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Lago Tritonis

03.03.11
Na descrição de Heródoto faz-se referência a um grande Lago Tritonis que separava a Líbia... notando que para os gregos o nome Líbia era usado para toda a África.
Tratava-se de um lago com mais de 2 000 Km², abaixo de Cartago, e onde se associa uma parte da aventura de Jasão e dos Argonautas. Com a suposto nível do mar mais elevado, e usando uma imagem que já aqui colocámos a propósito da ilha Eritheia, localizamos facilmente o que seria esse Lago Tritonis:
Tal como no caso do mítico lago Parime, que encontrámos nesta imagem (referida aqui), aparece aí o mesmo lago aqui identificado. Há aliás um certo consenso em associar Tritonis ainda à restante planície salina Chott el-Jerid (sul da Tunísia), ocasionalmente inundada.

A lenda de Jasão fala já de uma entrada que nessa altura poderia começar a ser condicionada pela subida da maré. Jasão teria ficado nos baixios do Lago Tritonis, e não conseguia sair desse lago, até que Triton apareceu e lhe ofereceu um canal para passar. 
Atendendo a que viagem de Jasão era suposto ter ficado pelo Mar Negro, este seu aparecimento no Lago Tritonis, invocado por Heródoto, fica um bocado despropositado na interpretação que se quis fazer pela sucessiva troca de nomes posterior.  Daí a necessidade de juntar na Arménia, no Cáucaso, as províncias: Colquida (Colchis), Iberia e Albania. O espaço era pequeno, mas foram todas bem arrumadinhas (ver aqui)...

Usamos ainda a tradução de Heródoto (disponível aqui):
The Carthaginians also relate the following: There is a country in Libya, and a nation, beyond the Pillars of Hercules, which they are wont to visit, where they no sooner arrive but forthwith they unlade their wares, and, having disposed them after an orderly fashion along the beach, leave them, and, returning aboard their ships, raise a great smoke. The natives, when they see the smoke, come down to the shore, and, laying out to view so much gold as they think the worth of the wares, withdraw to a distance. The Carthaginians upon this come ashore and look. If they think the gold enough, they take it and go their way; but if it does not seem to them sufficient, they go aboard ship once more, and wait patiently. Then the others approach and add to their gold, till the Carthaginians are content. Neither party deals unfairly by the other: for they themselves never touch the gold till it comes up to the worth of their goods, nor do the natives ever carry off the goods till the gold is taken away.
Esta descrição de comércio dos cartagineses é muito semelhante à que encontramos descrita por Duarte Pacheco Pereira... e poderia reportar-se tanto a trato com povos em África, como até com povos na América... afinal já referimos a ida de cartagineses a paragens americanas, cf. Cândido Costa, que detalha mais esta hipótese ligando-a a Ophir, no seu texto posterior "Duas Américas" (que está obviamente offprint). Diz Cândido Costa: 
"Num escrito de Aristóteles (De Mirab. Auscult. Cap. 84) diz-se que foi o receio de ver os colonos sacudirem o jugo da metrópole cartaginesa e prejudicarem o comércio da mãe pátria que levou o senado de Cartago a decretar pena de morte contra quem tentasse navegar para esta ilha. Aristóteles descreve também uma região fértil, abundantemente regada e coberta de floresta, que fora descoberta pelos cartagineses além do Atlântico" [cf. templaria.org]
Esta menção de Aristóteles é aliás encontrada frequentemente citada. 
Interessante é a menção de Heródoto a alguma subserviência devida ao Rei dos Medos:
These be the Libyan tribes whereof I am able to give the names; and most of these cared little then, and indeed care little now, for the king of the Medes. One thing more also I can add concerning this region, namely, that, so far as our knowledge reaches, four nations, and no more, inhabit it; and two of these nations are indigenous, while two are not. The two indigenous are the Libyans and Ethiopians, who dwell respectively in the north and the south of Libya. The Phoenicians and the Greek are in-comers.
 Não ter medo dos Medos pareceria então estranho... A divisão entre Líbios e Etíopes, era feita em termos de norte (Líbios) e sul (Etíopes), juntando-se depois os colonizadores Fenícios, com Cartago, e os Gregos com Cyrene. A cidade grega de Cyrene não terá a importância histórica de Cartago, mas Cyrene teve um templo de Zeus de grandes dimensões (superior ao Parthenon):

