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Macavencos

14.04.13
Já aqui falámos brevemente sobre a implantação da República Portuguesa, no texto sob o titulo
Bolonhesa e Carbonara
em que referimos a influência da Maçonaria e da Carbonária na preparação do 5 de Outubro.

Encontrámos uma notícia interessante no jornal Expresso (5/Fev/2010) sobre uma sociedade peculiar com um nome macavenco... os "Makavenkos".
Conforme descreve a autora da notícia:
Entravam bem trajados pela Rua dos Condes, como se fossem para o teatro. Empresários, políticos, artistas, médicos, jornalistas, aristocratas e plebeus, monárquicos e republicanos, maçons, ultraconservadores e revolucionários passavam as bilheteiras sem parar, desciam dois lanços de escada e tocavam à porta da sociedade 'secreta' dos makavenkos... um clube privado lisboeta para polígamos "de todas as qualidades, excepto os vadios", que gostavam de petiscar na mesa e na cama. Ali, cozinhava quem sabia e desfrutava quem podia, sempre em agradável companhia feminina, também aceite sem descriminação de classe, da nobreza à rua, conforme as paixões dos convivas.
À entrada, vestiam o modo de ser makavenkal: o prazer da boa mesa, da "alegre rapioqueira", e a compensação dos 'pecados' com actos de benemerência. Mas, ao fim de 26 anos, quebraram uma das regras. Ou nunca cumpriram essa de não falar de política e religião. No ano de 1910, na Casa dos Makavenkos, onde a prioridade era dar "largas à alegria e elasticidade à tripa", preparou-se a revolução.
Este Clube Makavenko era presidido por Francisco Grandella, um personagem de conto de fadas. De empregado numa retrosaria na Rua dos Fanqueiros, ao fim de alguns anos montara negócio próprio, e alguns anos depois, com os Armazéns Grandella tornava-se num dos homens mais ricos e influentes de Portugal. 
Tal como Grandella, o Clube Makavenko tinha afiliação directa no Partido Republicano e na Maçonaria lisboeta. Porém, estas coisas são o que são... e Grandella punha a nú os mais básicos instintos do Homem - a boa comida e as mulheres boas. O clube terá sido um sucesso, se as ideias republicanas não eram tão apelativas, seriam apelativos os programas dessas noites.
Todos eram iguais perante a sopa, o copo e as makavenkas e nenhum podia namoriscar com a mesma por mais de 15 dias. Findo este período ela seria declarada "praça aberta" e ele, se insistisse, levava o título de "lamechas" e a intimação para pôr fim ao relacionamento em 24 horas.
Em conversas casuais, já me descreveram situações algo semelhantes nas actuais máquinas partidárias... ou seja, na sua vertente de clubes de prestações de serviços, teriam necessidade de recorrer aos préstimos dos mais valiosos colaboradores da noite, entre outros, porteiros de bares, discotecas, ou simples proxenetas. Ao fim de alguns anos, ficavam influentes na concelhia do partido, depois na distrital, e com alguma discrição poderiam até passar a figuras públicas. Objectivamente, são precisos operacionais para este tipo de assuntos mais mundanos, que fazem parte do arregimentar de vontades que movem as organizações. Se o Clube Makavenko já não existe, as vontades não desaparecem, e acabam por levar à existência de clubes similares, festas "bunga-bunga", talvez com protagonistas mais envergonhados que Berlusconi ou Grandella.

Interessante é o símbolo da organização. Diz-se no artigo do Expresso que Grandella usara o moto de Edward III, que ornamenta a Ordem da Jarreteira: "Honi soit qui mal y pense"... pois, maldito quem pensasse mal da liga que caíra à dama que entrara na dança de Edward III, transportava-se no final do Séc. XIX, princípio do Séc. XX, para as ligas das makavenkas.

De dois filhos de Eduardo III, John de Gaunt e Edmund Langley, aparecem duas rosas. A vermelha da Casa de Lancaster e a branca da Casa de York, que vão levar à famosa Guerra das Rosas. Apesar de York ter inspirado a substituição de Nova Amsterdão em Nova York, e Langley ser hoje a sede da CIA, não é pelo lado branco do "rosário" que seguiremos.
O símbolo da rosa vermelha era da Casa de Lancaster, e foi adoptado por muitos Partidos Socialistas, no final do Séc. XX. Em Portugal também, tendo acabado por substituir o símbolo de "punho cerrado" que caracterizou o PS. 
O que é curioso é que vamos encontrar esse "punho-cerrado" no símbolo dos Makavenkos, de forma tão similar como podemos vislumbrar na figura seguinte: 
O PS sempre afirmou o seu legado republicano, e é conhecida a grande identificação ao Grande Oriente Lusitano, a mais antiga organização maçónica portuguesa. Nesses pontos estava em comunhão com o Clube fundado por Grandella, seguia-se a rosa vermelha que remete à Casa de Lancaster, e à Ordem da Jarrateira, coincidindo no moto escolhido por Grandella.
Tudo coincidências? Possivelmente, alguém quererá dizer... porém fica um bocadito mais difícil de aceitar tal coincidência, quando temos um punho-cerrado que se insere bem no círculo de fundo escuro dos makavenkos

Mas isto acontece só com o PS? 
Aqui o leitor vai compreender que apenas posso trabalhar com o material que encontro, a maioria das vezes acidentalmente. Não se trata de opção política, trata-se de opção informativa. Esta associação do símbolo do PS ao clube de luxúria dos Makavenkos é puramente acidental, a filiação política que ambos partilharam, pois isso acrescenta algo mais que um simples acidente no logotipo.
Há antigos símbolos na heráldica que usam um braço (Guerreiro, Horta, Macedo, ...), mas não apenas uma mão fechada... uma espécie de "bate-punho"!
Poderíamos dissertar sobre as setas do PSD, lembrando-nos do selo dos EUA, em que a águia segura 13 setas (eram 13 as colónias-estados originais), mas não há comparação em termos de associação.

Agora, como é óbvio, os partidos reflectem uma forma de poder, mesmo aqueles que aparentemente estão no contra-poder. Sobre o arco-governativo temos experiência ao longo destas décadas, sabemos dos seus compromissos e vícios. Se há um lado mais ligado a esta faceta da maçonaria explícita, há outro lado que se evidencia por ligações mais antigas, aristocráticas. No entanto, convém notar que a face visível remete para uma aristocracia estabelecida essencialmente no final do Séc. XIX. Não se trata das velhas casas aristocráticas... essas submergiram de visibilidade, especialmente após o liberalismo de D. Pedro IV, e da derrota de D. Miguel. Curiosamente, dessa aristocracia antiga, só a Casa Real de Bragança não conseguia evitar o protagonismo que lhe era imposto constitucionalmente... os novos barões, viscondes, esses emergiam politicamente, promovidos pelo regime de burguesia a pequena aristocracia.
No final do Séc. XIX, princípio do Séc. XX, a oligarquia lisboeta que dominava a vida pública aumentava de número e de vícios... o que obviamente levaram a gastos de compromisso, em subsídios, comendas, que arruinaram as finanças públicas e levaram o país à bancarrota de 1896.

Como diria Almeida Garrett: "foge cão que te fazem barão... para onde, se me fazem visconde?" 
Até às migrações provincianas, saloias, que trouxeram uma nova plebe para a região lisboeta, dificilmente já se encontraria alguém na capital que não soubesse traçar convenientemente a sua origem a algum resquício de nobreza, com o intuito de que o nome de família lhe trouxesse vantagem, pelo velho expediente da "cunha".

Nada disso desapareceu, a prole aumentou, teve novos protagonistas. Os expedientes de subsídios, de oportunidades de negócio fabricados por legislação conveniente, de comendas, de pensões, subvenções, etc... de tudo isso passou o Estado a ser devedor, para manter silenciada e satisfeita a enorme prole, resultante de um alargamento da pseudo-aristocracia lisboeta. 
Todos os tostões que se gastam na subsídio-dependência social do Rendimento Mínimo Garantido fazem falta aos outros protagonistas, não apenas a uma oligarquia que procura Rendimento Máximo Garantido, através de negócios privilegiados, mas toda uma plebe de servidores que inveja o mesmo estatuto.

Damos apenas um exemplo ilustrativo... Francisco Joaquim Ferreira do Amaral foi um dos últimos primeiro-ministros monárquicos, e passou do serviço a D. Manuel II para o clube republicano dos Makavenkos, sendo mesmo conhecido como "o Makavenko". Certamente por mera coincidência viemos a ter um político com nome similar, Joaquim Ferreira do Amaral que, após ser Ministro das Obras Públicas (PSD) teve a "sorte" de ser nomeado como administrador da Lusoponte, afinal a empresa que quem foi dado o monopólio das ligações viárias sobre o Tejo. É sabido que os rendimentos de tal negociata são astronómicos.

Há muito que o tecido produtivo foi minado pela verborreia legislativa que entope tribunais.
Por um lado, as leis servem a classe instalada, que procura proteger monopólios e manter impunidades. Por outro lado, as novas ideias, sendo mesmo novas, não podem ser executadas, por ausência de legislação. Tudo precisa de regulamentos, para regular os lamentos instalados, que evitam produção de nova riqueza, o aparecimento de novos ricos, sem a devida autorização e benção das antigas famílias.
As oportunidades de negócio são decretadas por leis feitas nos tradicionais escritórios de advocacia, com as devidas vírgulas que permitem assegurar que a oligarquia se mantém fechada à novidade. A isto acrescem anos de contactos privilegiados entre famílias, que podendo ser rivais, sabem unir-se para sobreviver, e evitar novas ameaças à negociata instalada. 
Quem quiser entra curvado para servir o sistema, quem não quiser fica fora do negócio... e neste tipo de sociedade, tudo não passa de um negócio, porque sempre se habituaram a vergar tudo e todos a essa lógica de ganhos e perdas. 
Há quem não alinhe... claro, há sempre, mas o número é residual, e podem ser ignorados. Aliás, até interessa que existam, e que se mostrem, para apimentar o tédio da corte instalada. Nesta perspectiva, tal como cristãos lançados aos leões, a sua impotência serve para mostrar aos espectadores a inutilidade da resistência perante o poder do império.

Quanto ao nome "Macavencos" é curiosa a explicação dada no artigo do Expresso:
É, aliás, da autoria do despenseiro, por vezes cozinheiro, a explicação 'científica' do nome da sociedade... inventado por Grandella: um povo de origem asiática, das ilhas Curilas, que já habitara na península ibérica, no que é hoje Portugal e no País Basco, muito antes dos gregos, "antes do desaparecimento da Atlântida e tinham uma seita que professava uma espécie de culto pela mulher esbelta, mundana, com quem conviviam e protegiam aproveitando-a mesmo para fins de utilidade geral".
... sim, porque é sempre conveniente dar um toque mítico a este tipo de sociedades, para que haja um qualquer refúgio espiritual num mundo construído por oposição à espiritualidade. Mas, dada a natureza dos intervenientes, é de considerar que o nome fosse apenas uma chalaça silábica de conotação sexual. Acabou por entrar no léxico - macavenco é sinónimo de excentricidade.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 05:00

Macavencos

14.04.13
Já aqui falámos brevemente sobre a implantação da República Portuguesa, no texto sob o titulo
Bolonhesa e Carbonara
em que referimos a influência da Maçonaria e da Carbonária na preparação do 5 de Outubro.

Encontrámos uma notícia interessante no jornal Expresso (5/Fev/2010) sobre uma sociedade peculiar com um nome macavenco... os "Makavenkos".
Conforme descreve a autora da notícia:
Entravam bem trajados pela Rua dos Condes, como se fossem para o teatro. Empresários, políticos, artistas, médicos, jornalistas, aristocratas e plebeus, monárquicos e republicanos, maçons, ultraconservadores e revolucionários passavam as bilheteiras sem parar, desciam dois lanços de escada e tocavam à porta da sociedade 'secreta' dos makavenkos... um clube privado lisboeta para polígamos "de todas as qualidades, excepto os vadios", que gostavam de petiscar na mesa e na cama. Ali, cozinhava quem sabia e desfrutava quem podia, sempre em agradável companhia feminina, também aceite sem descriminação de classe, da nobreza à rua, conforme as paixões dos convivas.
À entrada, vestiam o modo de ser makavenkal: o prazer da boa mesa, da "alegre rapioqueira", e a compensação dos 'pecados' com actos de benemerência. Mas, ao fim de 26 anos, quebraram uma das regras. Ou nunca cumpriram essa de não falar de política e religião. No ano de 1910, na Casa dos Makavenkos, onde a prioridade era dar "largas à alegria e elasticidade à tripa", preparou-se a revolução.
Este Clube Makavenko era presidido por Francisco Grandella, um personagem de conto de fadas. De empregado numa retrosaria na Rua dos Fanqueiros, ao fim de alguns anos montara negócio próprio, e alguns anos depois, com os Armazéns Grandella tornava-se num dos homens mais ricos e influentes de Portugal. 
Tal como Grandella, o Clube Makavenko tinha afiliação directa no Partido Republicano e na Maçonaria lisboeta. Porém, estas coisas são o que são... e Grandella punha a nú os mais básicos instintos do Homem - a boa comida e as mulheres boas. O clube terá sido um sucesso, se as ideias republicanas não eram tão apelativas, seriam apelativos os programas dessas noites.
Todos eram iguais perante a sopa, o copo e as makavenkas e nenhum podia namoriscar com a mesma por mais de 15 dias. Findo este período ela seria declarada "praça aberta" e ele, se insistisse, levava o título de "lamechas" e a intimação para pôr fim ao relacionamento em 24 horas.
Em conversas casuais, já me descreveram situações algo semelhantes nas actuais máquinas partidárias... ou seja, na sua vertente de clubes de prestações de serviços, teriam necessidade de recorrer aos préstimos dos mais valiosos colaboradores da noite, entre outros, porteiros de bares, discotecas, ou simples proxenetas. Ao fim de alguns anos, ficavam influentes na concelhia do partido, depois na distrital, e com alguma discrição poderiam até passar a figuras públicas. Objectivamente, são precisos operacionais para este tipo de assuntos mais mundanos, que fazem parte do arregimentar de vontades que movem as organizações. Se o Clube Makavenko já não existe, as vontades não desaparecem, e acabam por levar à existência de clubes similares, festas "bunga-bunga", talvez com protagonistas mais envergonhados que Berlusconi ou Grandella.

