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Comentários ao postal anterior, e em particular um comentário de A. Saavedra suscitou a questão sobre quais seriam os objectivos que teriam motivado os diversos agendamentos, em particular, os mencionados - descolonização, colonização, descolonização, globalização...

Se formos pelo lado da maçonaria, veremos invocado o "humanismo", o que seria um propósito muito nobre, se não tivéssemos também sido habituados aos aspectos pouco "humanos" que as lengalengas de boas intenções nos trazem. A esse propósito, e para que fique claro, ainda pior registo nos deixaram todos aqueles que, em nome de boas intenções, fossem estas cristãs, muçulmanas, judiarias, ou outras, trouxeram à Terra um pouco do pior inferno que lhes atravessava o espírito.

Auto-de-fé, no Terreiro do Paço em Lisboa, Séc. XVII.
Deve entender-se em português "Auto" como "Acto", ou seja, Acto-de-fé.

Portanto, não podendo fiar nas próprias respostas, de gente pouco fiável, resta a arte de especular.
Especular significa observar de forma inteligente, algo que é conveniente confundir com disparatar.

Etimologia
Uma das primeiras coisas interessantes é tentar perceber se as palavras nos indicam algum caminho, já que o Português não é apenas uma língua, aparenta ter toda uma filosofia encapsulada... assim o queiramos perceber.

Objectivo, deriva de objecto, ob-jecto, e vou aqui citar algo que escrevi há uns anos:
Projectar resulta da composição do prefixo "pro" com "jactar" de onde vem "jacto".
Ora, jactar é lançar (como em "alea jacta est", os dados estão lançados).
Projectar é assim lançar para a frente, ou para o futuro.
Rejeitar, que é desvio português de rejectar (inglês: reject), será lançar para trás.
Outras variantes são "dejectar" ou "enjeitar" ambas ligadas a lançar para fora.
Outra ainda está no "sujeitar" (inglês: subject) ficar abaixo do lançado, ou em "injectar" como inserir no jacto.
O jeito português misturou essas raízes... o jeito de lançar substituiu o jacto.
Mas esse jeito de lançamento, provavelmente do dardo, ficou no gesto ou na gesta, e nalgumas povoações ainda se ouve o "ter jêto" em vez do "ter jeito".
O prefixo "ob" é de oposição, como em "obstar" (estar contra), e portanto "objecto" é algo que obsta ao jacto, ao arremesso, ou ao jeito. Esse algo pode ser o alvo, e assim funciona enquanto "objectivo", mas também o arremesso pode ser parado, quando alguém se põe à frente do alvo, e nesse caso diz-se "ele objectou"... O objector colocando-se como objecto, é alvo intermédio do jeito de arremesso.
De igual modo funcionam as palavras:
- "abjecto", arremetido para fora ("ab"), sem jeito; 
- "trajecto", que será o caminho através ("trans") do jacto, ou do jeito; 
- "ejectar", quando o jacto, ou o jeito, é de saída ("ex").

Neste caso, funcionando de forma similar nas línguas de raiz latina, haveria necessidade de invocar o português? Com efeito, "efeito" é suposta conjugação latina de "efectuar" enquanto "effectus", o que significa "é feito", só que em português não é preciso ir ao latim, para tirar "é feito" de "efeito".
Isso não acontece com o "effect" inglês, ou o "efet" francês, não tomam o sentido em "is done" ou mesmo em "est fait", que sonoramente é similar a "efet".
Só que o português vai mais longe, e numa arte milenar que hoje se chama "para inglês ver", não tem o verbo "efazer", tem o verbo "enfeitar".
A diferença entre "efeito" e "enfeito", é que no último caso não é preciso fazer, basta enfeitar...
Tal como passar por ter isso feito, ou ter feito isso, é "feitiço".
Na arte do feitiço, chamada feitiçaria, o povo era ludibriado pelos feiticeiros de serviço.

