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Já abordámos aqui a figura de D. Fuas Roupinho, e retomamos o assunto da Nazaré.
Não será apenas pela questão do nível da água do mar formar a denominada Lagoa da Pederneira, mas também pela própria lenda da Nazaré, de que é mais conhecida a parte da caçada.

Manuel de Brito Alão, na Antiguidade da Sagrada Imagem de Nª. Srª. da Nazareth, em 1628, transmite uma sequência de acontecimentos que levaram à viagem do Sírio ou escultura em madeira de Nossa Senhora, da Nazaré na Galileia para a Nazaré portuguesa.

O relato de Brito Alão é de fácil leitura, e tem pormenores interessantes.
A história diz que antes da altura do rei Recaredo a imagem terá viajado para Hespanha pela mão de um monge grego de nome Syriaco, por razão de ameaça à veneração de imagens nessa época bizantina. Sendo uma imagem de madeira, a tradição leva a que tivesse sido esculpida pelo próprio São José (cf. wiki), ainda que Brito Alão não refira isso. A imagem teria ficado no Mosteiro de Cauliniana (ou Caloniana) perto de Mérida, e na altura da invasão árabe, diz Alão que o rei D. Rodrigo, juntamente com um monge (de nome Romano) teria levado um conjunto de relíquias para o litoral atlântico, mais concretamente, ao fim de 22 dias de viagem teriam chegado à Pederneira, Nazaré.
Levavam ainda consigo outras relíquias importantes, de São Bartolomeu e São Brás, que foram guardadas numa ermida no Monte de S. Bartolomeu, enquanto a imagem ficou escondida numa ermida no Sítio da Nazaré.
A escultura resistiu escondida durante a presença árabe, até que na altura da reconquista por D. Afonso Henriques, o almirante D. Fuas (por ocasião do milagre a que está associado) a veio a reencontrar, mandando construir uma capela. Esta capela foi depois transformada em santuário em 1377 por D. Fernando. 

Feita esta breve introdução, uma vez que a história, dita lenda, está documentada por texto encontrado por D. Fuas e deixado à Confraria da Nª. Srª. da Nazaré, passamos aos pormenores.

O monte de S. Bartolomeu é descrito por Brito Alão como sendo invulgar e notável, destacando-se no meio do areal circundante (agora uma extensa vegetação de pinhal). No entanto, de acordo com a wikipedia podemos ler que haveria uma outra toponímia antiga:
Monte Siano é designação nos relatos mais antigos. Será forma adjectiva de Sião, aparecendo na Bíblia monte de Sião ou Cidade de Sião como outra forma de nomear Jerusalém. A comunidade piscatória da Nazaré chama-lhe Monte Saião.
Brito Alão também fala dessa toponímia anterior, dizendo que o monte, antes de ser renomeado por acolher os restos de S. Bartolomeu, era denominado Monte Occeano.
Monte Oceano, depois Monte de S. Bartolomeu  (imagem)

Aparentemente as duas designações Oceano ou Siano são diferentes, mas são inegáveis as semelhanças fonéticas. Esta ligação explícita neste monte dá uma abrangência completamente diferente a uma eventual origem da palavra Sião por deturpação de Oceano.
Isto dá um significado ainda mais poético ao ler que "Sôbolos os rios da Babilónia", onde os escravos Ebreus choravam lembrando o Oceano, dito Siano, ou Sião... afinal reflexo ainda de cor azul, o Ciano (cor da bandeira de Israel). É claro que esta associação pode ser sempre vista como fortuita e frágil, mas não deixa de merecer menção de destaque no título.

Pederneira
O relato de Brito Alão fala de uma viagem de barco pela Lagoa da Pederneira, e encontrámos um registo interessante num blog sobre a Nazaré, que confirma a clara alteração da paisagem e do contorno marítimo, que nalgumas centenas de anos transformou um litoral recortado numa linha costeira quase contínua.
A vila da Pederneira é agora um bairro, no alto da Nazaré, sendo que a cidade é agora a povoação da praia se foi consolidando pelo recuo de águas, especialmente após o Séc. XVIII e XIX.
O nome não deixa de ser interessante, especialmente porque é associado a um pelourinho original, feito com um tronco de uma árvore fossilizada.
Pederneira - "pelourinho" na praça de Bastião Fernandes
(companheiro de Vasco da Gama), 
e vista sobre a actual Nazaré. (23/04/2011)

