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As pontes portuguesas que ainda existem na Etiópia são mais um dos múltiplos exemplos de desconhecimento do nosso passado.
Ponte portuguesa sobre o Nilo Azul, em Tis Issat (Etiópia).
Ver mais pontes portuguesas na Etiópia nesta Lista da Wikipedia.

Não sabia que existiam, e tropecei no assunto, devido a uma troca de comentários sobre pontes, com Valdemar Silva, onde se falou de viadutos que uniriam a colinas alfacinhas (ou túneis para a união dos vales).

Projecto para a construção de um viaduto entre S. Pedro de Alcântara e o Campo Mártires da Pátria e daí até à Graça - ver artigo de Ana Barata, "Das colinas de Lisboa: as avenidas aéreas nunca construídas", Cadernos do Arquivo Municipal vol.ser.2 no.9 Lisboa jun. 2018

... e ainda do projecto de Miguel Pais em 1879, de uma ponte entre o Grilo (Lisboa) e o Montijo:

 
Projecto de ponte sobre o Tejo do Eng. Miguel Pais em 1879 (ver rtp.pt)

Bom, e quando se vai ao "sótão", acaba-se sempre por tropeçar noutra coisa qualquer, e neste caso, ao ver a revista Guia de Portugal Artístico, coordenada por Robélia Ramalho, no volume XI (1944), pág. 9, encontra-se a seguinte fotografia (da mesma ponte em cima) com legenda:


A primeira observação (positiva) é que a ponte foi entretanto restaurada. 
A segunda menção é a legenda, segundo a qual D. Sebastião teria como plano uma grande Angola, que chegasse até à Abissínia, ou seja, até à Etiópia, e imagino que partisse da África do Sul.
Portanto, se assim foi, e não me surpreende, D. Sebastião tinha verdadeiramente planos a uma escala imperial. Que os cónegos gostassem, não me admiraria, por razão missionária, especialmente jesuíta, do espalhamento da fé... que os nobres achassem muito piada, já me parece mais difícil, porque era melhor estar no solar a picar toiros, brincando à valentia, antes de ir jantar. 

Esta ponte está perto da grande catarata que o Nilo Azul faz em Tis Issat, que tem 37 a 45 metros de altura. A página da wikipedia sobre as cataratas diz sobre a primeira ponte de pedra construída na Etiópia, o seguinte:
A short distance downstream from the falls sits the first stone bridge constructed in Ethiopia, built at the command of Emperor Susenyos in 1626. According to Manuel de Almeida, stone for making lime had been found nearby along the tributary Alata, and a craftsman who had come from India with Afonso Mendes, the Orthodox Patriarch of Ethiopia, supervised the construction.

Já se sabe que os portugueses começaram cedo a tentar uma aliança com a Terra do Prestes João, a Etiópia ou Abissínia, iniciada com a viagem de Pêro da Covilhã e Afonso Paiva em 1487. Pêro da Covilhã acabou por daí nunca sair, já que não permitiam a saída de estrangeiros. Foi feito nobre e deixou descendência na Etiópia, onde foi encontrado quando os portugueses ali voltaram já em 1520.

O reino da Etiópia era uma ilusão, enquanto poderoso aliado, mas isso despertou a atenção dos Otomanos que se preparavam para invadir o território, quando Cristovão da Gama, filho mais novo de Vasco da Gama, foi enviado e conseguiu derrotar os invasores com um pequeno exército e o apoio dos etíopes, em 1541-43. No entanto, quando perseguia os invasores foi capturado e decapitado. Os portugueses pediram vingança ao Prestes, rei etíope, e venceram definitivamente os invasores.
Este episódio foi decisivo para que a Etiópia se mantivesse cristã.

Na tradução inglesa dos relatos de Miguel Castanhoso e de João Bermudes (que foi Patriarca da Etiópia), é possível ler o seguinte por Bermudes:


Os tradutores do Séc. XIX indicam nesta nota de rodapé que não existiam pontes na Abissínia, excepto duas ou três que os portugueses teriam construído, "alguns anos depois daquela data"... o que não parece ser em 1626, já que 85 anos dificilmente são "alguns anos depois de 1543". No entanto um relato contemporâneo do Padre Jerónimo de Lobo, parece confirmar que uma ponte foi mesmo feita por ordem do imperador, com construtores vindos de Goa.

Uma e outra ponte podem ser confundidas, já que existe uma segunda ponte portuguesa no Nilo azul, esta já bem mais afastada da área do Lago Tana, e das cataratas.

Curiosamente, e porque os espanhóis são assim, depois de toda esta aventura, em que todo um exército português, anda pela Etiópia e onde o filho de Vasco da Gama perde a vida, consideram que quase passados 100 anos, houve um jesuíta espanhol (em 1618) que foi o primeiro europeu a avistar a nascente do Nilo Azul. Claro está Pêro da Covilhã andava entretido a constituir a sua prole, e mal tinha tempo para sair de casa...
Está em toda a wikipedia (inclusive portuguesa), citando livros, dizendo que Pedro Paez foi o primeiro europeu a relatar e a ver o tal Lago Tana. Por sinal há quem diga que João Bermudes, que até era galego, descrevia o Lago Tana... mas depois não havia certeza que lá tivesse ido.

Bom, fui ver o que dizia Miguel Castanhoso em 1564, e dificilmente poderia ser mais explícito, não apenas acerca da nascente do Nilo no lago, como também da sua presença (e dos hipopótamos). Assinalo duas frases a amarelo, que são suficientes:

Ou seja, diz que é do tal lago (Lago Tana) que sai o Nilo (neste caso, é ignorado o Nilo Branco, que vai até ao Lago Vitória), diz que o lago tem ilhas com mosteiros (o que se confirma), e que há umas criaturas grandes (os maiores hipopótamos conhecidos). Por causa das coisas, diz ainda que estiveram com o Preste, com o rei, na borda do lago... ou seja, não apenas Miguel Castanhoso, mas toda a comitiva portuguesa, em 1543.

Provavelmente isto não é prova suficiente... deve faltar o impresso WTF da burocracia histórica!
O impresso que está impresso é só mais uma prova da incompetência e pouca vergonha reinante, nacional e estrangeira.

No entanto, os portugueses, para além de deixarem pontes, palácios e castelos, deixaram também uma vasta prole... pelo menos é este o enredo de um filme lançado em 2018,


Birkutan eram laranjas (as mais doces que os etíopes tinham conhecido), e era também a designação dos portugas, conforme é escrito:
The word Portugal is also the root for the word orange in Persian پرتقال (porteghal), the Bulgarian портокал  (portokal),  the Albanian portokall, and  the Greek πορτοκάλι (portokali).   As it is in the Turkish portakal and the  Romanian portocală. The Georgian ფორთოხალი (pʰortʰoxali) and the Arabic البرتقال (bourtouqal)…
... e contam 16 mil laranjinhas no Facebook
In today’s Ethiopia  there are ruined castles, palaces as well as bridges spanning the Blue Nile — but there also lingers on the memory of the community of Ethiopian-Portuguese born from the marriage of Portuguese soldiers and Ethiopian women —  the Birkutan.
Portanto, quando os nosso primos passarem por maus bocados, não esquecer de fazer outra ponte... porque a expansão portuguesa não foi o que querem pintar com ela.

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publicado às 05:23


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