Filosofia dos abjectos
Este pequeno intróito serve para deixar claro que, na liturgia das palavras adquiridas, um objectivo pressupunha um trajecto e algo que se opusesse a esse trajecto. Ou seja, não supõe alcançar algo sem que nada objecte, sem que ninguém se queixe. Não se pretende algo que "que caia em saco roto".
Curiosamente, a minha perspectiva de "objectivo" foi sempre oposta, no sentido em que a comunidade é útil, mas dispensável, para avaliar da solidez dos objectivos. A solidez deve ser objectiva e não subjectiva, e não é por ter avalo de um ou de um milhão que isso se altera.

Uma necessidade de mérito por confrontação, que é essência do chamado "método científico", reflecte uma mentalidade tortuosa, que dá apenas valor ao que é alcançado por conflito - contra os outros, ou contra os elementos.
O valor sai de unanimismos e nisso não se afasta da mentalidade medieval.

Enquanto numa sociedade primitiva, nómada, um objectivo familiar seria afastar-se para procurar territórios de caça, sem conflitos com os vizinhos... quando a sociedade passou à filosofia agrícola, em que a dependência da terra obrigava à sedentarização, e à inserção numa hierarquia social de alimentação, a expulsão dessa sociedade passou a ser vista como um pior mal.
Abjecto, banido, ou ostracizado (na versão grega), o exílio era um castigo visto por muitos como mais severo do que a prisão ou a morte. Digamos, a prisão não existia, porque ninguém pensava em alimentar e alojar presos de graça. A prisão era o trabalho escravo. A escravatura foi simplesmente uma solução entendida como inteligente para resolver um problema prisional. Nenhuma família romana queria ter que alimentar prisioneiros gauleses, mas se estes servissem como escravos, pois aí dava jeito, mais jeito do que construir inúteis campos de concentração em Roma.

No Séc. XIX aquando da organizada política de emigração europeia, organizada pela maçonaria (e pela cúria romana), os pobres migrantes europeus sonhavam com propriedades americanas, e partiram em debandada como nunca antes. Partiam em magotes para países novos, independentes, muitos deles para uma língua completamente estranha. Curiosamente, na mesma altura que as potências europeias cimentavam o seu poder colonial em África e na Ásia, a maioria da emigração não se destinava a essas colónias. No caso português, a emigração ia essencialmente para o Brasil ou EUA, e em muito menor escala para Angola ou Moçambique. A maioria dos portugueses em África chegou só no Séc. XX, depois dos anos 50.

Vejamos isto em contraste com o que se passou no Séc. XV e XVI. Se a colonização da Madeira e Açores foi rápida e eficaz, não seria de esperar que os marinheiros contassem às suas gentes dos paraísos tropicais que viam?
No entanto, Portugal sempre quis reduzir a sua presença além-mar ao mínimo - a pequenas povoações fortificadas, destinadas ao comércio - as feitorias. Funcionavam como enfeitorias, disfarçando uma efectiva vontade de não-colonização.

As capitanias hereditárias do Brasil, pelo reduzido número, 14 dadas a 12 famílias da pequena nobreza, procuraram resolver o problema ao estilo feudal... ou seja delegar na nobreza o controlo de desses territórios, estendendo o braço da coroa real.

Assim, se a quase totalidade da população europeia não tinha qualquer posse de terra, também não iria ficar com ela, quando ao mesmo tempo haveria uma imensidão de posse a distribuir.
Da posição de servos na Europa, para os camponeses que emigrassem pouco se iria modificar o seu estatuto, já que iriam ficar apenas com diferentes senhores, diferentes paisagens, clima e doenças.
O entusiasmo com a ida para paisagens exóticas só entusiasma os cidadãos actuais. O nobre paraíso seria mais o jardim artificial do que a exuberância natural.
Na altura, ser remetido para paraísos tropicais, era um degredo, uma expulsão da pátria, e só com condenados ao exílio se conseguia uma povoação razoável no ultramar.

