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Quando o Cardeal Saraiva escreve um texto sobre o Infante D. Henrique, é claro que não pode deixar de se queixar das pretensões francesas sobre os mesmos territórios africanos. No seu estilo sarcástico, ataca uma referência do Padre Labat à presença de marinheiros de Dieppe para além do Senegal e Serra Leoa, em 1364. Esse comércio teria levado mesmo à construção de uma igreja na zona da Mina (segundo d'Avezac, ocorrida em 1383).
Enuncia facilmente as razões, que se resumem basicamente ao facto dos franceses não se terem pronunciado sobre a existência de descobertas suas, aquando da divisão de Tordesilhas, ou do anti-meridiano. Só muito depois, os franceses teriam começado a referir esses descobrimentos... mas faltavam-lhes monumentos que comprovassem a evidência de tal presença anterior, afirmando feitorias de Cabo Verde até à Mina.  

Este problema ocorre quando a História é construída sob uma fábula de jogos e problemas políticos... Depois, quando a posição se torna dominante e vencedora, é fácil aparecer com uma versão para a reescrita dessa História. Fariam sentido estes relatos dos marinheiros de Dieppe?
- Claro que sim!
Nada impedia as navegações ao sul do Bojador, tirando as imposições internas na Europa!
Como é fácil observar a navegação pelo Mediterrâneo, do Estreito de Gibraltar até à Terra Santa era superior à navegação pela costa de África até à Serra Leoa... 
Semelhantes distâncias marítimas a partir do estreito: 
até à Terra Santa (linha vermelha), e até à Serra Leoa (linha branca)

Tanto mais que o Mediterrâneo tinha a dificuldade adicional de navegação sob ataque muçulmano que começava logo na passagem do Estreito (até à conquista de Gibraltar e Ceuta, no Séc. XV, ambos os lados estavam sob controlo muçulmano). E como é óbvio, a navegação nunca seguiu a linha de costa... seria ridículo seguir pela costa espanhola, francesa, ou ainda contornar a península italiana.
Por isso, é óbvio que as navegações até à Guiné do Infante D. Henrique longe de serem primeiras, estavam ainda longe de se referir apenas à Guiné africana. Como vimos dizendo, há mais de um ano, Guiné era um termo que se aplicava inicialmente a vários territórios, muito em particular à América. Quando D. João II diz que as descobertas de Colombo estão no seu senhorio da Guiné, é fácil perceber a extensão do termo.

A importância relativa do Infante D. Henrique é quase a mesma de Colombo... ambos tiveram uma chancela do poder que lhes daria ao longo da História a prevalência de descobrimentos, apenas correcta no sentido do termo "descobrimento = retirar do encobrimento instituído".  
Sob esta perspectiva, o papel do Infante D. Henrique é muito maior do que tudo o que se segue... é ele o primeiro a conseguir a autorização de alargar o conhecimento oficial do mundo europeu, desde a Antiguidade, antes restringido ao espaço ptolomaico.

A continuidade desses descobrimentos só vai ser quebrada pela persistência em não revelar a parte americana acima da Califórnia, e a Austrália. Esse hiato é quebrado pela viagem de Cook... 

Tal como no caso dos mapas de Pedro Reinel, em que os territórios americanos aparecem ocultados, mas podem ser vistos pela rotação dos mapas, volta a ser necessário ocultar a Austrália nos novos mapas. Já apresentámos como Buache e Brouscon fizeram isso... há outros casos portugueses, também!

Porém, um exemplo simples de verificar obtém-se usando dois mapas de Dieppe, voltando-se a repetir a técnica de Reinel (motto deste blog). 
O autor usa dois mapas, faz uma inversão e reflexão... obtendo-se directamente:
- Até as paisagens dos mapas distintos colam... o que há mais a dizer?
Os mapas de Dieppe contêm ilustrações interessantes, conforme já explicámos aqui (... há seis meses atrás).
O que se torna claro nestes mapas é porque razão a visita de Tasman em 1642 apenas revelou a parte ocidental/norte, onde se encontrariam os aborígenes. A parte oriental da ilha, não "descoberta" por Tasman, aparece assim povoada por "europeus", conforme se torna "claro" pelo seu aspecto.

- Quem são?
Já aqui explicámos que o Senado de Cartago tinha decretado pena de morte a quem fosse para os territórios paradisíacos. Haveria sempre o perigo iminente de que fartos da opressão do poder, os navegadores decidissem ser refractários e fazer vida numa ilha paradisíaca. Foi o que aconteceu com a Bounty (ver também filme ganhador de Oscar em 1935)...

Porém, isso foi uma situação pontual. Poderia perfeitamente acontecer algo muito mais organizado e coordenado... ou seja, haver um grupo razoavelmente grande, revoltado com a situação opressiva na Europa, liderado por capitães (ou ainda aristocratas, ou um príncipe...), que teria visto como possibilidade efectiva definir um novo reino, afastado da opressão imperial europeia. Melhor ainda, oferecia-se com um excelente clima! 