Interessante é o símbolo da organização. Diz-se no artigo do Expresso que Grandella usara o moto de Edward III, que ornamenta a Ordem da Jarreteira: "Honi soit qui mal y pense"... pois, maldito quem pensasse mal da liga que caíra à dama que entrara na dança de Edward III, transportava-se no final do Séc. XIX, princípio do Séc. XX, para as ligas das makavenkas.

De dois filhos de Eduardo III, John de Gaunt e Edmund Langley, aparecem duas rosas. A vermelha da Casa de Lancaster e a branca da Casa de York, que vão levar à famosa Guerra das Rosas. Apesar de York ter inspirado a substituição de Nova Amsterdão em Nova York, e Langley ser hoje a sede da CIA, não é pelo lado branco do "rosário" que seguiremos.
O símbolo da rosa vermelha era da Casa de Lancaster, e foi adoptado por muitos Partidos Socialistas, no final do Séc. XX. Em Portugal também, tendo acabado por substituir o símbolo de "punho cerrado" que caracterizou o PS. 
O que é curioso é que vamos encontrar esse "punho-cerrado" no símbolo dos Makavenkos, de forma tão similar como podemos vislumbrar na figura seguinte: 
O PS sempre afirmou o seu legado republicano, e é conhecida a grande identificação ao Grande Oriente Lusitano, a mais antiga organização maçónica portuguesa. Nesses pontos estava em comunhão com o Clube fundado por Grandella, seguia-se a rosa vermelha que remete à Casa de Lancaster, e à Ordem da Jarrateira, coincidindo no moto escolhido por Grandella.
Tudo coincidências? Possivelmente, alguém quererá dizer... porém fica um bocadito mais difícil de aceitar tal coincidência, quando temos um punho-cerrado que se insere bem no círculo de fundo escuro dos makavenkos

Mas isto acontece só com o PS? 
Aqui o leitor vai compreender que apenas posso trabalhar com o material que encontro, a maioria das vezes acidentalmente. Não se trata de opção política, trata-se de opção informativa. Esta associação do símbolo do PS ao clube de luxúria dos Makavenkos é puramente acidental, a filiação política que ambos partilharam, pois isso acrescenta algo mais que um simples acidente no logotipo.
Há antigos símbolos na heráldica que usam um braço (Guerreiro, Horta, Macedo, ...), mas não apenas uma mão fechada... uma espécie de "bate-punho"!
Poderíamos dissertar sobre as setas do PSD, lembrando-nos do selo dos EUA, em que a águia segura 13 setas (eram 13 as colónias-estados originais), mas não há comparação em termos de associação.

Agora, como é óbvio, os partidos reflectem uma forma de poder, mesmo aqueles que aparentemente estão no contra-poder. Sobre o arco-governativo temos experiência ao longo destas décadas, sabemos dos seus compromissos e vícios. Se há um lado mais ligado a esta faceta da maçonaria explícita, há outro lado que se evidencia por ligações mais antigas, aristocráticas. No entanto, convém notar que a face visível remete para uma aristocracia estabelecida essencialmente no final do Séc. XIX. Não se trata das velhas casas aristocráticas... essas submergiram de visibilidade, especialmente após o liberalismo de D. Pedro IV, e da derrota de D. Miguel. Curiosamente, dessa aristocracia antiga, só a Casa Real de Bragança não conseguia evitar o protagonismo que lhe era imposto constitucionalmente... os novos barões, viscondes, esses emergiam politicamente, promovidos pelo regime de burguesia a pequena aristocracia.
No final do Séc. XIX, princípio do Séc. XX, a oligarquia lisboeta que dominava a vida pública aumentava de número e de vícios... o que obviamente levaram a gastos de compromisso, em subsídios, comendas, que arruinaram as finanças públicas e levaram o país à bancarrota de 1896.

Como diria Almeida Garrett: "foge cão que te fazem barão... para onde, se me fazem visconde?" 
Até às migrações provincianas, saloias, que trouxeram uma nova plebe para a região lisboeta, dificilmente já se encontraria alguém na capital que não soubesse traçar convenientemente a sua origem a algum resquício de nobreza, com o intuito de que o nome de família lhe trouxesse vantagem, pelo velho expediente da "cunha".

Nada disso desapareceu, a prole aumentou, teve novos protagonistas. Os expedientes de subsídios, de oportunidades de negócio fabricados por legislação conveniente, de comendas, de pensões, subvenções, etc... de tudo isso passou o Estado a ser devedor, para manter silenciada e satisfeita a enorme prole, resultante de um alargamento da pseudo-aristocracia lisboeta. 
Todos os tostões que se gastam na subsídio-dependência social do Rendimento Mínimo Garantido fazem falta aos outros protagonistas, não apenas a uma oligarquia que procura Rendimento Máximo Garantido, através de negócios privilegiados, mas toda uma plebe de servidores que inveja o mesmo estatuto.

Damos apenas um exemplo ilustrativo... Francisco Joaquim Ferreira do Amaral foi um dos últimos primeiro-ministros monárquicos, e passou do serviço a D. Manuel II para o clube republicano dos Makavenkos, sendo mesmo conhecido como "o Makavenko". Certamente por mera coincidência viemos a ter um político com nome similar, Joaquim Ferreira do Amaral que, após ser Ministro das Obras Públicas (PSD) teve a "sorte" de ser nomeado como administrador da Lusoponte, afinal a empresa que quem foi dado o monopólio das ligações viárias sobre o Tejo. É sabido que os rendimentos de tal negociata são astronómicos.

Há muito que o tecido produtivo foi minado pela verborreia legislativa que entope tribunais.
Por um lado, as leis servem a classe instalada, que procura proteger monopólios e manter impunidades. Por outro lado, as novas ideias, sendo mesmo novas, não podem ser executadas, por ausência de legislação. Tudo precisa de regulamentos, para regular os lamentos instalados, que evitam produção de nova riqueza, o aparecimento de novos ricos, sem a devida autorização e benção das antigas famílias.
As oportunidades de negócio são decretadas por leis feitas nos tradicionais escritórios de advocacia, com as devidas vírgulas que permitem assegurar que a oligarquia se mantém fechada à novidade. A isto acrescem anos de contactos privilegiados entre famílias, que podendo ser rivais, sabem unir-se para sobreviver, e evitar novas ameaças à negociata instalada. 
Quem quiser entra curvado para servir o sistema, quem não quiser fica fora do negócio... e neste tipo de sociedade, tudo não passa de um negócio, porque sempre se habituaram a vergar tudo e todos a essa lógica de ganhos e perdas. 
Há quem não alinhe... claro, há sempre, mas o número é residual, e podem ser ignorados. Aliás, até interessa que existam, e que se mostrem, para apimentar o tédio da corte instalada. Nesta perspectiva, tal como cristãos lançados aos leões, a sua impotência serve para mostrar aos espectadores a inutilidade da resistência perante o poder do império.

Quanto ao nome "Macavencos" é curiosa a explicação dada no artigo do Expresso:
É, aliás, da autoria do despenseiro, por vezes cozinheiro, a explicação 'científica' do nome da sociedade... inventado por Grandella: um povo de origem asiática, das ilhas Curilas, que já habitara na península ibérica, no que é hoje Portugal e no País Basco, muito antes dos gregos, "antes do desaparecimento da Atlântida e tinham uma seita que professava uma espécie de culto pela mulher esbelta, mundana, com quem conviviam e protegiam aproveitando-a mesmo para fins de utilidade geral".
... sim, porque é sempre conveniente dar um toque mítico a este tipo de sociedades, para que haja um qualquer refúgio espiritual num mundo construído por oposição à espiritualidade. Mas, dada a natureza dos intervenientes, é de considerar que o nome fosse apenas uma chalaça silábica de conotação sexual. Acabou por entrar no léxico - macavenco é sinónimo de excentricidade.

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publicado às 05:00

Ao fim de muito tempo, vi ontem, pela primeira vez em televisão, alguém referir-se à descoberta do Brasil em 1498 por Duarte Pacheco Pereira. Quem o fez foi Miguel Sousa Tavares, respondendo à pergunta final num programa da SIC-Notícias, chamado "Conversas Improváveis".

O incidente é isolado e nada tem de especial, para além de ir completamente contra a versão oficial, que atribui o relato de descoberta à viagem de Pedro Álvares Cabral em 1500.
A tese deveria ser largamente conhecida desde a publicação do Esmeraldo de Situ Orbis em 1892, por Raphael Basto, conservador da Torre do Tombo. Mais conhecida ainda quando Jorge Couto em 1995 sustentou a tese dessa descoberta anterior, com documentação adicional. Jorge Couto é uma figura reconhecida, tendo sido presidente do Instituto Camões e director da Biblioteca Nacional (2005-2011).
No entanto, apesar disso, que eu saiba, a tese de 1500 nunca foi beliscada em comunicações públicas, para uma larga plateia, por exemplo em televisão. Assim, a demonstração por Jorge Couto da viagem de Duarte Pacheco Pereira, em 1498, passa ao lado do folclore oficial, e de todo o comentário ou discussão, ao longo dos últimos 20 anos. Nada de estranhar, pois já teria passado ao lado da discussão do grande público durante todo o Séc. XX. Afinal, passam já 120 anos desde a publicação por Raphael Basto, que confrontou dois exemplares do Esmeraldo de Situ Orbis. Os exemplares estavam incompletos, sem nenhum dos 16 mapas (vistos na biblioteca dos Marqueses de Abrantes), e aparentemente em Setembro de 1844, para além da lei sobre funerais que originou depois a Revolta da Maria da Fonte, também houve uma portaria que retirou o livro da Biblioteca de Évora.
O detalhe da descoberta do Brasil em 1498, inscrito no livro, não passou obviamente despercebido, pois é referido pelo próprio inspector em 1891, na primeira página.

A afirmação que Duarte Pacheco Pereira dirige a D. Manuel é esta:
(...) alem do que dito é, a experiência que é madre das coisas nos desengana & de toda duvida nos tira & portanto bem aventurado Principe temos sabido & visto como no terceiro ano de vosso Reinado do ano de nosso senhor de mil quatrocentos noventa & oito donde nos vossa alteza mandou descobrir a parte ocidental passando alem a grandeza do mar oceano onde é achada & navegada uma tão grande terra firme com muitas & grandes ilhas adjacentes a ela que se estende a setenta graus de ladeza da linha equinocial contra o polo artico  & posto que seja assaz fora é grandemente pauorada, & do mesmo circulo equinocial toma outra vez & vai além em vinte & oito graus & meio de ladeza contra o polo antartico (...)

Fica completamente claro que Duarte Pacheco Pereira ao referir-se a uma extensão de terra firme que vai da latitude 70ºN (Gronelândia, Norte do Canadá) a 28ºS (Rio Grande do Sul, Brasil), dá logo no ano de 1506 uma informação demasiado detalhada sobre o que se conhecia da América. Aliás, dá informações precisas sobre a parte da América que estaria destinada dentro do Hemisfério português, de acordo com o Tratado de Tordesilhas. Isto praticamente mostra que o conhecimento do continente americano era completo, antes mesmo do nome América ter sido associado a Alberico Vespúcio. Dizer que 1498 é a data da primeira viagem ao Brasil apenas peca por ser tão escasso quanto tudo o que esconde essa afirmação e que Duarte Pacheco Pereira revela.

Quando falei do Esmeraldo de Situ Orbis, em 17 de Dezembro de 2009, no Knol da Google, escrevi o seguinte:

Duarte Pacheco Pereira não tem problema em atribuir navegações, para o contorno costeiro de África - aos gregos e fenícios... e até se atribuem navegações atlânticas aos fenícios!
Porquê?... porque isso não era nada, comparado com as navegações nacionais!
Duarte Pacheco Pereira, no seu "Esmeraldo de Situ Orbis", é bastante claro a esse respeito... mas também diz que teve o cuidado de preparar essa obra convenientemente, pois D. Manuel quereria "fiar-se" do que iria escrever... e, mesmo assim, a obra esteve perdida até ao Séc. XIX.
Tem um pequeno descuido, onde diz explicitamente que navegou para o Brasil, a mando de D. Manuel em 1498, mas isso é um detalhe sem qualquer importância, face a tudo o resto que nos consegue dizer - para quem o queira ler a sério!

Nessa altura procurei ligar a descrição da Costa de África à descrição da Costa Americana
Paralelismo África-América (Tese de Alvor-Silves, Dezembro 2009)

Vim na altura a saber (pelo José Manuel-CH) que a Duquesa de Medina-Sidonia, Luisa Alvarez de Toledo tinha argumentado no mesmo sentido no livro Africa versus America.