Tal como no caso das famílias romanas, as famílias das capitanias viram maior interesse na utilização de escravos, para aproveitar a extensão colonial, do que propriamente em incentivar um estabelecimento de marinheiros nacionais, que poderiam questionar a sua posse. Quando esse incentivo existiu, como para colonizar a Austrália, já no Séc. XIX, e à falta de melhor, uma solução era remeter para lá os condenados... e as despedidas eram encaradas como uma morte, já que dificilmente aos desterrados era pensado conseguir regressar à Inglaterra.

Em contra-corrente com esta filosofia de ver a tropicalidade como lugar de abjectos, mas ainda assim não se afastando dela, surgiu o movimento evangelizador dos jesuítas. Voluntariamente, ofereciam-se ao sacrifício missionário de cristianizar os indígenas. Não se afastava da visão medieval, porque era entendido como um sacrifício em favor da cristandade, e das "almas perdidas" dos indígenas.

No entanto, a vontade de libertação do senhorio alheio manifestou-se fortemente, e apareceram mesmo "reinos piratas", em Nassau, e noutras paragens caribenhas, que fracamente se aguentaram face ao poderio colonial europeu. Até ao fim do Séc. XVIII a ordem europeia visava manter as cabeças coroadas na Europa, e não criar novos reinos satélites... tal como Cartago punia os desertores que abandonassem os seus navios, escapando-se para paraísos tropicais.

Daquilo que sabemos, e podemos concluir, é que o processo de atribuir propriedade a qualquer cidadão foi um desiderato maçónico, iniciado com as repúblicas americanas, especialmente nos EUA.
Nesse aspecto, contribuíram para o efectivo fim do feudalismo no mundo medieval.

A maçonaria, enquanto organização de cariz secreto, mexeu todos os cordelinhos, e em conjunto com os judeus europeus, conduziu um controlo financeiro e editorial, começando a formar a mentalidade das populações na revolução industrial. Não bastava tirar as pessoas das aldeias, era preciso tirar a mentalidade aldeã dessas pessoas. Por isso, se empenhou tanto em formatar a escola, ao ponto de ser impingida uma outra história, que retirasse o catecismo do centro do indivíduo. Como tinha ficado claro, se ninguém interviesse, as pessoas continuariam a ver os paraísos tropicais como infernos, se tais paragens fossem entendidas como um desterro.

Para um observador exterior, é fácil concluir que, mais fácil do que levar alguém ao paraíso, seria  tentar convencê-lo de que tinha chegado... Percebeu-se que seria preciso dar um certificado carimbado de que era ali! O chavão "terra da liberdade" foi de tal forma assumido pelos EUA, e propalado pela Europa, pelas publicações editoriais, que a vaga migratória passou a ser vista como a única oportunidade de se verem livres do jugo senhorial.

Na Europa, as mentalidades começaram  a mudar pelo despoletar sincronizado de revoluções liberais, em 1848, que veio forçar um parlamentarismo em quase todos os reinos, abrindo os portões de poder.
Este plano maçónico foi trabalhado na Inglaterra, disso não parecem restar grandes dúvidas, mas a forma como conseguiu adesões estrangeiras, em todos os reinos europeus, continua a ser um notável caso de sucesso. Além disso, resultando de herança templária, as ligações à Ordem de Cristo, parecem-me inevitáveis, uma vez que o fim prático da autonomia da Ordem de Cristo em Portugal, em 1551, terá levado a uma consequente migração dos seus protagonistas e promotores internos.

Filosofia de eunucos
Os abjectos, excluídos da sociedade, desde tempos egípcios, foram inevitavelmente os escravos.
A prole de escravos gerava escravos, tal como depois a prole de servos gerava servos.
Como o postal vai longo e já falei bastante sobre este assunto:


realço apenas que se gerou nos bastidores do poder, através de serviçais dos impérios, em boa parte eunucos, uma filosofia de descendência que ia para além do benefício da própria prole.
No caso dos eunucos, escravos, isso era bastante claro, e essa tentativa de controlo da sociedade por uma elite de homens, abnegados da reprodução sexual, foi ainda promovida pelo próprio cristianismo - sem constasse em parte alguma dos seus requisitos fundadores que os padres devessem ser castos.