Atlantes
Ao descrever a parte oeste da Líbia, ou seja o oeste de África, Heródoto descreve os Atlantes, enquanto habitantes próximos do monte Atlas:
Once more at the distance of ten days' there is a salt-hill, a spring, and an inhabited tract. Near the salt is a mountain called Atlas, very taper and round; so lofty, moreover, that the top (it is said) cannot be seen, the clouds never quitting it either summer or winter. The natives call this mountain "the Pillar of Heaven"; and they themselves take their name from it, being called Atlantes. They are reported not to eat any living thing, and never to have any dreams.
Estes hábitos alimentares, em particular não comer carne de vaca, eram reportados ao culto egípcio de Isis, e extensivos a toda a Líbia. A referência aos Atlantes próximos do Atlas está ainda no mapa de Dionisio Periegetes.
A nomeação de Atlantes, do Atlântico, e da Atlântida, acaba por ser toda reportada não só a Atlas, à montanha, mas também ao mítico pai das Pleiades... titã condenado a suportar o mundo nos seus ombros. A sua rebelião contra os novos deuses, acabou nessa condenação que só foi aliviada temporariamente por Hércules... 
A zona geográfica associada aos mitos é a mesma - o Atlas e os Pilares de Hércules estão na mesma zona geográfica, e da mesma forma surgiria a menção à Atlântida.

A barreira do Bojador
Heródoto até aos Atlantes conhece os povos que habitam a crista de areia, depois deles não possui informação. Este limite, colocado ao nível das Canárias, torna-se sintomático até que surgem as explorações portuguesas... Apesar disso, conhecem-se expedições desde os cartagineses, que exploraram a costa africana. 
Qual a razão deste limite ancestral colocado ao nível do Bojador?
Na prática não há nenhuma barreira difícil de transpor, se esquecermos a mitologia fantasiosa.
A parte sul, atribuída aos Etíopes, aparece assim proibida não apenas à exploração, mas mesmo à menção... tal como no caso do Senado de Cartago, aparece decretada uma proibição implícita.

Redução Geográfica
Não deixa de ser interessante a evidência de redução geográfica... os romanos vão introduzir a África (inicialmente a Oeste) e restringir o nome Líbia para o território entre Cartago e o Egipto. Da mesma forma a Etiópia passará a designar exclusivamente a zona sob o Egipto. A outra evidência de redução geográfica é a junção de toda a Cólquida, Iberia e Albania, ao enclave caucasiano, como já referimos.
Só estas trocas seriam suficientes para grande confusão, mas haveria muitas mais... o problema vai sendo cumulativo, sustentáculo da ocultação e segredos.


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publicado às 21:29


1 comentário

De Alvor-Silves a 19.05.2011 às 14:09

Caríssimo,
eu expliquei que usaria a tradução de Heródoto, e uma das razões é simples - o meu conhecimento de grego é reduzidíssimo.
Por outro lado, como perceberá, este blog tem algum objectivo de divulgação popular, e está longe de seguir os requisitos da erudição académica.
Poderia traduzir o inglês que li, mas por uma questão de orientação pessoal prefiro deixar a fonte que usei.
Das 22000 visitas, quase 20000 são do Brasil e Portugal, mas não deixa de haver 2000 visitantes ocasionais de outros países, pela pesquisa de palavras em inglês. O assunto do blog foca essencialmente Portugal, mas a maioria das questões aqui abordadas tem um contexto internacional.

Agradeço que se houver dúvidas sobre a correcta tradução, das fontes que uso, elas sejam assinaladas.
Obrigado!

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