Provavelmente, caso fosse hoje, nem teria escrito nada acerca desse paralelismo... simplesmente porque é difícil sustentar a tese baseando-nos apenas na leitura de textos antigos, já que facilmente se poderá contra-argumentar que se tratam de coincidências interpretativas, sem usar outras provas.
Se usei aqui muitas interpretações, e fui avançando com diversas possibilidades, elas foram sendo sustentadas cada vez mais em citações literais, e factos documentais. Inicialmente não fazia ideia de que existisse tanta matéria "escondida com o rabo de fora", e por isso ainda procurava estabelecer relações fugazes, que pouco a pouco deixaram de ser fugazes... 

Quebrada a confiança com o conhecimento oficial, aquilo que escrevi sofre de toda a incerteza sobre as fontes e sobre a interpretação que fazemos delas. As diversas hipóteses que fui escrevendo resultam de tentativas parciais de encontrar nexo lógico, sem desacreditar tudo o que nos foi transmitido. O formato de blog tem a vantagem de não pretender ser mais do que uma interpretação escrita naquela data, em face da conjugação dos diversos dados acumulados, procurando focar mais no nexo lógico global do que no detalhes contraditórios.
Afinal, o que podemos saber resulta apenas do que nos é dado a saber... nada mais do que isso.
A maioria dos textos a que temos acesso é posterior à Idade Média, e muito tempo terá havido para definir o conhecimento que se divulgaria e o que iria ser ocultado. O povo nasce órfão de informação antiga... mal conhecemos os nomes dos trisavós, e poucas famílias passaram no seu seio histórias anteriores ao Séc. XIX. A partir daí fica só a confiança na cultura comum aprendida na escola formadora de mentes... Mesmo sobre monumentos/livros, devemos contar com reconstruções/ reedições, com a boa-fé dos criadores/autores, etc.
Quebrada a confiança, a grande certeza é a incerteza... e se dela não se livra o povo, órfão de antigos legados familiares, também não estarão muito mais seguros os depositários de conhecimento mais antigo. Afinal, têm que contar que a informação nunca foi alterada, coisa algo difícil de assumir mesmo em casas reais europeias, cujo legado teve múltiplas oscilações, e dificilmente chega ao Séc. X d.C. Indo mais longe, o registo perde-se nos legados religiosos. 
De qualquer forma, esquecendo o encobrimento nas descobertas arqueológicas, não há aparentemente um registo fiável para além das civilizações egípcias ou mesopotâmicas... como se os nossos anteriores antepassados nada nos tivessem querido deixar de importante. 
E, no entanto, em todos os povos parece ter havido a necessidade de transmitir um legado, não tanto uma história factual, mas antes uma tradição cultural religiosa, cujo significado primeiro se perdeu. A excepção parece ser a tradição hebraica, já que o Velho Testamento engloba também uma história do povo.
Vemos assim que o conhecimento que foi passando, não apagado entre gerações, foi uma mensagem religiosa autorizada. As histórias de heróis deveriam ser igualmente populares, mas retirando personagens divinos, poucas ficaram nos mitos, e talvez Hércules seja a excepção humana.
As novas gerações nasciam com conhecimento restrito, com pouco mais do que recebiam dos pais,  quase ignorando os avós. Quando isso acontece a evolução é normalmente pequena, e os jovens arriscam a fazer apenas uma repetição do percurso dos progenitores, sem acumular inovação no conhecimento. Isso seria tanto mais efectivo quanto as imposições religiosas visassem condicionar o progresso do conhecimento. A motivação poderia ser simplesmente manter o maior conhecimento na pequena elite reinante, para facilitar o controlo. No entanto, essa estagnação cultural funciona localmente, permite manter uma elite tribal, pelas condicionantes e proibições, mas não aguenta o embate com outra civilização em que o progresso de conhecimento seja mais valorizado e generalizado. Basta ver que em pouco mais de 200 anos de difusão de conhecimento, passámos de carruagens para aviões e foguetões....
Na tentativa de preservar a ordem, mantendo a habitual distância entre o conhecimento da elite e o conhecimento popular, compromete-se o progresso e a sociedade cairá no vício de estagnação, alimentado por sucessivas imposições e proibições, tal como nas primitivas sociedades tribais condicionadas pela religiosidade e tradição cultural fechada.

No santuário de Delfos haveria a inscrição "conhece-te a ti mesmo"... e sem dúvida que esse é o primeiro passo do homem, mas depois deve ser aplicado aos homens em conjunto, na sua unidade de conhecimento. 
Enquanto não percebermos o que fomos, o que nos condicionou e condiciona, dificilmente podemos definir o que devemos ser, funcionando como uma hidra insana... com múltiplas cabeças não coordenadas, competindo pelo controlo do mesmo corpo.
Temos até um exemplo interno... se os nossos hemisférios cerebrais direito e esquerdo funcionassem isoladamente e competitivamente, desconfiando um do outro, mentindo um ao outro... alguma vez teríamos tido sucesso enquanto organismo?

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publicado às 04:43

Ao fim de muito tempo, vi ontem, pela primeira vez em televisão, alguém referir-se à descoberta do Brasil em 1498 por Duarte Pacheco Pereira. Quem o fez foi Miguel Sousa Tavares, respondendo à pergunta final num programa da SIC-Notícias, chamado "Conversas Improváveis".

O incidente é isolado e nada tem de especial, para além de ir completamente contra a versão oficial, que atribui o relato de descoberta à viagem de Pedro Álvares Cabral em 1500.
A tese deveria ser largamente conhecida desde a publicação do Esmeraldo de Situ Orbis em 1892, por Raphael Basto, conservador da Torre do Tombo. Mais conhecida ainda quando Jorge Couto em 1995 sustentou a tese dessa descoberta anterior, com documentação adicional. Jorge Couto é uma figura reconhecida, tendo sido presidente do Instituto Camões e director da Biblioteca Nacional (2005-2011).
No entanto, apesar disso, que eu saiba, a tese de 1500 nunca foi beliscada em comunicações públicas, para uma larga plateia, por exemplo em televisão. Assim, a demonstração por Jorge Couto da viagem de Duarte Pacheco Pereira, em 1498, passa ao lado do folclore oficial, e de todo o comentário ou discussão, ao longo dos últimos 20 anos. Nada de estranhar, pois já teria passado ao lado da discussão do grande público durante todo o Séc. XX. Afinal, passam já 120 anos desde a publicação por Raphael Basto, que confrontou dois exemplares do Esmeraldo de Situ Orbis. Os exemplares estavam incompletos, sem nenhum dos 16 mapas (vistos na biblioteca dos Marqueses de Abrantes), e aparentemente em Setembro de 1844, para além da lei sobre funerais que originou depois a Revolta da Maria da Fonte, também houve uma portaria que retirou o livro da Biblioteca de Évora.
O detalhe da descoberta do Brasil em 1498, inscrito no livro, não passou obviamente despercebido, pois é referido pelo próprio inspector em 1891, na primeira página.

A afirmação que Duarte Pacheco Pereira dirige a D. Manuel é esta:
(...) alem do que dito é, a experiência que é madre das coisas nos desengana & de toda duvida nos tira & portanto bem aventurado Principe temos sabido & visto como no terceiro ano de vosso Reinado do ano de nosso senhor de mil quatrocentos noventa & oito donde nos vossa alteza mandou descobrir a parte ocidental passando alem a grandeza do mar oceano onde é achada & navegada uma tão grande terra firme com muitas & grandes ilhas adjacentes a ela que se estende a setenta graus de ladeza da linha equinocial contra o polo artico  & posto que seja assaz fora é grandemente pauorada, & do mesmo circulo equinocial toma outra vez & vai além em vinte & oito graus & meio de ladeza contra o polo antartico (...)

Fica completamente claro que Duarte Pacheco Pereira ao referir-se a uma extensão de terra firme que vai da latitude 70ºN (Gronelândia, Norte do Canadá) a 28ºS (Rio Grande do Sul, Brasil), dá logo no ano de 1506 uma informação demasiado detalhada sobre o que se conhecia da América. Aliás, dá informações precisas sobre a parte da América que estaria destinada dentro do Hemisfério português, de acordo com o Tratado de Tordesilhas. Isto praticamente mostra que o conhecimento do continente americano era completo, antes mesmo do nome América ter sido associado a Alberico Vespúcio. Dizer que 1498 é a data da primeira viagem ao Brasil apenas peca por ser tão escasso quanto tudo o que esconde essa afirmação e que Duarte Pacheco Pereira revela.

Quando falei do Esmeraldo de Situ Orbis, em 17 de Dezembro de 2009, no Knol da Google, escrevi o seguinte:

Duarte Pacheco Pereira não tem problema em atribuir navegações, para o contorno costeiro de África - aos gregos e fenícios... e até se atribuem navegações atlânticas aos fenícios!
Porquê?... porque isso não era nada, comparado com as navegações nacionais!
Duarte Pacheco Pereira, no seu "Esmeraldo de Situ Orbis", é bastante claro a esse respeito... mas também diz que teve o cuidado de preparar essa obra convenientemente, pois D. Manuel quereria "fiar-se" do que iria escrever... e, mesmo assim, a obra esteve perdida até ao Séc. XIX.
Tem um pequeno descuido, onde diz explicitamente que navegou para o Brasil, a mando de D. Manuel em 1498, mas isso é um detalhe sem qualquer importância, face a tudo o resto que nos consegue dizer - para quem o queira ler a sério!

Nessa altura procurei ligar a descrição da Costa de África à descrição da Costa Americana
Paralelismo África-América (Tese de Alvor-Silves, Dezembro 2009)

Vim na altura a saber (pelo José Manuel-CH) que a Duquesa de Medina-Sidonia, Luisa Alvarez de Toledo tinha argumentado no mesmo sentido no livro Africa versus America.

Provavelmente, caso fosse hoje, nem teria escrito nada acerca desse paralelismo... simplesmente porque é difícil sustentar a tese baseando-nos apenas na leitura de textos antigos, já que facilmente se poderá contra-argumentar que se tratam de coincidências interpretativas, sem usar outras provas.
Se usei aqui muitas interpretações, e fui avançando com diversas possibilidades, elas foram sendo sustentadas cada vez mais em citações literais, e factos documentais. Inicialmente não fazia ideia de que existisse tanta matéria "escondida com o rabo de fora", e por isso ainda procurava estabelecer relações fugazes, que pouco a pouco deixaram de ser fugazes... 

Quebrada a confiança com o conhecimento oficial, aquilo que escrevi sofre de toda a incerteza sobre as fontes e sobre a interpretação que fazemos delas. As diversas hipóteses que fui escrevendo resultam de tentativas parciais de encontrar nexo lógico, sem desacreditar tudo o que nos foi transmitido. O formato de blog tem a vantagem de não pretender ser mais do que uma interpretação escrita naquela data, em face da conjugação dos diversos dados acumulados, procurando focar mais no nexo lógico global do que no detalhes contraditórios.
Afinal, o que podemos saber resulta apenas do que nos é dado a saber... nada mais do que isso.
A maioria dos textos a que temos acesso é posterior à Idade Média, e muito tempo terá havido para definir o conhecimento que se divulgaria e o que iria ser ocultado. O povo nasce órfão de informação antiga... mal conhecemos os nomes dos trisavós, e poucas famílias passaram no seu seio histórias anteriores ao Séc. XIX. A partir daí fica só a confiança na cultura comum aprendida na escola formadora de mentes... Mesmo sobre monumentos/livros, devemos contar com reconstruções/ reedições, com a boa-fé dos criadores/autores, etc.
Quebrada a confiança, a grande certeza é a incerteza... e se dela não se livra o povo, órfão de antigos legados familiares, também não estarão muito mais seguros os depositários de conhecimento mais antigo. Afinal, têm que contar que a informação nunca foi alterada, coisa algo difícil de assumir mesmo em casas reais europeias, cujo legado teve múltiplas oscilações, e dificilmente chega ao Séc. X d.C. Indo mais longe, o registo perde-se nos legados religiosos. 
De qualquer forma, esquecendo o encobrimento nas descobertas arqueológicas, não há aparentemente um registo fiável para além das civilizações egípcias ou mesopotâmicas... como se os nossos anteriores antepassados nada nos tivessem querido deixar de importante. 
E, no entanto, em todos os povos parece ter havido a necessidade de transmitir um legado, não tanto uma história factual, mas antes uma tradição cultural religiosa, cujo significado primeiro se perdeu. A excepção parece ser a tradição hebraica, já que o Velho Testamento engloba também uma história do povo.
Vemos assim que o conhecimento que foi passando, não apagado entre gerações, foi uma mensagem religiosa autorizada. As histórias de heróis deveriam ser igualmente populares, mas retirando personagens divinos, poucas ficaram nos mitos, e talvez Hércules seja a excepção humana.
As novas gerações nasciam com conhecimento restrito, com pouco mais do que recebiam dos pais,  quase ignorando os avós. Quando isso acontece a evolução é normalmente pequena, e os jovens arriscam a fazer apenas uma repetição do percurso dos progenitores, sem acumular inovação no conhecimento. Isso seria tanto mais efectivo quanto as imposições religiosas visassem condicionar o progresso do conhecimento. A motivação poderia ser simplesmente manter o maior conhecimento na pequena elite reinante, para facilitar o controlo. No entanto, essa estagnação cultural funciona localmente, permite manter uma elite tribal, pelas condicionantes e proibições, mas não aguenta o embate com outra civilização em que o progresso de conhecimento seja mais valorizado e generalizado. Basta ver que em pouco mais de 200 anos de difusão de conhecimento, passámos de carruagens para aviões e foguetões....
Na tentativa de preservar a ordem, mantendo a habitual distância entre o conhecimento da elite e o conhecimento popular, compromete-se o progresso e a sociedade cairá no vício de estagnação, alimentado por sucessivas imposições e proibições, tal como nas primitivas sociedades tribais condicionadas pela religiosidade e tradição cultural fechada.

