Relativamente ao comentário acerca do mapa constante no manuscrito "Apocalipse do Lorvão", trazido por Djorge, deixo aqui os meus comentários.
Em primeiro lugar, penso que se sabe que "
apocalipse" é um sinónimo de "
revelação".
Quero dizer, no sentido "
desvelar", porque "
revelar" seria "velar" de novo (meter novo "véu").
Tal como "
eucalipto", que significa "
bem-cobre", "
apocalipto" seria "
des-cobre".
Já
falei sobre este assunto, e pouco há mais a acrescentar. Uma técnica conhecida de manter a cobertura, parecendo que se está a tirar, é colocar uma outra por cima. Há uma grande diferença entre expor mentiras, e inventar uma nova verdade. Expor mentiras é de facto "desvelar", substituir a mentira anterior por uma nova verdade, já pode ser uma simples tarefa de "revelar", e há adoradores dessas cobras, que cobram e cobrem tudo.
Adiante.
O "mapa do Lorvão" que apresento aqui tem inserções (a amarelo) com os nomes ali escritos.
Conforme sinalizado por Djorge, apenas temos metade do mapa, mas após breve análise do conteúdo, estou convencido que se tratava do
hemisfério sul, e teria sido a parte norte que desapareceu.
Com efeito, o mapa começa com
Calpes Mons, e isso é a designação antiga do
rochedo de Gibraltar. Curiosamente, há um outro grande rochedo em Espanha que também é designado
Calpe (perto de Valencia), mas também é conhecido como Peñon de Ifach.
Um outro monte Calpe - Peñon de Ifach
Depois, o mapa segue para os Montes do Atlas (ali escrito "
adlas"), fala de uma região deserta (provavelmente referindo a costa do Saara), e de seguida de "
monstruosos alpes etíopes", sendo natural que se pudesse referir ao
Monte dos Camarões (vulcão, dito "
Carro dos Deuses").
Segue-se uma designação "
adanziam", a que não consegui identificar relação (mas poderia referir um "
adamastor"). No entanto, em frente está uma designação de ilhas "
Furtuniax Insula", que podem ser associadas às míticas
Ilhas Afortunadas, que tanto serviram como designação das Canárias, das Ilhas de Cabo Verde, ou até foram ligadas às Antilhas ou ao Brasil.
Passado esse ponto, o mapa sobe rapidamente, ignorando a parte leste africana, aparecendo uma "região deserta e arenosa" (talvez a península arábica), para chegar rapidamente a uma outra zona, identificada como "Caldeia", aparecendo de seguida os rios Tigre e Eufrates, da Mesopotâmia, muito perto de uma "Índia de
São Tomé" (escrito "Thomas").
Como era hábito nos mapas medievais coloca-se uma fonte no paraíso (Fons Paradisi), de onde saíriam os rios principais (Tigre, Eufrates, Giom~Nilo, Pisom~Ganges), na área
Pártia. Curiosamente, ao lado está a ilha "Tabroiano", que se identifica provavelmente à mítica
ilha Taprobana.
Há uma interessante análise deste mapa neste link:
que permite a seguinte leitura da inscrição da ilha/continente identificada aos Antípodas (e aqui podemos estar com uma ficcionada ou real representação australiana):
Ad est regio solis ardore incognita nobis et inhabitabilis antipodes habitare ibidi cuntª homines pedem latum habentes de quo pede umbra sibi ad calorem adhibetur
ou seja, tendo em conta a tradução aí constante, "
A região de sol ardente é-nos desconhecida, nuns limites inabitáveis antípodas, onde homens têm grande pé, a qual sombra os guarda do calor", remete-nos para o tema dos patagões, já aqui trazido também por Djorge no postal
Regno Patalis.
Veja-se também o link do trabalho de Thiago Borges (pág. 42, "
O mapa-múndi do Beato do Lorvão"), que é pouco elucidativo quanto ao significado, nomeadamente das ilhas "Espendum", ou "Cors & Agire", de que não encontro outra referência.