Assim, foi sendo criada a ideia de um objectivo humanitário além do grupo familiar, da tribo, do povo, do reino, cujo propósito maior foi sendo estabelecido pelos movimentos missionários católicos (nomeadamente os jesuítas), ao mesmo tempo que se invocava uma filosofia cristã desprendida do pressuposto religioso, o chamado humanismo. Todo este caldo esteve em ebulição na Europa do Séc. XVI. Já teria ingredientes mais antigos e muito semelhantes na disseminação do budismo, e similares religiões orientais, onde também era requisito uma abstinência dos seus monges.

O propósito de ser pela humanidade, e não tanto por uma classe, por um grupo, por um povo, ou por uma nação, passou a constar de novo da ementa mundial, como nunca antes teria acontecido, ainda que certas noções já existissem de forma localizada no império romano, e na civilização grega, mas que encravavam na noção do estranho, enquanto bárbaro.

Este propósito, não sendo alcançável na sua utopia, estilhaça as diferenças entre nações, ao querer vergar a diferença a uma unidade monocromática. Tornou-se anti-nacionalista em vez de celebrar as diferenças virtuosas dos diversos nacionalismos. Numa tentativa progressista desesperada, foi buscar mais igualdades, onde elas pouco sentido faziam... chegando-se ao cúmulo jurídico de pretender igualdade de direitos para animais, quando estes direitos estão ainda muito longe de ser adquiridos por muitos humanos.
Quando se continua a caminhar em frente, ignorando a paisagem à volta, é que se percebe que os supostos pastores só continuam a ostentar a vara, porque não querem assumir a sua cegueira.
Nada mais vêem em frente, mas ninguém os ensinou a largar o cajado do comando.

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publicado às 04:01


29 comentários

De Anónimo a 29.05.2020 às 18:22

Ontem, Quinta Feira, vi pelas 23 horas uma muito interessante entrevista na RTP 3.
Seria do um "Saraiva", sobrinho do grande Historiador Hermano Saraiva, que foi também ministro de Salazar, e filho de um irmão deste último que era comunista e teve de ir viver exilado para Paris.

Este "Saraiva" falava de ficção que era a queda de Salazar da cadeira e de como Salazar continuou a achar que mandava no governo durante muitos anos após ser posto de lado.

Se quiser, pode ir procurar na sua televisão.

Cumprimentos,
IRF

De Anónimo a 29.05.2020 às 21:24

O seu texto é de certa forma enigmático e obriga-nos a reflectir sobre as verdades e mentiras da história algumas das quais se passam e passaram há bem poucos anos mas pelos vistos ou ninguém se lembra ou não querem saber.
Que comentário lhe merece o mais recente filme de Michael Moore e/ou a actuação de/sobre Julian Assange e Edward Snowden.

P.S. - Em relação ao filme de Michael Moore já conhecia por experiência própria algumas das teses/conclusões ali descritas.

WW

De Alvor-Silves a 30.05.2020 às 06:16

Não vi, mas já agora, em que medida se afastava daquilo que já teve oportunidade de ler aqui

https://alvor-silves.blogspot.com/2016/06/arrumar-de-botas-1.html

e aqui

https://alvor-silves.blogspot.com/2016/06/arrumar-de-botas-2.html

onde, aliás deixou um simpático comentário.

Cumprimentos.

De Alvor-Silves a 30.05.2020 às 06:53

Quanto ao Assange e ao Snowden, mantenho aquilo que disse há 4 anos:

https://odemaia.blogspot.com/2016/08/meee-4-ecce-echelon.html

citando o início:

Houve Julian Assange, houve Edward Snowden... mas então, e Carlos Coelho?

