Pode ler-se, no Archivo Popular (de 6 de Agosto de 1842):
É por certo para lamentar, que não haja sido possível descobrir a chave para a inteligência dos hieróglifos, que acompanham estas exumações egípcias. Consta que os sábios do Egipto usavam de três métodos de comunicação, a epistolográfica ou vulgar; a hierática ou sagrada; e a hieroglífica ou misteriosa. Alguns antiquários nestes dois últimos séculos procuraram decifrar estes hieroglíficos, especialmente um literato francês, Champollion; mas depois de ter desperdiçado muitos anos em procurar desentranhar estes misticismos, morreu de enfado por não o poder conseguir. Outro francês pretendeu ultimamente ter encontrado uma chave para descobrir o sentido daqueles escritos por meio das iniciais de alguns nomes antigos da língua egípcia, porém é já certo que a sua descoberta reduz-se a algumas inscrições em que havia maior probabilidade de as decifrar, sendo em geral falhas de exactidão. A destruição da Biblioteca de Alexandria contribuiu sem dúvida para envolver nas trevas a literatura egípcia; e até os primeiros filósofos gregos e romanos, que viajaram naquele país, berço de todos os conhecimentos intelectuais, não nos comunicaram noticia alguma do estilo hieroglífico usado naquelas academias.
Ou seja, antes das
Revoluções de 1848 que varreram a Europa, parecia haver um consenso de que não tinha sido possível decifrar a linguagem hieroglífica. O artigo refere explicitamente
Champollion, que é considerado hoje como aquele que conseguiu decifrar os hieróglifos, usando a
Pedra de Roseta:
A Pedra de Roseta, com inscrições hieroglíficas
e uma provável tradução em grego, foi usada para decifração.
A pedra de Roseta ficou tão famosa que também serviu de nome a uma sonda espacial que foi anunciado agora ter atingido um cometa (ver
artigo da Euronews)
(não se encontram imagens reais)
Sobre toda a filmografia e enredo das novelas espaciais uso normalmente o
blog Odemaia, aqui deixo apenas a interrogação sobre Champollion, e o seu famoso decifrar dos hieróglifos. Em 1842, alguns anos após a sua morte, tal estava muito longe de ser minimamente reconhecido, como foi peremptoriamente afirmado no Archivo Popular (publicação muito credível à época).
Essa dúvida, sobre a validade das traduções dos hieróglifos e da escrita cuneiforme, já a tínhamos aqui levantado, sem conhecer este texto.
Este texto surgiu por mero acaso... pelo caso do momento. Como já não publicava aqui há algum tempo, e quis ligar ao caso
BES, pensei no bes-ouro, ou seja no besouro. Há coisa de uma hora atrás procurei nestes textos do Séc. XIX se havia algo escrito sobre os
besouros egípcios. Neste texto do Archivo Popular dizia-se então sobre a mumificação:
Algumas vezes pintavam sobre o peito um escaravelho, insecto que em suas ideias alegóricas significava regeneração; outras vezes um ídolo como símbolo da fé que o defunto havia professado.
A regeneração aparecia assim no ciclo solar. Desaparecia um Sol ao anoitecer e depois reaparecia ao amanhecer, movimento que era visto ser simulado nos Besouros se encarregavam de empurrar os dejectos em forma de pequenas bolas.
Mas, o mais interessante não eram os besouros, era a Roseta - e não a sonda que tinha feito notícia ontem por atingir um cometa - mas sim a pedra que afinal não tinha convencido ninguém sobre a decifração dos hieróglifos, nem o próprio Champollion.
Portanto, e como já afirmei aqui, continuo a usar como fontes passadas principais as traduções do latim e do grego, e não outras linguagens supostamente decifradas. Interpretações há muitas, e até eu sem perceber patavina de hieróglifos posso fazer uma e ser tão consistente com ela, como são os outros que usam e abusam de várias interpretações, ditas oficiais.
O outro ponto importante, bem frisado no Archivo Popular, é que apesar de romanos e gregos terem sido perfeitamente contemporâneos da civilização egípcia, nada restou que pudesse esclarecer a tradução. Só este facto por si seria suficientemente estranho para podermos ver o tipo de selecção cuidada do que foi permitido guardar da Antiguidade. Aparentemente, os escribas árabes e os monges europeus, tão entretidos no seu copismo, esqueceram-se de transportar esse conhecimento. Azar... ou parece que é azar, e há de facto quem tenha a chave e se entretenha a validar traduções aqui e ali, conforme aprouver à narrativa.