Já mencionámos que Alexandre Dumas vai recuperar no seu Conde de Monte-Cristo, em 1844, as figuras de Sindbad e de Ali Babá, inseridas nas Mil e Uma Noites transcritas por Antoine Galland no início do Séc. XVIII. Se já tínhamos referido Aladino e Lucerna, é agora tempo de dedicar algumas linhas a Ali Babá, mais propriamente à palavra "Sésamo"... já que os 40 ladrões são de difícil identificação!
Porém, vamos encontrar uma referência a Sésamo tão antiga quanto Homero, que no Canto II da Ilíada diz:
Pílemeneu veloso os Paflagónios, De Enete move, aítriz de agrestes mulas,
Os que o Citoro e Sésamo possuem, As lindas várzeas do Parténio rio, Comna e Egíalo e os celsos Eritinos.
É assim por Homero que juntamos Sésamo e Citoro, mais propriamente o Monte Citoro, locais que hoje fazem parte da bela cidade turca de
Amasra (de Amastris, esposa do persa Xerxes), cidade no Mar Negro, na zona costeira do território atribuído aos Hititas...
Monte Citoro e Sésamo, hoje Amasra.
Está iniciado o caminho, e daqui pelo poeta romano
Catulo podemos chegar a Itália... mas a viagem não vai exactamente para Sirmione no Lago Garda, faz aqui um desvio para o Monte Citorio, mais propriamente para o Palazzo Montecitorio, em Roma, onde há um notável obelisco:
Em 1696 a Cúria Romana foi instalada na Praça de Montecitorio.
Escrevendo uma década depois, quando Galland diz "Abre-te Sésamo", seguindo Homero poderia bem dizer "Abre-te Monte Citoro", referindo-se à Cúria Romana aí instalada recentemente. Desconheço o número de elementos da Cúria(*) à época e em vez de 24 poderiam ser mais, digamos mais 16?
Afinal, era apenas uma estória... mas seria menos estória que a Cúria Romana escondia tesouros fabulosos!
No Conde Monte-Cristo, Alexandre Dumas lembra-se também do palácio Montecitorio, e diz que o sino apenas tocava no início do Carnaval (ou quando o papa morria)... é claro que o personagem Dantes beneficia do excelente tesouro revelado por Faria, mas tem o amor subtraído por Mondego... falando apenas da conexão dos nomes Dantes-Faria-Mondego, onde o pouco usual nome Mondego nos levaria às termas de Curia.
Diz-se é claro que Dumas foi motivado pela visita a Elba, onde acompanhou o sobrinho de Napoleão em 1842, e avistou a ilha de Montecristo, quase proibida e visitada pelos piratas Barbarrosa e Dragut, talvez na direcção do seu Sindbad...
A ilha de MonteCristo, próximo de Elba, só foi aberta ao público em 2008
Com Dumas é recente e está subjacente o exílio de Napoleão a Elba... que tal como MonteCristo, seria uma ilha formada pelos diademas de Vénus caídos quando se banhou no Mar Tirreno. E é claro que o declínio de Napoleão começou perto do Mondego, no Bussaco, ou seja na zona da Curia.
Deixemos a Curia do Mondego, e voltemos à Praça Montecitorio.
O obelisco egípcio de Montecitorio estava em destroços, mas é recolocado no seu lugar em 1789, exactamente no ano da Revolução Francesa.
O obelisco Solarium Augusti antes da reconstrução (em 1738). Roma é a cidade com mais obeliscos, muitos dos quais vindos do Egipto, já que não começou com Napoleão a ideia de levar obeliscos do Egipto para a Europa, os Romanos já o tinham feito!
Este obelisco
Solarium Augusti tinha uma particularidade notável, pois Augusto fez dele um Relógio de Sol, no Campo de Marte, comemorando a sujeição do Egipto de Cleópatra e Marco António. Não se tratava apenas de um gnomo apontando a hora do dia, servia ainda para identificar o dia do ano.
Inscrições descobertas no Campo de Marte,
do meridiano do Solarium Augustii
O problema é que passadas poucas décadas, o
Solarium Augusti deixara de "funcionar", conforme já se queixava Plínio, apontando algumas hipóteses estranhas... a mais oficialmente admissível seria a sua hipótese de que todo o Campo da Marte, onde se sustinha o Obelisco, tinha sido deslocado por algum movimento subterrâneo do leito do Tibre. Mas se esta é estranha, a sua primeira hipótese é digna de mais reflexão... ele considera que toda a orbe terrestre se teria deslocado no espaço de algumas décadas! Ou seja, a Terra teria sofrido uma mudança profunda na sua órbita entre a sua fundação por Augusto e a observação de Plínio, que nasce sob reinado do sucessor, Tibério.
The readings thus given have for about thirty years past failed to correspond to the calendar, either because the course of the sun itself is anomalous and has been altered by some change in the behavior of the heavens or because the whole earth has shifted slightly from its central position, a phenomenon which, I hear, has been detected also in other places. Or else earth-tremors in the city may have brought about a purely local displacement of the shaft or floods from the Tiber may have caused the mass to settle, even thought the foundations are said to have been sunk to a depth equal to the height of the load they have to carry.
Como este desvio é reportado nos 30 anos anteriores à data que escreve Plínio (ou seja, termina em 77 d. C.), coloca a detecção da perturbação cósmica desde circa 37 a 47 d.C., ou seja aproximadamente desde a morte de Jesus Cristo. Falamos de perturbação cósmica, porque segundo Plínio o fenómeno tinha sido reportado noutros sítios, e por isso a explicação localizada em Roma pretenderá ser secundária.
Augusto tomava em conta o calendário juliano, e a menos de fortes sismos que seriam identificáveis, não era de supor nenhuma alteração que justificasse tal perturbação. É reportado aliás o cuidado de uma alteração no ano seguinte à construção em 9 a.C. que preconizava o ajustamento pelos anos bissextos, conforme o calendário juliano, pelo que o meridiano foi assinalado do solo. Esse cuidado colocaria o relógio solar de Augusto como mecanismo de funcionamento quase intemporal, e porém estava fora de rigor poucas décadas depois! O seu realinhamento terá sido feito por Domiciano, ainda no Séc. I, mas não é claro se durou muito tempo... o Obelisco acabará por ser destruído após o Séc. VIII, talvez por um terramoto ou por motivo de um saque normando.
O Obelisco original vinha da Heliópolis egípcia (não confundir aqui com Baalbec), e comemoraria uma vitória de
Psamético II sobre os rivais núbios de Kush. Depois de servir o tempo no relógio de Augusto, foi recuperado dos destroços pelo papa Bento XIV e foi colocado em Montecitorio por Pio VI, em 1789, sendo que o Palácio Montecitorio é a Câmara de Deputados desde o
Risorgimento de 1870. Montecitorio manteve o seu carácter de órgão de poder, com o detalhe da estória de Galland requerer agora um pouco mais do que 40 ladrões...
(*) Quarantia, o Conselho dos Quarenta era um órgão consultivo muito importante na República de Veneza, que inseria a componente aristocrática funcionando como tribunal e órgão constitucional. O número é aqui importante pela revelação de Alexandre Dumas... o sino de MonteCitorio tocava apenas no início do Carnaval. É claro que o nome Venezia ou Venetia tem aquele problema fonético da confusão entre V e F, que nos pode transportar rapidamente a Fenecia ou Fenícia, o que não é despropositado se entendermos que Veneza assumiu uma importância marítima ao nível de se colocar como herdeira dos Fenícios.