No santuário de Delfos haveria a inscrição "conhece-te a ti mesmo"... e sem dúvida que esse é o primeiro passo do homem, mas depois deve ser aplicado aos homens em conjunto, na sua unidade de conhecimento. 
Enquanto não percebermos o que fomos, o que nos condicionou e condiciona, dificilmente podemos definir o que devemos ser, funcionando como uma hidra insana... com múltiplas cabeças não coordenadas, competindo pelo controlo do mesmo corpo.
Temos até um exemplo interno... se os nossos hemisférios cerebrais direito e esquerdo funcionassem isoladamente e competitivamente, desconfiando um do outro, mentindo um ao outro... alguma vez teríamos tido sucesso enquanto organismo?

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 04:43

Ao fim de muito tempo, vi ontem, pela primeira vez em televisão, alguém referir-se à descoberta do Brasil em 1498 por Duarte Pacheco Pereira. Quem o fez foi Miguel Sousa Tavares, respondendo à pergunta final num programa da SIC-Notícias, chamado "Conversas Improváveis".

O incidente é isolado e nada tem de especial, para além de ir completamente contra a versão oficial, que atribui o relato de descoberta à viagem de Pedro Álvares Cabral em 1500.
A tese deveria ser largamente conhecida desde a publicação do Esmeraldo de Situ Orbis em 1892, por Raphael Basto, conservador da Torre do Tombo. Mais conhecida ainda quando Jorge Couto em 1995 sustentou a tese dessa descoberta anterior, com documentação adicional. Jorge Couto é uma figura reconhecida, tendo sido presidente do Instituto Camões e director da Biblioteca Nacional (2005-2011).
No entanto, apesar disso, que eu saiba, a tese de 1500 nunca foi beliscada em comunicações públicas, para uma larga plateia, por exemplo em televisão. Assim, a demonstração por Jorge Couto da viagem de Duarte Pacheco Pereira, em 1498, passa ao lado do folclore oficial, e de todo o comentário ou discussão, ao longo dos últimos 20 anos. Nada de estranhar, pois já teria passado ao lado da discussão do grande público durante todo o Séc. XX. Afinal, passam já 120 anos desde a publicação por Raphael Basto, que confrontou dois exemplares do Esmeraldo de Situ Orbis. Os exemplares estavam incompletos, sem nenhum dos 16 mapas (vistos na biblioteca dos Marqueses de Abrantes), e aparentemente em Setembro de 1844, para além da lei sobre funerais que originou depois a Revolta da Maria da Fonte, também houve uma portaria que retirou o livro da Biblioteca de Évora.
O detalhe da descoberta do Brasil em 1498, inscrito no livro, não passou obviamente despercebido, pois é referido pelo próprio inspector em 1891, na primeira página.

A afirmação que Duarte Pacheco Pereira dirige a D. Manuel é esta:
(...) alem do que dito é, a experiência que é madre das coisas nos desengana & de toda duvida nos tira & portanto bem aventurado Principe temos sabido & visto como no terceiro ano de vosso Reinado do ano de nosso senhor de mil quatrocentos noventa & oito donde nos vossa alteza mandou descobrir a parte ocidental passando alem a grandeza do mar oceano onde é achada & navegada uma tão grande terra firme com muitas & grandes ilhas adjacentes a ela que se estende a setenta graus de ladeza da linha equinocial contra o polo artico  & posto que seja assaz fora é grandemente pauorada, & do mesmo circulo equinocial toma outra vez & vai além em vinte & oito graus & meio de ladeza contra o polo antartico (...)

Fica completamente claro que Duarte Pacheco Pereira ao referir-se a uma extensão de terra firme que vai da latitude 70ºN (Gronelândia, Norte do Canadá) a 28ºS (Rio Grande do Sul, Brasil), dá logo no ano de 1506 uma informação demasiado detalhada sobre o que se conhecia da América. Aliás, dá informações precisas sobre a parte da América que estaria destinada dentro do Hemisfério português, de acordo com o Tratado de Tordesilhas. Isto praticamente mostra que o conhecimento do continente americano era completo, antes mesmo do nome América ter sido associado a Alberico Vespúcio. Dizer que 1498 é a data da primeira viagem ao Brasil apenas peca por ser tão escasso quanto tudo o que esconde essa afirmação e que Duarte Pacheco Pereira revela.

Quando falei do Esmeraldo de Situ Orbis, em 17 de Dezembro de 2009, no Knol da Google, escrevi o seguinte:

Duarte Pacheco Pereira não tem problema em atribuir navegações, para o contorno costeiro de África - aos gregos e fenícios... e até se atribuem navegações atlânticas aos fenícios!
Porquê?... porque isso não era nada, comparado com as navegações nacionais!
Duarte Pacheco Pereira, no seu "Esmeraldo de Situ Orbis", é bastante claro a esse respeito... mas também diz que teve o cuidado de preparar essa obra convenientemente, pois D. Manuel quereria "fiar-se" do que iria escrever... e, mesmo assim, a obra esteve perdida até ao Séc. XIX.
Tem um pequeno descuido, onde diz explicitamente que navegou para o Brasil, a mando de D. Manuel em 1498, mas isso é um detalhe sem qualquer importância, face a tudo o resto que nos consegue dizer - para quem o queira ler a sério!

Nessa altura procurei ligar a descrição da Costa de África à descrição da Costa Americana
Paralelismo África-América (Tese de Alvor-Silves, Dezembro 2009)

Vim na altura a saber (pelo José Manuel-CH) que a Duquesa de Medina-Sidonia, Luisa Alvarez de Toledo tinha argumentado no mesmo sentido no livro Africa versus America.

Provavelmente, caso fosse hoje, nem teria escrito nada acerca desse paralelismo... simplesmente porque é difícil sustentar a tese baseando-nos apenas na leitura de textos antigos, já que facilmente se poderá contra-argumentar que se tratam de coincidências interpretativas, sem usar outras provas.
Se usei aqui muitas interpretações, e fui avançando com diversas possibilidades, elas foram sendo sustentadas cada vez mais em citações literais, e factos documentais. Inicialmente não fazia ideia de que existisse tanta matéria "escondida com o rabo de fora", e por isso ainda procurava estabelecer relações fugazes, que pouco a pouco deixaram de ser fugazes... 

Quebrada a confiança com o conhecimento oficial, aquilo que escrevi sofre de toda a incerteza sobre as fontes e sobre a interpretação que fazemos delas. As diversas hipóteses que fui escrevendo resultam de tentativas parciais de encontrar nexo lógico, sem desacreditar tudo o que nos foi transmitido. O formato de blog tem a vantagem de não pretender ser mais do que uma interpretação escrita naquela data, em face da conjugação dos diversos dados acumulados, procurando focar mais no nexo lógico global do que no detalhes contraditórios.
Afinal, o que podemos saber resulta apenas do que nos é dado a saber... nada mais do que isso.
A maioria dos textos a que temos acesso é posterior à Idade Média, e muito tempo terá havido para definir o conhecimento que se divulgaria e o que iria ser ocultado. O povo nasce órfão de informação antiga... mal conhecemos os nomes dos trisavós, e poucas famílias passaram no seu seio histórias anteriores ao Séc. XIX. A partir daí fica só a confiança na cultura comum aprendida na escola formadora de mentes... Mesmo sobre monumentos/livros, devemos contar com reconstruções/ reedições, com a boa-fé dos criadores/autores, etc.
Quebrada a confiança, a grande certeza é a incerteza... e se dela não se livra o povo, órfão de antigos legados familiares, também não estarão muito mais seguros os depositários de conhecimento mais antigo. Afinal, têm que contar que a informação nunca foi alterada, coisa algo difícil de assumir mesmo em casas reais europeias, cujo legado teve múltiplas oscilações, e dificilmente chega ao Séc. X d.C. Indo mais longe, o registo perde-se nos legados religiosos. 
De qualquer forma, esquecendo o encobrimento nas descobertas arqueológicas, não há aparentemente um registo fiável para além das civilizações egípcias ou mesopotâmicas... como se os nossos anteriores antepassados nada nos tivessem querido deixar de importante. 
E, no entanto, em todos os povos parece ter havido a necessidade de transmitir um legado, não tanto uma história factual, mas antes uma tradição cultural religiosa, cujo significado primeiro se perdeu. A excepção parece ser a tradição hebraica, já que o Velho Testamento engloba também uma história do povo.
Vemos assim que o conhecimento que foi passando, não apagado entre gerações, foi uma mensagem religiosa autorizada. As histórias de heróis deveriam ser igualmente populares, mas retirando personagens divinos, poucas ficaram nos mitos, e talvez Hércules seja a excepção humana.
As novas gerações nasciam com conhecimento restrito, com pouco mais do que recebiam dos pais,  quase ignorando os avós. Quando isso acontece a evolução é normalmente pequena, e os jovens arriscam a fazer apenas uma repetição do percurso dos progenitores, sem acumular inovação no conhecimento. Isso seria tanto mais efectivo quanto as imposições religiosas visassem condicionar o progresso do conhecimento. A motivação poderia ser simplesmente manter o maior conhecimento na pequena elite reinante, para facilitar o controlo. No entanto, essa estagnação cultural funciona localmente, permite manter uma elite tribal, pelas condicionantes e proibições, mas não aguenta o embate com outra civilização em que o progresso de conhecimento seja mais valorizado e generalizado. Basta ver que em pouco mais de 200 anos de difusão de conhecimento, passámos de carruagens para aviões e foguetões....
Na tentativa de preservar a ordem, mantendo a habitual distância entre o conhecimento da elite e o conhecimento popular, compromete-se o progresso e a sociedade cairá no vício de estagnação, alimentado por sucessivas imposições e proibições, tal como nas primitivas sociedades tribais condicionadas pela religiosidade e tradição cultural fechada.

No santuário de Delfos haveria a inscrição "conhece-te a ti mesmo"... e sem dúvida que esse é o primeiro passo do homem, mas depois deve ser aplicado aos homens em conjunto, na sua unidade de conhecimento. 
Enquanto não percebermos o que fomos, o que nos condicionou e condiciona, dificilmente podemos definir o que devemos ser, funcionando como uma hidra insana... com múltiplas cabeças não coordenadas, competindo pelo controlo do mesmo corpo.
Temos até um exemplo interno... se os nossos hemisférios cerebrais direito e esquerdo funcionassem isoladamente e competitivamente, desconfiando um do outro, mentindo um ao outro... alguma vez teríamos tido sucesso enquanto organismo?

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 20:43

[reeditado e terminado em 8 de Outubro de 2011]

Não tinha pensado apresentar um texto sobre os 101 anos da implantação da República Portuguesa, mas junto pequenos detalhes que me mereceram alguma atenção.

O primeiro desses detalhes, é o excelente documentário, feito a propósito do centenário: 
"Maçonaria, a conspiração da República", de João Osório, 

Uma figura central da Revolução de 5 de Outubro, é aí bem identificada - Machado Santos, o jovem romântico, à frente das tropas populares da Carbonária, estacionadas na Rotunda.

No entanto, como é claro nestas coisas... uma coisa é ter um papel decisivo, outra coisa é obter o devido reconhecimento. Uma coisa é garantir a vitória militar na Rotunda, outra coisa diferente é determinar que afinal o momento da Implantação da República são uns gritos fotografados na varanda da Camâra de Lisboa:

 
(o elemento que parece ser Machado Santos, é afinal Marinha de Campos).

Os melhores heróis são os mortos... foi o caso do Dr. Miguel Bombarda e do Almirante Cândido dos Reis... todas as cidades viriam a ter uma rua com o nome estes personagens, cujo papel singular face aos restantes, terá sido o seu falecimento politicamente correcto - foram enterrados conjuntamente a 6 de Outubro de 1910.

Dos mortos não se esperam críticas à evolução do movimento... as críticas de Machado Santos.
Faltou, no documentário da RTP2, apontar o destino do herói da Rotunda... e bastava ligar a uma outra excelente mini-série da RTP: a Noite Sangrenta.
O destino de Machado Santos e José Carlos da Maia, heróis incómodos da implantação da República foi traçado pela "camioneta fantasma" que, na Noite Sangrenta de 19 de Outubro de 1921, levou para a execução estes antigos heróis da implantação da República, bem como o chefe de governo António Granjo e outros antigos apoiantes de Sidónio Pais.

Após 100 anos, houve finalmente um conjunto de informação transmitida pela RTP, e que tinha sido varrida para baixo do tapete republicano, que sufocou protagonistas, nomeando outros no seu lugar.
Após 100 anos, a informação ainda vem separada... há ainda receio de abrir os armários.
É fácil falar do apagamento de Trotsky nas fotos com Lenine, mas é complicado assumir que Machado Santos foi apagado nas fotos da República, e depois executado a mando de "desconhecidos" que organizam a Noite Sangrenta. Falar em "desconhecidos", ou acusar subalternos, é resultado da falha e condicionamento histórico.
Como contraposição à 2ª República de Salazar, desenvolveu-se uma mitologia própria de branqueamento da 1ª República, estratégia achada apropriada nas décadas pós-25 Abril, procurando definir um único monstro (Salazar) no conto de fadas republicano.
O número de protagonistas assassinados na 1ª República excedeu largamente os do Estado Novo, já para não falar da Monarquia Constitucional. Nos bastidores do "partido único" dito "democrata" de Afonso Costa o que mais se temia eram os verdadeiros democratas, que iam pagando com a vida as suas iniciativas. Assim, quando se fala em partido único, ao tempo de Salazar, importa notar que a grande diferença face ao estado anterior, é que era um novo partido único assumido, e não um regime colorido com vários partidos, em que dominava o Partido Democrático, com poucas políticas assumidas e muitas acções radicais definidas nos bastidores.

