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Caldeirão entornado
No ano de trinta e quatro,
Lá se foi o Caldeirão,
Só nos ficou por memória,
Um visconde... e a inscrição.
Recorremos a Pinho Leal, para informações suplementares, porque Bernardo de Brito não assistiu aos trágicos capítulos seguintes, mas teve um grande sucessor no final do Séc. XIX, para o relatar.

Ora, o que diz Pinho Leal sobre a destruição "interna" feita em Portugal, em 1834?
Dá-nos como exemplo, o Caldeirão de Alcobaça... diz ele que durante 449 anos foi guardado no Mosteiro de Alcobaça o famoso caldeirão de cobre (..."onde se podiam cozer 4 bois de cada vez!"), um caldeirão apanhado apanhado por Gonçalo Rodrigues em 14 de Agosto de 1385, à logística do rei D. Juan I de Castela, na Batalha de Aljubarrota. 
Se Gonçalo Rodrigues ganhou o apelido de Caldeira, por tomar aos espanhóis o caldeirão; também um nosso contemporâneo (hoje titular!!!) ganhou o apelido de Caldeirão de Alcobaça por conquistar o pobre caldeirão em 1834!  
Escapou este testemunho das nossas glórias, aos surripiantes Filipes, aos rapinantes franceses e a outros que tais, e não escapou à ignóbil voracidade de um português!... Merecia bem que lhe puséssemos aqui o nome por inteiro, para ser conhecido da posteridade; mas... deixá-lo.
Quem Pinho Leal citava, sem nomear, era o membro da Loja 14 de Rennes (França), o Visconde de Seabra: ou seja, o maçon António Luís de Seabra, que em 1834 seria o corregedor nomeado para caos que ficaria lançado sobre o espólio do Mosteiro de Alcobaça. O nome foi fácil de localizar, porque o queixoso acabou por mover um processo ao jornal Braz Tisana, que o acusara.

Pinho Leal continua, explicando em breves palavras o que se teria passado em 1834:
Quando Aben-Jacob, miramolim de Marrocos, invadiu Portugal com um grande exército, em 1195, tomou o castelo de Alcobaça de assalto, mandando degolar todos os frades. (Estes, sequer ao menos, mataram-nos logo, e os frades foram mártires; mas os marroquinos de 1834, fizeram-nos morrer lentamente à fome e nem sequer foram mártires, porque muitos faleceram no desespero, à força de toda a qualidade do suplícios). 
A livraria do mosteiro era uma das melhores do reino. Como aconteceu a todas as das ordens religiosas em 1834, os melhores livros e manuscritos foram roubados & o resto, o refugo, foi para biblioteca pública de Lisboa. Até a mobília e as estantes da biblioteca cisterciense foram roubadas!... 
Portanto, a partir de 1834 estava a modernidade "histórico-científica" pronta para afirmar da inexistência de algumas obras que Bernardo de Brito citava, exemplares únicos pertencentes à Biblioteca do Mosteiro de Alcobaça. Se dúvidas houvessem (e certamente havia), esta foi uma forma simples de acabar com elas... digamos que nesta época o requinte dos pedreiros no seu esculpir da história, era ainda mais tosco do que hoje.