O nome Pederneira pode ser associado à pedra pederneira, um sílex que permite fazer fogo, e que teria por isso uma utilidade relevante em tempos remotos. Ao mesmo tempo, a povoação manteve uma ligação ancestral à pedra/tronco fossilizado, que mesmo em período cristão era colocada no cemitério local, até que o símbolo fálico ancestral foi substituir o pelourinho de D. Manuel, já no Séc. XX.
De qualquer forma, parece indiscutível que a vila da Pederneira têm uma história que se perde na noite e no esquecimento dos tempos... e lembramos aqui a referência de Brito Alão à Nossa Senhora da Memória, uma designação que assenta bem, dada a manifesta perda de memória colectiva.

Serra da Pescaria
Do outro lado do Rio Alcobaça encontra-se a chamada Serra da Pescaria(*), onde é possível encontrar em construções "modernas" a utilização de grandes pedras, sugerindo o seu aproveitamento popular de possíveis edificações muito anteriores. É difícil perceber o rasto antigo, quando têm por vezes aproveitamento caricato (ver o caso da caixa de correio no meio de megalitos), mas há uma quantidade assinalável de grandes paralelipípedos não formatados a construções modernas, talhados muito provavelmente há milénios...
 Megalitos antigos em construções "modernas" na Serra da Pescaria. (23/04/2011)

(*) Na mesma serra, junto à entrada do Rio Alcobaça, há também a antiga igreja visigótica de S. Gião, notando que o nome S. Gião foi por vezes transformado em S. Julião, como aconteceu em S. Julião da Barra.

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publicado às 07:37


8 comentários

De Anónimo a 02.05.2011 às 01:09

Parabéns caro Alvor.

Eu andava confusa, sem sabem a localização exacta de Jerusalém.
Tudo se conjuga!

Maria da Fonte

De Alvor-Silves a 02.05.2011 às 05:10

Cara Maria da Fonte,
é uma possibilidade para estória interessante. Circunda todo o mistério que terá trazido Bernardo de Claraval e Cister a Alcobaça.
O Mosteiro mais importante de Portugal é construído ali, e se depois o Mosteiro da Batalha comemora Aljubarrota, a construção de tão grandioso empreendimento ali carecerá de alguma justificação semelhante.

Mas tudo isto são meras estórias, pois não restando pedra sobre pedra é difícil alguém acreditar que alguma vez houve edificações anteriores a romanos/cartagineses em Portugal.
E como sobraram umas antas e umas citânias pequenas, passa por ter sido assim anteriormente...
Mas não foi caso único - toda a Europa ocidental passou por ser desinteressante e não civilizada até chegarem os Romanos.

De Anónimo a 03.05.2011 às 02:26

Caro Alvor

Esquece um pequeno detalhe!
Eles sabem! Sempre souberam. Vaticano e Templários...
E nada é Eterno. Nem um segredo como este.

E quanto aos Romanos...Surgiram do nada?
Roma, numa Europa na Idade da Pedra...
Roma... A Civilização de geração expontânea!!!

Será que ainda existe alguém com 2 neurónios, que acredita nisso?

Da Fonte

De Alvor-Silves a 03.05.2011 às 03:27

Cara Maria da Fonte,

Muito bem observado... é claro que Roma é a fase seguinte de uma experiência chamada Atenas.
Os deuses são os mesmos, porque tinham que ser.
Os próprios romanos, que não eram parvos, envolveram a sua mística Roma em duas lendas distintas... e certamente não acreditariam em nenhuma delas.
Virgílio é audaz e estabelece a conexão com Tróia, rival de Micenas.
De Micenas surge Atenas, de Tróia surge Roma... cada uma terá o seu período como duas faces da mesma moeda.
Os velhos impérios tinham o seu tempo contado, e as
- "Civilizações dos Rios": Nilo, Tigre e Eufrates,
ou seja Egipto e Mesopotâmia, iriam dar lugar a um novo mundo, às
- "Civilizações das Cidades-Estado": Atenas, Roma, Sidon, Cartago, Jerusalém.

Entretanto é como se houvesse uma proibição de tocar Oriente e Ocidente - e os únicos a tentá-lo foram Alexandre Magno, por um lado, e Átila o Huno, por outro.