Republicanos e maçonaria
É especialmente elucidativo o documentário da RTP2 ao estabelecer a interacção da Carbonária com a Maçonaria na execução do golpe republicano de 5 de Outubro.
Os líderes da Carbonária, no quais se inclui Machado Santos, estão ainda na Maçonaria, e assim de alguma forma o projecto maçónico parece aproveitar-se da estrutura popular da Carbonária, usando-a como um braço armado. Isso parece tanto mais notório pela auto-extinção da Carbonária nos momentos seguintes à revolução. Se a maçonaria aparecia como elitista, era pragmático desenvolver uma estrutura auxiliar de interacção necessária à coordenação das forças populares. São essas forças da Carbonária acusadas da morte do rei D. Carlos, que aguentam a Rotunda, com Machado Santos à cabeça... ou seja, a estrutura que parece protagonizar o sucesso do golpe republicano desaparece com o sucesso da acção.

Porém, a acção é mais complexa, e a resistência de Machado Santos tem muito de simbólica, tal como a de Paiva Couceiro pelo lado oposto. São actores ocasionais que aparecem numa peça escrita nos bastidores. Acabam por aparecer como heróis isolados na luta simbólica que travaram na Rotunda. Irão repetir essa rivalidade no episódio da Monarquia do Norte, de 1919, que é uma reacção monárquica ao assassínio de Sidónio Pais.

O argumento já tinha sido escrito nos bastidores, e por isso Paiva Couceiro vê-se sozinho a defender uma monarquia moribunda. As deslocações do grão-mestre da Maçonaria, para garantir a não intervenção externa, inglesa e francesa, completam o ramalhete... Há uma organização que parece assim coordenar toda a acção, com influência em ambos os lados das tropas. Mas a organização tendo cariz maçónico não se confunde com a Maçonaria... o grão-mestre é candidato a Presidente da República, mas quem define a escolha é o Partido Republicano. O poder usa as diversas estruturas, mas não se identifica exactamente com a hierarquia de nenhuma delas. Assim, as presidências dos órgãos surgem como figurativas, escondendo um poder definido através da cúpula, mas não identificável, gerando a óbvia confusão nos opositores. As várias iniciativas disparavam em diversas direcções, sem conseguirem identificar exactamente a cabeça do poder.

Os republicanos, enquanto partido, tinham obtido uma derrota histórica nas eleições de 1910, que antecederam a revolução armada. Precisaram de restringir o universo eleitoral e suprimir partidos monárquicos para que não houvesse surpresas no parlamento, já que o povo menos informado poderia continuar a votar na "direcção errada". É esta minoria que passará a completa maioria pela via revolucionária...
Curiosamente, durante estes 100 anos republicanos, as constituições votadas ocorrem com Sidónio Pais, e com Salazar. A população é chamada para escolher partidos, mas não a forma de governo. Independentemente de todas as necessárias críticas, a forma ditatorial do Estado Novo foi legitimada por consulta popular na Constituição de 1933, aprovada esmagadoramente. A parte incorrecta surge na não renovação dessa legitimação... passados 20 anos. Passado esse tempo, haveria toda uma geração votante que não se pronunciara sobre o regime. Mas isso não foi defeito ocasional... os regimes actuais, ditos democráticos, têm constituições com mais de 20 anos, que nunca foram sujeitas a nenhum escrutínio desse tipo. Os cidadãos nascem condicionados ao funcionamento do sistema, sem hipótese de se pronunciarem sobre ele.

Os contos e as histórias
Se nos é ensinado que a evolução histórica caminhou no sentido de uma maior consagração da liberdade individual, extensiva a toda a população, também fica evidente que a poderosa ocultação histórica - que está em curso - pode ter falsificado toda a informação que dispomos, e sobre a qual não há testemunhos pessoais fiáveis que ultrapassem o Séc. XX ou o final do Séc. XIX (contando até com os relatos de avós ou bisavós). É claro que isto é um exagero, mas convém atentar, por exemplo, no caso das Colunas de Hércules... que passam por um mito da antiguidade, tendo-se até perdido o registo popular das torres existentes em Cadiz, e que desapareceram apenas no Séc. XVIII ou XIX.

Há teorias com origem na Rússia, que afirmam uma supressão histórica de 1000 anos!
Pode parecer absurdo... mas convirá observar a excessiva ausência de registos da Época Medieval, que comporta esses mil anos. Invoca-se uma estagnação de mentalidades, colorida com uma atribuição de monumentos padrão a esse período, mas o único obstáculo sério a essa hipótese é a necessidade de uma coordenação das diversas culturas na preservação e colaboração do embuste. Mas, à excepção de casos singulares, na aristocracia, onde há algum registo de antepassados que perdura por séculos, a restante maioria da população dificilmente conhece mais do que registos dos seus avós ou bisavós.

A disseminação da Escola, uma conquista da República (que acabou por ser mais efectiva na 2ª República, e que já estava bem presente na Monarquia), levou também a uma quebra da tradição familiar. A história familiar passou a reduzir-se a pequenos episódios pessoais, sem o enquadramento da época. Os pais passaram a negligenciar a transmissão da sua vivência e interpretação dos acontecimentos, confiando à Escola essa transmissão... assumindo que ela seria objectiva e formativa. Porém, é fácil perceber que para a maioria dos filhos, essa vivência vai resumir-se a duas ou três frases aprendidas num livro escolhido. Uma informação complementar simples perde-se nos silêncios familiares, que remetem o conhecimento antigo à escola estatal.
É depois habitual caricaturizar-se isto com o desconhecimento sobre o 25 de Abril... quando os próprios caricaturistas dificilmente sabem que o 5 de Outubro foi também a data da assinatura do Tratado de Zamora, que consagrou a independência nacional em 1143.
Se as iniciativas revolucionárias republicanas começaram a 3 de Outubro, a chancela oficial acabou por surgir apenas depois, num dia que ficaria assim duplamente simbólico. Coincidência?

Carbonara e Bolonhesa
No meio deste processo haverá boas intenções misturadas com intenções castradoras.
O processo republicano aparece assim identificado com a mesma massa, mas com dois molhos:
- A Massa Carbonara - que é feita de molhos de população, liderada pela Carbonária, uma organização ocasional, que surge no Séc. XIX para liderar processos republicanos na Itália, Espanha e Portugal, e cujo nome fica definido pela troca do B pelo V.... ou seja, o nome Carvonária resultaria das reuniões secretas iniciais efectuadas em casas de carvoeiros, na Sardenha. E sobre a Sardenha parece sempre haver muito pouco a dizer... a enorme e paradisíaca ilha mediterrânica parece ter passado pela história despercebida, ao contrário da Sicília ou da Córsega.
- A Massa Bolonhesa - cuja carne é misturada nos molhos de pedreiros livres da Maçonaria. A ligação a Bolonha surge na origem reportada a 1248 da Carta de Bolonha:
Statuta et Ordinamenta Societatis Magistrorum Tapia et Lignamiis
ou seja, os primitivos estatutos e regulamentos da Sociedade dos Mestres Maçons e Carpinteiros.
Esta pasta bolonhesa será da mesma Bolonha italiana que foi primeira universidade, e cujo nome serviu para um tratado de graus universitários europeus (o chamado Tratado de Bolonha).

Afinal, parece que a típica massa italiana, "a pasta", mais característica de Nápoles e Sicília, onde leva apenas azeite, ganhou outros molhos noutras ilhas e paragens, tendo sido exportada com sucesso.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 07:58

[reeditado e terminado em 8 de Outubro de 2011]

Não tinha pensado apresentar um texto sobre os 101 anos da implantação da República Portuguesa, mas junto pequenos detalhes que me mereceram alguma atenção.

O primeiro desses detalhes, é o excelente documentário, feito a propósito do centenário: 
"Maçonaria, a conspiração da República", de João Osório, 

Uma figura central da Revolução de 5 de Outubro, é aí bem identificada - Machado Santos, o jovem romântico, à frente das tropas populares da Carbonária, estacionadas na Rotunda.

No entanto, como é claro nestas coisas... uma coisa é ter um papel decisivo, outra coisa é obter o devido reconhecimento. Uma coisa é garantir a vitória militar na Rotunda, outra coisa diferente é determinar que afinal o momento da Implantação da República são uns gritos fotografados na varanda da Camâra de Lisboa:

 
(o elemento que parece ser Machado Santos, é afinal Marinha de Campos).

Os melhores heróis são os mortos... foi o caso do Dr. Miguel Bombarda e do Almirante Cândido dos Reis... todas as cidades viriam a ter uma rua com o nome estes personagens, cujo papel singular face aos restantes, terá sido o seu falecimento politicamente correcto - foram enterrados conjuntamente a 6 de Outubro de 1910.

Dos mortos não se esperam críticas à evolução do movimento... as críticas de Machado Santos.
Faltou, no documentário da RTP2, apontar o destino do herói da Rotunda... e bastava ligar a uma outra excelente mini-série da RTP: a Noite Sangrenta.
O destino de Machado Santos e José Carlos da Maia, heróis incómodos da implantação da República foi traçado pela "camioneta fantasma" que, na Noite Sangrenta de 19 de Outubro de 1921, levou para a execução estes antigos heróis da implantação da República, bem como o chefe de governo António Granjo e outros antigos apoiantes de Sidónio Pais.

Após 100 anos, houve finalmente um conjunto de informação transmitida pela RTP, e que tinha sido varrida para baixo do tapete republicano, que sufocou protagonistas, nomeando outros no seu lugar.
Após 100 anos, a informação ainda vem separada... há ainda receio de abrir os armários.
É fácil falar do apagamento de Trotsky nas fotos com Lenine, mas é complicado assumir que Machado Santos foi apagado nas fotos da República, e depois executado a mando de "desconhecidos" que organizam a Noite Sangrenta. Falar em "desconhecidos", ou acusar subalternos, é resultado da falha e condicionamento histórico.
Como contraposição à 2ª República de Salazar, desenvolveu-se uma mitologia própria de branqueamento da 1ª República, estratégia achada apropriada nas décadas pós-25 Abril, procurando definir um único monstro (Salazar) no conto de fadas republicano.
O número de protagonistas assassinados na 1ª República excedeu largamente os do Estado Novo, já para não falar da Monarquia Constitucional. Nos bastidores do "partido único" dito "democrata" de Afonso Costa o que mais se temia eram os verdadeiros democratas, que iam pagando com a vida as suas iniciativas. Assim, quando se fala em partido único, ao tempo de Salazar, importa notar que a grande diferença face ao estado anterior, é que era um novo partido único assumido, e não um regime colorido com vários partidos, em que dominava o Partido Democrático, com poucas políticas assumidas e muitas acções radicais definidas nos bastidores.

Republicanos e maçonaria
É especialmente elucidativo o documentário da RTP2 ao estabelecer a interacção da Carbonária com a Maçonaria na execução do golpe republicano de 5 de Outubro.
Os líderes da Carbonária, no quais se inclui Machado Santos, estão ainda na Maçonaria, e assim de alguma forma o projecto maçónico parece aproveitar-se da estrutura popular da Carbonária, usando-a como um braço armado. Isso parece tanto mais notório pela auto-extinção da Carbonária nos momentos seguintes à revolução. Se a maçonaria aparecia como elitista, era pragmático desenvolver uma estrutura auxiliar de interacção necessária à coordenação das forças populares. São essas forças da Carbonária acusadas da morte do rei D. Carlos, que aguentam a Rotunda, com Machado Santos à cabeça... ou seja, a estrutura que parece protagonizar o sucesso do golpe republicano desaparece com o sucesso da acção.

Porém, a acção é mais complexa, e a resistência de Machado Santos tem muito de simbólica, tal como a de Paiva Couceiro pelo lado oposto. São actores ocasionais que aparecem numa peça escrita nos bastidores. Acabam por aparecer como heróis isolados na luta simbólica que travaram na Rotunda. Irão repetir essa rivalidade no episódio da Monarquia do Norte, de 1919, que é uma reacção monárquica ao assassínio de Sidónio Pais.

O argumento já tinha sido escrito nos bastidores, e por isso Paiva Couceiro vê-se sozinho a defender uma monarquia moribunda. As deslocações do grão-mestre da Maçonaria, para garantir a não intervenção externa, inglesa e francesa, completam o ramalhete... Há uma organização que parece assim coordenar toda a acção, com influência em ambos os lados das tropas. Mas a organização tendo cariz maçónico não se confunde com a Maçonaria... o grão-mestre é candidato a Presidente da República, mas quem define a escolha é o Partido Republicano. O poder usa as diversas estruturas, mas não se identifica exactamente com a hierarquia de nenhuma delas. Assim, as presidências dos órgãos surgem como figurativas, escondendo um poder definido através da cúpula, mas não identificável, gerando a óbvia confusão nos opositores. As várias iniciativas disparavam em diversas direcções, sem conseguirem identificar exactamente a cabeça do poder.

