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aqui mencionámos, através do relato de Plínio, que o Rio Lima teria ficado associado ao esquecimento, ao mítico Lethes... mas de que esquecimento se fala?

Na Pousada de Santa Luzia, em Viana do Castelo, está uma tapeçaria de Almada Negreiros sobre o episódio lendário da recusa da passagem do Rio Lima pelas tropas de Décimo Júnio Bruto, dito Calaico ou Galaico...
É preciso especificar o Galaico, pois terá havido cinco Décimo Júnio Bruto, sendo que a expressão
  "também tu Brutus"
ganha um significado diferente ao saber-se que se tratava pelo menos do quinto com o mesmo nome...
Aqui falamos do avô, que se atreveu a não esquecer a passagem do Rio Lima.

A "lenda" está descrita na legenda da tapeçaria, sendo dispensável repeti-la.
Não conhecia a tapeçaria, mas mostra que o episódio não seria desconhecido ao jovem Almada Negreiros. Se em 1916 ainda não havia o célebre Queijo Limiano, a lenda torna claro que ao tempo de Brutus não haveria a célebre Ponte de Lima... e Almada Negreiros vai dispor as pontas das lanças dos soldados sobre o rio, de forma curiosa.

O que o quadro evidencia é que a passagem do exército pressupunha um rio baixo, e a ausência de qualquer ponte. Ponte de Lima irá ter uma ponte romana...
- Mas, afinal não são todas as pontes antigas, romanas?
- Nomeie-se uma ponte antiga não romana e teremos uma verdadeira novidade!
Egípcios, assírios, babilónios, persas, celtas, fenícios, e até os gregos (veja-se a excepção admitida sobre um ribeiro) ou macedónios, não gostavam de fazer pontes. Por isso, ficou praticamente reservado aos romanos a ideia de atravessar rios com pontes. Pelo menos com pontes de pedra, sendo admitido que haveria pontes de madeira... por exemplo, chinesas.

Pontes Romanas
A região portuguesa sendo sulcada por muitos rios, especialmente na zona "mesopotâmica" de entre-os-rios, exibe inúmeras pontes antigas. Muitas destas pontes ficavam fora das nomeadas estradas romanas (outro problema... encontrar calçadas que não sejam romanas), mas não deixaram de merecer esse epíteto, ou alternativamente o nome de ponte medieval.
Na maioria dos casos os autores e datas são dados completamente desconhecidos, mas isso não parece apoquentar ninguém. Apesar de termos arquitecturas completamente diferentes entre as nomeadas pontes romanas, mesmo as atribuídas ao mesmo imperador (por exemplo, a ponte de Trajano em Chaves e a de Alcântara, em Espanha), todos parecem ficar satisfeitos com a classificação simplificada - ou é romana, ou é medieval. De facto, poderíamos dizer que os templos antigos seriam romanos, e as igrejas medievais... e apesar de não andar muito longe disso, há mesmo assim mais cuidado do que no caso das pontes.

Será que poderia haver uma ponte no Rio Lima, e que o esquecimento necessário seria ignorar que aquela ponte já lá estava antes de Brutus chegar?
Por uma questão pragmática, sendo as estruturas úteis que sentido faria mandar todas abaixo para reconstruir de novo?
Deixamos aqui a actual ponte medieval do Lima, com alguns exemplos de diferentes pontes romanas... a maior dificuldade é sempre perceber o critério com que se distinguem ou são identificadas como tal.
  
Ponte de Lima, dita romana mas com reconstrução medieval, e outras 
quatro pontes romanas (Alcantara, Chaves, Vila Formosa, das Taipas).

A Ponte de Trajano de Chaves é a mais curiosa, pois numa das colunas afirma-se que foram os locais que a construíram, às suas expensas, já na outra honra-se Trajano e Vespasiano...

Enfim, o problema de ter uma memória danada... excluída da lembrança, sempre existiu e não parece querer deixar de existir. Conheciam-se os casos de pessoas, o que não é admitido é a danação da memória de povos inteiros. O Rio do Esquecimento, o Lethes do Lima será simbolicamente recuperado numa identificação ao Queijo Limiano e ao "mito popular" de que o queijo provocaria falha de memória. Se a produção começa só em 1959, também é só em 1960 que encontramos (Google Books) um comentário sobre essa associação "popular", num excerto de livro sobre "Frases feitas", em que se procura desvalorizar essa associação nacional com outros exemplos europeus. Depois é claro que a União trouxe um problema no virar de Milénio, que deu origem a uma greve de fome e ao episódio do Orçamento Limiano, em que um deputado minhoto fazia a diferença!

Se antes a região era vista como um Jardim do Éden, proibido, os Romanos ao fazerem correr sobre estas terras o Rio Lethes, do esquecimento, trouxeram um pouco do Hades a estas paragens!