É que em Setembro de 2001, Carlos Coelho apresentou um atentado à capacidade dos EUA espiolharem impunemente quem bem lhes apetecia. Uns dias depois, as torres caíam e o relatório da comissão presidida por Coelho foi para as urtigas.
Nunca mais se ouviu falar de Echelon.

Aliás, este é capaz de ser o único sítio onde ainda se menciona o assunto.
Assange e Snowden revelaram informações concretas, rapinadas dos ficheiros secretos, mas só seriam novidade para quem estivesse mesmo muito tapadinho dos olhos.

Trump não me parece que queira essa guerra... isso é coisa para executivos executantes, ao estilo dos últimos presidentes americanos - Obama (e Bidens), Bushes e Clintons.
É claro que se for pressionado terá que deixar Assange cair nas malhas da justiça americana.
Aliás, já mandaram uma pseudo-notícia dizendo que Trump perdoaria Assange se ele negasse o envolvimento russo na sua campanha... algo que tem a cristalina marca da idiotice dos democratas actuais.

Não vi o novo filme de Moore. Moore é um outsider insider... vive disso.
Os sistemas mais inteligentes criam personagens de oposição, que fazem pouca mossa, mas agregam em torno de si uma grande corrente de malta insatisfeita. Enquanto controlarem essa malta, controlam a multidão que os escuta. Mas, na prática, não é mau que existam, embora tragam pouco mais que nada, de verdadeiramente relevante. Não me lembro de nada que Moore tenha dito que não fosse conhecido. Esta novo documentário fala do clima, e que será pior a cura proposta pelos seguidores das Gretas do que o mal. Como não vi, não sei mais.
Mas, ao fazer essa "polémica" admite que há um problema com o clima, e isso transmite aos fans a mensagem de que Moore admite haver aquecimento global.

Bom, Snowden não faz parte da jogada, está quietinho e não chateia ninguém.
Assange também agora só quereria que o deixassem em paz, mas dá-me ideia que ainda vai ser usado em próximos capítulos da novela. Agora está em cena o corona-virus e até lá deve ir escapando à sentença.

Cumprimentos.

De Anónimo a 30.05.2020 às 10:48

Tem razão já me esquecia (ainda era muito novo) mas lembro-me vagamente de falarem no Echelon.
O que me moi a cabeça é não conseguir descortinar a verdade da mentira e perceber cada vez mais e também aperceber-me que as pessoas estão de tal forma "ligadas" ao sistema que ou olham para o lado, ou não vêem. Não existe alguém que faça stop a esta falsa evolução. Até há uns anos não percebia certas cenas maléficas que acontecem em Portugal e no Mundo (não entendia motivações / nem encontrava razões para) felizmente ou não hoje já penso que entendo embora cada vez mais ache que ás vezes o bom da vida é ir com o rebanho - não sei - sinceramente não sei.

Cumprimentos

WW

De Anónimo a 30.05.2020 às 14:17

'Seria do um "Saraiva", sobrinho do grande Historiador Hermano Saraiva'
..do um "Saraiva" ? este é mesmo o Saraiva, sobrinho do ....
...do grande Historiador Hermano Saraiva? grande Historiador? este foi apenas um historiador que dizia «eu não sei e ninguém sabe» mas nunca teve nenhum debate frente a frente sobre temas históricos, por os verdadeiros Historiadores (p.ex. Prof. Matoso) não lhe darem crédito para debater assuntos da História de Portugal. Hermano Saraiva tinha um certo jeito para falar em tv e a RTP aproveitou-o, e ele aproveitava-se sempre para 'limpar' a imagem do irmão exilado, coisa que nunca fez, anteriormente, quando foi Ministro da Educação do Salazar.
Salazar caiu da cadeira no Verão de 1968 e morreu em 1970. Em 1968, antes da queda 'continuou a achar que mandava no governo durante muitos anos após ser posto de lado'. Não era assim? Então quem é que mandava no governo antes do Verão de 1968?

