Como complemento dual ao texto
Tarso, ficaria incompleto não falar do Carpo, mesmo que pareça ser algo que surge do
pé para a mão...
Há sempre alguma dúvida em fazer associações, porque é muito fácil associar coisas completamente distintas, sem que haja necessariamente uma relação. Esse é o caminho restritivo, que conhecemos bem, que nos guia na precaução, mas que não deve conduzir à inibição.
Neste caso do "carpo" a linha condutora não tem a mesma sustentação do "tarso"... tem a sua própria razão.
Cárpatos
Os Cárpatos são montanhas que se estendem da Eslováquia, pela Polónia, Ucrânia, e Roménia até à fronteira Sérvia. O nome das montanhas foi apontado por Ptolomeu e associado a um povo denominado
Carpos.
Ora, indo recuperar um mapa anterior (sobre a viagem de Jasão), reparamos que as montanhas dos Cárpatos estão praticamente coladas às montanhas dos Balcãs:
relembrando que já havíamos referido a particularidade da região húngara aparecer como uma planície ao nível do mar, que assim aparece neste mapa colocada como lago.
O notável é que estas duas grandes cadeias montanhosas separam-se nas chamadas
Portas de Ferro, sulcadas pelo curso do Danúbio, numa extensão de 134 Km.
Danúbio nas Portas de Ferro
O Danúbio esculpiu uma paisagem de gargantas, entre as duas cadeias montanhosas, no seu percurso para nascente, que termina no Mar Negro.
Quem fizer o cruzeiro pelo Danúbio, ficará certamente surpreendido por uma enorme escultura na montanha invocando Decebalus, que foi feita entre 1994 e 2004, por um promotor romeno, Constantin Dragan... fecit. Para além das dificuldades inerentes à obra, não devemos esquecer que este período de dez anos inclui uma turbulência na zona, não tanto na parte romena, mas mais na parte sérvia.
Uma estátua desta dimensões num pilar natural do rio, não deixa de despertar a invocação de
Tolkien, no filme "Senhor dos
Anéis", relativa aos "pilares dos reis" da "terra média". Constantin Dragan, sendo historiador pode apenas ter querido homenagear o mítico rei Decebalus, mas a obra também não deixa de sugerir que naquelas Portas podem ter estado esculturas que o "tempo" apagou...
Filme "Senhor dos Anéis" - pilares dos reis
Não longe, encontra-se a célebre Ponte de Trajano, de que
já aqui falámos, a propósito "
de uma ponte de Lisboa há muitos mil anos".
Esboço da Ponte de Trajano sobre o Danúbio (comprimento ~ 1 200 metros);
Vestígios da ponte (princípio do Séc. XX);
Placa de Trajano (Tabula Traiana)... o que resta depois
da construção da barragem Dardap I em 1972, que submergiu o conjunto.
Na sua expedição contra os Dácios, Trajano terá derrotado Decebalus, que se suicida para evitar o cativeiro, cortando a própria garganta, conforme ilustrado no relevo romano:
Relevo invocando a morte de Decebalus, derrotado por Trajano
O anel dos Cárpatos completa-se juntando a
Iliria, as montanhas balcânicas, fechando como uma bacia
Ilíaca sobre a planície húngara. A divisão entre os Cárpatos e os Balcãs surge singularmente como uma brecha nos Portões de Ferro (que não devemos confundir com a
Cortina de Ferro, ainda que a sua divisão com uma Jugoslávia neutral tivesse passado por esse ponto do Danúbio).
Esta brecha chega a reduzir-se a 150 metros de largo, mas com 53 metros de profundidade... um trabalho de erosão notável para o Danúbio, podendo mesmo dizer-se quase de precisão cirúrgica!
Essa erosão é tanto mais um prodígio "natural" se atendermos a que o rio desde a zona de Budapeste vai serpenteando calmamente a Hungria a um nível próximo de 100 m até chegar a Belgrado, com aproximadamente 80 m de altitude... são muitos milhares de quilómetros de extensão, com uma inclinação reduzidíssima, até desaguar no Mar Negro.
Carpetani
Carpetanos era ainda o nome de um dos povos ibéricos assinalados por Estrabo. Ao falar no Tejo diz:
The river contains much fish, and is full of oysters. It takes its rise amongst the Keltiberians, and flows through the [country of the] Vettones, Carpetani, and Lusitani, towards the west;
Portanto os Carpetanos viveriam provavelmente na zona montanhosa da Extremadura espanhola, sendo "vizinhos" dos Lusitanos. É claro que aqui convém não ignorar que etimologicamente temos a palavra "escarpa", que era ainda latina, e que se liga a uma possível origem dos "carpos", tendo o significado de rocha na língua albanesa, na Ilíria.
Estrabo diz ainda que devido à estóica resistência Galaica, muitos dos Lusitanos tinham passado a designar-se como Galegos.
Já aqui mencionámos que a Galicia era uma região da Ucrânia (e Polónia), convém agora dizer que esta região se situa exactamente na zona dos Cárpatos, nesses países.
A Roménia tem ainda o episódio singular de manter uma língua latina, com a desculpa de ter resultado de uma política romana de colonização agressiva, que basicamente teria substituído os Dácios de Decebalus por colonos romanos.
Porém, estoutra eventual ligação deixa outra pista para essa ligação linguística... poderia acontecer que esses povos - em partes tão distintas - estivessem ligados por uma língua e cultura semelhante.
Essa conexão seria marítima, não através do Mediterrâneo, mas sim através da costa oceânica europeia, que se estenderia com ligação até ao Mar Negro... até que essa ligação desapareceu, com o fecho final do Tanais.
Lethes
O que aqui falamos é de uma possível conexão entre povos em extremidades diferentes, e de um esquecimento, tal como o simbolizado pelo Rio Lethes - Lima. Estrabo menciona um outro detalhe relativo à lenda do esquecimento no Rio Lima. Se
já tínhamos mencionado a ligação entre os nomes a norte (como Astorga) e os nomes a sul (como Conistorga), e as desavenças internas que podem até ser reflectidas no nome "Endovélico", Estrabo conta que o episódio que teria dado fama ao Lima resultava de uma desavença, da morte de um líder, e da dispersão dos que habitavam as margens do Guadiana para norte do Lima:
Around it dwell the Keltici, a kindred race to those who are situated along the Guadiana. They say that these latter, together with the Turduli, having undertaken an expedition thither, quarrelled after they had crossed the river Lima, and, besides the sedition, their leader having also died, they remained scattered there, and from this circumstance the river was called the Lethe.