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Em comentário ao postal anterior, IRF destacou o seguinte parágrafo na wikipedia relativamente à História da Ilha de Itamaracá:
"Os primeiros habitantes seriam náufragos, havendo também registros sobre a passagem dos portugueses João Coelho da Porta da Cruz e Duarte Pacheco Pereira, em 1493 e 1498, respectivamente."
O que, conforme IRF refere, antecederia a descoberta oficial do Brasil em 7 e 2 anos.
Já tínhamos aqui falado de Duarte Pacheco Pereira em 1498, mas a presença de João Coelho em 1493 anteciparia ainda mais um registo semi-oficial da presença no Brasil antes de Cabral.

IRF apontou de seguida fontes oficiais do governo Brasileiro, no caso a História dos Municípios Brasileiros, onde encontrou escrito:
"Itamaracá abrigou um dos mais antigos núcleos habitacionais da colônia portuguesa , já que remontam a 1508 as primeiras referências a essa ilha. No entanto , existem relatos (Documentação Territorial Brasileira, do IBGE) da presença de náufragos portugueses e piratas franceses nessa ilha, antes mesmo do descobrimento oficial do Brasil. Informa-se até o nome de dois portugueses (João Coelho da Porta da Cruz e Duarte Pacheco Pereira) que teriam estado no Brasil em 1493 e 1498, respectivamente."
Depois, seguindo outra fonte:
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/dtbs/pernambuco/ilhadeitamaraca.pdf
que conforme IRF disse, estaria "oficialmente relacionada com o governo do Brasil relativamente à Ilha de Itamaracá", está escrito:
"Segundo o 1º Processo Judicial, quando se discutia no Tribunal Bayone, na França, os crimes do Navio Lá Pélerino, nove anos antes do Descobrimento do Brasil (1491), portugueses “moraram na Ilha de Itamaracá e possuiam casas de alvenaria”.
Fortaleza de Santa Cruz de Itamaracá, também dito Forte Orange, dada uma breve presença holandesa.

Bom, quando Colombo foi acolhido em Lisboa, depois de ter feito a sua viagem inaugural de 1492, o próprio Colombo refere que D. João II o teria informado que existia terra mais a sul, que Colombo tentou encontrar quando fez a sua 3ª viagem em direcção à Venezuela. Tudo isso seriam domínios "portugueses" segundo o Tratado de Alcáçovas, que estabelecia então a proibição dos castelhanos navegarem abaixo do paralelo das Canárias, abaixo de 27ºN.

Podemos duvidar das palavras de D. João II e de Colombo, mas tal não parece sensato, ainda que seja conveniente para a lengalenga oficial.


João Coelho (da Porta da Cruz) e Estevão Fróis
Em 1513, Estevão Fróis é apanhado na zona castelhana do Tratado de Tordesilhas e é assim preso, e do Haiti envia a seguinte missiva ao Rei D. Manuel em 1514 (a primeira parte é a introdução escrita por Thomaz Souza, num artigo de 1961):

            


Thomaz O. Marcondes de Souza 
Revista de História 23(47):149, Junho 1961

A parte que se sublinha a negrito é a matéria mais relevante - "Vossa Alteza possuía estas terras há vinte anos e mais, e que João Coelho, o da Porta da Cruz, vizinho da cidade de Lisboa, viera por onde nós vinhamos a descobrir..."

Reportando-se à data escrita, era referida uma posse anterior a 1494, ou 1493, sendo 1513 a data da prisão e da argumentação. Seria natural que em 1493 o dito João Coelho pudesse fazer aquela viagem, pois nem passava pela cabeça dos castelhanos que tal território existia, e além disso estava em vigor o Tratado de Alcáçovas, portanto aquele território estava no domínio português.
Estevão Fróis tenta argumentar que andava por onde outros tinham andado, e pretendia ignorar a substituição pelo Tratado de Tordesilhas. Fróis estava preocupado, porque D. Manuel teria mandado enforcar um castelhano apanhado na Guiné, tentando traficar escravos, e pretendiam que a mesma justiça lhe fosse aplicada...

Não se sabe o que aconteceu a Fróis (refirindo-se uma troca de presos)... mas o próprio Tratado de Tordesilhas excluía os territórios já descobertos (como o caso das Canárias), só que o continente americano, apesar de ter sido visitado por João Coelho, e tantos outros, não fazia parte da lista. 
No entanto, o argumento de Fróis, no sentido de dizer que fazia apenas o que João Coelho tinha feito, poderá ter surtido efeito, já que a Castela não interessaria ter confusões dessa ordem...

Thomaz Souza, historiador brasileiro, fortemente crítico de pretensões portuguesas a descobrimentos anteriores, não oficiais, classifica todas essas pretensões como chauvinismo português (associado à filosofia do Estado Novo).
Dadas as circunstâncias, a contra-argumentação é bacoca e trivial - Estevão Fróis sujeito a ser morto, mentiria, diria o que fosse preciso para safar a pele... 
Chega a meter dó este tipo de raciocínio (que é português e brasileiro), pois não se vê qualquer interesse em mentir a D. Manuel, que saberia perfeitamente da situação.

Ou seja, haveria mais uma vez, que concluir que os portugueses andavam pela América antes de 1493, havendo o nome de João Coelho, da Porta da Cruz, para descobridor não-oficial do Brasil, pelo menos até que aparecesse outro anterior!

