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Passados dois séculos das incursões bárbaras que devastaram o Império Romano, o que sucedera?

O que acontecera à língua que falavam os invasores godos?
- Desaparecera. A documentação oficial de toda a Idade Média seria escrita... em Latim.
O que acontecera à religião dos invasores godos?
- Desaparecera. A religião oficial mantinha-se o Cristianismo, com sede... em Roma.
O que acontecera à estrutura independente dos reinos godos?
- Desaparecera. Estava sujeita à chancela eclesiástica do poder papal com base... em Roma.
Portanto, o que sucedera a Roma?
- Roma.

Como já aqui referimos algumas vezes, a língua mais comum no Império Romano não seria o Latim, haveria uma vertente popular, a Língua Romana, depois chamada Língua Romance ou Provençal. Essa sim seria a língua dominante, estando espalhada nos territórios franceses, italianos (cisalpinos) e hispânicos. A origem desta língua romana é provavelmente celta, da Gália, do Languedoc. O latim seria apenas uma tentativa erudita de formalizar uma língua comum, tal como foi o esperanto, e muito provavelmente era só aprendida pela elite romana, e funcionários do Império... devendo-se a isso o seu completo desaparecimento, enquanto língua popular (que nunca o terá sido). A maior prova disso é que praticamente a complexidade da sua estrutura formal não foi herdada por nenhuma das línguas "latinas".
Como facto adicional podemos ver o que ocorreu no Império Bizantino, que sucedeu no Oriente ao Império Romano. A língua dos Romanos a Oriente, em Constantinopla, era o Grego, na variante Koine.

Portanto, em termos de linguagem temos a ocorrência de algo aparentemente contraditório...
No Império Ocidental, conquistado pelos Godos, a língua formal era ainda o Latim.
No Império Oriental, que manteve a herança romana, a língua formal passou a ser o Grego.
Acresce ainda o delicioso detalhe da Roménia estar na parte Oriental, numa região que só num curtíssimo período fez parte do Império Romano, e apesar de estar nessa parte Oriental, foi manter a sua vertente latina como popular.

Ocorreram mudanças a partir do Édito de Milão, em que o Cristianismo é consagrado como religião oficial do Império. Constantino ao definir a capital em Bizâncio-Constantinopla, não a muda apenas de Milão (Mediolanum, para onde já tinha sido transferida em 286 d.C. por Diocleciano). Essa mudança anterior não tinha sido tão radical para os Romanos, como foi a de Constantinopla, pela qual o centro de decisão começou efectivamente a fugir de Roma. Tal como não foi significativa a mudança final para Ravena em 402 d.C., quando já se anteviam os cercos dos bárbaros a Roma.

A importância de Roma era mantida como centro da nova religião do Império, o Cristianismo, sendo sede do poder papal e da cúria romana. Mesmo assim, as disputas entre o Império Ocidental e Oriental foram sendo sucessivas, mesmo no aspecto religioso, tendo levado à separação entre o cristianismo romano e ortodoxo.
Ora, pelo lado Ocidental, Roma reinventou-se. Caiu, para se poder erguer de novo, com uma estrutura de poder completamente diferente.
Assim, é considerado que o papa Gregório (590-604) ao manter sob sua alçada os reinos francos, ostrogodos e visigodos (que tinham antes optado pela vertente cristã-ariana), detinha muito mais poder do que qualquer dos últimos imperadores romanos.

A missão de Roma era reconquistar os territórios, agora não pelas armas, mas sim pela fé, espalhando o Cristianismo a ocidente, até às ilhas Britânicas. Roma recuperava assim o seu papel de centro do antigo Império do Ocidente... impondo até o Latim como língua litúrgica. A única influência que terá ficado dos Godos, pelo menos no nome, foi estética... com as "letras góticas" do alfabeto romano.

Na Europa, esta nova Roma foi além da anterior... a partir de Carlos Magno.
Ao consagrar Carlos Magno como Sacro-Imperador Germânico, em 800 d.C., o Cristianismo expandia fronteiras para a Alemanha, para além do Reno, onde antes ficara sempre a fronteira do Império Romano.
Até ao Séc. XI ainda irá mais longe.
Parecendo que os reinos cristãos estavam ameaçados a sul pelos árabes muçulmanos, e a norte pelas incursões vikings, que dizimavam as costas europeias, o estabelecimento da Normandia em 911 d.C., aparece como mais uma concessão aos invasores bárbaros do norte.
Só que passado pouco mais que um século e temos os mesmos Normandos a liderar as Cruzadas, contra os novos inimigos a oriente, os Turcos Seljúcidas. A partir desta altura, temos o Império Romano Oriental a sucumbir lentamente, enquanto Roma tem capacidade de enviar exércitos para ajudar a rival Constantinopla, e mesmo libertar Jerusalém.
Pouco tempo depois, toda a Escandinávia era cristianizada, os Vikings deixavam de ser inimigos dos cristãos, e passavam a inserir-se como reinos dependentes da chancela papal.

