Houve recentemente uma série de comentários a propósito de Viriato e Afonso Henriques, dois símbolos de fundação e refundação de nacionalidade, trocados com João Ribeiro.
No final, creio que ambos concordámos que se mantém estranho o desaparecimento dos Cónios, logo após a queda de Cartago e a entrada em cena do Viriato mais famoso (há outro mais antigo), e que a sua nomeação como "amigo de Roma", depois de pretensamente ter chacinado o seu exército, foi facto extraordinário na política Romana.
Mas sobre isto apenas quero acrescentar uma imagem da Serra da Estrela, que encontrei então, por acaso, e que me deixou "sem palavras", e que dificilmente conseguiria enquadrar noutro texto:
O site
joraga.net (de José Rabaça Gaspar) coloca o tema como "
PEDRAS da SERRA - AS FORMAS DAS ROCHAS ou ROCHAS de FORMAS CAPRICHOSAS - Colossais Esculturas de Granito Fascinantes... Umas mãos que apertam possivelmente barro no acto da criação... ou um braço quebrado de monumental estátua."
E não é dito mais nada... procurei outros registos para perceber o local da Serra da Estrela onde se encontra tal "prodígio natural", mas sem sucesso. Este foi o único ponto de informação e localização da imagem. Hoje em dia, seria natural pensar em Photoshop, mas sendo de 2001 e de um concurso de fotografia regional, será claro que existe mesmo... ou existiu, porque o mesmo joraga.net reportava - «Camelo: No lugar do Poço do Inferno, esta obra da Natureza, foi destruída, nas fúrias pós 25 de Abril de 1974 !!!»
Portanto, toda a gente conhece a "Cabeça da Velha", mas ali se reportavam 2 cabeças de velha, 2 cabeças de velho, e 1 cabeça de velhos - todos diferentes, entre muitos outros.
Aproveito a ocasião, para dar uma opinião acerca destas formações.
Creio que os Turdulos Velhos, que habitavam entre o Tejo e o Douro, eram os herdeiros naturais da catástrofe atlântica que se abateu à sua frente, com o aumento do nível das águas. Deles é dito, por Estrabão, que tinham escrita há 6 mil anos, ou seja, cerca de 6 mil anos antes de Cristo... o que antecederia largamente (pelo dobro) qualquer outro registo escrito conhecido.
Desde essa catástrofe, e também por razão de sucessivas guerras, apagamento do registo dos vencidos pelos vencedores, etc... é muito natural que tivessem concluído ser inútil evidenciarem-se (tal como o posto de pistoleiro mais rápido do Oeste, era um posto desgastante que atraía a efemeridade, pela natural cobiça de competidores).
Assim, numa primitiva atitude budista, parece natural que ao invés de erguerem monumentos, simplesmente dirigiam a sua atenção para locais onde as próprias formações naturais constituíam um monumento, oferecendo dúvida ao visitante se seriam ou não de construção humana.
Bernardo Brito falava numa rocha no ponto mais alto da Serra, cujo topo seria em forma de Estrela, e isso seria a razão do nome dado à Serra da Estrela... foi assim que andei à procura de uma rocha em "forma de estrela", e a única estrelinha foi dar com "aquelas mãos".
Na descendência desses Túrdulos Velhos estavam outros túrdulos, ou Turdetanos - uns no Alentejo e Algarve, também chamados Cónios, e outros na Andaluzia, chamados Tartéssios.
Ou seja, a política dos Túrdulos Velhos terá sido passarem despercebidos, manipulando nos bastidores, tanto quanto possível, os restantes povos vizinhos... e não só.
Damião de Castro fala ainda em "chacinas" feitas pelo romanos de Galba em Campo de Ourique... o que nos leva ao tópico seguinte.
Afonso Henriques (ibn Eriq) e Ourique (Oriq)
João Ribeiro fez muito bem em obstar sucessivamente a essa hipótese, dizendo, por exemplo:
"Onde passaria ele o Rio Tejo?" Em qualquer lado onde fosse possível a passagem, Almourol por exemplo."Usaria as barcaças de quem?" As existentes no local. Não me parece um factor impeditivo de nada até porque facilmente se pode construir jangadas para a passagem. "Quanto tempo precisaria para chegar a Ourique, e como não defrontaria ninguém até lá?" O tempo necessário e terá havido confrontações pelo caminho, simplesmente não são mencionadas porque terão sido de pouca monta. Aliás sem essas pequenas conquistas seria impossível a empresa por falta de mantimentos. Tudo isto é muito relativo e subjectivo. Poderá ter sido a grande campanha de D. Afonso Henriques. Uma campanha articulada por terra/mar/rio. Aproveitando as dissidências entre líderes das várias praças mouras e com tratos com outros chegou a Ourique onde se travou apenas mais uma das batalhas da campanha. Não foram 5 Reis que derrotou mas provavelmente 5 governadores ou algum tipo de líderes mouros. Não se sabe o local exacto da batalha porque foram vários.
