Junto aqui um texto de David Jorge que me chegou por email há uns tempos, e que só agora tive oportunidade de partilhar, com a autorização do autor.
Começa com uma comunicação do Almirante Gago Coutinho, que tinha lido há 8 anos atrás, mas a que nunca fiz aqui referência. É claro que a projecção mediática de Gago Coutinho era muito grande na altura, tendo sido altamente propagandeada a sua travessia aérea do Atlântico Sul, mas também não foi por isso que as suas dúvidas sobre a prioridade das explorações portuguesas na América ficaram na história.
Já muito antes, Faustino da Fonseca, em Portugal, e Garcia Redondo, no Brasil, tinham compilado uma quantidade enorme de informação, conforme relatei aqui:
... e mais concretamente registam que os mapas de Andrea Bianco têm afirmada a existência das "Antilias" em 1436, e reafirma a existência do Brasil em 1448. No entanto, dão como primeira presença portuguesa nas Antilhas, a de Afonso Sanches (antes de 1483). Antes disso já teria existido a viagem de João Vaz Corte-Real, em 1472.
Talvez ainda mais curiosa é a ligação de Martin Behaim a uma viagem de João Afonso do Estreito... cujo apelido "do Estreito" é suposto vir de uma aldeia madeirense. Viajou com Fernão Dulmo, na proposta de explorar a América a Ocidente, projecto financiado por D. João II... sim, o mesmo rei que recusou depois essa ideia original de Colombo!
Bom, interessa a passagem de Gago Coutinho que diz:
Como estes navegadores são em espírito açoreanos, deduz-se que era exactamente nos Açores onde a suspeita de terras de Oeste era mais forte, fundada naturalmente no facto de lá irem dar à costa frequentes vezes detritos vegetais, que a corrente do Gulf-Stream trazia do Golfo do México.
Esses detritos poderiam ser também canas do Canadá, ou por essa ponta segue o texto de David Jorge.
______________________ David Jorge, email em 19 de Março de 2018 _____________________
Sobre Cortes Reais Faço o meu comentário ao seu post recente "Teatro dos Descobrimentos (2)" pois tenho um anexo que ainda não coloquei na biblioteca, pois estou a criar uma apenas para monografias.
Numa tentativa de juntar um pouco mais de informação ao seu artigo, anexo um documento com o título:
em Julho de 1933, segundo seu autor o ALMIRANTE GAGO COUTINHO
Poderá ver aqui que Gago Coutinho estudou e apresentou uma tese com o ponto de vista de quem conhece o mar e os ventos para de que modo Gaspar ou Miguel terão chegado às costas norte americanas utilizando a volta do mar.
Todo o ensaio parece-me muitíssimo interessante, no entanto destacaria da página 16 adiante para entendermos melhor a sua conclusão.
Relativamente ao Canada
Antes de mais aviso, que este texto é de opinião e ainda não tem a justificação factual suficiente que o comprove na integra.
Quero explicar porque escrevo sempre Canada e nunca Canadá.
Não tem propriamente a ver com o inglesismo do termo mas sim com o que me parece a verdadeira origem da palavra.
(...)
Posso afirmar, que conheço os nome de alguns dos grupos de povos das First Nations que habitariam o Nordeste da America do Norte por volta do século XVI, e que nunca em momento algum foi ou em qualquer das escolas que frequentei, ouvi falar ou estudei, que em tempos remotos existiu uma tribo de Canadaas ou de Kandaas.
Dos grandes grupos de "First Peoples" do NordEste da América, por volta de 1500, fariam parte além dos Mi'kmacs (notar que o Nasi era Micas em Portugal) - que foram dizimados devido a uma mistura com os europeus de tal forma que hoje em dia pouco resta da sua cultura (e o que há é contado já depois da ocupação Inglesa), os Iroquois apoiantes ora de Ingleses ora dos Franceses, perduraram, os Algonquins que fugiram para o norte para sobreviver aos "invasores", e, no interior do Rio São Lourenço (notável ter o mesmo nome da ilha de Madagascar), onde hoje se encontra a província do Ontário, poder-se ia encontrar o grupo dos Hurons homenageados pelos Ingleses com o nome de um Lago.
O wikipedia lista as diversas tribos destes grandes grupos no seguinte link:
onde podemos verificar a total ausência dum Canadaas ou Kandaas ou algo a que se assemelhe a Canada.
Há no outro lado o atlântico um grupo cultural, os Haida, famosos pelos seus totens e reconhecimento por serem grandes navegadores do pacifico.
De entre os grupos nativos mais virados para o mar, os Haida além de pescadores exímios eram também excelentes na construção de embarcações e tal como os povos da Polinésia, também tinham o objectivo de colonizar ilhas, ocupando o grande arquipélago de ilhas da Colômbia Britânica quase a 80%.