Os republicanos, enquanto partido, tinham obtido uma derrota histórica nas eleições de 1910, que antecederam a revolução armada. Precisaram de restringir o universo eleitoral e suprimir partidos monárquicos para que não houvesse surpresas no parlamento, já que o povo menos informado poderia continuar a votar na "direcção errada". É esta minoria que passará a completa maioria pela via revolucionária...
Curiosamente, durante estes 100 anos republicanos, as constituições votadas ocorrem com Sidónio Pais, e com Salazar. A população é chamada para escolher partidos, mas não a forma de governo. Independentemente de todas as necessárias críticas, a forma ditatorial do Estado Novo foi legitimada por consulta popular na Constituição de 1933, aprovada esmagadoramente. A parte incorrecta surge na não renovação dessa legitimação... passados 20 anos. Passado esse tempo, haveria toda uma geração votante que não se pronunciara sobre o regime. Mas isso não foi defeito ocasional... os regimes actuais, ditos democráticos, têm constituições com mais de 20 anos, que nunca foram sujeitas a nenhum escrutínio desse tipo. Os cidadãos nascem condicionados ao funcionamento do sistema, sem hipótese de se pronunciarem sobre ele.

Os contos e as histórias
Se nos é ensinado que a evolução histórica caminhou no sentido de uma maior consagração da liberdade individual, extensiva a toda a população, também fica evidente que a poderosa ocultação histórica - que está em curso - pode ter falsificado toda a informação que dispomos, e sobre a qual não há testemunhos pessoais fiáveis que ultrapassem o Séc. XX ou o final do Séc. XIX (contando até com os relatos de avós ou bisavós). É claro que isto é um exagero, mas convém atentar, por exemplo, no caso das Colunas de Hércules... que passam por um mito da antiguidade, tendo-se até perdido o registo popular das torres existentes em Cadiz, e que desapareceram apenas no Séc. XVIII ou XIX.

Há teorias com origem na Rússia, que afirmam uma supressão histórica de 1000 anos!
Pode parecer absurdo... mas convirá observar a excessiva ausência de registos da Época Medieval, que comporta esses mil anos. Invoca-se uma estagnação de mentalidades, colorida com uma atribuição de monumentos padrão a esse período, mas o único obstáculo sério a essa hipótese é a necessidade de uma coordenação das diversas culturas na preservação e colaboração do embuste. Mas, à excepção de casos singulares, na aristocracia, onde há algum registo de antepassados que perdura por séculos, a restante maioria da população dificilmente conhece mais do que registos dos seus avós ou bisavós.

A disseminação da Escola, uma conquista da República (que acabou por ser mais efectiva na 2ª República, e que já estava bem presente na Monarquia), levou também a uma quebra da tradição familiar. A história familiar passou a reduzir-se a pequenos episódios pessoais, sem o enquadramento da época. Os pais passaram a negligenciar a transmissão da sua vivência e interpretação dos acontecimentos, confiando à Escola essa transmissão... assumindo que ela seria objectiva e formativa. Porém, é fácil perceber que para a maioria dos filhos, essa vivência vai resumir-se a duas ou três frases aprendidas num livro escolhido. Uma informação complementar simples perde-se nos silêncios familiares, que remetem o conhecimento antigo à escola estatal.
É depois habitual caricaturizar-se isto com o desconhecimento sobre o 25 de Abril... quando os próprios caricaturistas dificilmente sabem que o 5 de Outubro foi também a data da assinatura do Tratado de Zamora, que consagrou a independência nacional em 1143.
Se as iniciativas revolucionárias republicanas começaram a 3 de Outubro, a chancela oficial acabou por surgir apenas depois, num dia que ficaria assim duplamente simbólico. Coincidência?

Carbonara e Bolonhesa
No meio deste processo haverá boas intenções misturadas com intenções castradoras.
O processo republicano aparece assim identificado com a mesma massa, mas com dois molhos:
- A Massa Carbonara - que é feita de molhos de população, liderada pela Carbonária, uma organização ocasional, que surge no Séc. XIX para liderar processos republicanos na Itália, Espanha e Portugal, e cujo nome fica definido pela troca do B pelo V.... ou seja, o nome Carvonária resultaria das reuniões secretas iniciais efectuadas em casas de carvoeiros, na Sardenha. E sobre a Sardenha parece sempre haver muito pouco a dizer... a enorme e paradisíaca ilha mediterrânica parece ter passado pela história despercebida, ao contrário da Sicília ou da Córsega.
- A Massa Bolonhesa - cuja carne é misturada nos molhos de pedreiros livres da Maçonaria. A ligação a Bolonha surge na origem reportada a 1248 da Carta de Bolonha:
Statuta et Ordinamenta Societatis Magistrorum Tapia et Lignamiis
ou seja, os primitivos estatutos e regulamentos da Sociedade dos Mestres Maçons e Carpinteiros.
Esta pasta bolonhesa será da mesma Bolonha italiana que foi primeira universidade, e cujo nome serviu para um tratado de graus universitários europeus (o chamado Tratado de Bolonha).

Afinal, parece que a típica massa italiana, "a pasta", mais característica de Nápoles e Sicília, onde leva apenas azeite, ganhou outros molhos noutras ilhas e paragens, tendo sido exportada com sucesso.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 07:58

[reeditado e terminado em 8 de Outubro de 2011]

Não tinha pensado apresentar um texto sobre os 101 anos da implantação da República Portuguesa, mas junto pequenos detalhes que me mereceram alguma atenção.

O primeiro desses detalhes, é o excelente documentário, feito a propósito do centenário: 
"Maçonaria, a conspiração da República", de João Osório, 

Uma figura central da Revolução de 5 de Outubro, é aí bem identificada - Machado Santos, o jovem romântico, à frente das tropas populares da Carbonária, estacionadas na Rotunda.

No entanto, como é claro nestas coisas... uma coisa é ter um papel decisivo, outra coisa é obter o devido reconhecimento. Uma coisa é garantir a vitória militar na Rotunda, outra coisa diferente é determinar que afinal o momento da Implantação da República são uns gritos fotografados na varanda da Camâra de Lisboa:

 
(o elemento que parece ser Machado Santos, é afinal Marinha de Campos).

Os melhores heróis são os mortos... foi o caso do Dr. Miguel Bombarda e do Almirante Cândido dos Reis... todas as cidades viriam a ter uma rua com o nome estes personagens, cujo papel singular face aos restantes, terá sido o seu falecimento politicamente correcto - foram enterrados conjuntamente a 6 de Outubro de 1910.

Dos mortos não se esperam críticas à evolução do movimento... as críticas de Machado Santos.
Faltou, no documentário da RTP2, apontar o destino do herói da Rotunda... e bastava ligar a uma outra excelente mini-série da RTP: a Noite Sangrenta.
O destino de Machado Santos e José Carlos da Maia, heróis incómodos da implantação da República foi traçado pela "camioneta fantasma" que, na Noite Sangrenta de 19 de Outubro de 1921, levou para a execução estes antigos heróis da implantação da República, bem como o chefe de governo António Granjo e outros antigos apoiantes de Sidónio Pais.

Após 100 anos, houve finalmente um conjunto de informação transmitida pela RTP, e que tinha sido varrida para baixo do tapete republicano, que sufocou protagonistas, nomeando outros no seu lugar.
Após 100 anos, a informação ainda vem separada... há ainda receio de abrir os armários.
É fácil falar do apagamento de Trotsky nas fotos com Lenine, mas é complicado assumir que Machado Santos foi apagado nas fotos da República, e depois executado a mando de "desconhecidos" que organizam a Noite Sangrenta. Falar em "desconhecidos", ou acusar subalternos, é resultado da falha e condicionamento histórico.
Como contraposição à 2ª República de Salazar, desenvolveu-se uma mitologia própria de branqueamento da 1ª República, estratégia achada apropriada nas décadas pós-25 Abril, procurando definir um único monstro (Salazar) no conto de fadas republicano.
O número de protagonistas assassinados na 1ª República excedeu largamente os do Estado Novo, já para não falar da Monarquia Constitucional. Nos bastidores do "partido único" dito "democrata" de Afonso Costa o que mais se temia eram os verdadeiros democratas, que iam pagando com a vida as suas iniciativas. Assim, quando se fala em partido único, ao tempo de Salazar, importa notar que a grande diferença face ao estado anterior, é que era um novo partido único assumido, e não um regime colorido com vários partidos, em que dominava o Partido Democrático, com poucas políticas assumidas e muitas acções radicais definidas nos bastidores.

Republicanos e maçonaria
É especialmente elucidativo o documentário da RTP2 ao estabelecer a interacção da Carbonária com a Maçonaria na execução do golpe republicano de 5 de Outubro.
Os líderes da Carbonária, no quais se inclui Machado Santos, estão ainda na Maçonaria, e assim de alguma forma o projecto maçónico parece aproveitar-se da estrutura popular da Carbonária, usando-a como um braço armado. Isso parece tanto mais notório pela auto-extinção da Carbonária nos momentos seguintes à revolução. Se a maçonaria aparecia como elitista, era pragmático desenvolver uma estrutura auxiliar de interacção necessária à coordenação das forças populares. São essas forças da Carbonária acusadas da morte do rei D. Carlos, que aguentam a Rotunda, com Machado Santos à cabeça... ou seja, a estrutura que parece protagonizar o sucesso do golpe republicano desaparece com o sucesso da acção.

Porém, a acção é mais complexa, e a resistência de Machado Santos tem muito de simbólica, tal como a de Paiva Couceiro pelo lado oposto. São actores ocasionais que aparecem numa peça escrita nos bastidores. Acabam por aparecer como heróis isolados na luta simbólica que travaram na Rotunda. Irão repetir essa rivalidade no episódio da Monarquia do Norte, de 1919, que é uma reacção monárquica ao assassínio de Sidónio Pais.

O argumento já tinha sido escrito nos bastidores, e por isso Paiva Couceiro vê-se sozinho a defender uma monarquia moribunda. As deslocações do grão-mestre da Maçonaria, para garantir a não intervenção externa, inglesa e francesa, completam o ramalhete... Há uma organização que parece assim coordenar toda a acção, com influência em ambos os lados das tropas. Mas a organização tendo cariz maçónico não se confunde com a Maçonaria... o grão-mestre é candidato a Presidente da República, mas quem define a escolha é o Partido Republicano. O poder usa as diversas estruturas, mas não se identifica exactamente com a hierarquia de nenhuma delas. Assim, as presidências dos órgãos surgem como figurativas, escondendo um poder definido através da cúpula, mas não identificável, gerando a óbvia confusão nos opositores. As várias iniciativas disparavam em diversas direcções, sem conseguirem identificar exactamente a cabeça do poder.

Os republicanos, enquanto partido, tinham obtido uma derrota histórica nas eleições de 1910, que antecederam a revolução armada. Precisaram de restringir o universo eleitoral e suprimir partidos monárquicos para que não houvesse surpresas no parlamento, já que o povo menos informado poderia continuar a votar na "direcção errada". É esta minoria que passará a completa maioria pela via revolucionária...
Curiosamente, durante estes 100 anos republicanos, as constituições votadas ocorrem com Sidónio Pais, e com Salazar. A população é chamada para escolher partidos, mas não a forma de governo. Independentemente de todas as necessárias críticas, a forma ditatorial do Estado Novo foi legitimada por consulta popular na Constituição de 1933, aprovada esmagadoramente. A parte incorrecta surge na não renovação dessa legitimação... passados 20 anos. Passado esse tempo, haveria toda uma geração votante que não se pronunciara sobre o regime. Mas isso não foi defeito ocasional... os regimes actuais, ditos democráticos, têm constituições com mais de 20 anos, que nunca foram sujeitas a nenhum escrutínio desse tipo. Os cidadãos nascem condicionados ao funcionamento do sistema, sem hipótese de se pronunciarem sobre ele.

Os contos e as histórias
Se nos é ensinado que a evolução histórica caminhou no sentido de uma maior consagração da liberdade individual, extensiva a toda a população, também fica evidente que a poderosa ocultação histórica - que está em curso - pode ter falsificado toda a informação que dispomos, e sobre a qual não há testemunhos pessoais fiáveis que ultrapassem o Séc. XX ou o final do Séc. XIX (contando até com os relatos de avós ou bisavós). É claro que isto é um exagero, mas convém atentar, por exemplo, no caso das Colunas de Hércules... que passam por um mito da antiguidade, tendo-se até perdido o registo popular das torres existentes em Cadiz, e que desapareceram apenas no Séc. XVIII ou XIX.

Há teorias com origem na Rússia, que afirmam uma supressão histórica de 1000 anos!
Pode parecer absurdo... mas convirá observar a excessiva ausência de registos da Época Medieval, que comporta esses mil anos. Invoca-se uma estagnação de mentalidades, colorida com uma atribuição de monumentos padrão a esse período, mas o único obstáculo sério a essa hipótese é a necessidade de uma coordenação das diversas culturas na preservação e colaboração do embuste. Mas, à excepção de casos singulares, na aristocracia, onde há algum registo de antepassados que perdura por séculos, a restante maioria da população dificilmente conhece mais do que registos dos seus avós ou bisavós.

A disseminação da Escola, uma conquista da República (que acabou por ser mais efectiva na 2ª República, e que já estava bem presente na Monarquia), levou também a uma quebra da tradição familiar. A história familiar passou a reduzir-se a pequenos episódios pessoais, sem o enquadramento da época. Os pais passaram a negligenciar a transmissão da sua vivência e interpretação dos acontecimentos, confiando à Escola essa transmissão... assumindo que ela seria objectiva e formativa. Porém, é fácil perceber que para a maioria dos filhos, essa vivência vai resumir-se a duas ou três frases aprendidas num livro escolhido. Uma informação complementar simples perde-se nos silêncios familiares, que remetem o conhecimento antigo à escola estatal.
É depois habitual caricaturizar-se isto com o desconhecimento sobre o 25 de Abril... quando os próprios caricaturistas dificilmente sabem que o 5 de Outubro foi também a data da assinatura do Tratado de Zamora, que consagrou a independência nacional em 1143.
Se as iniciativas revolucionárias republicanas começaram a 3 de Outubro, a chancela oficial acabou por surgir apenas depois, num dia que ficaria assim duplamente simbólico. Coincidência?