Isto seria um teste ao longo braço do Senado do Império Ocidental... 
Até que algum reino se dispusesse a terminar com essa faceta refractária, haveria um autêntico "Reino Pirata" situado algures na Austrália. Não estando sob domínio ocidental (tal como Fusang), não seria reconhecido, e o território ficou sob ocultação (mesmo a parte declarada por Tasman).
Até que, após a Guerra dos Sete Anos, passados 60 longos anos após o Longitude Prize, um dos participantes notabilizado na Batalha das Planícies de Abraão, o capitão James Cook, tem finalmente autorização para viajar e traçar mapas da Austrália.
Batalha das Planícies de Abraão, 1759 - morte do general Wolfe.
(uma enorme torre, supostamente de Québec, 
avista-se ao fundo, entre as nuvens, à esquerda)

Depois, como já referimos ocorre o episódio da extinção dos "aborígenes da Tasmânia", consumada na Black War... é de assinalar que no mapa de Dieppe, a Tasmânia está então representada como "ilha de gigantes", e o desenho indicaria a prática de canibalismo. É mais um problema de Gulliver...

Aos ingleses tinha sido outorgada a parte final da descoberta... 
Descobertas que começam com o Infante D. Henrique, mas também com a escravatura reintroduzida na bula papel que consagra a si os domínios da Guiné... Descobrimentos que continuam com os espanhóis, após Colombo, mas com uma quase extinção dos Aztecas, Incas, Maias, etc... Terminam na Austrália e na parte ocidental da América do Norte (cf Fusang), de forma igualmente dramática. O avanço que parece surgir, tem uma descompensação na ética e moral cristã...

Napoleão surge assim após as últimas descobertas inglesas... fora de tempo! Poderia ter sido Magno, como Alexandre, porém o Corso juntou-se ao Carnaval, no bloco dos napoleões retintos...

 

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publicado às 06:00


9 comentários

De José Manuel de Oliveira a 07.03.2011 às 05:38

1a Parte do meu comentário:

(...) "haver um grupo razoavelmente grande, revoltado com a situação opressiva na Europa, liderado por capitães (ou ainda aristocratas, ou um príncipe...), que teria visto como possibilidade efectiva definir um novo reino, afastado da opressão imperial europeia"

Olá,

Sim... Tem um polaco judeu na Índia a servir de intérprete ao Vasco da Gama quando desembarca... Tem o desenho de cidades com construções tipo europeias em mapas quinhentistas portugueses como a de Quiloa, tem o exemplo como o do Golden Kingdom of Mapungubwe, o D. Sebastião deu Brasão e reconheceu o Reino do Grande Zimbabwe, e tem esse bem visto por si no de Dieppe na Austrália e copiado aos portugueses pelos franceses, e outros relatos idênticos, Reinos "piratas" compostos de europeus fora da Europa havia mais que um... antes dos "descobrimentos" ou melhor quando no Vaticano se decidiram a ir acabar com eles...

Só que as "fábricas" que o Alvor Silves descobriu nos Mapas de Dieppe são para mim as "chaminés" tipo da "Ilha do Moisés".. Ilha de Mousa & Laputa: Castle in the Sky http://portugalliae.blogspot.com/2010/08/ilha-de-mousa-laputa-castle-in-sky.html
este tipo de chaminés ou torres de aeração de subterrâneos estão presentes no Reino do Grande Zimbabwe e no Machu Picchu, os britânicos vão restituir os esqueletos das pessoas que lá viveram ao Peru, pode haver surpresas com o ADN.

Gostei de ler o "Mapas de Dieppe (2)" do Alvor Silves, fez a análise geopolítica do "encoberto", vai ao encontro da minha, a razão pela qual não era permitido revelar as outras partes do Mundo, não havia população que chegasse para servir o Império Romano/Vaticano, nem na China tão-pouco poderiam se expandir perderiam o território chinês rapidamente, eu vou mais longe e digo que a razão pela qual não estamos todos aqui agora a escrever em árabe é porque o Império do Califado islâmico quis ser universal e foi-se expandir na América central e do Sul, erro que o Vaticano não cometeu...

E tinha chegado a essa conclusão nos anos 70 quando uma minha irmã foi para Moçambique, fique a conhecer as contingências impostas aos portugueses para partirem do território continental, em Lisboa havia centenas de andares vazios, se houvesse liberdade de partir Portugal ficava vazio rapidamente, foi isto que sempre se passou na Europa e noutros Impérios onde havia escravatura e senhorios.

Quanto aos franceses terem explorado a África por via marítima antes dos portugueses é pouco provável porque eram águas e comercio controlados pelos turcos e outros árabes islâmicos, só os portugueses o faziam por falarem e escreverem árabe, até muito tarde foi língua maioritária em Portugal.

Os castelhanos e portugueses afinal não foram assim tão exterminadores dos índios da América como se pinta, sabe-se isso por um estudo recente à cultura do milho dos índios, e da leitura dos registos das Índias castelhanas apurou-se que havia uma guerra civil no Império Inca a seguir Colombo, pois o guardador de porcos Pizarro casou-se com a filha dum Rei opositor ao Imperador, foi isso que salvou os castelhanos, mas antes disto andou lá um português a fazer a guerra a um deles, está nos mesmos documentos.

O império ultramarino britânico foi possível graças ao banco de leite humano obrigatório e outras políticas para aumentar o número de britânicos, disto pouco se fala, a mestiçagem dos portugueses com o Espírito Santo falhou assim como falhou o Califado Islâmico, as etnias não são misturáveis a logo prazo.

./.

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