouco sobre a data de origem de todas as folhas do Codex. Se algumas (as que nitidamente são menos cuidadas no seu traço, as das últimas páginas do manuscrito), poderiam ter sido adicionadas depois, mais tarde, por outro autor que não o original. Fantasio se ter-se-á encontrado este manuscrito já parcialmente preenchido?
Considerando outros possíveis autores contemporâneos com a mesma experiência exploratória de Ludovico, não deixa de ser interessante fantasiar o que terá acontecido ao companheiro de viagem “Persa”, que acompanhou Ludovico até à data em que deserta o Samorim para os Portugueses na India.
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publicado às 02:49


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