Portanto, sendo difícil entender isto como um plano a longo prazo, tão moroso de efectivar, acidentalmente ou não, a nova Roma, agora como centro de fé cristã, conseguiria expandir o seu poder na Europa, muito mais do que alguma vez tinha sido tentado pela antiga Roma imperial.

Ainda antes do Cisma que separaria definitivamente as Igrejas Romana e Ortodoxa, São Cirilo fazia a mesma expansão cristã pelo lado da Europa Oriental, bem caracterizado pela influência no alfabeto círilico, que permanece até hoje na Rússia. Portanto, pelo lado ocidental com as reformas de Carlos Magno, e pelo lado oriental com evangelização cultural de São Cirilo, toda a Europa ficava sob influência de novas expansões dos antigos impérios romanos.

Perder-se-ia neste processo toda a zona de influência islâmica, na parte sul e oriental do Mediterrâneo, anteriormente unida como uma só pela Roma imperial. Mas afinal não era o Islão uma religião cuja referência base era também o Antigo Testamento judaico?
- Não serviu também a expansão islâmica como forma de silenciar por completo as velhas religiões pagãs, em particular destruindo a memória da antiquíssima religião egípcia?

Apesar do violento confronto religioso definido pelas Cruzadas, não estava nessa altura todo o antigo mundo romano livre de religiões politeístas, centrado em religiões monoteístas, todas tendo como base o Antigo Testamento judaico? Para além disso tinha chegado muito mais longe. À Germânia, Escandinávia, ou Rússia, pelo lado cristão, e até à Pérsia pelo lado islâmico. Os pontos de contacto destas novas religiões, eram muito maiores do que alguma vez tinham sido antes, com as pagãs, mas estranhamente, dado o seu carácter belicoso e fundamentalista, iriam facilmente entrar em conflito e divisões por discordâncias em detalhes irrelevantes (basta ver que a diferença entre xiitas e sunitas se resume a considerar o genro de Maomé como seu único sucessor válido).

Tudo isto poderia parecer acidental, e sem nenhum fio condutor que ligasse os diversos assuntos.
Por coincidência, ou por mérito natural, os locais onde se tinham imposto as velhas religiões pagãs, gregas, romanas, egípcias, ou até celtas, estariam todos rendidos a uma filosofia religiosa monoteísta cujo registo mais antigo conhecido era o de Akenaton. Desse novo mundo saído do antigo império romano, partiriam nos descobrimentos os novos evangelizadores, missionários, levando a Bíblia, e a ideia de Deus único a todo o globo.

No entanto, o retrato seguinte, mostra outro preço desta transformação.
Este retrato é normalmente entendido (ainda que haja muitas dúvidas) como sendo o retrato da família imperial romana no início do Séc. V, ou seja a imperatriz mãe Gala Placídia e os seus filhos (o futuro imperador Valentiniano III, e Honória).

O preço da nova filosofia religiosa que iria atacar o antigo mundo romano seria dramático:
- Foram precisos mais de mil anos para se poderem voltar a retratar feições com este detalhe...
... e esta foi só uma pequena consequência da queda de Roma!

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publicado às 07:55


25 comentários

De João Ribeiro a 08.08.2016 às 14:10

Bom dia Caro José Manuel e desde já agradeço a resposta.

Não vou ao ponto de considerar Portugal como um país encomendado do Vaticano mas sim, as ordens militares deram uma grande ajuda na criação de Portugal. Assim como de Espanha e já me parece encomendas a mais tendo em conta que muitas vezes as ordens militares não estariam propriamente de acordo com Roma. Veja-se o caso do fim dos Templários.

Essa do povo autóctone de Lisboa ser Berbere tem muito que se lhe diga. Os povos de Norte de África realmente passaram por cá mas antes tínhamos os Estrímnios, os Sefes, etc etc. Isto para dizer que nomear o povo "original" é muito difícil.

Acho piada meter-se tudo em causa excepto o que vem no Wikipédia... Mas tudo ok, também deixo aqui um link bem mais completo do que esse. https://pt.wikipedia.org/wiki/Portugueses
Ainda assim serem Berberes ou não é irrelevante. Existia população em Lisboa ariano-cristianiza desde os tempos dos Visigodos e como se pode ler nas crónicas, tinham Bispo. Existem bispos por esse mundo fora que não são ordenados por Roma, veja-se os Ortodoxos. Penso que deveriam ter uma hierarquia própria por essa Península fora como o têm todos os organismos independentes. E isto não invalida o que diz sobre bispos e pessoal de elite terem fugido da Península. O que é diferente de toda a população ter sido tudo passada a fio de espada e ter sido substituída exclusivamente por Berberes. Penso até que o nosso ADN não comprovará essa teoria (mais uma vez ver esse link do wiki).

Esta é a minha leitura da coisa. Agora se todos os cronistas, historiadores e arqueólogos deste País andam a receber vencimento de Roma ou do Estados Português desde 1143 para esconder esse genocídio colectivo, eu não o sei.

O JHS não é tão mau diabo como normalmente se diz. Tenho tido oportunidade de rever os seus programas e até os aconselho. Em alguma matéria já estará ultrapassado à luz de novos dados mas ainda assim de modo geral eram programas didácticos e instrutivos.

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