Acontece que Bernardo Brito dá uma sustentação a essa teoria de penetração terrestre:
Chegado pois o mês de Julho do ano do Senhor de 1139 partiu com suas bandeiras soltas & as esquadras postas em som de guerra, nas quais iam por todos doze mil infantes e mil ginetes, poucos em número, mas invencíveis nos esforços & brio; com esta ordem, passou o Príncipe as águas do formoso rio Teijo, sendo o primeiro que com ânimo de conquistar mouros passou, depois que foi deles ganhada a terra que ele divide da outra que chamamos Beyra. Com grande trabalho de sua gente atravessou o Príncipe as solitárias charnecas que na terra havia & há hoje em dia desprovidas de toda a recordação a quem por elas caminha.
Do ponto de vista logístico, ainda me parece complicado ter uma grande força militar encurralada no meio de território inimigo, mas a menção às "
charnecas" dá uma outra pista para as tropas correrem.
Porque "charneca" mantém no Brasil o significado de terreno pantanoso, alagado, e isso poderia corresponder a uma deslocação ao longo de margens do Tejo que antes penetravam no Alentejo... chegando quase até Ourique, pela sua continuação pelos terrenos antes alagados pelo Sado.
O que me parece algo mais difícil de sustentar é que se tratou apenas de uma incursão ocasional, do tipo "fossado", conforme é também considerado:
A tese do fossado também pode explicar o registo meramente informativo da primeira notícia que se conhece sobre a Batalha de Ourique, incluída no Livro de Noa I, ou Chronicon Conimbricense, escrito no Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra pouco depois de 1168, ainda durante o reinado de Afonso Henriques. Notícia que se repete literalmente no Chronicon Lamacense, manuscrito da Sé de Lamego copiado já no século XIII mas a partir de um texto do século anterior, contemporâneo do Livro de Noa. Esses dois textos limitam-se a indicar a data e o local da batalha e o nome do rei mouro posto em fuga: Ismário e Examare, variantes de Esmar que, por sua vez, derivará de Ismael, o primogénito de Abraão e “pai” da raça islâmica. O mesmo nome é dado na Crónica dos Godos ao chefe mouro e irá perdurar, com ligeiras variações, nas ulteriores narrativas da Batalha de Ourique, apesar de não ser referido nas crónicas árabes, o que leva a supor tratar-se de um nome simbólico. Apesar da sua concisão informativa, os dois relatos não deixam de referir-se a Ourique como um combate ou mesmo uma grande batalha (prelium e lis magna), iniciando-se assim o engrandecimento deste efabulado confronto entre cristãos e islâmicos que, volvidos poucos anos e ainda em vida do seu protagonista, será exaltado como um grande feito bélico na Crónica dos Godos, escrita em Santa Cruz de Coimbra pouco depois de 1184.
O texto que acabamos de citar remete para a "teoria clássica", e eu apenas deixaria uma nota adicional a este propósito. O cronista Duarte Galvão refere que Egas Moniz morre no decurso desta incursão, quase no seu início, antes de qualquer passagem do Tejo.
Nesse caso não teria sido apenas uma incursão bélica, de combatentes experimentados.
Nesse caso, isso revelaria sim, uma grande aceitação pela população que vivia sob controlo mouro, que forneceria a D. Afonso Henriques todo o apoio logístico necessário a tal deslocação. Ou seja, o "território inimigo", era já notado como "território amigo". Ou seja, seria mais esse sentimento de aceitação popular que lhe permitiria ser rei por direito próprio, do que por direito outorgado por Roma.
O facto notável de D. Afonso Henriques será esse congregar de uma nacionalidade antiga, que impediu que tentativas mouras posteriores, de recuperar o antigo território dos Túrdulos, tivessem sucesso. Tirando um cerco a Santarém, nunca mais o território acima do Tejo foi incomodado... algo bastante diferente do que acontecia antes - o Conde D. Henrique terá conquistado (1093) e perdido Lisboa, logo de seguida (1095).
Quanto à hipótese de incursão naval, parece-me fazer ainda sentido, como referia João Ribeiro, pelo menos como apoio no caso de assegurar a retirada, caso se vissem cercados em territórios alentejanos, e perante uma derrota em Ourique. Não era a mesma situação do fossado de D. Sancho I a Sevilha, onde havia uma continuidade territorial próxima. No caso de cerco, o regresso a Coimbra seria praticamente impossível.
A isto acresce a história do resgate do corpo de S. Vicente, que é colocado como intenção de D. Afonso Henriques logo que soube do assunto em Ourique, conforme relata Duarte Galvão. E aí se declara que não o tendo logo resgatado, manifestara intenção de o levar para depositar em Lisboa, quando esta fosse conquistada. Esse episódio do transporte foi reconhecidamente efectuado por via marítima, conforme atesta o símbolo do brazão lisboeta.
Assim, de uma ou de outra forma, no tempo de D. Afonso Henriques é suposto que as naus portuguesas tenham feito pelo menos uma incursão algarvia, para resgatar o culto de S.Vicente, num local que era antes reportado ao culto de Hércules... e talvez, antes disso,
a outro vicente.
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Aditamentos: (i) Finalmente, não deixamos de notar que associar o nome do Emir de Badajoz, Ismar ou Esmar, a uma variante de Ismael, sendo possível, não deixa de ser estranha por falta de registo espanhol ou outro, para o mesmo personagem... e ao ler caligrafia antiga, não há grande diferença entre quem "diz mar" e quem "d'ismar" fala.(ii) A Ermida de S. Pedro das Cabeças, onde se terá realizado a batalha, parece-me fechada ao público.