De Anónimo a 30.05.2020 às 14:38

Quer dizer, se os jesuítas católicos e mais humanistas tivessem 'acompanhado', como na América Central e do Sul, o início da colonização da América do Norte nunca teria acontecido um quase extermínio dos índios norte-americanos?
Quer dizer, então, que os colonos da América do Norte calvinistas e outros protestantes e uns franceses e espanhóis não muito católicos, pouco ou nada se importaram com o 'humanismo' pese, embora, umas pequenas tentativas de evangelização. Como é que podiam evangelizar/humanizar e ao mesmo tempo apoderarem-se das suas terras?

De Alvor-Silves a 31.05.2020 às 05:14

Caro WW,
os monges ascéticos orientais, cristãos egípcios, carmelitas, etc, costumavam procurar um isolamento afastando-se do mundo. Digamos que isso me parece agora ter sido um passo certo na direcção errada. Passo certo, porque com isso visavam a velha reclusão espiritual, na mítica frase no Templo de Delfos - "conhece-te a ti mesmo".
A direcção errada, porque não adianta de nada fugir da sociedade, sofrer privações pelo deserto, etc. Não adianta fugir ao mundo, porque isso é fugir à própria natureza que nos definiu. Essa reclusão espiritual, ao estilo budista, é na direcção de si em si, caindo num único ponto, que é o próprio. Pode libertar-se dos prazeres mundanos, mas só o fez para não depender deles, e querendo-se completo no universo reduzido ao seu controlo, reduz-se à auto-satisfação do deus Mim, que curiosamente é mesmo um deus egípcio fálico:
https://en.wikipedia.org/wiki/Min_(god)

A direcção complicada, e mais difícil, é afastarmo-nos do que nos rodeia, sem nunca negar a sua presença. Não é preciso ir para a caverna de Zaratustra, para o meio do deserto, ou para o topo de uma montanha, exigindo um penoso acto de contrição físico, mas caindo em distracções relacionadas com a própria sobrevivência.

É mais difícil, porque não há propriamente receitas... mas há um esquema de inversão notável. Quando o próprio é esmagado pelas circunstâncias deve sentir-se como um deus, colocando-se numa posição de super-observador. Ou seja, é ver toda a cena como se não fosse a pessoa esmagada pelas circunstâncias.
Em situação oposta, estando por cima contra alguém, deve funcionar da mesma forma. Deve sair de si, procurar ver a cena, como um outrém que assistisse, e ver até que ponto faz sentido prosseguir.

Tudo isto, para dizer o seguinte... chegou a uma fase em que encontrou algum nexo para as movimentações alheias. Isso é um passo fulcral, que corresponde a um isolamento do que o rodeia, sem ter que ir para nenhuma caverna, ou nenhum deserto. O problema difícil agora é encontrar um nexo para as suas movimentações. Seguir o rebanho é um caminho, mas não é o seu, porque já identificou o conjunto como rebanho, e não se identifica a uma ovelha.
Pode parasitar o rebanho, mas continuará a não ser o seu caminho, é definido por terceiros... e quando se trata de se conhecer a si mesmo, você não é apenas um terceiro. Pode enveredar por ser pastor, ao que terá que saber responder ao outro pastor, que é você próprio, do que andam à procura. Como não se consegue suplantar a si mesmo, terá que considerar que a única coisa que faz sentido para ambos, será uma verdade comum. Por empatia generalizada, seria mesmo a verdade comum.

Ou seja, o seu universo aceita toda a carnificina, manipulação, injustiça, se for sua convicção que isso é necessário à sua verdade, ao ponto de estar disposto a dar a vida por ela. Normalmente, por uma questão de equilibrar as coisas, assim que uma verdade estiver a singrar, aparece outra igual em confronto. O universo resolve estas coisas da verdade absoluta por confronto letal. Por isso, e para evitar o confronto com um igual a si, é que em Delfos se aconselhava o confronto consigo mesmo, antes de chegar a vias de facto.
Qual é a única saída disto?
É encontrar uma verdade que deixe todos, mesmo todos, satisfeitos.
Só que mesmo que toda a Terra passasse a uma festa sem fim, o universo tem outras formas de verificar se essa verdade tem algo de verdadeiro... e são tantas as catástrofes possíveis, que só uma ciência desenvolvida pode vislumbrar contorná-las.
Portanto, na minha perspectiva, é inevitável o confronto com a verdade... seja a bem, seja a mal.
Irrita-me especialmente poder ter que ser a mal, pela incapacidade latente da humanidade lidar com ela, e preferir assumir a verdade como um luxo facultativo.

