Tendo colocado aqui o último texto sobre os Painéis de Nuno Gonçalves, notei que a questão sobre a dualidade Poente-Nascente, um aspecto a que dei muita importância na altura, acabou por ter sido negligenciado na maioria dos textos seguintes.
Talvez por ter insistido demasiado nessa particularidade nos meses iniciais de pesquisa, acabei por negligenciar alguma necessidade de menção nos textos seguintes... No entanto, de nenhuma forma ele deixou de estar presente no meu olhar sobre os mais insignificantes pormenores. Acho que já aqui referi que um pormenor distintivo, nas duas primeiras edições dos Lusíadas de Camões, era justamente a diferença na orientação da cabeça do pelicano, no fronstispício.
A dualidade Poente-Nascente foi assim chamada também para relacionar directamente com a dualidade sobre as duas designações de Vénus - ao amanhecer seria encarado como "portador de luz", ou Lucifer, e ao entardecer era encarado como "fonte de esperança", ou Hespero (de onde surgia a designação das ilhas ocidentais paradisíacas - as Hespérides). Era ainda claramente uma dualidade sempre presente entre o Ocidente e o Oriente, dois destinos diferentes que se colocavam a uma Europa que se via como centro do mundo. Houve uma progressiva deslocação do centro de poder para ocidente, desde um centro babilónico ou persa, passando a um centro cultural helénico e depois romano, caminhando para os centros mais recentes, inglês e americano.
É uma separação claramente diferente e menos óbvia face à dualidade entre o alto e o baixo, o norte e o sul, entre um topo próximo do céu e uma profundidade infernal.
Poderia também falar-se de uma dualidade Esquerda-Direita, que se foi mantendo como divisão política.
Porém aqui é habitual notar que, em italiano, a Esquerda é Sinistra, e em inglês, a Direita está Certa (right).
Será que a posição escolhida pelos deputados na Assembleia francesa de 1788 foi acidental?... não nos parece! Não foi nenhum acidente, nem nenhum sinistro... simplesmente colocaram-se na posição que já reflectia opções políticas, da mesma forma que ter uma cabeça de águia imperial olhando para a esquerda ou para a direita não seria exactamente um simples acaso nos antigos brasões (a ponto de com os Habsburgos terem surgido mesmo águias bicéfalas).
É claro que muitas das relações são fortuitas, desinformadas, e será por isso fácil contra-argumentar contra qualquer pretensão séria de levar estas relações mais longe... nem todos os brasões foram escolhidos com as suas armas viradas para a esquerda ou para a direita com propósito necessariamente informativo. Aliás, essa desinformação foi-se acentuando com uma progressiva entrada na Idade Moderna.
Para além disso é ainda claro que quem se sentava à esquerda, ficaria voltado para a direita, para nascente, aguardando um novo amanhecer com uma estrela da manhã portadora de luz... ao passo que quem se sentava à direita ficaria olhando o pôr do sol com uma estrela de entardecer sinónimo de esperança. Como se isto não fosse suficientemente sinistro, esta posição dependeria ainda da própria orientação do edifício (e os exemplos de edifícios parlamentares que vimos seguem exactamente esta orientação solar... os lugares da esquerda viram-se a nascente e os da direita a poente)!
Porém, aqui queria acentuar um outro aspecto... o do Direito!
Quando comentei sobre a
separação de poderes não coloquei, nem mesmo implicitamente, qualquer referência a esta particularidade relativa ao poder judicial... o poder do Direito.
Vivemos num "Estado de Direito", ainda que cada vez mais nos pareça que vivemos num "Estado Sinistro"... e não apenas "sinistro" no seu aspecto oculto, mas também porque parece caminhar para um inevitável acidente.
Nas sociedades modernas o sistema político acabou por cumprir uma separação de dois poderes, que já comentei (havendo a confusão entre poder executivo e legislativo). Há um poder pseudo-legitimado por uma pretensa eleição partidária, esse constitui o lado sinistro, e há um outro poder que assumidamente não é outorgado pelo povo, que simplesmente se desenvolve numa carreira pelo lado do direito, o poder judicial.
É especialmente interessante ver como o poder desse direito se acentua quando decide investir pelo lado sinistro da governação e pelos seus intérpretes, supostamente eleitos democraticamente. Assim, tem sido curioso verificar como os diversos governos ficam sinistramente presos(!) no estado de direito.
Nem tão pouco falo dos processos mais ou menos caricatos, alguns ridículos, que têm manchado a credibilidade da justiça portuguesa... falo aqui de um imperativo do Direito, que ao se sobrepor, tem tornado os governos praticamente impotentes para alterar cláusulas ou contratos, compromissos feitos em nome de um estado que apenas parece vacilar perante o "corte a direito" que executa a legislação sinistra.
Não assumir uma posição "às direitas" pode parecer meio sinistro, ou uma simples brincadeira na língua portuguesa... Porém, vai ficando claro que o compromisso de separação de poderes pouco mais fez do que dar a um lado de corrente maçónica-judaica uma parte do bolo, enquanto que a aristocracia-oligárquica tradicional iria manter a outra parte. De um lado uma faculdade de letras, da cultura, à esquerda, e do outro lado uma faculdade de direito, no efectivo poder...
O lado sinistro fez cair sobre a educação e cultura um véu de encobrimento, e foi nomeando alguns dos seus eleitos como pequenas estrelas - referências de luz... talvez para orientação na grande noite que os levaria a Vénus, portador da luz, e assim à "alvorada" (new dawn...)! A população ganharia uma maior liberdade aparente, já que encaminhada nos seus carreiros/carreiras dificilmente veria a altura dos muros da prisão que se erguiam a direito, mesmo a seu lado. A aparente cedência de poder a uma pretensa eleição popular pouco seria mais do que colocar um caminheiro com um bordão à frente do rebanho de carneiros... sabendo-se exactamente que as ovelhas tresmalhadas se assustariam com os cães, e dificilmente deixaram de seguir o seu caminho a direito, nalguns casos direito ao açougue.
O direito teve uma transição da sua componente canónica, com residência medieval no Vaticano, passando para um direito civil que foi consagrando direitos aos indivíduos que foram esquecendo o seu estatuto de servos da plebe... a missão libertadora que os movimentos maçónicos preconizaram, e que enfiou o barrete frígio em muitas revoluções, foi assim progressivamente cumprida. No entanto, por uma natural descrença na natureza humana, acabou por desistir de levantar o véu da farsa que criou, tendo mesmo pensado em criar uma ilusão de alvorada, como farsa final.
Ora, é praticamente claro que os donos do rebanho não tencionam deixar de encarreirar os carneiros, assumindo que no deslumbre das flores (flower-power) se escondem latidos de lobos disfarçados de cães-pastores, e por isso os seus carneiros não podem deixar de seguir o carreiro a direito...
Lei da Babilónia
Estela menir de diorite (séc XVIII a.C)
com a forma de um digito indicador