Paulus Orosius
Estrabo descreve os rios até ao Minho, falando da navegabilidade do Douro (até ao cachão de S. João da Pesqueira), e afirmando o Minho como maior rio da Hespanha, sendo navegável na mesma extensão.
É no Rio Minho que Estrabo diz que terminou a expedição de Brutus... ou seja, o apenso Galaico só lhe deve ter sido colocado por omissão!
No entanto, depois encontramos em Paulo Orósio (Séc. V), na Historiae Adversum Paganos, algo completamente diferente...
In the meantime Brutus in Further Spain crushed sixty thousand Gallaeci who had come to the assistance of the Lusitani. He was victorious only after a desperate and difficult battle, despite the fact that he had surrounded them unawares. According to report, fifty thousand of them were slain in that battle, six thousand were captured, and only a small number escaped by flight.
Orósio, tido como natural de Braga, vai comparar a actuação dos Romanos com a actuação dos invasores bárbaros, e não poupará os registos de crueldade romana. Aqui fala da actuação de Brutus, acusando a sua expedição da morte de 50 mil galegos que teriam ido socorrer os lusitanos em batalha.
Terá sido isso que justificou o cognome "Galaico", mas contradiz um pouco o término da sua expedição no Rio Minho, assinalado por Plínio. A província Galaica estava dividida em 3 conventos, e esta incursão terminava na parte Bracarense, faltariam os conventos Lucense (Lugo) e Asturicense (Astorga). É aqui que aqui o sufixo transmontano +Torga aparece ligado ao sudoeste cónio, na junção do noroeste em Astorga com o sudoeste em Conistorga.

O que nos despertou a atenção foi o registo do cerco, em que teriam sido apanhados desprevenidos, e a ausência de registo de baixas lusitanas... ou seja, este número elevado de mortes em batalha, pareceu-nos ajustado à descrição que levaria o nome à Serra de Ossa, conforme já aqui sugerimos. Orósio nomeia vários povos ibéricos, mas não fala de Cónios, por isso não é de excluir que passados vários séculos já estivesse sob influência de uma versão de esquecimento ou confusão (os Cónios poderiam passar por Galaicos, ou serem efectivamente o mesmo povo em localizações diferentes).
Há ainda um registo semelhante, passado um século, em 22 a.C. os povos Galaicos vão sofrer uma brutal derrota no Monte Medulio (serra de Arga), que levará a um suicídio colectivo, pois os habitantes preferiram morrer a ser tomados como escravos... a uma falha da Pax Julia, impunha-se a Pax Augusta.

Galicia
Talvez fosse altura de falar na confusão Galaica, ou Calaica... já que o nome (que parece alteração de Galo, ou Gaulês) se espalhou por várias partes. Por estranho que pareça, para além de outros locais, merece especial atenção o Reino da Galicia na actual zona da Ucrânia (ucranianos que tomaram a decisão acidental de recentemente rumarem até aos confins da Europa e falar português como se sempre tivesse sido a sua língua...)
Como ilustração colocamos o brasão desse Reino da Galicia na Ucrânia (e Polónia), e o brasão do Reino de Leão, de Astorga, das Astúrias:

  
É claro que o leão tornou-se um símbolo comum, mas para além das cores, que têm significado, as semelhanças são ao nível da identificação completa!

Quando Afonso VII decide proclamar-se imperador em 1135, juntando definitivamente o Reino de Leão com o de Castela, um problema complicado surge ao nível do "esquecimento"... provavelmente temeu-se que a conexão ancestral se fosse diluir no tempo com a junção! 
Por isso, a incursão de Afonso Henriques, indo direito ao coração alentejano de Ourique, em 1139, vai directamente aos registos antigos de Conistorga, e ao coração de Leão e Astorga. Não terá adoptado o símbolo, pois havia outras questões pessoais, e quando falámos em "táctica da cunha", não estávamos propriamente a pensar na "cunha" que dava nome aos Cónios... mas também não há propriamente outra razão para essa designação!

E que sentido faz novamente esta ligação ibérica a paragens junto ao Mar Negro? Ainda por cima, territórios interiores? Só faz sentido pela ligação entre o Mar Negro e o Oceano, através de um "rio", o Tanais, que depois foi sendo fechada por assoreamento, deixando povoações costeiras no interior da Europa! Nesta estória que vamos contando, os galaicos da ucranianos são também descendentes de uma civilização oceânica europeia, que foi sepultada no Lethes do esquecimento pelos romanos e pelo tempo.

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publicado às 07:58


2 comentários

De João Ribeiro a 03.08.2016 às 14:39

Como não poderia deixar de ser... Aqui fica

https://www.youtube.com/watch?v=4zwB-WsuADw&index=392&list=PLNdU5M6bH0DY7tEJpDgriW19TYrVj5vm-

Ab

De Alvor-Silves a 04.08.2016 às 15:49

Obrigado.
É mesmo útil deixar aqui esses links, porque sempre deixa a alternativa habitual ao que aqui descrevo.

Não creio que a passagem do Rio Lima se tenha dado próximo de Viana, conforme sugere J. Hermano Saraiva, porque seria também o local mais difícil de transpor. Seria mais natural ter ocorrido bem mais acima.

Não sei porque ele diz que não tem mais notícias até Afonso III, há muitas outras referências a Viana, que Pinho Leal tem compilado no seu (enorme) artigo sobre Viana:

https://archive.org/stream/gri_33125005925298#page/n399/mode/2up

(ver páginas 394 e seguintes)

Acerca do nome de Viana, Pinho Leal sugere a decomposição natural... como tinhamos o Rio Ana, antigo Guadiana, também aqui a decomposição Vi-Ana sugere o mesmo. Ele critica outros que ligam a Viana a Diana, mas parece-me que vai tudo bater no mesmo, fosse Vi-Ana ou Di-Ana.

Abç

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