Moradas em Itamaracá em 1491 ou 1499?
O outro episódio que IRF traz à discussão diz respeito ao outro assunto que Thomaz Souza aborda, e que foi descoberto pelo historiador português Jordão de Freitas.

Tratava-se de uma questão que foi a tribunal em Bayonne (França), porque um barão francês armou  um navio La Pelérine, que por sua iniciativa estabeleceu posse em Itamaracá em 1532 (ou 31) fazendo aí uma pequena fortaleza que foi logo arrasada por Pêro Lopes de Sousa. 
O barão fez protesto formal ao governo francês que remeteu ao rei de Portugal e a questão entre as partes seria decidida em tribunal com dois juízes franceses e dois portugueses, mas o que interessa é a argumentação dos juízes portugueses.
Colocamos aqui o texto conforme Thomaz Souza o coloca:


Sendo um acto formal em tribunal, registado em documento, os juízes não iriam aqui "mentir", e portanto quando dizem que o rei de Portugal tinha mandado construir fortaleza e castelo em Pernambuco, há mais de 30 anos, e que havia lá casas de morada há mais de 40 anos, isto deixa um problema ao status-quo.

Thomaz de Souza tenta denegrir o documento, dizendo que não tinha valor pois indica 1531 como data desse incidente, e ele teria ocorrido em 1532. Espectacular como argumento, não será?
O desespero leva aos malabarismos que temos visto em diversos actos circenses.
É tanto mais caricato que Souza diz que o documento foi escrito em 1538, mas depois apresenta uma data de 1539, e ao tirar 30 anos coloca a fortaleza em 1508 ou "pouco antes", mas ao tirar 40 anos, coloca as moradias em 1499 ou "pouco antes". 
O "pouco antes" é de sua lavra, e as contas que escolhem 1538 ou 1539, parecem propositado erro para mostrar como o seu ponto era absurdo, ou então como tinha dificuldades na subtracção.

Jordão de Freitas deve ter usado 1531 como valor a partir do qual se deduziriam os 30 ou 40 anos, o que dava 1501 para a fortaleza, e dava 1491 para as moradias... sendo que este argumento pode ser alvo de discussão, sem ter acesso ao original - que imagino não se terá perdido, mas que deve estar convenientemente esquecido, até que se perca.

A citação que IRF encontrou no documento oficial, relatando as casas de alvenaria em 1491, deve assim ser considerada, tomando por boa a investigação que Jordão de Freitas terá feito.
Mas, mesmo que seja 1492, isto mostra claramente a presença portuguesa, não apenas em viagens, mas mais concretamente em moradias... 

Thomaz de Sousa não argumenta para além da confusão do ano, remete apenas para a necessidade de Jordão de Freitas procurar nos arquivos franceses qual foi a contra-argumentação, e em jeito de aviso, faz aparecer o nome de Jean Cousin, supostamente um navegador francês que teria chegado à América em 1488, na companhia de Pinzón - o mesmo que irá acompanhar Colombo na sua primeira viagem. Sobre este Jean Cousin conheço pouco ou nada, sendo sabido que os franceses dizem que estiveram na América antes de espanhóis e portugueses com citações como esta do Barão La Hontan "os marinheiros da Biscaia francesa são conhecidos por serem os mais capazes e mais destros que há no mundo" (ver Nooks and Corners of the New England Coast, S.A. Drake (2008), pág 21)

As primeiras palavras de Souza neste artigo devem ser lidas:

e este, quer se queira, quer não, mais do que outra coisa é um aviso à navegação histórica.
Ou seja, Souza ilustra bem como o mundo, inclusive o Brasil, agora já uma nação pluricultural, veria mal dar mais protagonismo a Portugal, do que aquele que já lhe era reconhecido.

Thomaz Souza parece compreender mal que se o Tratado de Tordesilhas só vinculava Portugal e Espanha, a Bula papal Inter Coetera vinculava os reinos católicos, e por isso as pretensões francesas caíam nesse problema legal adicional.
Não terá sido acidental que logo depois em 1519-21 apareça Martinho Lutero a questionar o poder papal, e em 1535 Henry VIII funde a Igreja Anglicana.
Além disso, após o papa Alexandre VI, um espanhol que favoreceu Espanha (e Portugal), não mais houve papas não italianos, até ao polaco João Paulo II. 

Para efeitos históricos, não tenho nenhum problema em admitir outras viagens atlânticas, antes das portuguesas, aliás já coloquei aqui uma hipótese de poderem ter sido árabes de Granada ou Marrocos, a empreendê-las. As correntes abaixo das Canárias favorecem essa possibilidade. Mas nesse caso, não se abra o baú apenas para tirar o que convém... e vá-se antes, a tempos de fenícios e romanos, onde viagens dessa ordem foram sugeridas, por Duarte Pacheco Pereira e António Galvão. Mesmo no mapa de Fra Mauro, e a seguir às viagens portuguesas, ele menciona a viagem de Eudoxo que contorna a África, conforme o relato de Pompónio Mela.

Esta informação que IRF aqui trouxe é extremamente importante, sugerindo que não apenas os portugueses navegavam para paragens atlânticas, como ali deixavam residentes, ainda antes dos territórios serem oficialmente "descobertos".


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publicado às 06:42


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