Cumprimentos.

De Alvor-Silves a 31.05.2020 às 05:36

O registo histórico dos jesuítas é bom, se olharmos para o lado, especialmente para os seus manos dominicanos, que preferiam os métodos inquisitórios.
Talvez por favorecerem o contacto próximo com as comunidades índias, não só eram detestados pelos manos, e pelo poder real, como também pela maçonaria... que assim não tinha o exclusivo do humanismo.
O sucesso de conversão dos índios nas possessões espanholas e portuguesas foi imenso, mas é claro isso apenas serviu para depois deixarem os índios fragilizados perante os poderes das sociedades europeias. Também tiveram algum sucesso na parte francesa do Canadá, mas é claro nada conseguiram fazer nas partes com domínio holandês ou inglês, porque aí estavam proibidos de operar.
Provavelmente se o México não tem perdido a guerra com os EUA, talvez a história dos índios americanos tivesse sido diferente, mas não muito diferente da história dos índios aztecas, que foram-se acomodando nas classes mais baixas da sociedade mexicana, salvo raras excepções. A miscigenação hispânica foi muito maior, e provavelmente muita da população com aspecto europeu tem também ascendentes índios.
Mas quanto ao "apoderarem-se das terras", isso aconteceu quer num caso quer noutro.
Os americanos deixaram-nos em reservas... podendo aí manter a vida indígena, algo que seria impraticável com os aztecas, se quisessem continuar a tirar o coração aos inimigos.
O único caso mais próximo disso foi o que o governo brasileiro fez (ou melhor, não fez), que foi deixar toda a Amazónia como território quase-virgem. Canibais era um tema favorito dos filmes dos anos 70 e 80, e normalmente passavam-se na Amazónia ou na Nova Guiné/Papua.

Até pelo exemplo do papa Francisco, creio que podemos considerar que a Igreja teria tido uma evolução mais simpática se tivesse sido dominada pelos jesuítas... mas é mera especulação.

Cumprimentos.

De Alvor-Silves a 31.05.2020 às 05:55

Acabei de ver a entrevista com o José António Saraiva.
Não sabia que ele tinha publicado aquele livro.
O que ele diz quanto à cadeira não existir, faz sentido. Também me pareceu que a história estava mal contada, mas não vi razão para encobrir. Ao explicar com o pudor e medo da governanta, por vir a público que tinha entrado na casa de banho e carregado Salazar nu com o enfermeiro, digamos é algo que faz sentido, dada a documentação que ele invoca.
Mas é um detalhe.
O que já não é detalhe é toda a encenação seguinte, ao ponto de ficcionar a sua permanência à frente do Conselho.
Saraiva menciona que Américo Thomaz teria escutado 40 representantes da sociedade para decidir quem seria o sucessor de Salazar. Ora, esse número calha especialmente bem com o número de 40 famílias que dominavam a sociedade do Estado Novo, segundo o relatório da CIA.
Mas nesse aspecto, Saraiva não fez nenhuma consideração sobre o complot, e negligenciou, como é habitual, o facto de ter uma ditadura a funcionar sem o ditador. Ou seja, negligenciou o "pequeno detalhe" que foi a ditadura estar muito para além do círculo de Salazar. Nesse caso, deveria dizer-se que se tratava de uma oligarquia de 40 barões, conforme referi no postal anterior
https://alvor-silves.blogspot.com/2020/04/marcelo-e-os-40-baroes.html

Cumprimentos.

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