Perante a iminente fusão de Átila, surge nova ordem de controlo e a Europa é fechada com uma nova era, a da
- "Civilização das Nações-Estado"

Se a Civilização das Cidades tinha uma estrutura tipicamente "republicana/democrática", volta depois o modelo aristocrático, mas com uma novidade - Roma mantém-se sede imperial... ou papal até
Vestfália onde se define a nova ordem mundial, misturando repúblicas com monarquias, sob a noção de Estado.
Foi aí que se perdeu a visibilidade da cabeça do poder - ou da sua representação - exercida pela Cúria Romana, instituição que nunca desapareceu:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Santa_S%C3%A9#C.C3.BAria_Romana

Sim, "eles" sabem... mas não nos dizem!

De Anónimo a 03.05.2011 às 06:03

Caro Alvor

Sidon - Ruínas do Templo do Mar
Atenas - Ruínas do Parthénon
Cartago - Ruínas escasas
Jerusalém - Um Muro em ruínas
Roma - Ruínas do Coliseu, que se percebe ser uma reconstrução.

Tão vasto o Império.
Tão importantes as Cidades.

E tão pouco o que resta...

É isso que não faz sentido.

Ou será porque as Areias do Deserto, preservaram no Egipto, o que as águas destruíram noutros locais?

E porque era imperioso ocultar o Passado, trocou-se o Ocidente pelo Oriente?


Não precisamos que nos digam. Havemos de chegar lá.

Da Fonte

P.S. Esse seu Tronco de Árvore Silicificado, tem uma estranha forma.
E segundo se conta, um estranho fascínio, já que os da Pederneira, destruíram o Pelorinho Manuelino, e voltaram a colocar o Tronco no devido lugar...

De Anónimo a 04.05.2011 às 22:16

Caro Alvor,
sempre achei curiosa a lenda da Nazaré, pois ao que parece aconteceu em Setembro de 1182, e D. Fuas morre em Outubro de 1182. Talvez fosse um prenúncio...visto que ele ia atrás de um "veado" (neste caso mouros) e quando se deu conta tinha uma armada de 54 galés mouras à sua espera, mas não houve Senhora que lhe valesse.

Oceano é uma palavra interessante, pois de acordo com Francisc José Velozo (Oestrymnis)"Poseidon é o deus do mar e equivalente a Neptuno dos romanos. No entanto, os Gregos tinham outro deus do Mar. Chamavam-lhe Oceano, Okeanos, nome que davam também ao mar Atlântico." O autor refere que o termo indígena , (pré)lusitano KeaN existente em Okeanos, é idêntico a kynetes,cinetes, ginetes, coni.
"Coni ou Kynetes são os que poderíamos chamar povos oceânicos. Okeanos é o mar por excelência, na sua significação topográfica 'o lugar onde está o mar' ou porventura 'o lugar onde vivem os coni' Para ele Conímbriga assinala 'no centro de Portugal' a presença desse povo'".

Fonte:
-Annaes da marinha Portugueza, Ignacio da Costa Quintella,1839 pp 12

- Filhos do Vento, Arsenio Raposo Cordeiro, 1989, pp 97

Com os melhores cumprimentos,

Calisto

De Alvor-Silves a 06.05.2011 às 05:40

Caro Calisto,
de facto é estranho os acontecimentos de D. Fuas terem apenas um mês de diferença.
Ter-se-ia salvo de um precipício para cair numa armadilha moura...

Sim, Oceano consta como uma das divindades pré-homéricas. Não conhecia essa ligação ibérica a Kean - que me parece próximo foneticamente de Siam.
É ainda curiosa essa ligação por via dos cavalos - ginetes. Já foneticamente me parecem demasiado afastados os termos Coni e Cinetes. Ligar Coni a Conimbriga parece-me pacífico, mas já Oceano não sei...

Importantes observações, que agradeço.
Cumprimentos!

De Alvor-Silves a 06.05.2011 às 05:45

Cara Maria da Fonte,

É essa a questão... como escrevi no post sobre Zenobia:


Se do lado ocidental do Império Romano o "tempo" foi mais castigador na preservação de ruínas, na parte oriental do império, o deserto, os bizantinos e os árabes em vez dos godos, deixaram-nos alguns vestígios razoavelmente intactos de grandes construções, possíveis a estudo posterior.


Mas há outras possibilidades. Actualmente muitos podemos ver em África lugares mais aprazíveis e produtivos, e no entanto o continente acaba por servir a exploração externa. Não há registos civilizacionais tão complexos nos colonizados quanto nos colonizadores.

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