Urbano Monte é o nome de um cartógrafo italiano que deixou um atlas razoavelmente completo e intrigante. O assunto foi trazido há duas semanas, em emails de David Jorge, de que procuro fazer aqui um pequeno resumo.
Curiosamente, o assunto acaba por cair também em D. Sebastião, já que o cartógrafo italiano inclui dois mapas com a sua cara, em forma de continuação:
... estrofes que se poderão ler mais ou menos assim:
A situação é tanto mais estranha porque o atlas acaba por incluir uma adição com um diferente auto-retrato do autor Urbano Monte.
- Primeiro com 43 anos, lê-se no original URBANO:TERTIO:DA:MONTE:AN: 43.
- Depois com 45 anos, é cosido o retrato circular, dizendo URBANO MONTE D'ANNI XXXXV
A razão pela qual isto acontece é estranha e dificilmente explicável.
Não é comum esta actualização do auto-retrato com inserção de nova imagem.
Aliás, todo o mapa é suficientemente estranho, para merecer diversos comentários.
A referência mais antiga que encontrei deste atlas é de 1810,
num Magasin Encyclopedique (por A.L. Millin), dizendo que
Carlo Amoretti (
membro do Instituto Nacional e do Conselho de Minas do Reino de Itália, bibliotecário da Ambrosiana de Milão)
a trouvé dans la même bibliothéque un grand Traité de Géographie, manuscrit autographe d'URBANO MONTI, écrit entre 1590 et 1598, où l'on voit dessiné le détroit qui porte à la mer Glaciale
Nota "en passant" - Ferrer Maldonado; João MartinsConvirá aqui salientar que o mesmo texto de Amoretti refere que os espanhóis teriam enviado o capitão
Lorenzo (Laurent, Lourenço) Ferrer Maldonado numa viagem pela passagem Noroeste.
É suficientemente estranho que esta descoberta fez sensação à época, e Amoretti mandou publicar o livro do capitão espanhol (
que está à venda... por quase 10 mil dólares).
Entretanto, o tempo passou... Amoretti terá morrido, e todo o documento de viagem de Ferrer Maldonado foi desacreditado nos anos seguintes, como sendo falso ou fantasioso.
Interessa que este nome nem sequer consta da wikipedia, e dificilmente
aparece mencionado pelos próprios espanhóis.
Curiosamente é ainda feita referência a uma carta náutica de João Martins (
"Juan Martines", Portugais) que teria sido seguida por Ferrer Maldonado na "parte complicada".
De João Martins é dito haver um portulano na Academia Imperial de Turim. Ora, desse João Martins, em Portugal, não se parece saber quase nada... mas
constam 18 atlas, e 140 cartas, atribuídos a si.
Urbano Monte -vs- SebastiãoAcerca do atlas de Urbano Monte, Djorge vai citar a Maria da Fonte que já tinha antes mencionado este mapa (no
facebook), na perspectiva de que o que veríamos seria o retrato do próprio D. Sebastião e não haveria nenhum Urbano Monte!
Esta perspectiva poderá parecer ousada e bizarra, para os leitores mais convencionais.
No entanto,
segue a linha de que o próprio D. João II poderia não ter morrido em Alvor.
Há comandantes e comandados.
As idílicas paisagens paradisíacas de que as navegações traziam notícia, estavam ao alcance real?
Houve conhecimento de algum rei que se fez ao mar, e seguiu os seus pilotos, em viagens que já eram corriqueiras, e que raramente traziam grandes desastres?
Haveria maior risco em enfiar-se numa batalha no meio de mouros em África, ou em enfiar-se numa nau, visitando o Brasil, que só foi conhecido "realmente" na fuga napoleónica de D. João VI?
À partida, não vejo nenhum obstáculo lógico a que um rei decidisse findar os seus dias fora de uma corte europeia decadente e burocratizada, e partisse numa outra aventura além-mar, para ver com os seus olhos, terras, ilhas e mares, que não passariam de desenhos em mapas, doutra forma. E, se nisso tivesse projecto de desenvolver nova sociedade, para além da sociedade europeia, juntando a si os seus mais próximos... pois que outra forma subtil de se fazer desaparecer que numa batalha, no meio do nevoeiro das intrigas?
Comentários/questõesDjorge, a propósito do mapa deixa ainda as observações:
- 1º) Julgo ser a primeira vez que vejo um autor assinar um mapa com dois auto-retratos seus.
- 2º) Os dois auto-retratos "aparentemente" separam-se em 2 anos, no entanto não aparentam ser a mesma pessoa nos 2.
- 3º) Se a data do atlas/mapamundi for a que aparece na discrição pelo arquivista da biblioteca, 1587, e tendo em conta que o wikipedia dá como data de nascimento 1544, significa que nem o primeiro o primeiro nem o segundo selo corresponderiam à correta idade do autor.
- 4º) Sendo que D. Sebastião é dado como tendo nascido em 1554, a soma das duas idades das figuras daria uma datação para o mapa de 1599, ou 1596 dependendo da figura do selo.
- 5º) Não vi ligação nenhuma no soneto, embora não me soe estranho, podendo ser algum excerto dos Lusiadas, não sei se era isso a que se referia "Maria da Fonte".
- 6º) O texto por baixo da figura do rei de Portugal, parece-me referir a lenda do regresso de D. Sebastião, o que é estranho é que em 1586, 1596 ou em 1599 já seria Filipe I a reinar em Portugal e Algarves.
- 7º) Estranho é que neste atlas o Rei de Espanha e das "Indias" não é o Rei de Portugal.
Ora, a este propósito mostramos a ilustração reservada ao Rei de Espanha, "Philipo:Max"
Do lado esquerdo segurando no globo e de joelhos, está o rei do Peru e diz-se:
- qui parla Atabalipa Re del Peru designato como nela tavola seguente
- Quando sugetto a me, quel novo mondo, et al Demonio ancor, era infelice, hora que é tuo, fia molto giocondo
... ou seja, o chefe inca diz com sarcasmo a Filipe II, que a América sujeita a ele, e ao demónio, era uma terra infeliz, mas que sujeita a Filipe II passava a ser muito agradável/feliz.
Por outro lado, no mar há uma sereia que acrescenta:
- Eccoti o Re magnanimo, e soprano, che come merti, il marinesca stofo Del mar l'Imperio con questa a te dano.
Portanto, se Urbano Monte envelheceu muito naqueles 2 anos, percebe-se que a sua ironia poderá ter tido consequências... e também parece natural que o atlas estivesse escondido durante mais de 200 anos.