Só falta a albarda...
A descrição seguinte é a que me interessa mais aqui trazer:
ALBARDOS ou ALVADOSAlguns escrevem Alvados mesmo por quererem escrever errado, para não dizerem Albardolos; por julgarem que vem de albarda.
Deve só escrever-se Albardas que é o seu verdadeiro nome e muito próprio, pois o sitio é frio. (Vide, sobre etimologia, Albardos, freguesia.) Serra, Estremadura, na comarca de Leiria. Faz parte da notável cordilheira de Monte-Junto (o Tagrus dos romanos.)
É nos confins da vila de Truquel. Nasce junto á Vila de Porto de Mós e finda em Rio-Maior, com 30 kilometros de comprido e 6 de largo. É áspera e fragosa.
Do alto desta serra (dizem os frades bernardos) fez D. Afonso I doação a S. Bernardo de todas as terras que daqui se avistassem até ao mar, em 1147.
No sitio onde o rei fez a doação se erigiu depois, para memoria dela, um arco de pedra, que ainda lá está, com uma inscrição comemorativa.
Chama-se ao sitio da serra onde está a memoria Arrimal (Vide esta palavra.) (É provavelmente obra dos frades bernardos.)
Este facto (a doação) é contestado e contestável. Em 1793, fr. Joaquim de Santo Agostinho (Mem. sobre os códices de Alcobaça) prova que este voto é uma invenção dos frades bernardos. Vide Dicc. Chron. e Crit. de J. Pedro Ribeiro, tomo 1.°, pag. 54. Quadros Hist., de A. F. de Castilho, nota à tomada de Santarém.
Esta serra lança um braço para o concelho de Truquel, chamado Cabeço de Truquel.
Nele existe uma extensa gruta, formada por grandes rochedos, feita pela natureza e aumentada pela arte, em eras remotíssimas, para habitação dos povos daquele tempo, segundo é tradição, o que é provável, visto que os povos primitivos não tinham outra casta de habitações.
Em 1869, o sr. Joaquim Possidonio Narciso da Silva, distincto arquitecto da casa real, fundador da Associação dos Architectos Civis Portuguezes, e do Museu Archiologico, que está na egreja gothica do Carmo em Lisboa, inteligente e zeloso amador das antiguidades pátrias, fez aqui uma viagem, de propósito para investigar todas as particularidades da gruta, e se a sua existência pertencia a épocas pré-historicas, como parece provável.
Viu que a entrada da gruta está meio escondida pela rama de espessos arbustos e é baixa e estreita. A primeira gruta é uma espécie de vestíbulo, bastante alta; mas pouco espaçosa; porém, por uma abertura, praticada no rochedo, se passa a outra gruta muito mais vasta, tendo ambas, nas rochas que lhes formam a abobada, uns buracos por onde penetra o ar e a luz. Achou o sr. Silva, a pouca profundidade, uma camada de cinza (com alguns ossos misturados) de bastante espessura e ocupando todo o centro da gruta. Por baixo desta camada de cinza achou uma de areia e por baixo desta outra de cinza e ossos, como a superior.
Em vista disto, é de supor que esta gruta fosse destinada para necrópoles, ou jazigo dos restos mortais desses povos primitivos.
Já era muito; mas o sr. Silva tinha fundadas esperanças de vir a descobrir instrumentos e outros vestígios dos tempos pré-históricos.
Como era noite, interromperam-se os trabalhos. No dia seguinte, quando o sr. Silva chegou á gruta com os criados e trabalhadores para continuar as investigações, viu que dos respiradouros da gruta saiam densas espirais de fumo. Foram os pastores da serra, que julgando lhes iam roubar tesouros, que reputavam seus (apesar de na véspera, o sr. Silva lhes dizer que, se aparecesse algum ouro ou prata, lhe dava tudo a eles) tinham enchido a gruta de mato (para o que tinham trabalhado toda noite) e lhe haviam lançado fogo.
No dia seguinte voltou o sr. Silva, mas o fumo e o calor não deixaram penetrar na gruta; pelo que reservou a continuação dos trabalhos para o dia seguinte ; mas recebendo um telegrama para regressar a Lisboa, ficaram, por enquanto, suspensas as suas investigações.
Por essa ocasião, mostraram também ao sr. Silva na mesma serra, a distancia de coisa de um kilometro da gruta, um dolmen, perfeitamente conservado.
Foi um óptimo achado, porque não havia conhecimento, nem memoria escrita, deste monumento céltico naquela localidade.
Nascem nesta serra três rios, o Alcobaça, o Alcobertas e o de Rio-Maior. Ha nesta serra uma famosa quinta chamada de Vale-ãe-Ventos, que foi dos frades de Alcobaça.
• Esta serra é toda minada por algares. Tem muitas e boas pedreiras de belo mármore, produz muito alecrim, rosmaninho e pimenteira. Cria-se aqui bastante gado e tem muita caça e lobos.
• No braço que lança para Truquel, ha uma lagoa que nunca seca e cria muitas sanguessugas. Há nesta serra uma extensa mata de carvalhos, que também foi dos frades bernardos.
Os povos vizinhos desta serra lhe chamam geralmente Serra de Rio-Maior, por ficar próxima d"esta vila. Ao arco chamam Rei da Memoria, e nutrem fabulosas, e até disparatadas opiniões sobre a origem deste monumento. 
Eu resumiria esta descrição dos eventos que sucederam ao arqueólogo Possidónio da Silva, na Serra dos Candeeiros, perto de Turquel, da seguinte forma... Vem o experto de Lisboa a descobrir o que nós sempre soubemos que existia, e põe-se a falar de um tesouro como ouro, mostrando que pouco sabe da história que é memória... Então quem guardou os segredos durante milénios, mostrou-lhe como ainda o sabia fazer - e se o "explorador" soube como foi fumegado, não terá percebido como foi à pressa chamado a Lisboa.

