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Já há algum tempo tinha preparado um texto para retomar a peça sobre os Painéis de S. Vicente... porém, já referi implicitamente nos comentários que considero uma absoluta perda de tempo qualquer actividade humana com intenções sérias. Numa farsa os personagens sérios são os mais facilmente ridicularizados, porque o seu sentido de seriedade está desalinhado com a comédia ensaiada, aparecendo como absurdos.

Porém, esta supressão do Knol motiva-me a escrever alguma coisa mais neste blog. É claro que a farsa em que vivemos pode vir a ter autores conhecidos, mas em última análise, não passam eles próprios de meros personagens risíveis numa comédia de contornos complexos, que escapam por completo a uma simples inspecção de mortais.

Numa carta de 1844 dirigida a Atanazy Raczyński, o visconde de Juromenha relata sucintamente o que se conhecia da pintura portuguesa antes de 1500. Começava por falar de Jorge Afonso, que pintou parte do Palácio de Sintra, ao tempo de D. João I... e conhecia-se muito pouco mais.
Nessa altura ainda não tinham saído do sótão de S. Vicente de Fora os famosos painéis.
S. Vicente de Fora em estampa - funeral de D. Pedro V
(Ilustração Portuguesa, 1867)

A saída dos painéis do sótão do Mosteiro de S. Vicente de Fora terá causado alguma incomodidade imediata, já que subitamente a pintura quinhentista portuguesa passava quase do zero ao infinito, com a notável cena retratada por Nuno Gonçalves. Parece que os painéis foram descobertos em 1882 por um entalhador Leandro Braga, quando estavam a ser usados como plataformas de andaimes em obras no mosteiro... essa terá sido a "primeira redescoberta" oficial, por ter sido atestada por Columbano Bordalo Pinheiro. Mesmo assim caiu no esquecimento, e terá sido uma "farpa" de Ramalho Ortigão que voltou a trazer os painéis a assunto público em 1895, mas só em 1909 foi autorizada a saída para o Museu de Arte Antiga e o restauro de Luciano Freire.

Desde essa altura os painéis acabaram por fazer parte do imaginário pródigo de especulação, havendo mesmo a tese de que Salazar teria procurado inserir o seu retrato num personagem dos painéis.
Não foi longe desse espírito imaginativo que coloquei a hipótese de retratarem um episódio marcante - a morte do filho de D. João II...

A tese habitual colocava os painéis em 1470-80, encaixando alguns detalhes importantes, que Dagoberto Markl enumerava como impossibilidades de uma datação anterior, em 1445, conforme se pretendeu entretanto admitir. Essa datação de 1470-80 tinha um problema complicado, pois a imagem do Infante D. Henrique aparecia claramente nos painéis, e este teria morrido em 1460... havia ainda assim quem argumentasse que não se tratava do Infante D. Henrique - algo meio ridículo dada a semelhança quase fotográfica entre as duas representações.
Apesar disso, tudo apontava para uma data posterior a 1470, desde os trajos a outros detalhes que pude ler nas críticas de Dagoberto Markl, e que tornam a tese de 1445 facilmente refutável.
Essa tese teria como argumento adicional uma datação dendocronológica... colocando as tábuas num tempo aproximado, com a dúvida inerente ao processo, e não menos óbvia possibilidade da pintura não ter ocorrido exactamente sobre madeira acabada de recolher...

De qualquer forma, o mais engraçado acaba por ser a tentativa de justificar os personagens... onde basicamente tudo é possível. Acho que cada cara já deve ter tido pelo menos umas dez possibilidades de ser fulano X ou fulano Y... e não havendo possibilidade de contraditório, tudo encaixa, especialmente recheando o contexto de figuras menores.

O funeral "simbólico" do Infante Santo em 1445 até seria uma possibilidade plausível, não houvessem tantos problemas, e apenas cito um que me parece colocar um ponto final sobre essa hipótese - as figuras reais em primeiro plano (no 3º painel, chamado Painel do Infante) não podem ser Isabel de Coimbra e o D. Afonso V... por uma simples razão... D. Afonso V teria em 1445 não mais que 14 anos!

As diversas argumentações que coloquei em 2009 continuam a fazer todo o sentido, e poderia alongar-me num ou noutro argumento, ou corrigir alguns excessos de entusiasmo, mas dificilmente retiraria muitas virgulas ao que escrevi.

Há um interesse sinistro em manter o assunto como secreto, e apoiar as teses menos consistentes, mas isso também não é nada de novo... faz parte da alimentação da farsa! Continuará a fornecer matéria para argumentação e contra-argumentação inútil ou fútil, mais ou menos ridícula, tanto ou pouco consistente.
Pela minha parte, já dei o que tinha a dar para esse peditório... pouco ou nada me importa saber se esta tese será alguma vez considerada, interessa-me que fez e faz todo sentido num quadro muito mais lato.
A maior crítica será justamente ter procurado ir demasiado ao detalhe e interpretar algumas coisas direccionado numa perspectiva que acabava de descobrir.
Mais do que o detalhe de determinar todos os personagens e particularidades, interessa saber por que razão o quadro teve um destino de ocultação... e aí nenhuma das outras teses "politicamente correctas", logicamente incorrectas, esboça nenhuma resposta convincente... é claro que nem precisa, porque o objectivo continua a ser a ocultação, agora uma ocultação educativa que permite até ousar a sua exposição ao público.
A censura ganhou novos contornos... há muito que deixou de ser feita escondendo ou destruindo as coisas, é feita publicitando o que devemos pensar, e marginalizando eventuais pensamentos dissonantes.
Simples, porque afinal os cérebros são formatados na educação e dirigidos pela informação... quem controla a educação e a informação só tem praticamente que se preocupar com quem pensa por si próprio... manifestamente um pequeno número de pessoas.


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publicado às 21:56


11 comentários

De Clemente Baeta a 30.12.2012 às 04:55

Caro Alvor-Silves

Na imagem disponível em http://paineis.org/LIVRO_ilegivel_max.htm (site da responsabilidade de António Salvador Marques) poderá verificar, talvez com um pouco de dificuldade, na 4ª linha da página da esquerda a expressão J.YOFRIDI, isto é, a forma latina de Jean Juffroy, ou seja, o modo como ele assinava os discursos que fez perante D. Afonso V.
Devo a Belard da Fonseca (4º volume da sua obra O Mistério dos Painéis)a decifração deste nome.
A pouca percepção daquele nome deve-se naturalmente aos repintes e restauros que os Painéis sofreram ao longo dos anos.
A isto há que acrescentar a não aceitação da decifração, pela maioria dos estudiosos, realizada por este autor.
Relativamente ao "politicamente incorrecto" de uma homenagem no tempo de D. Afonso V, recorde-se que este rei começa a perdoar, no seguimento do nascimento da sua filha D. Joana, a alguns dos partidários do infante D. Pedro. Depois do nascimento do futuro D. João II essa amnistia é alargada a todos os que estiveram ao lado de D. Pedro com referência particular aos familiares deste.

A presença daquele embaixador mostra igualmente que o ducado da Borgonha (nomeadamente a duquesa D. Isabel) deve ter contribuído significativamente para a realização dos Painéis e deve ter estado por detrás da concepção geral da composição, não sendo por isso D. Afonso V O único doador da obra

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