A razão por lembrar os Haida ("povo" do mar) é porque existe um termo "Canuck", usado na costa oeste para descrever o "Canadiano Francês" ou o "Holandês Canadiano" pelos ingleses (agora "americanos"), e por se tratar de uma palavra que poderá ter ascendência nativa da palavra kanata (com tradução para vila ou abrigo). [segundo a wikipedia]
Assim os Kanucks, das kanatas, teriam (segundo também a wikipedia) "roubado" a expressão aos Havaianos onde Kanaka (significa o mesmo que kanata).
Temos Kanakas no Havai, temos Kanatas na Costa Oeste do Canada e temos Kanataa como a razão pelo qual se chama Canadá ao Canada.
Típica casa Havaiana
Chegamos então ao Canada sem assento.
Nos açores, todos conhecem as canadas e o priberam descreve-as como:
1. Azinhaga, atalho.
2. Fila de estacas, através de um rio, para indicar o vau.
3. Sulco formado pelas rodas dos veículos.
4. Faixa de terreno baixo, mais ou menos em forma de canal.
Como portugueses sabemos que as canadas servem para abrigar, além de delimitar, ou de encaminhar.
Seguem-se imagens das algumas reconstituições de aldeias e (paliçadas) dos povos das primeiras nações do Canada e dos EUA.
Forte Algonquin (Forte Inglês dos Algonguins)
Layout esquemático de como seria a aldeia Algonquin antes da colonização.
Layout de uma vila típica Huron ou Iroquois
Layout de uma Vila Huron ou Iroquois
Reconstituição de uma aldeia de Hurons, Iroquois ou Algonquin.
(Repare-se nas “Paliçadas”)
Outra reconstituição arqueológica, semelhante à que visitei em Sault Saint-Marie no Canadá.
Aspeto idealizado de uma aldeia no Nordeste da América do Norte.
Em todas as imagens temos uma "paliçadas" a que podemos chamar "canadas" que protegem as vilas.
Por outro lado temos as vilas posicionadas sempre junto a um curso de água, normalmente um rio com vários tributários que em termos de segurança eram um meio de escapatória em caso de ataque por uma outra tribo, assim como as "as vias de comunicação e transporte".
Um Português que chegasse à desconhecida costa NordEste da América do Norte, descreveria o território pelas suas vias navegáveis se fosse do continente, pois estaria habituado a esse tipo de navegação e faria a ligação a "casa" e descreveria o território como um território com milhares de ilhas, na verdade um numero incontável.
Um Português dos Açores, associaria o vislumbre destes territórios não pelos rios navegáveis, descreveria sim as ilhas, e o que lhe pareceria mais comum além das ilhas, os povos, que morariam em aldeias, protegidas por "canadas" tal como o terrenos de cultivo dos Açores.
Canadas a Trilhos a “Trails”
É notável relembrar que canadas são também trilhos, e o Canada é um país repleto de trilhos (de notar que “Trail” EN, nada tem a ver com C A N A D A, assim como “Sentier” ou “Piste” em FR, no entanto tanto “canada” PT como “cañada” em ES têm tudo a ver.
Os povos nativos do Canada não teriam estradas, por essa razão faria sentido também reconhecer que, para qualquer lado que se fosse nestes territórios ter-se-ia de seguir, por exemplo a “canada” grande (the great trail) ver no wikipedia: https://en.wikipedia.org/wiki/Great_Trail
Repare, que embora os povos da costa negociassem matéria prima diferente dos povos do interior, as peles e milho vindas do interior do território teriam de chegar à costa por terra pelas canadas.
Canas que Chegavam aos Açores
Para finalizar, relembro que Gago Coutinho menciona as "canas" que chegavam aos Açores.
Eram trazidas pelas correntes, desde os rios da América do Norte até à costa dos Açores (ainda hoje isso acontece).
O vislumbre dos exploradores ao reconhecerem algo que apenas chegava às suas “terras” em alturas de temporal, deve ter sido digno de um “eureka”.
Assim, o mistério da origem dos detritos que flutuavam até à costa dos açores, tinha agora uma origem conhecida.
Este era o território de onde as canadas que os açorianos recebiam na costa vinham.
[Anexo artigo da wikipedia sobre uma canada nos açores - Canada do Graciosa ]
Em comentário a este texto, João Ribeiro salienta a semelhança com as cabanas, choupanas, e choças, apontando para o programa de J. Hermano Saraiva no Museu de Etnologia:
Sendo evidente a semelhança no aspecto e material de construção, merecerá cuidado perceber até que ponto há ligações na forma da estrutura e técnica de construção. Certamente que tal reflexão não terá escapado aos estudos antropológicos, se notarmos ainda semelhanças com as chamadas "Palhotas" africanas, que existem sob diversos aspectos, mais ou menos comuns, entre diversos povos, desde os aborígenes australianos, aos indígenas da Papua e Nova Guiné, até aos índios da Amazónia.