Em suma, creio que estamos claramente perante uma representação de um hemisfério sul, com uma referência clara a regiões míticas que polvilham a mentalidade monástica, como sejam as ilhas afortunadas ou os antípodas com os patagões. Apesar de prever uma África contornável, nada tem de preciso que sustentasse esse conhecimento, tendo sim uma distorção geográfica impressionante, própria de forçar a geografia à lenda e não o contrário.
O aspecto mais relevante parece-me ser a completa ausência de referência às partes da China, o que não se pode concluir em definitivo por falta da outra metade, mas que se pode deduzir, já que a China só terá começado a polvilhar o imaginário medieval depois dos relatos de Marco Polo.
Divergindo parcialmente da sua conclusão, não deixo de citar o comentário inicial de Djorge, que foi particularmente informativo e motivador para esta breve análise.
Há dias estava eu a dar uma olhada no manuscrito do Beatus Apocaliptico de Lorvão, que se pode consultar no arquivo digital da torre do tompo com o seguinte link:
Quando me lembrei deste post, pois como lhe disse em tempos, não acredito em coincidências.
Assim segue algumas "curiosidades" que detectei e que me levaram a ligar este post com o Manuscrito.
1. Para além de estar ligado à Ordem de Cister, tal como outros manuscritos copiados dos apontamentos pelo Biato de Liébana sobre o apocalipse, como de San Andrés del Arroyo. Este, o Português, foi escrito em latim, teoriza-se por "Monjas" (o que por si já denota a importância da figura feminina no seio do conhecimento na época medieval) da ordem de Cister.
2. A autoria é atribuida, no site da torre do tombo, a EGEAS.
3. Está atribuida uma data de 1189 ao manuscrito.
4. O Apocalipse do Lorvão pertenceu ao mosteiro de São Mamede Lorvão, de onde foi trazido para a Torre do Tombo por Alexandre Herculano.
5. Tal como o manuscrito de San Andrés, este manuscrito tem um mapa mundi, semelhante ao de Stº Isidoro.
6. Tem "particularidade" de lhe faltar o verso da página 78, ou seja metade do mapa mundi.
7. A metade que lhe falta, é exatamente a metade OESTE, a do Atlantico, e respectivas "ilhas" que no manuscrito de San Andrés ladeiam a margem exterior do mapa.
9. Enquanto o mapa do Beatus de San Andrés contem um mapa iluminado muito figurativo, a metade do mapa no Beatus do Lorvão é mais simplista e aparentemente mais geograficamente correto.
Especulação:
Ora se Pero Vaz Bisagudo tinha um mapamundi, "mapamundi antigo", teria de ser copiado de algo.
Não seria certamente o mapa de Andrea Bianco, aliás, o de Andrea Bianco também teria de se basear em algo. Como consequência surgem mais uma vez as explorações Portuguesas ao longo da costa africana, como fontes para o Mapa de Bianco. A ligação entre Bianco e Bisagudo aparenta fazer sentido tendo em conta a viagem de 20 Caravelas que Bisagudo levou ao Reino do Benim com um forte "em peças" para montar (já escrevi noutro post aqui no seu blog, sobre a caravela que da Gama levou numa Nau e que montou na Ilha de Moçambique). Podemos suspeitar que Bisagudo contactou Bianco e lhe forneceu informações sobre a costa africana e as explorações para Bianco colocar no seu mapa?? Não me parece.
Especulo então que, à falta de outro mapa passível de ser uma fonte fidedigna existente em Portugal à época, pela semelhança com os codexes (beatus), pela semelhança e próximidade de datação entre o mapamundi de Stº. Isidoro e o mapamundi no Beatus "Apocalipse" de Lorvão, a metade em falta teria uma grande probabilidade de ter sido o tal mapa que Bisagudo detinha com a localização do "Brasil".