Carbonara e Bolonhesa
No meio deste processo haverá boas intenções misturadas com intenções castradoras.
O processo republicano aparece assim identificado com a mesma massa, mas com dois molhos:
- A Massa Carbonara - que é feita de molhos de população, liderada pela Carbonária, uma organização ocasional, que surge no Séc. XIX para liderar processos republicanos na Itália, Espanha e Portugal, e cujo nome fica definido pela troca do B pelo V.... ou seja, o nome Carvonária resultaria das reuniões secretas iniciais efectuadas em casas de carvoeiros, na Sardenha. E sobre a Sardenha parece sempre haver muito pouco a dizer... a enorme e paradisíaca ilha mediterrânica parece ter passado pela história despercebida, ao contrário da Sicília ou da Córsega.
- A Massa Bolonhesa - cuja carne é misturada nos molhos de pedreiros livres da Maçonaria. A ligação a Bolonha surge na origem reportada a 1248 da Carta de Bolonha:
Statuta et Ordinamenta Societatis Magistrorum Tapia et Lignamiis
ou seja, os primitivos estatutos e regulamentos da Sociedade dos Mestres Maçons e Carpinteiros.
Esta pasta bolonhesa será da mesma Bolonha italiana que foi primeira universidade, e cujo nome serviu para um tratado de graus universitários europeus (o chamado Tratado de Bolonha).

Afinal, parece que a típica massa italiana, "a pasta", mais característica de Nápoles e Sicília, onde leva apenas azeite, ganhou outros molhos noutras ilhas e paragens, tendo sido exportada com sucesso.

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publicado às 23:58

Teogonias (3)

13.08.11
Um acontecimento não desprezável, e que merece a nossa atenção como "coincidência" notável é o seguinte:
- a filosofia e o saber grego apareceram após a subida ao poder de Ciro, o Grande, e consolidação do Império Aqueménida... na Pérsia!
... mas não só, aparecem ainda pouco depois - Buda, na Índia, e Confúcio, na China.
O que tinha de notável, o novo império aqueménida?
- seguia a doutrina de Zaratustra (Zoroastro), tendo como entidade suprema Mazda (Ahura).

 
(falcão que olha o oriente?... depois no zoroastrismo as águias olhavam o ocidente 
- tal como romanas, americanas, ou mesmo nazis... a  opção dupla cabeça foi Habsburgo)

Os conflitos entre gregos e persas começam justamente com esta expansão aqueménida... (e digamos que se os gregos já escreviam da esquerda para a direita, a língua avéstica fazia o contrário, como era comum à época... apenas um detalhe, como é claro!)

A questão principal é que houve conhecimento similar que foi difundido, e iluminou subitamente vários povos, nas fronteiras da expansão aqueménida, sobretudo feita por Ciro, Cambisses e Dario. É ainda nessa altura que se dá a libertação judaica, do cativeiro na Babilónia, e se recompilam os textos bíblicos. A transição do Séc. VI a.C. para o Séc. V a.C. parece ser assim uma altura de salto no conhecimento e religião.

A expressão mais notável é a grega... podemos dizer que acordam subitamente, e começam a debitar vários tratados, com uma profundidade que não parece ter paralelo anteriormente. É evidente que o conhecimento persa não está ausente, mas muito podia estar presente pelo lado dos babilónios!
Perante a invasão persa, e adopção da nova religião, o Zoroastrismo (que os sacerdotes Medos haviam combatido) era natural algum medo face ao desequilíbrio na ordem hierárquica da classe. Os magos vão ser os novos sacerdotes do zoroastrismo.

Os egípcios não conseguem fazer face ao avanço persa, mas uma Grécia ainda arcaica, acordando para o registo histórico, vai suster de forma surpreendente o embate - em proporções que são ilustradas pela defesa das Termópilas. Havia é claro, toda a Guerra de Tróia, e até uma Guerra contra os Atlantes, que passaram a fazer parte da história que se escreveu e consolidou nessa altura, onde os gregos de então se identificaram com os aqueus, nessa altura já lendas com muitos séculos ou milhares de anos.

A Grécia passou a ser lugar de embate entre duas concepções... um modelo de racionalidade e progresso, mas ao mesmo tempo um modelo místico, que não se desligava do panteão de deuses, dos oráculos, das oferendas, das decisões tomadas pelas entranhas ou voo dos pássaros.
Levantamos a hipótese de a Grécia ser ainda um campo externo de uma guerra interna que se passava no Império Aqueménida... entre os novos magos do zoroastrismo, e os antigos sacerdotes babilónios. Os primeiros procuravam que os gregos aderissem ao império e à filosofia de Zaratustra, os segundos quereriam a resistência grega, como forma de segurar a expansão e voltar ao culto dos velhos deuses. O conflito entre racionalidade e o misticismo teve o seu episódio com Sócrates e a cicuta...
Com Aristóteles e Alexandre, a defesa grega passa a ataque macedónico, e os persas são mais uma vez surpreendentemente derrotados, a ponto de perderem o império num par de anos. Porém, as políticas de Alexandre não corresponderiam exactamente ao acordo de quem tão prontamente o acolheu e inseriu. Alexandre queria ir mais longe, para além da Pérsia, e seguiria a filosofia grega... mas morreu demasiado cedo. O império estilhaçou na divisão interna entre os generais. Preparava-se um novo império, o romano, onde mais uma vez imperou o conflito entre adeptos republicanos e os da monarquia imperial.
Com o fim da República e a instalação do Império Romano terminaram as expansões territoriais significativas, e até o génio inventivo e literário começou a estagnar. O Mundus Clausus, fechado sobre os limites antigos chegou a deixar aventuras para além das Colunas de Hércules como primeiras obras de ficção científica, com reinos alienígenas e viagens à Lua (caso de Luciano de Samosata).
Se o advento cristão teve a benção dos (reis) magos, o modelo que a igreja cristã seguiu foi um modelo de casta sacerdotal, seguido por Roma e Bizâncio, após Constantino.
Ainda assim, o Império Romano seria demasiado heterogéneo, multi-racial e multi-cultural... um imperador poderia resultar de equilíbrios de forças instáveis, e raras vezes seguia a linha hereditária. Os segredos não eram tão estanques, quanto pretendido, e flutuavam numa classe demasiado vasta...
Mais eficaz seria introduzir um factor racial, fácil distintivo... a escolha recaiu sobre os godos, que ficaram encarregues de preservar uma linhagem aristocrata, que se misturasse pouco com as populações autóctones. Como sempre, se os romanos tinham um poder esmagador e conseguiram suster a divisão do Império com Aureliano, nunca conseguiram grandes progressões a norte... já estariam designados os godos/suevos como possíveis sucessores.
Ao mesmo tempo conseguia-se um retrocesso civilizacional, que caracterizou a Idade Média, e que com Carlos Magno assumiu contornos de novo império romano, perfeitamente controlado, com hierarquias e castas bem definidas... nenhum soldado passaria a general e daí a imperador, como podia acontecer em Roma. A casta tinha o modelo ariano, afinal aquele que desde o princípio estava centrado na extensa zona de influência babilónica/persa/indiana, e serviu não só na Europa, mas ainda como modelo racial no sistema de castas da Índia. Curiosamente, é ainda ariano o nome da filosofia monofisista que os godos vão adoptar, mas por nomeação de Arius de Alexandria, seu proponente.
Esta linha ariana acaba por ser derrotada sucessivamente, afinal os magos teriam confirmado o carácter divino de Jesus Cristo,  cuja vida em muitos aspectos tem analogias assinaladas com o percurso do próprio Zaratustra. O ataque ao que restava do Império Romano será feito pelos árabes. Constantinopla resiste até quando pode... e a Península Ibérica fica também embrenhada em guerras de reconquista. O Mediterrâneo antigo mar estável, fica em permanente confronto entre duas civilizações que não se falam, divergindo profundamente na questão da vinda do Messias (e de Maomé enquanto profeta). Será esse o principal foco da discórdia entre cristãos, judeus e árabes.

A Península Ibérica ficou como território ambíguo, resistiu à invasão árabe, e também ao Império de Carlos Magno, na sua derrota em Roncesvalles (haverá uma outra Roncesvalles com Napoleão).
O mais significativo nisto é que só no momento em que o Infante D. Pedro se coloca ao serviço do Imperador Sacro-Germânico é que de alguma forma os reis portugueses se sujeitam a alguma vassalagem imperial, passam a ter o direito a ter Príncipes (deixa de haver Infantes...), e as suas viagens marítimas começam a ter chancela oficial.
A Europa tem autorização de expansão, para além das fronteiras... Portugal e Espanha vão dar relevância aos Reis Magos nalgumas nomeações que vão fazer. A situação é estranha, ao ponto da Europa estar ao mesmo tempo ameaçada com a queda de Constantinopla, até Viena e Veneza, e  ameaçar o Império Otomano nas paragens orientais com a presença portuguesa no Suez, em Ormuz, etc...
As navegações ficam de novo suspensas - há territórios proibidos... e surge novo conflito ideológico.
De um lado, uma cultura protestante procurando manter um monoteísmo, e do outro lado o catolicismo abre uma quantidade enorme de devoções secundárias. O fecho da Igreja Católica usa métodos drásticos, especialmente com a Inquisição, e continua a restringir alguns territórios. O Renascimento já iniciado, que basicamente vai repiscar e republicar toda a literatura antiga, proibida, fica em perigo.
A herança que ficara em Alexandria e Constantinopla, vai passar pela Hispânia, tendo árabes e judeus como transmissores. Mas esse privilégio hispânico cai definitivamente na Guerra dos 30 anos... e o novo avanço será dado pelo lado protestante, que também vai colaborar no esquema de ocultação, mas através de instituições secretas.
Uma coisa será o poder estabelecido e visível, outra coisa completamente diferente serão os acordos entre nações. A ocultação será mantida, e voltamos ao velho problema... como evitar que os segredos ou o poder caia na mão de um cidadão que passa a imperador?
O teste maior terá sido feito na Revolução Francesa e com Napoleão. Viram-se aí os barretes frígios, mas a Verdade não se impõe num ápice sobre a "verdade social". A "verdade social" é volátil, e precisa de um farol de referência... o resultado foi caótico, onde tudo seria alvo de dúvida, e os executores passaram a executados, no Regime de Terror que se seguiu a 1789. Napoleão foi uma solução contra esse caos, mas pelo lado indesejado... julgou deter um poder absoluto, e ao coroar-se imperador, não se terá apercebido da dimensão do problema que enfrentava (aliás, tal como terá ocorrido com D. Sebastião)... o sistema aristocrático implantado deixou de o considerar como um problema, ao ponto da Conferência de Viena ter mesmo começado antes de se ter dado a Batalha de Waterloo (que definiria o seu asilo final).

Se a anterior lógica era uma lógica repressiva, dispendiosa e que abria novas brechas de conflito, a implantação monetária definiu novos executantes e um novo sistema. A "verdade social" tinha um preço, que cada nação tinha de preservar na "fabricação"... estímulos monetários, reconhecimentos, etc, tudo iria servir para garantir a preservação dos segredos. Controlando o sistema de publicação, o sistema de divulgação, a "verdade social fabricada" poderia ser mantida, criando manobras de diversão, prémios ou ameaças veladas se necessário.
Para os inseridos no sistema não há outra solução sob pena de se cair na desordem ou fraqueza... uma parte não pode abrir o jogo unilateralmente, sob pena de ser aproveitado pela outra. Após séculos de conflito, não há confiança entre as partes para que possam deixar cair a máscara - até porque ninguém vai querer aparecer como parte fraca na fotografia. Assim, a certeza aparente é a de que o sistema se deve manter, ou então que se deve ainda fechar mais. A pressão de divulgação é vista como tentativa de uns para trocarem os lugares de poder com os outros... porque tudo é sempre visto numa lógica de poder. Será difícil distinguir entre aqueles que o querem fazer sinceramente, e os que o querem fazer aparentemente, preparando a estratégia seguinte. Uns gozam com outros, de maneira explícita ou velada para a população, mas sabendo que há muitos que percebem os códigos, coisas habitualmente infantis e perversas, aprendidas em muitos séculos de diletantismo nas cortes. Esse pretenso elitismo, fruto de um preço inato de silêncio, e de ausência de liberdade, tem assim uma recompensa incompleta num estatuto artificial, sem objectivo, nem outra finalidade que não seja a preservação.
As dívidas são essencialmente dívidas à verdade, que são remetidas ao próprio povo, pela sua felicidade na ignorância, paz e soberania iludida...

É aqui que entra de novo a filosofia de Zaratustra, "o velho camelo".
Se pensarmos que somos cindidos e uma parte de nós se separa da outra, perdendo uma parte das nossas memórias, artes e faculdades de raciocínio para a parte restante, aceitaríamos ou não regressar ao ponto em que pelo menos pudéssemos trocar informação e cooperar com essa parte separada fisicamente? - Claro que sim! Porquê... porque nos lembramos dessa identificação. A menos que uma parte seja colocada em posição de ter que escolher entre si e a outra, poderia haver dúvidas... e mesmo assim, se o próprio der mais valor à sua reflexão, poderá sacrificar-se, no que normalmente se chama amor.
Essa cooperação sente-se mais facilmente em famílias, em aldeias, sem pressões e influências externas... e é claro que está mais afastada numa cidade onde a lógica competitiva ocorre todos os dias, e em várias ocasiões.