Pode ser apenas uma semelhança de solução, encontrada independentemente, ou pode ser um legado comum, passado desde os tempos mais primitivos.
Aditamento (2):(24/04/2018) Em comentário, aparece um texto do Dr. Manuel Luciano da Silva, extraído do livro - "Cristóvão Colon, [Colombo] era português":
Tenho uma ideia diferente do nome "canada" ou "canadá". Revendo os mapas da cartografia portuguesa e os documentos antigos que se referem às Terras dos Bacalhaus, verificamos repetidas vezes que estas terras eram chamadas: Terras dos Cortes Reais, Terra do Labrador, Terra de Estêvão Gomes e Canadá! João Vaz Corte Real era natural de Tavira, Algarve, Portugal, onde tinha propriedades chamadas Canada.Perto de Tavira existe uma placa na estrada indicando o primeiro local no Mundo chamado Canada.A origem do nome Canadá vem do nome CANADA, das terras que eram propriedade dos Cortes Reais na cidade de Tavira, no Algarve, Portugal. Canada é o nome dado a uma pequena ribeira com canas - daí o nome canada - mas que depois se expandiu para significar uma passagem estreita e ventosa. Na ilha da Terceira, Açores, existem muitas canadas nomeadas pelos Cortes Reais. Estes navegadores fizeram a mesma coisa no Canadá.Os educadores e historiadores do Canadá deviam verificar estes factos e ensinar a VERDADE à juventude canadiana e a todos os cidadãos canadenses, em vez de estarem a ensinar erradamente, favorecendo os colonos ingleses e franceses que chegaram muito tarde!É realmente uma pena que os lusos canadianos não brandem aos céus e façam valer os seus direitos em reclamar na imprensa, rádio e TV do Canadá, afirmando que a primazia das descobertas daquela Nação foram feitas por portugueses idos dos Açores! Todos os canadianos deviam ter orgulho na sua Pátria ter sido descoberta pelos portugueses, pois eles foram, sem dúvida, os campeões das descobertas marítimas mundiais!
Complicando mais a questão, deixo aqui umas curiosidades que encontrei, resultantes duma analise recente ao seguinte mapa: 1543 - Brouscon, Guillaume - "Portolan Chart & Nautical Almanac" Link: https://mega.nz/#!aoclxQyY!HKzgeqCM0LuRlw8bobg2asDWtTR_lGAN6HTwREu9mUA
Trata-se de um mapa compilado, certamente apartir de mapas de navegação com diversas escalas e sem norte, (note-se que nem estou a dizer que a fonte era Portuguesa, pois ai já todos sabemos que era) feito por um francês que "afrancisa" toda uma toponímia mundial.
Curiosidades deste mapa:
1º - "Lavrador" é escrito como "LAMVRAD"+"E?!" (o nome aparece cortado pelo scroll ou simplesmente foi colocado posteriormente e não coube no espaço) ainda assim muito diferente de LABORATEUR ou LABRADOR como noutros mapas contemporâneos em francês, originarios de uma mesma escola que presumo ser Dieppe);
2º "Canada" aparece como CANADE e não como CANADA ou KANADA ou algo que acabe em A. A palavra lê-se nitidamente sem necessidade de interpretação das letras, é CANADE e não CANADA que está lá. Até aqui poder-se-ia concluir que se trata de meros erros de escrita, o tipico, "typo" que o corretor não apagou, mas uma pesquisa pelo significado de CANADE em francês revelou algo que não conhecia no nosso léxico, ora vejamos:
Segundo o "Dictionnaire universel françois et latin" de 1758, na pag. 1635 Tomo Primeiro, temos a seguintes definições:
" C A N A D E - s.s. Nom que les Portugais donnent sur la mer à la mesure du vin, ou d'eau, qu'on donne par jour à chacun de ceux qui composent l'équipage. Il y a trois cents canades à chaque pipe. "
Do que conheço e pesquisei, seria mais CANADO que CANADE, mas ainda assim admito ser mais um francesismo de um termo Português.
" Le mot Canada - est apparemment un mot Sauvage, mais dont on ne sait point la signification. On ignore aussi la raison qui le sait donner à ce pays. Quelques-uns croient que ce sut parce que les Sauvages répétoient souvent ce mot Canada quand les François y aborderent. D'autres parce que c'étoit le nom du fleuve de S. Laurent qui sut donné à tout le pays; & d'autres parce que le petit pays de Canada sut le premier que l'on trouva. Il y a une Histoire Latine du Canada para le P. François Du Creux Jésuite, dans laquelle on trouve un bonne Carte du Canada. "
Em resumo, o que considero curioso é o facto, que se lermos a definição de Canade e depois a definição de Le mot Canada, somos quase que levados a pensar que alguém teria ensinado os Nativos a pedir vinho quando os Europeus chegavam.