Possidónio não desistiu de Turquel, e mesmo assim levou o pelourinho da vila para o Museu Arqueológico da capital:
O seu velho pelourinho, que é uma curiosidade archeologica, foi pedido pelo sr. Joaquim Possidonio Narcizo da Silva, e levado era 1869 para o Museu Archeologico do Carmo, em Lisboa.
Se o Sr. Possidónio achava que o lugar de um pelourinho de "estilo manuelino" era no Museu Arqueológico, o que falar então de todos os que eram anteriores ao reinado de D. Manuel?
Ora, o que me parece claro é que o arqueólogo tinha opinião diferente, ainda que tenha deixado registo diverso. O pelourinho só voltou a Turquel passado quase um século, e exibe o sinal de tempos antigos, como tantos outros em Portugal:
Pelourinho de Turquel
Oferece-se aqui uma breve descrição do que têm sido as aventuras dos "expertos da capital" por territórios indígenas nacionais. Ainda que os nativos se mostrassem receptivos e colaborantes com as sumidades da capital, trataram sempre de evitar ao máximo que as antiguidades que guardavam fossem surrupiadas pelos expertos.
Por outro lado, Pinho Leal fala de um dólmen em Turquel, que nem se sabia existir... e tirando o símbolo da vila que o mostra... parece que o último dólmen a ser destruído foi a Anta da Barbata ("segundo a mesma fonte local, os monumentos teriam sido destruídos quando do arroteamento dos terrenos" - www.turquel.com -  ou ainda "desmantelada há muitos anos por pessoas que ali fizeram escavações, na esperança de encontrar uma cabra e um cabrito de oiro a que certa lenda se referia - o que eles afirmam terem encontrado foram restos humanos."):
Anta da Barbata (Turquel) - destruída num "arroteamento de terrenos"
Ali próximo há o conhecido dólmen das Alcobertas, que ficou a fazer de capela junto à Igreja, numa interessante convivência entre passado e presente religioso:
Dolmen na Igreja das Alcobertas.
Portanto, na arqueologia nacional, em contraponto às "Descobertas", temos as "Alcobertas"... toponímia que certamente aponta para origem árabe, visto começar com "AL".
Um pouco o mesmo se passa com "Alquimia", que é sem dúvida de origem árabe, mas que se parece com "Al-química"... e seja isto talvez porque a palavra árabe importou o termo "quimia" de outra língua, ou seja, bem se vê, da raiz grega!
Já com "Al-cobertas", não se vislumbrando no árabe ou no grego o termo "cobertas", ficamos sem hipótese alguma de entender o que a palavra "coberta" poderá querer dizer. Deixamos esse mistério para os expertos...

Sobre as grutas em Turquel que Possidónio da Silva terá explorado, na zona do Cerro de Turquel, pois está aqui um breve relato (que fala essencialmente das explorações no Séc. XIX). Depois de serem chamados a Lisboa, parece que o expertos já nem saíram da capital, e os velhos métodos fumegantes dos pastores deram resultado - ou melhor, um resultado que permitiu que uma boa parte dos vestígios fosse só destruída no final do Séc. XX, quando os descendentes dos pastores já tinham outros interesses.

E se estou a ser irónico, é porque é para mim um total espanto este mapa ibérico de registos rupestres:
Mapa de registos rupestres pré-históricos na Península Ibérica
Passada a fronteira e os registos ficam escassos ou inexistentes...
E mesmo que este mapa tenha sido feito por espanhóis, não revelando algumas inscrições em pedra, que sabemos existir também em menires no Alentejo... o que é espantoso é praticamente estarmos reduzidos à gruta do Escoural, não foram as gravuras do Côa (mesmo na fronteira), para não dizer que não existe nenhuma gruta com inscrições rupestres em Portugal, quando comparamos com Espanha.
__________________

Nota (13-03-2016)Texto editado, tendo em conta o destino reportado à Anta da Barbata (provavelmente destruída nos anos 1980) - www.turquel.com.


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