Naturalmente um objectivo estável de um universo pensante, separado em diversas componentes, será a troca sincera de informações entre essas componentes separadas. Chama-se a isso curiosidade...
Poderá pensar-se que se podem definir estratos, mas a menos que não sejam comunicantes, de nenhuma forma, uns influenciam-se aos outros, de forma indissociável.
Pode pensar-se em fechar, como protecção... mas isso só significa uma coisa - medo!
E portanto como não está aberto ao desconhecido, ficará aberto ao medo que tem dele.
Estes são alguns dos processos que o Universo usará para um objectivo muito simples - concentrar toda a informação num único ser pensante - que será resultado da junção de todos os seres pensantes, através de canais de comunicação fiáveis. Só assim poderá observar-se em plenitude, e até observar o passado... mas isso é outra história, e por enquanto seguimos adormecidos nas estorietas de quem julga que o sonho que inventa se sobreporá à realidade.

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publicado às 04:22

Teogonias (3)

13.08.11
Um acontecimento não desprezável, e que merece a nossa atenção como "coincidência" notável é o seguinte:
- a filosofia e o saber grego apareceram após a subida ao poder de Ciro, o Grande, e consolidação do Império Aqueménida... na Pérsia!
... mas não só, aparecem ainda pouco depois - Buda, na Índia, e Confúcio, na China.
O que tinha de notável, o novo império aqueménida?
- seguia a doutrina de Zaratustra (Zoroastro), tendo como entidade suprema Mazda (Ahura).

 
(falcão que olha o oriente?... depois no zoroastrismo as águias olhavam o ocidente 
- tal como romanas, americanas, ou mesmo nazis... a  opção dupla cabeça foi Habsburgo)

Os conflitos entre gregos e persas começam justamente com esta expansão aqueménida... (e digamos que se os gregos já escreviam da esquerda para a direita, a língua avéstica fazia o contrário, como era comum à época... apenas um detalhe, como é claro!)

A questão principal é que houve conhecimento similar que foi difundido, e iluminou subitamente vários povos, nas fronteiras da expansão aqueménida, sobretudo feita por Ciro, Cambisses e Dario. É ainda nessa altura que se dá a libertação judaica, do cativeiro na Babilónia, e se recompilam os textos bíblicos. A transição do Séc. VI a.C. para o Séc. V a.C. parece ser assim uma altura de salto no conhecimento e religião.

A expressão mais notável é a grega... podemos dizer que acordam subitamente, e começam a debitar vários tratados, com uma profundidade que não parece ter paralelo anteriormente. É evidente que o conhecimento persa não está ausente, mas muito podia estar presente pelo lado dos babilónios!
Perante a invasão persa, e adopção da nova religião, o Zoroastrismo (que os sacerdotes Medos haviam combatido) era natural algum medo face ao desequilíbrio na ordem hierárquica da classe. Os magos vão ser os novos sacerdotes do zoroastrismo.

Os egípcios não conseguem fazer face ao avanço persa, mas uma Grécia ainda arcaica, acordando para o registo histórico, vai suster de forma surpreendente o embate - em proporções que são ilustradas pela defesa das Termópilas. Havia é claro, toda a Guerra de Tróia, e até uma Guerra contra os Atlantes, que passaram a fazer parte da história que se escreveu e consolidou nessa altura, onde os gregos de então se identificaram com os aqueus, nessa altura já lendas com muitos séculos ou milhares de anos.

A Grécia passou a ser lugar de embate entre duas concepções... um modelo de racionalidade e progresso, mas ao mesmo tempo um modelo místico, que não se desligava do panteão de deuses, dos oráculos, das oferendas, das decisões tomadas pelas entranhas ou voo dos pássaros.
Levantamos a hipótese de a Grécia ser ainda um campo externo de uma guerra interna que se passava no Império Aqueménida... entre os novos magos do zoroastrismo, e os antigos sacerdotes babilónios. Os primeiros procuravam que os gregos aderissem ao império e à filosofia de Zaratustra, os segundos quereriam a resistência grega, como forma de segurar a expansão e voltar ao culto dos velhos deuses. O conflito entre racionalidade e o misticismo teve o seu episódio com Sócrates e a cicuta...
Com Aristóteles e Alexandre, a defesa grega passa a ataque macedónico, e os persas são mais uma vez surpreendentemente derrotados, a ponto de perderem o império num par de anos. Porém, as políticas de Alexandre não corresponderiam exactamente ao acordo de quem tão prontamente o acolheu e inseriu. Alexandre queria ir mais longe, para além da Pérsia, e seguiria a filosofia grega... mas morreu demasiado cedo. O império estilhaçou na divisão interna entre os generais. Preparava-se um novo império, o romano, onde mais uma vez imperou o conflito entre adeptos republicanos e os da monarquia imperial.
Com o fim da República e a instalação do Império Romano terminaram as expansões territoriais significativas, e até o génio inventivo e literário começou a estagnar. O Mundus Clausus, fechado sobre os limites antigos chegou a deixar aventuras para além das Colunas de Hércules como primeiras obras de ficção científica, com reinos alienígenas e viagens à Lua (caso de Luciano de Samosata).
Se o advento cristão teve a benção dos (reis) magos, o modelo que a igreja cristã seguiu foi um modelo de casta sacerdotal, seguido por Roma e Bizâncio, após Constantino.
Ainda assim, o Império Romano seria demasiado heterogéneo, multi-racial e multi-cultural... um imperador poderia resultar de equilíbrios de forças instáveis, e raras vezes seguia a linha hereditária. Os segredos não eram tão estanques, quanto pretendido, e flutuavam numa classe demasiado vasta...
Mais eficaz seria introduzir um factor racial, fácil distintivo... a escolha recaiu sobre os godos, que ficaram encarregues de preservar uma linhagem aristocrata, que se misturasse pouco com as populações autóctones. Como sempre, se os romanos tinham um poder esmagador e conseguiram suster a divisão do Império com Aureliano, nunca conseguiram grandes progressões a norte... já estariam designados os godos/suevos como possíveis sucessores.
Ao mesmo tempo conseguia-se um retrocesso civilizacional, que caracterizou a Idade Média, e que com Carlos Magno assumiu contornos de novo império romano, perfeitamente controlado, com hierarquias e castas bem definidas... nenhum soldado passaria a general e daí a imperador, como podia acontecer em Roma. A casta tinha o modelo ariano, afinal aquele que desde o princípio estava centrado na extensa zona de influência babilónica/persa/indiana, e serviu não só na Europa, mas ainda como modelo racial no sistema de castas da Índia. Curiosamente, é ainda ariano o nome da filosofia monofisista que os godos vão adoptar, mas por nomeação de Arius de Alexandria, seu proponente.
Esta linha ariana acaba por ser derrotada sucessivamente, afinal os magos teriam confirmado o carácter divino de Jesus Cristo,  cuja vida em muitos aspectos tem analogias assinaladas com o percurso do próprio Zaratustra. O ataque ao que restava do Império Romano será feito pelos árabes. Constantinopla resiste até quando pode... e a Península Ibérica fica também embrenhada em guerras de reconquista. O Mediterrâneo antigo mar estável, fica em permanente confronto entre duas civilizações que não se falam, divergindo profundamente na questão da vinda do Messias (e de Maomé enquanto profeta). Será esse o principal foco da discórdia entre cristãos, judeus e árabes.

A Península Ibérica ficou como território ambíguo, resistiu à invasão árabe, e também ao Império de Carlos Magno, na sua derrota em Roncesvalles (haverá uma outra Roncesvalles com Napoleão).
O mais significativo nisto é que só no momento em que o Infante D. Pedro se coloca ao serviço do Imperador Sacro-Germânico é que de alguma forma os reis portugueses se sujeitam a alguma vassalagem imperial, passam a ter o direito a ter Príncipes (deixa de haver Infantes...), e as suas viagens marítimas começam a ter chancela oficial.
A Europa tem autorização de expansão, para além das fronteiras... Portugal e Espanha vão dar relevância aos Reis Magos nalgumas nomeações que vão fazer. A situação é estranha, ao ponto da Europa estar ao mesmo tempo ameaçada com a queda de Constantinopla, até Viena e Veneza, e  ameaçar o Império Otomano nas paragens orientais com a presença portuguesa no Suez, em Ormuz, etc...
As navegações ficam de novo suspensas - há territórios proibidos... e surge novo conflito ideológico.
De um lado, uma cultura protestante procurando manter um monoteísmo, e do outro lado o catolicismo abre uma quantidade enorme de devoções secundárias. O fecho da Igreja Católica usa métodos drásticos, especialmente com a Inquisição, e continua a restringir alguns territórios. O Renascimento já iniciado, que basicamente vai repiscar e republicar toda a literatura antiga, proibida, fica em perigo.
A herança que ficara em Alexandria e Constantinopla, vai passar pela Hispânia, tendo árabes e judeus como transmissores. Mas esse privilégio hispânico cai definitivamente na Guerra dos 30 anos... e o novo avanço será dado pelo lado protestante, que também vai colaborar no esquema de ocultação, mas através de instituições secretas.
Uma coisa será o poder estabelecido e visível, outra coisa completamente diferente serão os acordos entre nações. A ocultação será mantida, e voltamos ao velho problema... como evitar que os segredos ou o poder caia na mão de um cidadão que passa a imperador?
O teste maior terá sido feito na Revolução Francesa e com Napoleão. Viram-se aí os barretes frígios, mas a Verdade não se impõe num ápice sobre a "verdade social". A "verdade social" é volátil, e precisa de um farol de referência... o resultado foi caótico, onde tudo seria alvo de dúvida, e os executores passaram a executados, no Regime de Terror que se seguiu a 1789. Napoleão foi uma solução contra esse caos, mas pelo lado indesejado... julgou deter um poder absoluto, e ao coroar-se imperador, não se terá apercebido da dimensão do problema que enfrentava (aliás, tal como terá ocorrido com D. Sebastião)... o sistema aristocrático implantado deixou de o considerar como um problema, ao ponto da Conferência de Viena ter mesmo começado antes de se ter dado a Batalha de Waterloo (que definiria o seu asilo final).

Se a anterior lógica era uma lógica repressiva, dispendiosa e que abria novas brechas de conflito, a implantação monetária definiu novos executantes e um novo sistema. A "verdade social" tinha um preço, que cada nação tinha de preservar na "fabricação"... estímulos monetários, reconhecimentos, etc, tudo iria servir para garantir a preservação dos segredos. Controlando o sistema de publicação, o sistema de divulgação, a "verdade social fabricada" poderia ser mantida, criando manobras de diversão, prémios ou ameaças veladas se necessário.
Para os inseridos no sistema não há outra solução sob pena de se cair na desordem ou fraqueza... uma parte não pode abrir o jogo unilateralmente, sob pena de ser aproveitado pela outra. Após séculos de conflito, não há confiança entre as partes para que possam deixar cair a máscara - até porque ninguém vai querer aparecer como parte fraca na fotografia. Assim, a certeza aparente é a de que o sistema se deve manter, ou então que se deve ainda fechar mais. A pressão de divulgação é vista como tentativa de uns para trocarem os lugares de poder com os outros... porque tudo é sempre visto numa lógica de poder. Será difícil distinguir entre aqueles que o querem fazer sinceramente, e os que o querem fazer aparentemente, preparando a estratégia seguinte. Uns gozam com outros, de maneira explícita ou velada para a população, mas sabendo que há muitos que percebem os códigos, coisas habitualmente infantis e perversas, aprendidas em muitos séculos de diletantismo nas cortes. Esse pretenso elitismo, fruto de um preço inato de silêncio, e de ausência de liberdade, tem assim uma recompensa incompleta num estatuto artificial, sem objectivo, nem outra finalidade que não seja a preservação.
As dívidas são essencialmente dívidas à verdade, que são remetidas ao próprio povo, pela sua felicidade na ignorância, paz e soberania iludida...

É aqui que entra de novo a filosofia de Zaratustra, "o velho camelo".
Se pensarmos que somos cindidos e uma parte de nós se separa da outra, perdendo uma parte das nossas memórias, artes e faculdades de raciocínio para a parte restante, aceitaríamos ou não regressar ao ponto em que pelo menos pudéssemos trocar informação e cooperar com essa parte separada fisicamente? - Claro que sim! Porquê... porque nos lembramos dessa identificação. A menos que uma parte seja colocada em posição de ter que escolher entre si e a outra, poderia haver dúvidas... e mesmo assim, se o próprio der mais valor à sua reflexão, poderá sacrificar-se, no que normalmente se chama amor.
Essa cooperação sente-se mais facilmente em famílias, em aldeias, sem pressões e influências externas... e é claro que está mais afastada numa cidade onde a lógica competitiva ocorre todos os dias, e em várias ocasiões.

Naturalmente um objectivo estável de um universo pensante, separado em diversas componentes, será a troca sincera de informações entre essas componentes separadas. Chama-se a isso curiosidade...
Poderá pensar-se que se podem definir estratos, mas a menos que não sejam comunicantes, de nenhuma forma, uns influenciam-se aos outros, de forma indissociável.
Pode pensar-se em fechar, como protecção... mas isso só significa uma coisa - medo!
E portanto como não está aberto ao desconhecido, ficará aberto ao medo que tem dele.
Estes são alguns dos processos que o Universo usará para um objectivo muito simples - concentrar toda a informação num único ser pensante - que será resultado da junção de todos os seres pensantes, através de canais de comunicação fiáveis. Só assim poderá observar-se em plenitude, e até observar o passado... mas isso é outra história, e por enquanto seguimos adormecidos nas estorietas de quem julga que o sonho que inventa se sobreporá à realidade.

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