Alguns dos animais mais representado nas antigas pinturas rupestres europeias eram
Bisontes (
bison europaeus) e
Auroques (
bos primogenius), bovinos de espécies diferentes. Apesar da caça intensiva ter levado praticamente à sua extinção, na Antiguidade ainda existiam na Europa. Os últimos exemplares foram caçados durante a Idade Média, mas sob protecção real ainda permaneceram alguns na zona da Polónia. Tendo sido o último bisonte selvagem morto em 1921, usaram-se os existentes em cativeiro para evitar o fim da espécie, e sobrevivem hoje pequenas manadas de bisontes em vários países europeus. O auroque extinguiu-se por completo no Séc. XVII.
Wisent - bisonte europeu em reserva, e na cave de Altamira
O nome para o bisonte europeu é
Wisent, curiosamente
lendo-se Vizent, ou seja, extinto o animal nestas paragens, a palavra mais próxima que nos ficou em português é
Vicente.
É sabido que, num certo compromisso da cristianização com o politeísmo popular, certos cultos antigos foram mantidos através da grande panóplia de santos admitidos pela Igreja. Conforme já aqui falámos, o "Caminho de Santiago" era um
caminho de peregrinação celta, mantido pelos romanos.
O
Caminho de Iano (ou Janus), passou depois em época de peregrinação romana a ser o
Caminho de Iago (Iago ou Tiago, São Tiago, Santiago).
De forma semelhante, não me surpreenderia que o destaque dado a São Vicente pudesse estar ligado a um culto bem mais antigo, que remontaria a tempos de arte rupestre, onde se representavam os "vizentes", os bisontes (aliás a própria palavra "bisonte", se atendermos à habitual troca dos "b" e "v", não difere assim tanto, se a lermos como "vizonte", e como detalhe lateral lembramos que a pele mais procurada foi o "vison"... um nome estranho para pele de lontras).
Acresce que o nome "Auroque" parece ter também uma certa deturpação moderna, sendo ainda no Séc. XIX também escrito como "Urox", ver por exemplo:
(1) The Annals and Magazine of Natural History, Vol. 4, p. 236 - "On the existing and extinct animals of Scandinavia", by Prof. Nilsson of Lund.
Este "ur-ox" era entendido em inglês como uma concatenação de "Ox" (boi) com "Ur", o bovino que em latim se designava como "Urrus", e hoje chamado "auroque" (num certo desvio fonético do "Ox" para o "Oc", occitano...)
A característica principal dos auroques eram os seus grandes chifres, e será de questionar se os bois de raça mirandesa, maronesa ou barrosã, não serão suas versões domesticadas, mais próximas dos originais que os bois ou touros, que foram mantidas e apuradas ao longo de gerações:
É claro que os bois serem o foco na "Feira dos Santos" de Chaves, não significa nada, tal como a etimologia é suficientemente especulativa. No entanto, sem querer abusar demasiado do assunto, notamos que o nome latim "
Urrus" se associa directamente à nossa palavra "
urros", e pode ser visto como um caso de
onomatopeia... Aliás, talvez não seja acidental o uso da palavras infantil "
turras", para designar o embate de cabeças, já que o combate entre estes animais se processaria com essas cabeçadas e com "
urros".
Para terminar este tema, vou citar um texto do Séc. XIX:
Baal, Bel, Belus, Chronus, Moloch, Saturn, the same deity. Chronus derived from "horn", which was an emblem of power and dominion among the Eastern nations (...) Chronus must have been rendered by the Greeks "Koronus", and there was a place dedicated to him in the island of Cyprus, which was called "Koronis", and both these words are a transposition of "Kon-Orus", the "Lord Orus", or lux, vel ignis. (...)
Esta facilidade na etimologia deixa sempre muitas dúvidas... e só a usámos para notar que a associação entre "
Cronus" e "
cornos" é audível em português, mas não deixa de estar referenciada.
Já a relação com "
Koronus" leva-nos também à palavra latina "Corona", ou seja "Coroa", e não deixa de ser interessante entender as
cabeças coroadas como
cabeças corneadas. Apesar de se referir a
Lord Orus, o autor não estabelece ali nenhuma ligação ao
Horus egípcio, talvez porque ao falcão faltaria o ornamento coroado.
Relaciona-se tudo isto pouco com o anterior texto
Estado da Arte (3), mas como diria o guia timorense então citado, "
it's a hairdresser"... ou seja um enfeite da cabeça!
Para esse efeito, especialmente significativas são as máscaras dos
Dogon (povo do Mali):
|
Máscaras na tribo dos Dogon (imagem daqui) A da esquerda chama-se Kanaga e a do centro será um Wolu (cf. aqui) |
Se atendermos a estas imagens, e repararmos nalgumas das pinturas rupestres, que aqui coloquei anteriormente, por exemplo, a da Lapa dos Gaviões:
... vemos que as enigmáticas figuras humanas cuja cabeça aparece enfeitada - a ponto de noutros casos se entenderem algumas imagens como "capacetes de astronautas", podem naturalmente dever-se a simples enfeites de máscaras rituais.
Algumas máscaras representavam directamente animais, outras nem tanto... por exemplo, o símbolo das tábuas em forma de "H" é abstracto e conhecido como Kanaga e fez parte das
bandeiras do Senegal e Mali (este nome "Kanaga" pode ainda estar ligado ao rio Canagua, depois passado a rio Senegal).
Noutras paragens - Nova Guiné, Papua, vemos máscaras igualmente estranhas, e que uma vez desenhadas numa parede poderiam levar facilmente à suposição de se tratar doutra coisa, estando em moda, a associação a ET's.
...
Portanto, parece natural que o simbolismo que levava a fazerem-se máscaras com animais, ou outros símbolos menos óbvios, fosse transportado para a pintura ritual, para a pintura rupestre.
A parte mais estranha, que é agora moda remeter para extraterrestres, deve ser remetida para outros seres igualmente estranhos, os xamãs, magos, e sacerdotes, que exploraram essa faceta ritual. E se algumas das pinturas foram inspiradas em alucinações, em transes, conforme mencionado no documentário da BBC, esses rituais seriam uma parte do foco cultural, mas não seria o único foco.
Finalmente, o nome dos Dogon lembra-nos o Anedoto Dagon, de que já falámos (por exemplo,
sobre as bolsas), e que sendo um Anedoto (ou Anunaki), que aparecia aos babilónios sob a forma de peixe, tem uma filiação interessante na mitologia fenícia que o remete como irmão de Cronos (ver
"Abertura de Sancho")... ou seja, o outro elemento de destaque nas máscaras
Wolu, embelezadas com um par de chifres.
18-08-2014