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Mapas de Dieppe

04.09.10

Nos Mapas de Dieppe (ver, por exemplo, descrição em portugalliae) encontramos, para além de possíveis representações da Austrália... assunto sobre o qual não vale a pena insistir (é quase inquestionável que à época, c. 1547, a Austrália era já bem conhecida), encontramos nos frisos circundantes cenas evocativas de cariz mitológico. Neste primeiro friso, um governante Rei entrega a Hermes/Mercúrio uma mensagem que entrega a uma deusa dos mares, provavelmente Tétis. O pormenor mais interessante é a representada cidade com altas torres, envolta num certo cinzentismo, que seria mais apropriado para representa uma cidade industrial, 3 séculos depois. Nota-se ainda um sol poente sobre o mar habitado por ninfas...
No outro friso, a cena mitológica repete-se, com a entrega da mensagem a Diana/Artemisa, passando eventualmente por Marte e Vénus... Diana está numa quadriga!

A referência a este frisos com motivos mitológicos prende-se com os fados mitológicos que regressaram no Séc.XVI, sendo bem ilustrados nos Lusíadas de Camões.

Numa corte que durante um milénio negou o transporte por meio da roda, pode perceber-se até que ponto as condicionantes regressivas embebiam as políticas decididas. Essas políticas implícitas, secretas, que condicionaram o transporte, que condicionaram o conhecimento, só transpareciam subrepticiamente nas obras artísticas.
Podemos falar em condicionantes tenebrosas do obscurantismo religioso, mas é surpreendente o ressurgimento de toda a mitologia greco-romana no período renascentista.
À parte as variações na nomenclatura, os romanos adoptaram a mitologia grega. A conquista da Grécia/Corinto (146 BCE) está ligada a dois nomes que também tiveram relevância na Hispania:
- Quinto Cecílio Metelo, que derrotou os celtiberos e combateu Viriato,
- Lúcio Múmio Acaico, que foi pretor na Hispania.

Coincidência ou não, o mundo estagnou durante o milénio medieval em que se omitiu a mitologia greco-romana, ainda que prevalecesse o calendário juliano.

As navegações seriam retomadas oficialmente para as Américas quando houve uma chancela papal obtida por Colombo para navegar. Em Natal, Brasil, encontra-se uma coluna romana, denominada "capitolina"... (supostamente oferecida por Itália para comemorar um acto de aviação - fica o registo, abstendo-me de comentar o estranho presente da Itália nacionalista de Mussolini). 

Se em 1492 houve uma autorização de estender o território conhecido para as Américas, houve uma parcela significativa do mundo que permaneceu obscura. Compreendia basicamente toda a costa oeste americana, acima da Califórnia, e a Austrália. Só após 1775, quando os EUA se libertavam do jugo inglês, as viagens de Cook permitiriam abrir esse Novo mundo, reconhecido, visitado, mas oculto.
Cândido Costa, no final do Séc.XIX chega a falar em 5000 monumentos que atestariam evidências de presença pré-columbiana.

Será difícil de determinar se os jogos cortesãos eram produto de uma corte enfastiada, desejosa de mostrar a sua prevalência divina, ou se ainda acima disso, estariam sujeitos a determinações externas, para além das cortes europeias. Estariam os territórios ocultos abandonados, ou sob domínio civilizacional anterior?

Ou seja, tanto podemos crer que os territórios eram silvestres, abandonados sem propósito, ou albergavam um eventual paraíso terrestre, dominado por uma civilização tão antiga que controlaria as restantes, de tal forma superior, que seriam vistos como deuses. Afinal, o que distingue o homem actual do homem do Séc.XVIII senão pouco mais de dois séculos de civilização. 
Do mundo dos coches ao mundo dos foguetões pareceram bastar dois séculos de progresso... quantos dois séculos houve na história da humanidade? Quantas vezes houve oportunidade de dar o salto para um avanço tecnológico significativo? Desde egípcios, babilónios, gregos, hindus, chineses, houve inúmeros avanços da ciência interrompidos para só serem retomados após o renascimento. Estagnações de milénios para rompantes avanços num par de séculos... Estagnações de facto, ou induzidas?

Termino com o mote para o próximo post:


... porque, para além das cortes europeias, estes Magos, de barretes frígios, quais portadores da revolução republicana, foram intervenientes pontuais em várias Estórias.
Figuraram em histórias, em nomes de ilhas, praias, terras, fortes, mas a sua proveniência foi sempre misteriosa e aclamada.

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publicado às 05:03


14 comentários

De Alvor-Silves a 10.09.2010 às 04:32

Caro José Manuel,

a sua mensagem é extensa e muito informativa! Mais uma vez obrigado, por sempre contribuir de forma muito positiva para as nossas conversas.

Tem razão, a civilização nas Américas estava muito desenvolvida... mais do que aquilo que se pretende admitir...

O que mais me impressiona é ainda outra coisa... fala-se da ausência da roda nas civilizações pré-colombianas, mas o que se passava na Europa era exactamente a mesma coisa. As estradas que o povo usava, eram ainda as romanas... nem conheço nenhuma estrada medieval!

Não sei até que ponto seria isto global - seria interessante uma extensa pesquisa para averiguar se durante aquele milénio (Séc. IV - Séc. XIV) houve de facto alguma civilização que assumisse a roda. Não me recordo de ver ilustrações de locomoção árabes com rodas, e parece-me mesmo que a utilização no Oriente (China) também não foi constante.
Há uma utilização circunstancial das ordens militares, dos templários, em aparelhos de guerra, nas Cruzadas... mas sabemos também que os templários não eram parte do sistema, e sofreram por isso!

De facto, o nosso entendimento sobre os legados antigos é demasiado baseado nos pressupostos actuais... e como diz, é bem natural que a identificação divina inclua uma menção humana superlativa e pouco ou nada mais que isso! No post de 10 de Junho, refiro que o próprio Camões diz isso nos Lusíadas:
Divinos os fizeram, sendo humanos.
Que Júpiter, Mercúrio, Febo e Marte,
Eneias e Quirino, e os dois Tebanos,
Ceres, Palas e Juno, com Diana,
Todos foram de fraca carne humana.


Sobre os mapas... de facto, não coloquei nada de especial sobre a Austrália, porque a informação não é assim tão diferente da que já se retira doutros mapas portugueses anteriores. Pressupõe uma interpretação subjectiva que não é tão evidente. Talvez ainda volte ao assunto!

Abraços, e irei ler depois o seu novo post.

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